29 maio 2009

Dez anos de Matrix (5)

O filme de ficção científica que reinventou vários conceitos no gênero no final dos anos 90, fala sobre o domínio das máquinas sobre os homens e de um grupo liderado por Morpheus que procuram o “One” (o escolhido) que, diz a profecia, libertará a raça humana desas máquinas. Diversas referências e citações na obra dos irmãos Wachowski são encontradas nos clássicos do cinema moderno como “Blade Runner, o caçador de andróides! (1982), de Ridley Scott; “O Exterminador do Futuro” (1984), de James Cameron; o desenho animado “Akira” (1988), de Katsuhiro Otomo. Outros filmes relacionados: “Metropólis”, de Fritz Lang; “O Show de Truman”, de Peter Weir; “Gattaca – A Experiência Genética”, de Andrew Nicoll; “Simone”, de Andrew Nicoll.

“Ghost in The Shell” (1995), o desenho animado de Oshii Mamoru (uma das principais inspiração para a trilogia Matrix), mostra o ato de heroísmo de um membro da Comissão de Segurança pública Nacional Japonesa, especializado em combater crimes relacionados a tecnologia. Criado por Masamune Shirow, o quadrinho foi publicado pela primeira vez em 1989 e já foi transformado em vários produtos, de videogames a séries de TV. O estúdio DreamWorks (de Steven Spielberg) conseguiu os direitos para adaptar o famoso quadrinho japonês “Ghost in shell” para o cinema em versão 3-D. Vamos aguardar.
O sucesso de Matrix foi tão grande que influenciou muitos cineastas da nova geração como nas idéias para Xavier Gens dirigir “Hitman, Assassino 47” (2007), no visual de “Anjos da Noite” (2003), de Len Wiseman, ou mesmo nos efeitos de “O Procurado” (2008), de Timur Bekmambetov. Depois de Matrix, o cinema nuba mais foi o mesmo.
Animatrix é uma coleção de pequenos filmes em animação, mostrando a história anterior ao universo de “Matrix”, e a guerra original entre humanos e máquinas que levará a criação da Matrix.
A coletânea reúne 9 curta-metragens animados que tratam de eventos relacionados ao mundo de Matrix, proposto pelos irmãos Wachowski. Os desenhos foram em sua maioria, criados e dirigidos por renomados profissionais japoneses, uma forma de homenagear os populares animes, dos quais os irmãos Wachowski são fãs confessos.
“O Segundo Renascer - Parte 1 E 2”: Neste curta-metragem, dividido em duas partes, é contada a história do surgimento da Matrix desde o primeiro assassinato cometido por um robô, que foi o estopim para a rebelião humana e para o início da guerra contra as máquinas; “Coração de Soldado”: Na simulação de um treinamento no mundo dos samurais, CIS, um soldado de Zion, é forçado a escolher entre o amor e seus camaradas no mundo real.”Uma História de Detetive”: Investigador linha-dura, Ash está a procura da cyber-criminosa Trinity. “O Vôo Final de Osíris”: A tripulação da nave Osiris precisa transmitir a Zion uma mensagem de suma importância. E para tal, terão que atravessar um exército de sentinelas que os separa da cidade.
“O Recorde Mundial”: Por meio de uma incrível combinação de força de vontade e força física, Dan, um corredor recordista mundial, consegue sair da Matrix e tem uma breve visão do mundo real. “O Robô Sensível”: Um pequeno grupo de rebeldes captura um robô sentinela e o reprograma para atuar como um aliado da causa. “Era uma Vez um Garoto”: Sentado em sua sala de aula, o garoto recebe um convite pessoal de Neo para fugir da Matrix. Mas achar uma saída comprova-se muito mais difícil do que se imaginava. “Além da Realidade”: Numa pequena cidade, onde nada é como parece, Yoko acha uma falha nos sistemas: uma mansão abandonada na qual tudo parece possível. Mas o suporte técnico vem com força total para fazer o "de-bug".
Inspirado pelas experiências com drogas do escritor Warren Ellis e considerada pelos críticos como uma instigante mistura das tramas policiais de Sin City com o universo de Matrix, “Azul Profundo” é uma das histórias em quadrinhos mais inovadoras da atualidade. A arte de Jacen Burrows está surpreendente ao mostrar a vida do policial Frank na pista de um perigoso serial killer que começa a duvidar da realidade que o cerca (o que é a realidade?)
Os irmãos Wachoswski eram roteiristas de quadrinhos. Steve Skroce, o artista de storyboard dos filmes, foi desenhista, entre outras coisas, do Homem-Aranha. Geoff Darrow, o artista conceitual da série, fez, junto com Frank Miller, a aclamada minissérie Hard Boiled. Juntando essa equipe e mais outros artistas o conceito original do filme foi expandido para os quadrinhos. A Panini acaba de larçar The Matrix Comics Vol. 1 reunindo 12 histórias inspiradas pelo revolucionário mundo do filme Matrix e produzidas por alguns dos maiores criadores contemporâneos como Larry & Andy Wachowski, Geof Darrow, Bill Sienkiewicz, Neil Gaiman, Ted McKeever, John Van Fleet, Dave Gibbons, Paul Chadwick, Kilian Plunkett, entre outros. Vale a pena conferir.
Filme: Matrix
Título original: The Matrix
País: Estados Unidos
Ano: 1999
Filme: Matrix Reloaded / Matrix 2
Título original: The Matrix Reloaded / The Matrix 2
País: Estados Unidos
Ano: 2003
Filme: Matrix Revolutions / Matrix 3
Título original: The Matrix Revolutions / The Matrix 3
País: Estados Unidos
Ano: 2003.

