27 janeiro 2021

Bahia de todos os cantos

 

O mapeamento cultural interno da Bahia começou com os estudos de Nelson de Araújo, pioneiro na preocupação de entender a cultura popular numa perspectiva antropológica. Entre 1986 a 1988 lançou Pequenos Mundos. Um panorama da cultura popular da Bahia em três volumes. Entre os anos de 1997 e 2003 a TV Educativa da Bahia produziu e lançou 18 vídeos-documentários e 8 CDs da série Singular e Plural. Registrou e mostrou a diversidade do interior da Bahia do Recôncavo, do sertão, do litoral. 

 

A série televisiva revela um conjunto de expressões culturais como folguedos, festas e rituais religiosos populares. Desde o folguedo Nego Fugido de Santo Amaro da Purificação, o toré dos índios Kiriri de Mirandela, dos Tuxá de Rodelas, as comemorações distintas em louvor a São Roque: a dos índios Pankararé que organizam uma romaria acompanhada de uma banda de pífanos; a das prostitutas de Riachão de Jacuípe, que realizam um cortejo acompanhado de uma banda de sopro; e as festas organizadas pelos fiéis católicos e adeptos do candomblé de Salvador. E o folguedo também conhecido como Chegança de Marujos.

 


Também nesse período, trabalhando como coordenador de comunicação da UPB, viajei pelos municípios baianos para publicar reportagens no Diário Oficial dos Municípios e do impresso da instituição. Registrei a cultura e a identidade de cada localidade. Alguns desses registros estão no livro Bahia, um estado  d´alma, de 2009. No passeio pela Bahia, mostro a identidade visual de muitos municípios como Porto Seguro, a cidade monumento, Caravelas e o Arquipélago de Abrolhos, Ilhéus a terra dos romances de Amado, Itacaré ótima para o surf, Canavieiras a capital do caranguejo, Valença terra do camarão, Mucugê e o cemitério bizantino, Abaíra e sua boa cachaça, Iraquara cidade das grutas, Lençóis a capital do diamante, Paulo Afonso a terra dos esportes radicais, Juazeiro a capital da irrigação, Tucano e suas águas minerais, Monte Santo a terra dos peregrinos, Barreiras a capital da soja e Bom Jesus da Lapa a cidade santuário, da fé.

 

Também em 2009 o Governo do Estado, através das secretarias do Planejamento e de Cultura (Secult), Fundação Pedro Calmon (FPC) e da Empresa Gráfica da Bahia (Egba), lançaram a revista Bahia de Todos os Cantos com objetivo a divulgação da riqueza e diversidade sociocultural que caracterizam as diferentes regiões do nosso estado, garantindo maior visibilidade à Bahia em todos os seus cantos, recantos e encantos. Depois virou um programa da TVE.

 


Mais de 20 anos depois o antropólogo e poeta Antonio Risério e o sociólogo e jornalista Gustavo Falcón lançam o livro Bahia de Todos os Cantos - Uma Introdução à Cultura Baiana (Editora Solisluna). O livro apresenta uma reflexão sobre as diversas regiões culturais da Bahia, examinando sua formação, seu desenvolvimento e suas especificidades a partir de capítulos como pluralidade e sincretismo, recôncavo afrobarroco, do açúcar ao cacau e “a face hegemônica da Bahia”. A intenção é revelar essa Bahia, muito pouco conhecida, visitando textos didáticos e instrutivos, para que os leitores conheçam mais o Recôncavo, o Sertão, a Chapada Diamantina, o Oeste, o Sul da Bahia.

 


São múltiplas realidades culturais baianas. “Bahia da barca e do aboio, das grutas do sertão e das praias cheias de sol, da seca interiorana e dos aguaceiros litorais, da araponga e do beijupirá, da caatinga e dos manguezais, da marujada e da chula, do saveiro e do carro de boi...” (pag.25). Segundo os autores existe a terra mestiça e unida do litoral mulato e a terra mestiça e seca do sertão mameluco, com os seus vaqueiros e os seus jagunços. Uma Bahia sertaneja, que teria, no umbuzeiro, sua arvore sagrada.

 

O passeio vai da forte presença africana no Recôncavo  (complexo cultural jeje-nagô0 da formação étnica do Vale do São Francisco, basicamente lusitana e ameríndia, passando pela base luso-africana da Chapada Diamantina, da cultura grapiuna, nucleada no eixo Ilheus-Itabuna, da Bahia da pecuária e do pastoreio com sua cultura do couro em Feira de Santana, do planalto de clima temperado de Vitoria da Conquista, do vale sanfranciscano, do litoral norte (cujo isolamento foi rompido com a abertura da Estrada do Coco e da Linha Verde), do Rio Real e o céu do sertão até o oeste. A pluralidade cultural do Estado da Bahia é um fato.

 


Uma pesquisa de fôlego fortalecida por uma rica bibliografia. Mas como consta na capa, é apenas “uma introdução à cultura baiana”. Os dados históricos de muitos municípios estão bem aprofundados, mas faltou identificar as expressões populares das localidades. Como se sabe, cada cidade tem sua marca. As Burrinhas da Bahia vão para as ruas em diferentes épocas do ano e podem ser vistas no Recôncavo, Sertão e Litoral do baixo sul. Já o Nego Fugido é exclusivo do povoado de Acupe, distrito de Santo Amaro. O Mastro Sagrado e Profano tem em Olivença (Ilheus) seu ponto alto. O trança-fitas ou pau de fitas está em Rio de Contas, Utinga e Andarai. Zabiapunga no litoral baixo sul e Recôncavo. Já o Macatum Zê-zê em Mucugê. Tem ainda a lamentação das almas, a festa de Nossa Senhora da Boa Morte, entre muitas outras. Mas a obra de Antonio Risério e Gustavo Falcón é leitura obrigatória para quem deseja conhecer a Bahia.  

