01 agosto 2011

O número 1 dos quadrinhos brasileiros (1)

Muito antes de a imprensa popular norte-americana tratar as histórias em quadrinhos como uma investigação estrangeira (1869), o ilustrador ítalo-brasileiro Angelo Agostini (CRUZ, 2002) fazia sucesso com histórias ilustradas em revistas do Brasil. Ele era republicano e abolicionista ferrenho, crítico contumaz dos militares, tendo criado espaço na imprensa nacional para a caricatura e a sátira política. Graças ao seu traço de excelente qualidade e uma percepção sutil da realidade brasileira, charges e caricaturas tornaram-se uma parte integrante da imprensa nacional.


A contribuição de Agostini para o desenvolvimento da história em quadrinhos no Brasil é inestimável, mas só em 2002 ele ganhou um trabalho primoroso, que, finalmente, iluminou a grandeza de sua obra. Trata-se do precioso álbum As Aventuras de Nhô-Quim e CaiporaOs Primeiros Quadrinhos Brasileiros (1869-1883), pesquisa de Athos Eichler Cardoso, lançado pela Editora do Senado Federal. As imagens dessa edição sobre o trabalho de Agostini foram digitalizadas diretamente dos originais das coleções das revistas daquele período. A publicação traz um glossário com termos de época usados nas aventuras narradas por Agostini.


O fato é que vários países reivindicam o título de inventor das histórias em quadrinhos. Entre os precursores da “literatura em estampas” estão o inglês Thomas Rowlandson, criador do Dr. Sintaxe (1798); o suíço Rudolph Topffer, com Monsieur Vieux-Bois (1827); o alemão Wilhelm Busch, com os travessos Max e Moritz (1848), entre nós rebatizado de Juca e Chico; o francês Georges Coulomb e sua Famille Fenouillard (1889); e o norte-americano Richard Felton Outcault, com Yellow Kid (1896), considerada a primeira HQ moderna. Para os puristas, narrativa ilustrada sem balões é pré-história em quadrinhos. Se tivesse balões, as aventuras de Nhô-Quim teriam antecipado, em quase 30 anos, o Menino Amarelo do americano Outcault e consagrado Agostini como o inventor do gibi. Mas ele foi, inegavelmente, um precursor.


Um dos pioneiros dos quadrinhos no mundo e um dos primeiros a criar essa arte no Brasil, Agostini publicou ilustrações na revista humorística O Diabo Coxo (1864-65). Dois anos depois, tornou-se colaborador regular da revista O Cabrião (1866-67). Mais tarde, foi o editor. Em 1867, fez uma de suas primeiras experiências com histórias seriadas, chamada As Cobranças, já aplicando várias técnicas de quadrinhos. Depois de alguns problemas em São Paulo, como perseguição e ameaça de alguns “homenageados” por suas charges, mudou-se para o Rio de Janeiro, então capital do Império e o grande centro das revistas ilustradas e da imprensa da época.


Em 1867 Agostini transferiu-se para a cidade do Rio de Janeiro, onde permaneceu praticamente até sua morte. Ali, trabalhou inicialmente na revista O Arlequim. Em 1868 criou a revista A Vida Fluminense. Em 1872 se afastou de A Vida Fluminense e assumiu a direção artística do jornal caricato e satírico O Mosquito. Em 1876, fundou a Revista Illustrada, que publicaria durante 22 anos, até 1898. Por opção de seu criador, a publicação buscou se manter independente e livre na produção de textos e ilustrações, contrastando com a postura de seus concorrentes. A tiragem atingiu rapidamente quase cinco mil exemplares. O artista comemorou nas páginas da Revista Illustrada a Lei Áurea em 1888 e a Proclamação da República em 1889.


“Muito mais livre e criativa que Fleiuss no tratamento das situações, Agostini continuou no entanto a retratar fielmente os rostos das personalidades da época, bem como que para acostumar o público a seu elenco permanente de personagens e surpreendê-lo com as situações e atitudes criadas pelos acontecimentos, que comentava visualmente pelo desenho. Durante seus quase 15 anos de sucesso contínuo, a Revista cativou um público sedento pela crônica ilustrada dos acontecimentos correntes da capital cujos protagonistas só a Revista permitia visualizar, e manteve para os leitores, muitas vezes distante da corte, uma ilusão de participação na vida nacional”, informa Pedro Corrêa do Lago em seu Caricaturistas Brasileiro 1836-1999 (p.29).

E diz mais: “O desenho de Agostini era particularmente adaptado à litografia pelo uso do lápis gorduroso para marcar as sombras e criar volumes, usando a técnica do esfuminho1, que o talento do grande caricaturista acabou impondo a seus inúmeros seguidores, marcando um estilo que dominou a imprensa ilustrada por quase 30 anos” (LAGO, 1999, p.29).


Sobre o seu valor como artista, o estudioso Herman Lima escreveu: “Durante quarenta e seis anos, de 1864 a 1910, esse formidável polemista do lápis, sem descanso nem folga, além duma fuga à Europa, a se refazer dos excessos da campanha da Abolição, sempre se afirmou como irreverente fustigador de homens e de costumes, em milhares de charges, na época em coisa alguma inferiores às melhores dos seus contemporâneos europeus. Nem lhes faltava, muita vez, uma grandeza trágica, um sentido monumental que não andavam longe das famosas composições de um Daumier” (LIMA, 1963, v. 2 p. 794)


Monteiro Lobato (1882-1948), bem antes de Herman Lima (1897-1981) afirmava: “Era de ver o magote de guris em redor da folha (a Revista Illustrada) desdobrada no assoalho, à noite, à luz do lampeão de querozene, o mais taludote explicando a um crioulinho, filho da mucama, como é que o Zé Caipora escapou às unhas da onça” (Lobato refere-se aqui aos capítulos 13 e 14 das Aventuras do Zé Caipora).

1Instrumento usado para fazer sombras e atenuar traços

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2 comentários:

laura disse...

Oi Gutemberg! meu nome e Laura e sou de Argentina, vai disculpar os errores de o meu portunhol por favor.
Para uma Exposicao sobre a Guerra do Paraguai, gostaría de encontrar as ilustracoes de Agostini no "o Cabriao".
Es que voce sabe onde, em que Museu ou Institucao se encontran? Muito obrigada pela resposta que poda me dar.

laura disse...

Esqueceu: lauraipm@gmail.com
Obrigado