28 maio 2009

Dez anos de Matrix (4)

Matrix Reloaded: Neo dá mais um passo na busca da verdade, que começa com sua jornada até o mundo real no início de Matrix - mas essa transformação o deixa privado de seu poder, perdido num limbo entre a Matrix e o mundo das máquinas. Enquanto Trinity (Carrie-Annie Moss) cuida de Neo, que está em coma, Morpheus (Laurence Fishburne) sofre com a revelação de que o Escolhido, em quem ele depositou todas as suas esperanças, não passa de mais um sistema de controle inventado pelos criadores da Matrix. Com o auxílio de Niobe (Jada Pinkett Smith), Neo e Trinity decidem ir até onde nenhum humano jamais ousou ir, numa jornada traiçoeira acima do solo, através da superfície queimada da terra e para o coração da ameaçadora Cidade das Máquinas. Nesta imensa metrópole mecanizada, Neo se vê face a face com o maior poder do mundo das Máquinas - Deus Ex Machina - e parte para uma negociação que é a única esperança de um mundo que agoniza. A guerra chegará ao fim esta noite, e os destinos de duas civilizações e do próprio Neo dependem inexoravelmente do desfecho de seu confronto com Smith.

Matrix Revolutions (2003): O explosivo episódio final da trilogia Matrix, a guerra épica entre homens e máquinas atinge o seu clímax: os militares de Zion, ajudados por corajosos voluntários civis como Zee (Nona Gaye) e o Garoto (Clayton Watson), lutam desesperadamente para deter a invasão de Sentinelas na medida em que o exército das máquinas avança sobre sua fortaleza. Sob a ameaça de aniquilação total, os cidadãos do último bastião da humanidade lutam não apenas por suas vidas, mas pelo futuro de toda a humanidade. Sem que ninguém saiba, porém, o grupo está contaminado por dentro: Smith (Hugo Weaving) astuciosamente se apodera do corpo de Bane (Ian Bliss), membro da frota de hovercrafts. Tornando-se mais poderoso a cada segundo que passa, Smith está fora até mesmo do controle das máquinas e agora ameaça destruir o império destas, juntamente com o mundo real e a Matrix. Oráculo (Mary Alice) diz a Neo suas derradeiras palavras de orientação, e ele as acata, embora ciente de que também ela é um programa e de que suas palavras podem não passar de mais um elemento enganador no grande esquema da Matrix.
Matrix Revolutions, o terceiro episódio mostra que o maior problema de Neo não será somente salvar a humanidade, ele terá que combater o Agente Smith, que desenvolveu os mesmos poderes que ele. Smith pode voar, lutar como Neo, e destruir Zion, já que ele se tornou como um vírus dentro da Matrix, e somente Neo poderá detê-lo. Paralelamente a isto, os humanos livres lutam para salvar Zion do ataque das máquinas.
“O que é real? Como define real? Se você está falando do que pode ser cheirado, provado e visto, então real é simplesmente um sinal eléctrico interpretado pelo seu cérebro “( Morpheus)
Além das seqüências Matrix Reloaded e Matrix Revolutions, nove capítulos de curtas de animação compõem a série Animatrix, uma fusão inédita da tecnologia CGI com os “animés” japoneses que consumiu mais de três anos em estúdios no Japão, Coréia e Estados Unidos. Esta série mergulha mais profundamente no mundo de Matrix e de seus habitantes. Houve uma série de games (Enter The Matrix, entre outros), histórias em quadrinhos, bonecos e muitos outros objetos.
O final chega com Revolutions, a paz. A maioria das pessoas não aceitou este final, mas os cineastas fizeram uma crítica à raça humana, incapaz de aceitar a paz como solução. Ainda vivemos em tempos de força, de preconceito, de guerras, de superioridade, de poder... Não aceitamos a convivência pacífica com os desiguais. O Universo Matrix não é uma simulação, mas sim uma metáfora. Nossa condição humana é jogada na nossa cara. Nossa fragilidade e angustia existencial fazem com que acreditemos em qualquer história que nos conforte e traga esperança. Enquanto ficamos acreditando em algo superior a nós, seremos facilmente controlados. O Oráculo descobriu e se aproveitou dessa característica humana, como muitos têm feito durante nossa história. Acreditando em mentiras reconfortantes, e nos opondo a aceitar o mundo real, nunca conheceremos nossas possibilidades. Nunca poderemos construir nosso próprio futuro. Nunca seremos realmente livres. Enquanto insistirmos na pílula azul, seremos sempre escravos.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um estado d´alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Roha na Praça Castro Alves) e na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela)

27 maio 2009

Dez anos de Matrix (3)

Já o terceiro filme há muitas dúvidas: Seria Neo apenas uma simulação da Matrix para cumprir sua tarefa de retirar 23 pessoas de Zion antes que ela seja destruída ou um ser humano real? O oráculo está do nosso lado ou ainda é fiel as máquinas e ao seu criador? O Arquiteto era um ser humano ou uma manifestação da Matrix, como um programa de inteligência própria? Zion será destruída? Terá Neo que escolher entre a morte dos humanos que ainda estão presos dentro da Matrix ou a morte dos que estão fora dela? Não seria Zion uma simulação da própria Matrix para abrigar as pessoas que não aceitaram ficar dentro do programa?



Mas afinal, o que é a Matrix? "Você pode escolher entre a pílula vermelha ou a azul" diz Morpheus a Neo a certa altura do filme. "Se escolher a azul você vai acordar de manhã em sua casa e sua vida vai permanecer a mesma . Mas, se escolher a vermelha, vai descobrir o quão funda é a toca do coelho da Alice". Numa das cenas iniciais do filme, Neo é desafiado a escolher entre a pílula azul e a pílula vermelha. Esta é sua primeira (e decisiva) escolha Ou seja, ele terá que escolher entre permanecer como está ou conhecer a verdade do Real. Imbuído de aguda curiosidade, Neo escolhe a pílula vermelha, que o conduz a uma outra dimensão da sua vida pessoal.