 

26 janeiro 2021

Cultura popular e manifestação folclórica

 

“Pedra pisada de preto/luso, bantú, sudanesa/precipício de beleza/reconvexa alegria/ímã de toda utopia/rima de toda riqueza/tudo isso com certeza/só se vê na Bahia//Gente que tira alegria da dor/no batecum do batente/todas as cores de gente/contas de todos os guias/uma nação diferente/toda prosa e poesia/tudo isso finalmente/só se vê nas Bahia” (Só Se Vê na Bahia, de Roberto Mendes e Jorge Portugal)

 

A Bahia revela os encantos das suas manifestações folclóricas e a cultura popular para seus visitantes. Seja nas festas de reis, no samba de roda, na marujada, festa do divino, levada do mastro ou cavalgada. Essa variedade de atrativos faz da Bahia uma atração mundial. Visitantes do mundo inteiro fazem uma viagem ao estado baiano para conhecer as manifestações culturais. A Bahia tem um rico acervo folclórico, desde o bumba meu boi, a chula, os festejos juninos, as famosas micaretas, além das festas da padroeira de cada cidade, emancipação e do enterro do ano (ou reveillon).

 

Há uma cultura dos pequenos mundos com aspectos míticos e ritualísticos presentes n as festas, folguedos e rituais religiosos populares que precisam de uma maior valorização e divulgação. A TV Educativa com a série Bahia Singular e Plural fez esse registro e difusão audiovisual revelando um conjunto de expressões culturais. O Governo do Estado com o projeto Domingueiras  valorizou e divulgou as autênticas manifestações culturais populares da Bahia. Iniciado em 2003, o projeto visitou municípios baianos, onde reuniu, sempre no último final de semana de cada mês, todas as manifestações culturais e o artesanato produzido e os expõem feiras de artesanato e apresentações em praça pública. A musica local, as filarmônicas, as fanfarras e as mais diversas manifestações da cultura tradicional são evidenciadas pelo Domingueiras, que também oferece palco livre e oficinas de arte com especialistas nas áreas de teatro, música, dança e canto coral.

 



IDENTIDADE - Os folguedos, festas e rituais religiosos populares funcionam como elementos de afirmação de identidades locais. Enquanto o sertão da Bahia tem nos penitentes da semana santa um dos elementos mais visíveis, com a religiosidade sertaneja organizada em torno da morte e marcado por rituais para a expiação de culpas e pela sobrevalorização da cruz em detrimento de imagens de santos, a disseminação de folguedos em torno da devoção a São Sebastião (incluindo ternos de Reis, puxadas de mastros e as embaixadas dramáticas conhecidas como Lutas de Cristão e Mouros) se destaca na região do sul. Já a cultura popular do Recôncavo é coreográfica (como mostrou a pesquisa de Nélson de Araújo), onde o povo tem um “gingado no corpo” que vem da pisada no massapé, terra argilosa onde se desenvolveu o plantio da cana de açúcar. Vários cantos religiosos, católicos, foram reelaborados com as músicas profanas de letras picantes, uma forma de satirizar a corte européia e os senhores do engenho.

 


Marujada é o nome de um folguedo também conhecido como Chegança de Marujos. No litoral extremo sul (Prado) e Chapada (Jacobina) são apresentados grupos de marujos e oficiais em uma embarcação imaginária fazendo um cortejo pelas ruas da cidade, batendo pandeiros e tocando violas. Enquanto nas cidades de Saubara (Recôncavo) e Paratinga (Vale do São Francisco) são as Marujadas que apresentam as danças dramáticas quando os marujos encerram episódios cômicos e trágicos relacionados à vida marítima.

 


REISADO - As festas de Reis (também conhecidas como Reisado ou simplesmente Reis) figuram entre os folguedos tradicionais mais difundidos no interior da Bahia e podem ser encontrados em quase todos os municípios do estado, durante o chamado Ciclo do Natal, entre o dia 25 de dezembro e 06 de janeiro, o dia dos Santos Reis Magos. Esse baile pastoril é comemorado em Lençóis, Andaraí, Mucugê, Palmeiras, Barra do Mendes, Morro do Chapéu, Piatã, Seabra, Conceição do Coité, Valente, São Francisco do Conde, entre outras cidades. O Bumba meu Boi é um folguedo popular considerado símbolo do folclore brasileiro e está presente no Recôncavo, no Litoral Norte, Sertão, Chapada e Vale do São Francisco.

 


As Burrinhas da Bahia vão para as ruas em diferentes épocas do ano (Reis, Carnaval, São João etc) ao som de pandeiros, violões, instrumentos de sopro, sanfona e arrastando um animado grupo de foliões. Podem ser vistas no Recôncavo (Jaguaripe, Santo Amaro, Saubara), Sertão (Amargosa, Araci e Irará), Vale do São Francisco (Carinhanha e Paratinga) e Litoral do baixo sul (Taperoá). Já o Nego Fugido é exclusivo do povoado de Acupe, distrito de Santo Amaro. Trata-se de um teatro de rua formado por adolescentes, filhos de pescadores. Eles encenam a luta pela libertação dos escravos.

 

A Chegança de Mouros é uma manifestação inspirada na saga marítima portuguesa e nas lutas medievais travadas pelos europeus contra árabes, turcos e mouros. São encenadas, principalmente por pescadores que representam marujos e oficiais de um navio. O ponto alto do espetáculo são as lutas contra os mouros. É apresentado nas cidades de Saubara, Camaçari (Arembepe), Cairu entre outras. Tem ainda as lutas de Cristãos e Mouros no litoral do extremo sul (Caravelas, Nova Viçosa), folguedo estruturado em torno dos embates dos europeus contra os árabes. As narrativas, ao contrário das Cheganças, não são cantadas. Há um verdadeiro duelo verbal. (Texto do livro Bahia, um estado d´alma que lancei em 2009)

 

25 janeiro 2021

Panorama da cultura popular numa Bahia singular/plural

 

Manifestando na sua cultura através das lendas, crenças, canções, danças, costumes as comunidades do interior baiano vão reunindo um conjunto de tradições e de conhecimento de um povo. Essa tradição passa de pai para filho até chegar aos dias atuais. Do maculelê a dança dos caboclos, da capoeira ao samba de roda, dos cantadores de feira aos aboios de vaqueiros, da cavalgada (onde o cavaleiro tipicamente caracterizado traz o estandarte de São João, dando início os festejos juninos) até a mulinha de ouro. Todos têm um ritual característico.

 



A Bahia é um dos estados que mais valoriza as manifestações públicas do folclore. Festas religiosas ou não, procissões, danças e representações que exteriorizam as crenças e os costumes de um povo. A grande maioria dessas manifestações são religiosas, outras apresentam os costumes dos escravos, a resistência contra a escravidão, a cultura indígena. As manifestações folclóricas funcionam como berço da arte e cultura baiana.