Ao escolher a pílula vermelha, Neo renasce, literalmente. A partir daí, Neo “conhece” a Matrix e o significado da luta do grupo de Morpheus. Torna-se membro da resistência humana, atuando na Matrix a partir de sua base submarina, o Nabucodonosor. Desde a escolha da pílula vermelha, a trama do filme dos Irmãos Wachowski se desenrola em fases delimitadas: o (re)nascimento de Neo, o descobrimento da Verdade, seu treinamento, a ida ao Oráculo; a traição e armadilha de Cypher, a captura de Morpheus, seu resgate por Neo e Trinity, o duelo no Metrô entre Neo e o agente Smith; a fuga de Neo, sua morte e ressurreição e a afirmação de Neo como o Escolhido, aquele que irá redimir a humanidade da dominação das Máquinas, libertando-os da Matrix. A tragédia de Neo, no decorrer de Matrix, é ser obrigado a escolher, a agir e não apenas a perguntar (o mesmo desafio moral é posto no decorrer de todo o filme). Em vários momentos, Neo se depara com o desafio: “Você é quem escolhe”.



“É a pergunta que nos impele, Neo. Foi a pergunta que te trouxe aqui. Sabes a pergunta, assim como eu sei. A resposta está lá fora Neo “( Trinity)



A trama narrativa é permeada de escolhas e de enfrentamento do destino, daquilo que está programado e contra isto se insurge Neo e os demais. É, em última instância, o tema da liberdade humana e da própria dialética liberdade e necessidade. É através deste enfrentamento cotidiano, que Neo adquire a consciência de si. É outro ponto decisivo – não existe consciência de si sem luta intensa e enfrentamento com as condições dadas (a Matrix é uma condição dada e os agentes federais, como software de rastreamento, são condições dadas, programadas, escravos da programação-mor da Matrix, obstáculos à liberdade pleiteada pelos seres humanos).



Dois planos espaço-temporais permeiam a narrativa de Matrix. A primeira ocorre no deserto do Real, onde a Terra após a vitória das Máquinas transformou homens e mulheres em fonte de energia. Mas existem homens que resistem no subterrâneo, habitando a cidade de Sião, “a última cidade humana, o único lugar que nos restou perto do núcleo da Terra onde ainda é quente”, cujo acesso é secreto (o que os agentes federais queriam era o código de acesso a Sião para poderem derrotar, de vez, a resistência humana). Segundo, o que ocorre no mundo real simulado pela Matrix, cenário urbano da metrópole, com sua vida cotidiana, onde as pessoas estão imersas no emprego e nas suas ambições triviais. É o mundo tal como ele é.





A realidade simulada é uma virtualização complexa que oculta a verdadeira Realidade, o “deserto do Real”. De um lado, a bárbarie regressiva perto de 2199. De outro lado, o simulacro digital complexo que oculta a exploração do gênero humano pelas Máquinas Inteligentes. Estamos diante de um mundo digital, binário, tão perfeito quanto a própria realidade concreta. Neste mundo de Matrix, os objetos e pessoas são meros sistemas de códigos binários, programas de computador, deste imenso sistema informático. “A Matrix é um mundo dos sonhos gerado por computador feito para nos controlar, para transformar o ser humano nisto aqui [bateria]”, observou Morheus.
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Quem desejar adquirir o livro Bahia um estado d´alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Roha na Praça Castro Alves) e na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela).

26 maio 2009

Dez anos de Matrix (2)

O sociólogo e poeta e fotógrafo francês Jean Baudrillard é considerado um dos principais representantes do pensamento pós-moderno. Desenvolveu teorias sobre o impacto dos meios de comunicação de massa, principalmente da tv, na cultura contemporânea. Um de seus conceitos mais famosos é o de hiper-realismo. Essa teoria estuda como a consciência interage com a realidade e a fantasia, criando uma cópia do mundo, chamada por Baudrillard de hiper-realidade. É a idéia de que as coisas não acontecem se não são vistas.

No cinema, Baudrillard é famoso por ter inspirado a trilogia Matrix. No primeiro filme da série, o personagem Neo, interpretado por Keanu Reeves, aparece escondendo um de seus programas subversivos no interior do livro “Simulacros e Simulação”, de Baudrillard. Os autores do filme chegaram a chamar o filósofo para colaborar com Matrix Reloaded e Matrix Revolutions. Mas Baudrillard não aceitou. Declarou na época que não tinha ligação com o kung fu e que seu trabalho era o de discutir idéias “em ambientes apropriados para isso”. Em entrevista recente para a revista Época, o filósofo declarou que não gostava do filme. Disse que ele faz uma leitura ingênua da relação entre ilusão e realidade. Baudrillard disse preferir filmes como Cidade dos Sonhos e Show de Truman. Neles os produtores perceberam que essa diferença entre realidade e ilusão é menos evidente.

Para quem deseja se aprofundar na teoria do filme, a narrativa revela que no futuro os humanos terminaram de destruir o planeta numa guerra com as máquinas. Bombas nucleares geraram uma nuvem de poeira para impedir a chegada de raios solares cortando uma fonte de energia renovável, o que levaria a extinção das máquinas. Antes deste fato os humanos criaram a Inteligência Artificial (IA). Com a I.A. e o fim da energia solar, começou uma batalha entre as máquinas e os humanos. As máquinas venceram e acabaram aprisionando os humanos dentro delas, após descobrir que o ser humano produzia uma carga de energia diária gigantesca, e que poderia ser usado como espécie de bateria para que as máquinas pudessem continuar a existir.

Foi criada então a Matrix, uma máquina que simula uma realidade virtual para que os humanos não saibam que estão presos dentro de uma realidade virtual, e que eles fazem sua mente imaginar que está vivendo em um mundo real, enquanto o seu corpo está deitado dentro de uma câmara com um liquido e conectado a vários fios que puxam a sua energia. Os sobreviventes da guerra entre as máquinas e os homens criaram a cidade de 'Zion', uma cidade que se encontra no núcleo da terra e é eternamente procurada pelos sentinelas, robôs da Matrix que destroem as naves. Neo é, na verdade, a reencarnação do único homem que conseguia enxergar o código da Matrix e alterar ele da maneira que quiser, ou seja, dentro da realidade virtual ele pode fazer o que quiser, sem barreiras.
“Já teve um sonho, Neo, que você tinha a certeza de que era real? E se você não conseguisse acordar desse sonho? Como saberia a diferença entre o sonho e o mundo real? “( Morpheus)
O segundo filme traz a seguinte teoria: A primeira versão da Matrix não foi aceita pelos humanos, pois era perfeita demais, sem problemas, guerras, pressa, violência, e foi isso que desencadeou a fúria das máquinas e a guerra entre os humanos e elas. Após vencerem, as máquinas criaram uma Matrix mais imperfeita, e aprisionaram os humanos, fazendo-os esquecer de tudo o que aconteceu e voltar ao ano de 1999, onde o mundo ainda era da maneira que vemos hoje. A Matrix já passou por seis reformulações, assim como programas como o Windows, em cada reformulação havia um predestinado, como o Neo, que tinha a missão de selecionar apenas 23 humanos que vivem fora da Matrix, divididos entre homens e mulheres, para que comece tudo de novo, e a Matrix é aprimorada e os erros que foram encontrados nesse tempo são concertados, assim como um Update. Os outros humanos fora da Matrix serão mortos, e a cidade de Zion será destruída, e a missão dos 23 sobrevivente é reconstruir a cidade e povoá-la novamente, pois se Zion continuasse a crescer a Matrix estaria ameaçada.
O Oráculo é um programa da Matrix, ou melhor, a mãe da Matrix, é um programa com vontade própria que tem o dom de encontrar e concertar todos os problemas dentro da Matrix. Mesmo após a rebelião das máquinas, o segundo filme mostra que os seres humanos ainda tem que usá-las, como é mostrado na cena em que se passa dentro de Zion, onde uma máquina controla a água e outra cria o oxigênio necessário para a sobrevivência. Os humanos tem o controle sobre as máquinas, mas as mesmas exercem o mesmo controle sobre os humanos. Se os humanos desligar, morrem, se elas matar os humanos, param de funcionar por falta de manutenção ou energia.
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Quem desejar adquirir o livro "Bahia um estado d´alma", o mesmo encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves) e Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA no Canela). E boa viajem na trajetória cultural da Bahia.

25 maio 2009

Dez anos de Matrix (1)

Há dez anos, os irmãos Larry e Andy Wachowski entravam para história do cinema com um filme. Misturava filosofia, audiovisual, kung fu, budismo, matemática, física, cyberpunk, referências a Philip K. Dick e William Gibson (pais do cyberpunk), clássicos do cinema (Blade Runner, Exterminador do Futuro, Akira) e um efeito especial nunca antes visto foram alguns dos elementos que provocaram o sucesso de Matrix.

Matrix utilizou, além do próprio longa, dois jogos de videogames, um site e uma série de animes – os Animatrix – para completar o universo da trama, onde homens e máquinas inteligentes travam um duelo em ambientes reais e virtuais. A Matrix vem da raiz européia Matr, mãe. Assim, Matrix é a fêmea com crias (no filme, os seres humanos são amamentados, origem, útero, matrix, de onde todos nós viemos)

Só para o leitor ter uma idéia do sucesso: 460 milhões de dólares foram arrecadados pelo filme nas bilheterias de todo o mundo. 29ª posição no ranking dos melhores filmes de todos os tempos, segundo o site MDB. E quatro Oscars na bagagem: Edição, som, edição de som e efeitos visuais. Agora, vamos entrar nessa Matrix e conhecer mais de perto...
“Há uma grande diferença entre saber o caminho e percorrer o caminho” (Matrix)
Em um futuro próximo, Thomas Anderson (Keanu Reeves), um jovem programador de computador que mora em um cubículo escuro, é atormentado por estranhos pesadelos nos quais encontra-se conectado por cabos e contra sua vontade, em um imenso sistema de computadores do futuro. Em todas essas ocasiões, acorda gritando no exato momento em que os eletrodos estão para penetrar em seu cérebro. À medida que o sonho se repete, Anderson começa a ter dúvidas sobre a realidade. Por meio do encontro com os misteriosos Morpheus (Laurence Fishburne) e Trinity (Carrie-Anne Moss), Thomas descobre que é, assim como outras pessoas, vítima do Matrix, um sistema inteligente e artificial que manipula a mente das pessoas, criando a ilusão de um mundo real enquanto usa os cérebros e corpos dos indivíduos para produzir energia. Morpheus, entretanto, está convencido de que Thomas é Neo, o aguardado messias capaz de enfrentar o Matrix e conduzir as pessoas de volta à realidade e à liberdade.