 

As cantigas que acompanham as atividades produtivas manuais, sobretudo agrícolas, são destaques no sertão (Araci, Amargosa, Santa Bárbara, Serrinha, Riachão do Jacuípe e Uauá), Chapada (Morro do Chapéu e Utinga). Embaladas pelas músicas, as pessoas exercitam sua capacidade de expressão política, improvisando versos e entoando canções. Há cantos de colher e pilar café, cantos de farinhada, de lavadeiras, aboios livres, bois de roça cantados nos mutirões para as roças do plantio e colheita de cereais, as batas de feijão e milho, entre outros.

 

Já a dança de São Gonçalo é uma festa em torno desse santo português tido como festeiro, tocador de viola, protetor das meretrizes e das parturientes. Em Carinhanha e Paratinga, além de outras cidades do Vale do São Francisco ela é marcada pela percussão de pequenos tambores artesanais e pelas coreografias que as dançadeiras fazem com arcos enfeitados com fitas. As danças que acontecem próximas de Salvador têm como marca o samba de roda.

 


SANTOS - As festas em homenagem aos santos gêmeos nas cidades de Jequié, São Francisco do Conde e Irará são feitas em torno do caruru tradicionalmente oferecido a sete meninos. E nessa festa que acontece o Lindroamor, nome da bandeira (ou rancho) de foliões que percorre ruas das cidades e vilarejos e trilhas e estradas das roças arrecadando donativos para as festas em homenagem aos santos Cosme e Damião.

 


A Festa do Divino é realizada 40 dias após a Páscoa e celebra a coroação de D.Pedro I. Tem como figura simbólica o Imperador do Divino, geralmente um menino escolhido na cidade o qual é coroado durante o ato da celebração religiosa. Ao culto litúrgico conjugam-se velhas tradições de caráter popular – filarmônicas, desfile de trajes tradicionais, e aspecto folclórico como a marujada, fincada do mastro, levada da lenha e o jarê. A festa do Divino Espírito Santo é um acontecimento religioso/popular que se encontra em quase todos os municípios baianos. Em alguns deles, a festa conserva características grandiosas que foi a sua marca no Brasil Colônia, quando eram organizados pelas irmandades religiosas com muita bebida e comida, procissões, coroação do Imperador Divino, soltura de pesos e a exibição de folguedos tradicionais. Nas cidades de Andaraí, Jacobina e Carinhanha a festa é animada pela dança dos Caboclos. Em Poções é a maior festa da cidade.

 


SAGRADOS - Costume milenar de consagração de territórios por meios de mastros enfeitados, os Mastros Sagrados e Profanos tem em Olivença (Ilhéus) seu ponto alto que ainda hoje a festa guarda elementos da tradição indígena. Durante todo o percurso, uma banda de pífanos acompanha o esforço hercúleo realizado pelas pessoas que vão cortar a árvore e puxar o mastro. Em Andaraí, na Chapada, a puxada do mastro recebe o nome de Rabeia e o grande momento da festa acontece durante a noite, depois do tronco ter sido enfeitado com flores e folhas durante o dia. Dezenas de pessoas jogam o mastro nos ombros e conduzem-no até a praça da igreja. A festa acontece ainda em Rio de Contas e Utinga.

 


Outra manifestação relacionada com mastros de santos é o trança-fitas ou pau-de-fita como se vê nas cidades do Rio de Contas, Utinga e Andaraí. Zabiapunga é o grupo de caretas (mascarados) que faz um cortejo de madrugada, dançando e acordando a cidade com um som atordoante, tirado de enxadas, tambores, cuícas e búzios. No litoral baixo sul (Nilo Peçanha, Taperoá e Cairu) e no Recôncavo (Santo Amaro e Saubara) a festa tem a participação de toda a comunidade. Já o Macatum Zê-zê é uma brincadeira carnavalesca derivada dos antigos quilombos encenada em praça pública em Mucugê. É representada por figuras fantasiadas que aludem a pestes e doenças, desemprego, inflação.

 


A Lamentação das Almas é um ritual religioso das noites de sexta-feira da Quaresma. Os participantes cobrem-se com lençóis brancos para não serem identificados. Vagueiam pelas ruas batendo matracas, rezando e entoando cantos fúnebres. São apresentados em vários municípios. A Festa de Nossa Senhora da Boa Morte na cidade de Cachoeira preserva ainda hoje seus traços característicos, individualizados, marcados pelo sofrimento de um povo que lutou para alcançar a sua liberdade. E é exatamente este o significado da celebração, o agradecimento a Nossa Senhora, pela liberdade conseguida a duras penas, com a realização de várias cerimônias, culminando com a assunção de Nossa Senhora. (Texto dolivro Bahia, um estado d´alma que publiquei em 2009)

 

22 janeiro 2021

80 anos de nascimento de João Ubaldo

 

 

Há 80 anos nascia o escritor, cronista, roteirista, jornalista João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro. Ele nasceu em 23 de janeiro de 1941 na Ilha de Itaparica. Contava apenas um mês e meio de idade quando a família se mudou para Aparatuba, em Sergipe, onde foi batizado e viveu, até os 11 anos. Aos 17 anos ele foi selecionado, com outros três colegas da Faculdade de Direito, para fazer uma viagem a Nova Iorque, devido à boa colocação na turma e aos sólidos conhecimento de inglês, sendo que viajou para aquela cidade antes mesmo de visitar o Rio de Janeiro ou São Paulo. Formado em Direito, nunca advogou. Fez mestrado em Ciência Política na Universidade da Carolina do Norte.

 

O primeiro romance (Setembro não tem se sentido) nasceu quando ele tinha 21 anos e acumulava experiências de repórter e redator nas redações do Jornal da Bahia e Tribuna da Bahia. Aluno aplicado do Colégio Estadual da Bahia, João se revelava inquieto e erudito com os livros de William Shakespeare embaixo dos braços. Participou da revista Ângulos, da Faculdade de Direito da Bahia. Foi a um Glauber Rocha já morto que ele dedicou o seu maior sucesso literário, o romance Viva o povo brasileiro, que sete anos depois, de seu lançamento vendeu mais de 50 mil exemplares. As idas e vindas ao exterior foram para João Ubaldo mais do que viajar de mergulho cultural na literatura e nos hábitos estrangeiros. No discurso em que saudou a posse de Dias Gomes na ABL, Jorge Amado sugeriu que João Ubaldo fosse candidato à próxima vaga. Em 1994 ele ocupou uma cadeira de imortal na Academia Brasileira de Letras. Ele recebeu dois prêmios Jabuti (1971 e 1984, respectivamente, revelação como autor e melhor novela do ano). Ganhou o Prêmio Camões de 2008.

 


Dono de um estilo literário personalíssimo, em que consegue ser regionalista ao extremo e chegando sem atalhos à universalidade, Ubaldo alcançou notoriedade nacional a partir de Sargento Getúlio, publicado em 1971 e que mais tarde virou filme sob a direção de Hermano Penna. Nos outros romances que escreveu - Setembro não tem sentido (romance, 1962), Sargento Getúlio (romance, 1971), Vila Real (romance, 1979), Já podeis da pátria filhos (crônicas, 1981), Política (ensaio, 1981), Vencecavalo e o outro povo (contos, 1984), Viva o povo brasileiro (romance, 1984), Sempre aos domingos (crônicas, 1988), O sorriso do lagarto (romance, 1989), Um brasileiro em Berlim (crônicas, 1995) e O feitiço da ilha do Pavão (romance, 1997) - João não se afasta da baianidade, da brasilidade, logo, da universalidade, A Casa dos Budas Ditosos (1999).

 


O autor também fez incursões na literatura infanto juvenil, com A Vingança de Charles Tibourne (1990) e Vida e Paixão de Pandonar, o Cruel (1983). Fez o roteiro do filme Tieta, dirigido por Cacá Diegues. Escreveu junto com Geraldo Carneiro, um caso especial para a TV, baseado no seu conto O santo que não acreditava em Deus. O sorriso do lagarto foi transformado em minissérie e Viva o povo brasileiro foi levado ao teatro. Suas crônicas semanais são publicadas na revista Manchete e nos jornais O Globo (RJ), O Estado de São Paulo (SP) e A Tarde (BA). Testemunha do povo brasileiro e de suas agruras, João Ubaldo tem um conhecido perfil de boêmio - trocam os bares da Ilha de Itaparica pelos do Leblon, mas mantendo, sempre, a cordialidade do intelectual, do homem erudito, que apesar disso, não ostenta poses e está sempre perto das figuras simples. Sua intimidade com a boemia lhe rendeu homenagens como a da livraria Letras e Expressões, de Ipanema, Rio. O bar da casa foi batizado de Café Ubaldo.

 


A faceta da obra de João Ubaldo que mais se conhece, e que faz par com a imagem unifacetada que geralmente se tem dele, está ligada a um universo pitoresco, caricato, de deboche. Tal característica faz de seus livros autênticos herdeiros, se não os únicos, de um dos elementos essenciais do Modernismo, o eixo propriamente dito do herói modernista, Macunaíma, qual seja, a capacidade de rir de si mesmo. Faleceu no dia 18 de julho de 2014. No Rio de Janeiro, aos 73 anos. (Texto publicado no meu livro Gente da Bahia 2, Editora P&A, 1998)

21 janeiro 2021

Década do Oceano

 

Estamos na Década do Oceano. Começou agora em 2021 e vai até 2030, A proposta é da Organização das Nações Unidas (ONU) para que todos os países voltem atenção ao ecossistema marinho-costeiro para conscientizar a população global sobre a sua importância, assim como mobilizar atores públicos, privados e da sociedade civil organizada em ações que favoreçam a saúde e a sustentabilidade dos mares.

Diplomatas, ambientalistas e cientistas esperam que nos próximos dez anos a humanidade aumente o conhecimento sobre as águas que cobrem 70% do planeta e proteja melhor essa imensidão, que absorve um terço do gás carbônico produzido pela atividade humana, retém o aquecimento global e serve à subsistência direta de bilhões de pessoas.


O relatório mundial sobre a ciência oceânica descobriu que a ciência oceanica é responsável por 0,04 a 4% dos gastos em pesquisa do mundo todo; entretanto os estudos dos oceanos vem se tornado uma tendência já que o oceano gera bem estar para humanidade armazenando carbono, produzindo oxigênio, estabilizando o clima e fornecendo recursos alimentares, minerais, energéticos, recreativos e culturais, a década dos oceanos foi idealizada para podermos usufruir desses serviços de maneira consciente e sem prejudicar o maior ecossistema do planeta terra.

                                             

Os oceanos têm papel importante na história da Terra. Foi dentro dele que a vida começou. Serviram de principal via para expansão dos horizontes da humanidade com o advento das grandes navegações. Os oceanos são o envoltório líquido que encobre o planeta Terra em 71% da sua superfície. E todos os organismos vivos são constituídos na maior proporção em peso de água.

 



Por recobrirem a maior parte da superfície terrestre, absorvem, redistribuem para a atmosfera ou refletem de volta para o espaço a maior parte da radiação solar, energia recebida do Sol pela Terra. Dessa forma, são também os principais responsáveis, com a atmosfera, que é nosso envoltório gasoso, pelo controle do clima.

                                   

Mares e oceanos foram utilizados pelo homem desde o início da nossa civilização primeiro como fonte de alimentos pela pesca artesanal ou coleta de moluscos e algas, depois como fonte de matérias-primas como sal, bromo, magnésio, calcário e, principalmente, como meio de transporte. Hoje o oceano é uma grande fonte de matérias para a indústria der alimentos e farmacêutico.

 




Fonte da vida e da morte, cenário da história, o mar sempre foi objeto de guerras e disputas. A história das grandes armadas, quase sempre às voltas com grandes batalhas, é mais ou menos conhecida, envolvendo Portugal, Espanha, Inglaterra, França e Holanda. O mar ainda tem se oferecido à contemplação e à inspiração artística, o que resultou na produção de valiosos monumentos históricos. Dois bons exemplos para ilustrar: Camões imortalizou os feitos singulares dos lusíadas. Sangue no mar de Camões, sal de lágrimas no mar de Fernando Pessoa.

 

 

VIDA - Oceanos são grandes extensões de água salgada que ocupam as depressões da superfície terrestre. Eles são importantes para o planeta, neles se originou a vida. Os oceanos são os grandes produtores de oxigênio (as microalgas oceânicas), regulam a temperatura da Terra, interferem na dinâmica atmosférica, caracterizam tipos climáticos. Além disso, a maior parte da população mundial mora junto ao litoral.