Este é o enredo de Matrix, filme dirigido pelos irmãos Andy e Larry Wachowski e que ganhou quatro Oscars (Melhor Edição, Efeitos Sonoros, Efeitos Especiais e Som) e recebeu uma indicação ao Grammy, como Melhor Trilha Sonora.
“Você acredita em destino?", "Temos o controle sobre as decisões da nossa vida?", e “O que é real?" são algumas das reflexões lançadas pelo primeiro filme. O que há de tão diferente entre se comer um delicioso bife e simplesmente ser induzido por seu cérebro a acreditar que se está fazendo isso. Afinal, como nos é mostrado no filme, somos baterias para as maquinas dominantes, e estas geram sensações em nosso sistema nervoso para que nosso cérebro acredite que estamos levando uma vida perfeitamente normal, com todas as alegrias e frustrações cotidianas, quando na verdade estamos hibernando desde a nossa criação.
O visual dos personagens é dark ao extremo. Roupas escuras, poucas palavras, óculos escuros e muita elegância. Um dos principais destaques do filme é a técnica "bullet time photography", cenas de intensa ação são desaceleradas, com a ajuda de computadores, gerando até 12 mil quadros por segundo, transformando totalmente a forma que é vista determinada seqüência do filme, como, por exemplo, a cena em que Neo consegue desviar dos tiros de um dos agentes que o perseguem O bullet time congela a cena e dá um giro por ela é um belo efeito especial. Outros efeitos importantes: as explosões, os vidros quebrando, as balas caindo em direção ao chão enquanto tocam em alguns pedaços do helicóptero, o “mini bullet-time” que é utilizado quando o agente Smith acerta um tiro de raspão no pé de Morpheus, quando ele ainda está pulando.

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Quem desejar adquirir o livro "Bahia um estado d´alma", o mesmo está à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria doLivro (Boulevard 161 no Itaigara e Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves) e Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela). A obra trata de um passeio cultural pela Bahia.




22 maio 2009

Paulo Leminski (1944 – 1989)

Faz 20 anos que Leminski se foi. Vamos lembrá-los através de seus poemas

amar é um elo
entre o azul
e o amarelo

Ameixas
ame-as
ou deixe-as

Tarde de vento.
Até as árvores
querem vir para dentro.
Tudo o que eu faço
alguém em min que eu desprezo
sempre acha o máximo

Vai ver o dia
quando tudo o que eu diga
seja poesia
SE
se
nem
for
terra
se
trans
for
mar

A noite me pinga
uma estrela no olho
e passa.

Amor bastante

quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante

um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

DESENCONTRÁRIOS

Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.


Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.

RAZÃO DE SER


Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.



Tem que ter por quê?


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Os interessados em adquirir o livro Bahia, um estado d´alma podem se dirigir as livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 e Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves) e na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA)

21 maio 2009

Emília Biancardi faz um tributo ao índio brasileiro

A folclorista e musicóloga baiana Emília Biancardi já realizou diversas exposições em homenagem ao índio brasileiro. Ela possui peças indígenas como instrumentos no vestuário (máscaras, saias, colares, joelheiras, adornos corporais em geral que trazem chocalhos), instrumentos de sopro (flautas, trompetes, apitos), percussão (maracás, tambores entre outros), além de baners e fotografias em geral com textos relacionados as peças expostas. Na mostra que percorre diversas cidades a pesquisadora focaliza numerosas e expressivas manifestações artísticas populares, refletindo a permanente musicalidade indígena. Fruto de investigações, pesquisas e levantamentos efetuados durante anos em diversas regiões baianas, e também em outros estados.

Colecionar peças e objetos é uma prática tão antiga quanto a própria técnica de confecciona-los. A pesquisadora de folclore, Emília Biancardi se dedica a juntar instrumentos musicais primitivos do mundo inteiro. Essa paixão vem desde os 19 anos de idade e pode ser avaliado nos enormes sacrifícios feito pela pesquisadora para a compra de suas peças, como, durante suas viagens, deixou muitas vezes de alimentar-se corretamente, a fim de poupar dinheiro. Ela não se arrepende, porém. Hoje já são mais de 2.000 instrumentos espalhados por casas e garagens de amigos. Há instrumentos do mundo todo. De Katmandu, no Tibet, a vilarejos do interior da França. É um acervo interminável. “Não existe um só lugar que não tenha instrumentos primitivos”, garante, com razão, Emilia, que se ressente, porém, com a falta de preservação dos instrumentos aqui no Brasil.

Criadora do primeiro grupo para-folclórico da Bahia, na Escola Normal, em 1962, Emilia começou a viajar pelo interior em busca das feiras livres, onde pudesse encontrar preciosos instrumentos primitivos. Mais tarde, já coordenando o grupo folclórico Viva Bahia, pôde viajar ao exterior, quando adquiriu instrumentos em países da Europa, da África e do Oriente. Mesmo dos países que não teve oportunidade de visitar, Emilia possui algumas peças presenteadas por vários amigos diplomatas que se encarregavam sempre de lhe trazer um exemplar novo para a coleção.