 

São cinco oceanos: Antártico, Atlântico, Pacífico, Ártico e Índico. O oceano Atlântico é considerado o mais importante por ser usado para a navegação e comércio de produtos entre a Europa e a América, principalmente a do Norte. O Pacífico é o maior dos oceanos, com 175 milhões de quilômetros quadrados.

 

Grande conhecedor das coisas do mar, Jacques Cousteau preocupou-se com a sua transformação em esgoto universal. Navios, petroleiros e plataformas a partir das quais se perfuram poços de petróleo inundam os mares e oceanos com seus detritos. Baleeiros e caçadores exterminam exterminam aos poucos várias espécies de fauna marinha. As indústrias lançam ao mar resíduos contendo chumbo, mercúrio, cádmio e outros elementos nocivos à fauna e flora marinhas – e, também, aos banhistas. Inventos (pulmão aquático ou aqualung), cientista, oceanógrafo, cineasta (O Mundo em Silêncio, O Mundo sem Sol), Cousteau dedicou mais der 40 anos à pesquisa submarina.

 

ESGOTADOS - Ninguém ignora que os recursos minerais existentes na superfície da Terra estão quase esgotados. Os governos tenderam a ver o mar como a solução para a carência futura, tentando assenhorear-se das riquezas nele contidas: na massa líquida, no assoalho dos oceanos (manganês) e em seu substrato sólido (petróleo, gás, etc).

 

Um número crescente de países estende o limite de seu mar territorial até 200 milhas da costa. Outras nações, interessadas em continuar explorando as riquezas contidas nesta faixa, não reconhecem esses limites. O debate em torno do mar territorial de 200 milhas tem feito com que não se levem em conta os recursos contidos no “mar de ninguém” e as discussões travadas a seu propósito.

 

O esgotamento das reservas terrestres de petróleo, gás e outros minérios, junto com o crescente temor de que as atividades agrícolas não bastam para as futuras necessidades de alimento, tem levado cada governo a tomar medidas para a proteção de seu litoral. A questão é saber quanto podemos subtrair do mar sem prejuízo de estoques existentes.

 

Há milhares de anos a Chapada Diamantina era uma praia e parte da região ficava no fundo do mar. O mais interessante é que os diamantes surgiram da ação da água sobre as rochas. Hoje os solos são arenosos e pouco profundos, e há uma grande quantidade de nascentes de diversos rios, o que ajuda na formação de cachoeiras e quedas d´água.

 

Desde a Antiguidade o peixe constitui o principal recurso natural extraído dos oceanos. Mas os peixes se distribuem de uma forma desigual por eles. Nas áreas em que os nutrientes das plantas são abundantes e é possível a fotossíntese, os mares chegam a produzir, num ano, até 60 quilos de peixes por 100 metros quadrados. Já em outras regiões, os nutrientes de que as plantas necessitam localizam-se abaixo da zona em que existe luz na quantidade requerida para a fotossíntese. Aí, as possibilidades de vida marinha são quase nulas.

 

20 janeiro 2021

Gatos são livres como a imaginação (02)

A trupe de felinos não tem só sete vidas, eles se tornaram imortais.

 

E nos desenhos animados não se pode esquecer do Manda Chuva (da dupla William Hanna e Joseph Barbera), líder de uma turma que mora em um beco. Junto com seus amigos dá golpes para arranjar dinheiro e adora aprontar com o Guarda Belo.A turma estreou em 1961 com 30 episódios. Já Tom e Jerry brigam o tempo todo e o gato sempre leva a pior, mas insiste em perseguir Jerry, rápido e esperto que sempre consegue escapar. Tem o Frajola e sua vontade de eliminar o passarinho Piu Piu. Ambos moram na casa de uma simpática velhinha e o gato sempre se dá mal nas suas tentativas.

 


Ainda dos estúdios de Hanna Barbera surgiram Zé Bolha e o parceiro do rato Juca Bala. Quem lembra da turma da Gatolândia? E de Chuvisco sempre correndo atrás de Plic e Ploc?. E China, o fiel Ajudante de Hong Kong Fu?. Bu, o gato fantasma de O Fantasminha Legal. Ou mesmo do detetive Olho Vivo. E Bacamarte que não dava trégua a Chumbinho. E Jambo e Ruivão?

 


Dos estúdios Disney não dá para esquecer do Gato Risonho de Alice no País das Maravilhas, ou dos irmãos Si e Ão, de A Dama e o Vagabundo. Lembra-se de Fígaro, o gato de Gepeto em Pinóquio, ou mesmo Aristogatas. Não esquecer de Ron ron bagunçando a vida do atrapalhado Peninha...

 

Do Brasil temos um casal de gatos (ele branco e ela preta) que apronta muito na tira diária O Condomínio, do desenhista Laerte Coutinho. E Maurício de Sousa traz Mingau, tão faminto quanto sua dona Magali.

 


O gorducho e preguiçoso Garfield (criação de Jim Davis), todo mundo conhece. Ele adora lasanha, estraçalha o carteiro, acaba com as cortinas e ataca a geladeira do seu dono, Jon. Garfield detesta as segundas-feiras e gosta de mostrar o quanto os cachorros são bobos. Odie, o cão com que mora, é sua vítima preferida.

 


E o que dizer do libidinoso Fritz, the Cat, criação do papa dos quadrinhos underground, Robert Crumb a partir de 1965. Crumb foi um dos artífices do movimento de introdução do sexo, drogas e política nos quadrinhos, uma forma de contestação do american way of life. São muitos exemplos desses animais que estão nos sonhos de todos, viraram mitos. Mas não poderia esquecer de duas obras imprescindíveis em homenagear esses felinos. Os Olhos do Gato, de Moebius e Jodorowski, e Maus, de Art Spiegelman, esse último uma crítica ao nazismo.

19 janeiro 2021

Gatos são livres como a imaginação (01)

 

No Egito os gatos eram idolatrados. Na Idade Média não escapavam das fogueiras ao lado das “bruxas”. Em 1494, por ordem do papa Inocêncio III, foram ferozmente perseguidos e exterminados. Mas nos séculos 18 e 19, escritores protegiam os gatos, achavam que eram animais tão livres quanto a imaginação. Como os escritores daquele período eram protegidos dos nobres, esses passaram a gostar de gatos. E os felinos viraram símbolo de riqueza e inteligência. Entre os amigos dos gatos estão Charles Baudelaire, Edgar Allan Poe, Lewis Carroll e T.S.Eliot.