No acervo de Emília, contudo, há espaço também para os instrumentos primitivos brasileiros. Da tribo dos Kamaiurás, no Xingu, ele trouxe, por exemplo – a flauta jacuí – considerada sagrada na tribo e exclusivamente dos homens. Outra flauta, a uruá, é usada às vésperas do quarup para limpar as casas dos índios contra os maus espíritos. Outras preciosidades da coleção de Emília são algumas réplicas de instrumentos pré-colombianos, trazidos do México, e o instrumento africano monocórdico que se chamava rucumbo e hoje é conhecido como berimbau.
LIVROS - Desde o início dos anos 60, a professora e musicóloga Emília Biancardi realiza pesquisa sobre cantos e danças do folclore baiano. Publicou seis livros sobre o tema, abordando diversos aspectos do folguedo, incluindo partitura musical, fotografias antigas de dançarinos e mestres e coreografias. “Lindro Amô” foi lançado em 1968 e narra a trajetória do folguedo típico de Santo Amaro da Purificação e de outras cidades do Recôncavo baiano que tem por finalidade tirar esmolas ou “missa perdida”, em louvor aos santos mais populares da região. Em 1969 ela lançou “Cantorias da Bahia” só dedicada a música folclórica da Bahia.
“Viva Bahia Canta”, lançado em 1972, foi uma homenagem aos dez anos do grupo Viva Bahia e foram registradas músicas das zonas rural e urbana da Bahia. “A Dança da Peiga”,em 1983, registrou a dança do interior de Santo Amaro feita só por homens e ligada ao dia da hora. Naquele dia pára tudo, até as moscas. A noite é realizada a oração ao dia da hora. A dança hoje se perdeu no tempo. “Olelê Maculelê”, de 1990, conta a história da dança guerreira presente no Recôncavo baiano, seu desenvolvimento, mestres, divulgadores e a descaracterização que vem sofrendo, além das partituras, desenhos e nomes dos instrumentos. É o quinto livro de Emília e trata de uma das mais significativas manifestações da cultura popular do Recôncavo Baiano, especialmente Santo Amaro da Purificação onde proliferou o Maculelê. A obra registra a trajetória de suas andanças, desde o primeiro contato em 1962 até os nossos dias. Além de examinar, aborda os diversos aspectos do folguedo, traz a partitura musical dos cânticos do Maculelê, fotografias antigas de dançarinos, mestres e coreografias que facilitam a divulgação e a aprendizagem.
O livro “Raízes Musicais da Bahia” (2000) reúne partituras e informações raras. Na obra há inúmeros registros de letras de canções e ritmos que já não existem, além de passos de danças e coreografias como as do maculelê, samba de roda e outras. Focaliza numerosas e expressivas manifestações artísticas populares, como festas tradicionais e folguedos, instrumentos e cantorias da capoeira, reisados, ternos e ranchos da Bahia, ranchos do boi, da burrinha, queima da palhinha, puxada da rede do xaréu, o som dos orixás, candomblé e orquestra afro brasileira. Há letra e partitura musical dos cânticos que integram cada uma dessas tradições, além do desenho ou da fotografia de instrumentos musicais das três etnias que deram origem à nossa música folclórica.

A obra, segundo a autora, visa a contribuir não só para reativar o papel social do folclore no âmbito de nossas manifestações artísticas, mas, sobretudo, se propõe a divulgar tais manifestações em suas múltiplas dimensões de grandeza para o fortalecimento das raízes musicais populares da Bahia. Além do grupo folclórico Viva Bahia, Emília criou a Orquestra Afro Brasileira, fez a direção musical do Balé Brasileiro da Bahia, fez a direção musical dos espetáculos.

20 maio 2009

Besouro, um nome na história da capoeira da Bahia nas telas

“__Você viu pra onde foi aquele negro?”, “__Vi, sim senhor. Ele virou besouro e saiu voando”. Foi assim que o apelido de Manuel Henrique Pereira surgiu e começou a correr por toda a Bahia. Nascido no antigo quilombo de Urupy, distrito de Oliveira dos Campinhos, município de Santo Amaro, em 1895, Besouro foi um dos capoeiristas mais famosos de sua época e extremamente hábil com as facas. Reza a história que quando ele nasceu, também estavam lá (e do seu lado nunca saíram), os protetores da capoeira: os orixás Ogum e Oxossi.

Depois do sucesso do musical Besouro Cordão de Ouro inspirado na vida do capoeirista com texto do compositor Paulo César Pinheiro, chegou a vez do valente que desafiava as autoridades se exibir nas telas do cinema. O publicitário brasileiro mais premiado no Festival de Publicidade de Cannes, João Daniel Tikhomiroff escolheu a história do capoeirista para estrear seu primeiro longa metragem. O filme Besouro foi rodado em Igatu, na Chapada Diamantina. Besouro será interpretado pelo ator Ailton Carmo, o Coquinho. O fotógrafo Christian Cravo (filho do renomado Mário Cravo) está preparando um livro com a fotodocumentação artística da aventura da produção do filme na Chapada Diamantina e no Recôncavo Baiano.