 


Selvagens ou domésticos, os gatos são enigmáticos e cheios de estilo. Eles pertencem à família dos Felídeos e, aqui no Brasil, gato ou Felis Catus (nome científico, em latim) que pode significar muita coisa: ligação clandestina de eletricidade, lapso ou engano proposital (muito comum em partidas de dominó) ou sinônimo para gente bonita (não é à toa que, quando uma menina e um menino são bonitos, são chamados de gato ou gata). Os felinos – do tigre ao gato doméstico – têm charme e elegância.

 

O gato divide espaço com o homem há muitos séculos. Imortalizados como personagens de desenhos animados e histórias em quadrinhos, vamos conhecer um pouco mais dessas feras que todos nós amamos. Um dos clássicos dos quadrinhos que durou três décadas (1910 a 1940) foi Krazy Kat, de George Herriman. Aventura do rato Ignatz cuja principal diversão é dar tijoladas na cabeça da felina. As peripécias dos dois fizeram sucesso em, livros, desenhos animados, quadrinhos e num balé.

 


Em 1917 Pat Sullivan cria o desenho animado Gato Félix. Até então os desenhos se resumiam a uma série de corridas e lutas. Mas Félix tinha um caráter distinto e seus próprios maneirismos – costumava andar com as mãos atrás das costas quando tinha de resolver um problema, uma mania do próprio desenhista Otto Messmer – e caráter. Ele pára, pensa, tenta achar a solução de um problema. Os filmes tinham nonsense que encantava, onde os pontos de interrogação que pairavam sobre a cabeça do pensativo Félix se tornavam varas de pescar. Era a linguagem experimental nos desenhos e quadrinhos. Félix usou o balão (fala) como balão para fugir de Marte e voltar para a Terra. Era a poesia e o lirismo de um gato preto em busca da amada. Sullivan, o produtor, teve a esperteza de registrar o personagem e comercializar a sua imagem em até 200 produtos. Félix foi um ícone dos anos 20.

 

18 janeiro 2021

Bowie, o camaleão do rock, em quadrinhos

 

 

Há cinco anos, morria neste mês de janeiro o multiartista britânico David Bowie, considerado o camaleão do rock. No ano passado a Panini lançou a graphic novel Bowie: Stardust, Rayguns e Moorage Daydreams narrando, em quadrinhos a ascensão de David Bowie da obscuridade à fama sobrenatural. Escrita por Mike Allred e Steve Horton. A ilustração é de Laura Allred.

 


“Foi emocionante encontrar tanto material online que se revelou verdadeiros tesouros escondidos”, afirmou o fã e roteirista Mike em entrevista ao SYFY Wire, explicando que muito da base de sua pesquisa veio não apenas dos registros na rede, mas também de vários materiais e artigos por ele coletados ao longo da vida.

 

A obra, cujo título foi inspirado na letra da composição Starman, conta com um prefácio do escritor inglês Neil Gaiman, famoso pela clássica série de quadrinhos Sandman. E se divide em biografia e imaginação, com ilustrações que retratam tanto gravações e shows até espaços imaginários espaciais. Entre esses diálogos inventados, constam momentos com Ziggy Stardust, seu alter-ego marciano.

 


Bowie seduziu gerações de fãs com sua música e personas contraculturais. Ele deu vida aos hits Let's Dance, Heroes, Under Pressure e Space Oddity. E foi além. Através do talento também fincou seu nome como produtor fonográfico e até mesmo ícone da moda com roupas extravagantes e uma imagem que o destacava no meio de outras vozes do mercado musical.

 

É muito grande a relação de troca existente entre música e quadrinhos. Centenas de personagens saíram das páginas do gibi para os discos. E os astros da música também utilizaram os quadrinhos para permanecerem no topo. A obra lançada pela Panine mostra os ícones da música com suas cores lisérgicas, vibrantes, revolucionárias e com profundidade. Roteiro didático e detalhista. São 160 páginas. Uma grande viagem pelo som dos anos 60 aos 80.  Verdadeiro delirium tremens!

 

 

16 janeiro 2021

100 anos de Andre Le Blanc

 

Hoje, 16 de janeiro de 2021, há cem anos nascia Andre Le Blanc (16/01/1921-21/12/1998). Ele foi um desenhista de histórias em quadrinhos (tanto em tiras, quanto em revistas em quadrinhos) haitiano que residiu e trabalhou por muitos anos no Brasil e nos Estados Unidos. foi assistente de Will Eisner nas aventuras do Spirit. Foi professor no Museu de Arte Moderna do Rio. Ilustrou as obras completas de Monteiro Lobato, com exceção do título Doze Trabalhos de Hércules, e consagrou a fisionomia dos personagens.

 


Maior quadrinista das adaptações nacionais da Edição Maravilhosa (foi ele quem inaugurou a fase brasileira da revista, adaptando e desenhando O Guarani, de José de Alencar) e faria escola na Ebal. Nas edições seguintes, belas aguadas que viriam a caracterizar os seus trabalhos posteriores, mas o traço certeiro, primoroso e bem definido do artista se fez presente desde logo. De José de Alencar, André Le Branc quadrinizou ainda Iracema, Ubirajara, O Tronco do Ipê, O Sertanejo e Senhora. Adaptou e ilustrou também Cangaceiros, O Menino de Engenho e Doidinho, de José Lins do Rego; Sinhá Moça, de Maria Dezone Pacheco Fernandes, e A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz.

 


Paralelamente, foi o responsável, nos anos 50, por uma das primeiras tentativas de distribuição de tiras de quadrinhos para os jornais no Brasil. Morena Flor, de sua autoria, foi distribuída pela Apla (depois, Ica Press) não só para o nosso país, como para toda a América Latina, chegando, inclusive, aos EUA. Quando voltou aos Estados Unidos, em 1960, Le Blanc, além de dedicar-se à ilustração publicitária, produziu mais de 800 páginas em quadrinhos com histórias da Bíblia Sagrada. Em 1991, ele esteve no Brasil para receber o prêmio Angelo Agostini, da AQC-ESP, como mestre do quadrinho nacional. E apesar de tudo, Le Blanc continua desconhecido no Brasil, sendo lembrado apenas pelos leitores mais velhos.