NA HISTÓRIA - Aos 13 anos, Besouro ganhou o mundo: saiu de casa para trabalhar e começou a escreveu seu nome na história através de suas aventuras. Foi vaqueiro e amansador de burro bravo pelas vilas do Recôncavo Baiano. Aprendeu com um tio africano e ex-escravo os mistérios da capoeira, do jogo, das facas e das boas orações. Já adulto foi também saveirista e soldado do Exército Brasileiro. O capoeirista era tão respeitado que costumava sair às ruas avisando aos comerciantes que fechassem as portas, pois tinha acabado de decretar feriado. Também era comum vê-lo presenteando um de seus compadres com penas de pavão, arrancadas dos chapéus dos valentões de Santo Amaro.
Nas rodas de capoeira do Trapiche de Baixo (até hoje o bairro mais pobre de Santo Amaro) e nas festas populares, o jovem Besouro começou a se destacar. O seu forte era a agilidade, a rapidez de raciocínio, a calma e a surpresa, além de ter o corpo fechado com fortes mandingas e rezas. Paulo Barroquinha, Boca de Siri, Noca de Jacó, Doze Homens e Canário Pardo, todos moradores do local, foram os seus companheiros nas memoráveis rodas de Capoeira que hipnotizavam quem quer que passasse. Rodas de capoeira como aquelas só são vistas de tempos em tempos e, talvez, mesmo assim, nunca se vejam outras iguais.
UMA LENDA - Besouro fez história e virou lenda. Um homem que é tido por alguns como arruaceiro, criminoso ousado, fora-da-lei e, ao mesmo tempo, é considerado por outros um justiceiro, protetor dos oprimidos. Apesar de violento, não se tem notícia de que ele tenha matado alguém. Os casos de suas façanhas são contados por pessoas antigas, algumas conviveram com ele, outras que ouviram falar de sua rebeldia. Ele vivia num mundo em que para sobreviver era preciso ter malícia dentro e fora da roda de capoeira.
O difícil é descobrir como esse homem negro e pobre nascido no fim do século XIX, numa época em que ser praticante de atividades ligadas à herança africana era considerada um crime, se tornou a figura mais respeitada no mundo da capoeira. Sua fama extrapolou os limites do Recôncavo, chegou à Salvador, ao restante do país e alcançou os quatro cantos do mundo. Capoeirista valentão num tempo em que não havia a divisão entre os estilos Angola e Regional, muito menos escolas e academias de ensino, “Besouro Cordão de Ouro”, como era também conhecido, inspirou um dos capítulos do livro Mar Morto, de Jorge Amado.
JUSTIÇA - Para alguns, Besouro desejava apenas justiça. Ele era o elemento negro injustiçado pela cultura dominante que necessitava existir pela formulação de um novo código e, ao mesmo tempo, de um novo conceito de justiça. Foi em meio a essa cultura dominante, de nobres e senhores de escravos, que o hábil capoeirista conseguiu se sobressair. Besouro morreu muito jovem, assassinado antes de completar 30 anos. O homem mais valente do Recôncavo baiano foi golpeado traiçoeiramente com uma faca de ticum (preparada especialmente para abrir seu corpo fechado pela mandinga) por um de seus colegas. Até hoje, Besouro é símbolo da capoeira em todo o território baiano, sobretudo pela sua bravura e lealdade com que sempre comportou com relação aos fracos e perseguidos pelos fazendeiros e policiais.
“Quem é você que acaba de chegar//Eu sou Besouro Preto/Besouro de Mangangá/Eu vim lá de Santo Amaro/Vim aqui só pra jogar/Quem é você que acaba de chegar/Quem é você que acaba de chegar//Eu sou Besouro Preto/Besouro de Mangangá/Ando com corpo fechado/Carrego meu patuá/Quem é você que acaba de chegar/Quem é você que acaba de chegar//Me chamam Besouro Preto/Besouro de Mangangá/Bala de rifle não me pega/Que dirá faca de matar/Quem é você que acaba de chegar/Quem é você que acaba de chegar//Aqui em Maracangalha/Você não vai escapar/Contra faca de tucum/Ninguém pode se salvar/Quem é você que acaba de chegar/Quem é você que acaba de chegar”.

19 maio 2009

Charge, libertinagem da imaginação

Absolutista na política, iluminista na filosofia, no século XVII, a razão (quando investe na seriedade como condição de credibilidade para os discursos sociais e as práticas que deles decorrem) destitui o humor da ordem dos saberes, como portador de discurso cômico sem razão, desprovido, portanto, de verdade. Exilado da cultura, banido da função de expressar o sujeito, o humor recupera, agora no traço da charge, essa sua antiga faculdade de produtor e portador da verdade.

Enquanto existirem o poder e o ser humano, a charge persistirá, independentemente do regime político vigente, seja a ditadura ou a democracia. Charge significa carga, bateria e só é possível na periodicidade de um jornal diário e de um contexto político. A charge é uma ferramenta que revela as fraquezas. Para Lage nada pode apagar o sorriso provocado pela exposição de um político ao ridículo extremo. Tem o poder de catarse. Ele não acreditava nos políticos nem na honestidade deles. Na dinâmica social, o povo é o grande inimigo da ditadura.
A charge é um desenho de humor que estrutura sua linguagem como reflexão e crítica social. A proposta não é registrar o real, mas significá-lo. Registra a história, a partir do que a história, objetivamente, não registra. A charge, “essa libertinagem da imagem”, é um instrumento universal de crítica e sátira política limitado pelas especificidades culturais de cada país, ao contrário da caricatura e do cartum, sempre iguais, independentemente de origem. Dos três gêneros gráficos que se apropriam da realidade para expressá-la através do traço de humor, a charge é o mais sofisticado, pois conta e resume histórias reais de modo e maneiras convincentemente irreais.
O caráter de denúncia, revestido de ironia e humor, sempre marcou os traços de Lage. Em sua trajetória na imprensa baiana ele fez da pena o instrumento de crítica lúcida e afiada, traduzida na melhor literatura.
A charge é um tipo de texto que atrai o leitor, pois, enquanto imagem, é de rápida leitura, transmitindo múltiplas informações de forma condensada. Além da facilidade de leitura, o texto chárgico diferencia-se dos demais gêneros opinativos por fazer sua crítica usando constantemente o humor. Mas a charge não está isolada dos demais textos que aparecem no jornal. Ela contém a expressão de uma opinião sobre determinado acontecimento importante com muita probabilidade de aparecerem outros textos do jornal.
Os textos chárgicos transmitem informações utilizando o sistema pictórico e verbal. A charge assim é um texto visual humorístico que critica uma personagem, fato ou acontecimento político específico. Por focalizar uma realidade específica, ela se prende mais ao momento, tendo, portanto, uma limitação temporal.
Há charges compostas por um único quadro e outras compostas por mais de um. Nas charges com mais de um quadro, os primeiros funcionam como preparadores para o efeito humorístico ou surpreendente que é colocado no último. O humor surge do traço, do gag, da contraposição entre os códigos verbal e visual.
O humor é o principal fundamento de sua narrativa, o instrumento singular de sua linguagem, uma vez que é através dele que a charge transforma a noticia numa consciência sobre ele. Como charge se designa, sobretudo, imagens, cujo sentido está além dos limites da razão. Assim, a charge resume situações políticas que a sociedade vive como problemas, e os re-cria com os recursos gráficos que lhe são próprios. Essa economia de recursos que a caracteriza, isto é, o modo como sua linguagem se articula produtivamente, aponta para a negação da razão como doadora exclusiva de significado à realidade, e para a criticada linguagem textual como instrumento privilegiado de seu sentido. E a charge produzindo uma verdade independente da realidade, da razão. Ao incorporar o humor como linguagem produz uma verdade cujo sentido esta fora da realidade e além da razão.