15 janeiro 2021

Mafalda: Feminino singular

 

Ela questiona o papel e o espaço da mulher no mundo. Questionadora, crítica e interessada por política. Assim é a pequena Mafalda, criação do cartunista argentino Quino (1932-2020). A menina nunca se conformou que a mãe desperdiçasse a vida cuidando da casa. Em 2018, o selo argentino Ediciones de la Flor publicou Mafalda: feminino singular, reunião de tirinhas nas quais a personagem questiona os espaços ocupados e os papéis desempenhados pela mulher no mundo. A edição brasileira, preparada pela WMF Martins Fontes, chegou às livrarias em dezembro passado. A menina é uma heroína contestadora, revolucionária, inquieta, que se recusa a aceitar o mundo como ele é, procurando sempre formas de questionar e de mudar a sociedade.

 


Mafalda levantou temáticas importantes e difíceis como o capitalismo, o feminismo e a desigualdade social, mas sempre com humor e de modo acessível. Apesar de trazer a tona assuntos complexos, a história em quadrinhos protagonizada pela menina alcançou todo o tipo de público, de adultos a crianças

 


O discurso politizado de Mafalda sobre temas pertinentes à época, não só na Argentina como em todo mundo, fizeram de Quino um dos mais importantes humoristas gráficos do país e uma das dez personalidades argentinas mais conhecidas em todo mundo no século 20. O reconhecimento da relevância social e cultural da tira fez com que ela ganhasse sobrevida mesmo após a falência do jornal que a publicava

 


A fã incondicional de Beatles sempre se preocupou em combater as desigualdades e a sopa no jantar. Em várias de suas histórias, aparece em embates com a mãe, cujo sacrifício ao lar é visto por ela como covardia e até burrice.

 

Mafalda foi apresentada aos brasileiros na publicação infanto-juvenil "Patota", em 1973, quando Quino já havia decidido parar de desenhá-la. Nos dez anos que passou com a personagem, Quino produziu quase 2 mil tirinhas de Mafalda. Seus livros foram traduzidos para mais de 30 idiomas. Ela também ganhou um filme, lançado em 1982.

 


"Até parece que a Mafalda não falaria das mulheres!", escreve escritora Patricia Kolesnicov no prefácio. "Como passaria despercebido que ela não pode ser presidenta (e o Manolito, sim, pode); que sua mãe não tem vida própria – o famoso 'o que você queria ser se estivesse viva?' – porque casa e trabalho são a mesma coisa; que o futuro que ela vê, olhando no fundo de bobes de cabelo, começa com o amor romântico e termina na cozinha? Como ela não perceberia isso, se ela é uma garota dos anos 60 e, à sua volta, estão os Beatles e o Vietnã e, de repente, a 'tendência' é a metralhadora?"

 

Essa antologia com as tirinhas da personagem é de encher os olhos, a mente e a reflexão.

14 janeiro 2021

Censurada e perseguida vendeu 1 milhão de exemplares

 

Cassandra Rios (1932/2002) – Seu nome real, Odette Rios, estudou num colégio de freiras e começou a carreira escrevendo poesias. A edição de seu primeiro livro, Volupia do Pecado (1948) que ela escreveu aos 16 anos, foi paga pela mãe, depois de Cassandra ter visitado, durante dois anos, muitas editoras paulistas. Passou até a adolescência no bairro paulistano Perdizes. Desde cedo lia muito e freqüentava a Biblioteca Nacional. Foi ritmista da primeira Orquestra Feminina do Brasil. Tocava, além do ritmo, piano e violão. Uma de suas composições, o samba-canção Autobiografia diz mais ou menos: “Não vivi, escrevi/gastei minha vida amando e me esqueci de lutar/não copiei nome Rios)/meu caminho é traçado, um rio buscando o mar”.

 

Entre a pintura e a música, bateu mais forte a literatura, o ofício que tomou a maior parte das horas diárias de Cassandra. Escrevia um livro por ano e recebia 10% do preço de venda nas livrarias. Entre os temas abordados o homossexualismo era o que mais aparecia em suas obras. Teve problemas com a censura. Na década de 70 a maioria de seus livros foram retirados das livrarias sob a tarja de pornográficos. Acusada de obscena, com atentados contra a moral. Somente três dos seus livros ficaram e circulação, esgotando edições numa velocidade rara entre escritores brasileiros. Assinou mais tarde uma coluna na revista Capricho, intitulada Coisas de Cassandra. Trabalhou na CBS fazendo supervisão geral de traduções.

 


Em seus 50 livros publicados, Cassandra Rios só não aborda o homossexualismo em dois. São eles: O Bruxo Espanhol e As Mulheres dos Cabelos de Metal, suas primeiras incursões pelos caminhos da ficção científica, sem no entanto, abandonar inteiramente o erotismo. Para muitos, a autora é conservadora e moralista e a questão social e política da sexualidade é deixada de lado em suas obras. A Borboleta Branca, Tessa a Gata, Uma Aventura Dentro da Noite, Volúpia do Pecado, Ariela a Paranóica e Censura são alguns títulos de seus livros.

 

Foi a primeira escritora brasileira a vender mais de um milhão de exemplares. Chegou a vender quase 300 mil exemplares de seus livros por ano, números que só seriam rivalizados por Paulo Coelho. Misturava em suas obras homossexualismo feminino, cultos umbandistas, negócios e política, combinação que não respeitava o “bom gosto” que o regime militar desejava preservar. Com a abertura, um de seus livros, A paranóica, foi adaptado para o cinema, com título de Ariella Ariella (Nicole Puzzi) era uma menina rejeitada que vivia numa mansão e que descobre que seu tio fingia ser seu pai para ficar com sua fortuna. Para se vingar, passa a usar o próprio corpo, desintegrando a família.

 


Teve nada menos que 36 livros proibidos, como Eudemônia. Em sua autobiografia, Mezzamaro, Cassandra revela um ponto crucial, para criadores, a respeito da relação entre vida e obra. Fazia questão de dizer que era ficcionista, e que não deveriam torná-la pela personalidade e comportamento dos seus personagens. Nenhuma de suas obras está nas livrarias, mas são comuns em sebos e em saldões. (Texto inédito da pesquisa que realizei nos anos 1980/90 sobre Erotismo e Pornografia na Literatura, Musica, Cinema, Artes Plasticas, Fotografia e HQ)

 deveriam tornmance transexual, atribuues supostamente escrita antes de 1789, foi "iscada pela

 

 

13 janeiro 2021

O pornógrafo de Recife

 

Gilberto Freyre (1900/1987) – Historiador e sociólogo pernambucano escreveu sem descanso e produziu uma obra imensa. Depois de publicar Casa Grande e Senzala (1933), obra cujo subtítulo é Formação da Família Brasileira sob o Regime de Economia Patriarcal, revolucionou a sociologia no Brasil. Freyre continuou a série sobre a história do país. Escreveu Sobrados e Mucambos (1936) sobre o império, e Ordem e Progresso (1959), sobre os primeiros anos da República.

 

“Casa Grande e Senzala inaugura uma linha de análise da realidade e formação da identidade do país, incluindo a contribuição cultural de índios, portugueses e africanos. Seu grande diferencial é transformar a mestiçagem, até então considerada um entrave ao desenvolvimento nacional, em motivo de otimismo.

 


Se por um lado ele foi considerado pontífice da sociologia brasileira do século XX, também é verdade que não poucas vezes foi censurado pelo seu modo de escrever com excessivo e ostensivo prazer literário. Muitos consideravam esse estilo uma intromissão impressionista demais numa obra científica. A linguagem de Gilberto Freyre na obra Casa Grande & Senzala foi por demais avançada para os idos de 1930. Ao abordar a formação da família patriarcal brasileira, ele a tratou sob o viés da temática sexual. E, naquele momento, apresentar e justificar qualquer assunto envolvendo sexo era chocante, malicioso, erótico, pornográfico. Ele foi chamado de O Pornógrafo de Recife por ousar infringir as regras de uma sociedade moralista e hipócrita. Contrariou alguns pontos de honra. Companhia de Jesus (Congregação Mariana da Mocidade Acadêmica/Igreja Católica) e valorizou o papel do negro no processo civilizatório.

 


Tornou-se um alvo perfeito para ser desmoralizado, execrado e perseguido. Sua temática chocava-se de frente com a moral vigente, principalmente em se tratando de sexo. Os outros atributos: comunista, anti-católico, anarquista, agitador, dissolvente, anti-lusitano, anti-nacional, africanista, advieram em conseqüência do tema primeiro – a sexualidade, tema mais do que tabu nos anos de 1930.

 

Quando Casa Grande & Senzala foi lançada houve quem visse nas francas alusões ao sexo em suas páginas um exercício de pura pornografia, ou impuro erotismo. Para os críticos mais conservadores, o autor não fazia história social, e sim sexual. Para os mais avançados, esse tratamento livre do assunto é um dos charmes de Gilberto Freyre, e o que dá à sua linguagem uma sensualidade inigualada por seus pares sociológicos e antropológicos. “Mais depressa nos libertamos, os brasileiros, dos preconceitos de raça do que dos de sexo. Quebraram-se, ainda no primeiro século de colonização, os tabus mais duros contra os índios: e no século 17, a voz del-Rei já se levantava a favor dos pardos. Os tabus de sexo foram mais persistentes. A ‘inferioridade’ da mulher subsistiu à ‘inferioridade da raça’, fazendo da nossa cultura, menos uma cultura como a norte-americana, com a metade de seus valores esmagados ou reprimidos pelo fato da diversidade décor e de raça, do que, como os orientais, uma cultura com muito dos seus elementos mais ricos abafados e proibidos de expressarem, pelo tabu do sexo. Sexo fraco. Belo sexo. Sexo doméstico. Sexo mantido em situação toda artificial para regalo e conveniência do homem, dominador exclusivo dessa sociedade meio morta”, disse Freyre. (Texto inédito da pesquisa que realizei nos anos 1980/90 sobre Erotismo e Pornografia na Literatura, Musica, Cinema, Artes Plasticas, Fotografia e HQ)

 

12 janeiro 2021

Uma escritora tida como maldita e muito censurada

 

Adelaide Carraro (1925/1992) – Com 48 títulos publicados entre romances e contos, a escritora paulista teve 16 livros censurados e esteve diversas vezes presa por atentado ao pudor. Durante os anos 60 e 70 pela sua suposta militância comunista, sempre negada por ela. De família humilde perdeu os pais na primeira infância. Durante a adolescência viveu em orfanatos. Essa fase de sua vida está relatada no livro Eu Mataria o Presidente. A partir dos 17 anos teve diversos empregos públicos (nos quais se teria envolvido com políticos inescrupulosos) e da experiência como enfermeira (quando conviveu com a insanidade) ela extraía matéria-prima para a maioria de suas obras, muitas das quais utilizadas nos anos 70 como roteiros de filmes eróticos produzidos na chamada boca-do-lixo. A maioria de suas obras foram publicadas por editores obscuros.

 


A partir de 1973, Carraro começa nova fase. Passa a publicar pela Editora Global dedicando nos últimos anos à literatura infanto-juvenil e a campanhas contra o uso de drogas. Eu e o Governador (Editora Loren) publicado em 1963 é um dos seus títulos mais conhecido e polêmico. Narra o suposto caso de amor que ela teria mantido com Jânio Quadros, no período em que ele foi governador de São Paulo. Escritora Maldita, A Amante do Deputado, Adúltera, De Prostituta a Primeira-dama são alguns títulos da autora de livros considerados pornográficos. Chamada de “negociante do sexo”, de “dona do filão pornô”, de “escritora maldita”, etc, Adelaide rejeita a todas essas classificações acreditando em seu trabalho como forma de denúncia dos problemas políticos e sociais.

 


Em Literatura da Cultura de Massa, Waldenyr Caldas analisa a chamada “paraliteratura”, tendo por base a obra da escritora Adelaide Carraro. “Dizendo-se uma escritora de temas políticos e sociais e usando a sexualidade apenas como pretexto para denunciar a corrupção dos políticos Adelaide inverte toda a situação. A sexualidade assume o primeiro plano em sua obra e a corrupção política, os problemas sociais aparecem apenas como uma questão secundária, portanto, de menor importância”, informou Waldenyr Caldas. (Texto inédito da pesquisa que realizei nos anos 1980/90 sobre Erotismo e Pornografia na Literatura, Musica, Cinema, Artes Plasticas, Fotografia e HQ)