18 maio 2009

Leve, ágil, cortante e irreverente traço de Lage (6)


No livro Feras do Humor Baiano o jornalista e pesquisador Gonçalo Júnior dá seu depoimento sobre Lage. Eis um trecho: “Excessivamente calado, Lage só abria o bico na edição do dia seguinte, com seu traço majestoso e a marca da simplicidade dos grandes artistas. Estaria a obviedade de Lage atrelada ao que lhe cabe como artista? Basta contextualizá-lo na Bahia dos últimos 30 anos para observar com alegria que Lage submerge como um falcão, a voar bem lá no alto sobre o marasmo e a mediocridade que sempre marcaram o humor na Bahia – exceções, claro, para Nildão, Valtério e o mineiro-baiano Cauh. Seu humor é engajado, militante sem ser partidário, contestador, enfim. Portanto, mais que óbvio, é essencial, puro, em estado bruto. Exatamente como deve ser. Quando faz charges para terceiros, Lage o faz por convicção, por simpatia política, como nos saudosos anos 70”.

“Lamentavelmente, ao contrário da maioria dos artistas do reino encantado do axé – principalmente na música -, para quem política e arte têm uma combinação burra, estúpida e subserviente. De uma outra forma meio puta – de prostituta mesmo. É a ´política´ da bajulação dos governantes. Da eterna reverência ao rei gordo e temido, feita de cima dos trios. Ou o engajamento pelos cachês estatais pagos através da Bahiatursa para animar as inaugurações e comerciais de teve. Ou desembolsados por candidatos não muito comprometidos com os problemas sociais para subirem em seus palanques de campanha. Como é confortante fisgar Lage desse festivo universo”.

“Três décadas depois de sua estréia, após três presidentes militares, uma ditadura, um regime (comunista), Lage parece ter conseguido a façanha de entrar na toca e sair com a mesma essência. O que eleva seu humor óbvio a um valor estratosférico. Para ele, deve ter sido fácil não aderir aos modismos do humor neoliberal –digamos assim – de hoje, quando os cartunistas baianos tentam apenas ilustrar editoriais e fazer rir com chavões bobos. E por que não deve ter sido difícil para Lage?. Creio que pelo seu jeito calado. Quem sabe essa característica pessoal de não abrir espaço para comentário pessoais tenha sido útil?. Nesse contexto, impressiona-me como Lage se engrandece”.
O jornalista, poeta, escritor de ficção, ensaísta e professor do Instituto de Letras da UFBA, Ruy Espinheira Filho comentou: “Conheço Lage desde 1969. Fizemos parte da equipe que, naquele ano, capitaneada por Quintino de Carvalho, lançou a Tribuna da Bahia. Lage, cartunista; eu, cronista do cotidiano. A arte de Lage nasceu madura. Desde o princípio ele se igualou aos melhores do país: traço leve, ágil, carregado de expressividade. Humor finíssimo e capaz de falar plenamente tanto ao público comum quanto ao mais exigente. Inúmeras vezes vi pessoas simples rindo dos seus cartuns e testemunhei elogios a eles dirigidos por cartunistas famosos, como, por exemplo, Jaguar. Castigat ridendo mores, como escreveu um poeta antigo. E é o que Hélio Roberto Lage faz: rindo castiga os costumes. E com isto nos diverte – e mais: nos vinga. Com grande arte”.

15 maio 2009

Leve, ágil, cortante e irreverente traço de Lage (5)

A jornalista Angélica Menezes compreendeu muito bem a natureza gráfica do traço de Lage no tocante as questões sociais e políticas, o que vai nos servir para entender a própria grafia de seus desenhos de humor, enquanto sintonia plástico de uma dada concepção visual e ideológica do mundo. Eis o que diz Angélica: “A obra de Lage, sem qualquer comedimento, adentra as relações afetivas, vasculha detalhes das relações de classe e escancara os valores do imaginário do autor. Aborda temas de caráter intimista pontilhados de crítica à realidade sócio-política-econômica do país, extrapolada muitas vezes quando o fato que questiona alcança uma repercussão mundial. Ele é o chargista crítico dos desmandos do poder, exercendo a cidadania tal qual a princípio lhe é conferida como um direito natural e constitucional, no papel de fiscalizador dos atos dos políticos e dos governantes, e atinge o seu auge no objetivo quando o tão almejado feed-back é de sucesso absoluto: menções na mídia, processos, como o que, em 1992, moveu o ex-governador da Bahia e senador da República Antônio Carlos Magalhães por se sentir prejudicado pelo traje listrado que lhe conferiu o artista, entendido como indumentária típica de presidiário ou de um criminoso. A fome e o desemprego, assim como chacinas, como a dos Sem-Terra, em abril de 96, no Belém do Pará, trazem para o universo dos pleitos de um significativo segmento social as velhas bandeiras da estabilidade no emprego, de reajustes salariais e da Reforma Agrária”.

“O humor se faz presente com uma carga ideológica misto de humor negro e da sutileza de uma piada bem contada entre amigos, por exemplo, na mesa de um bar. A intimidade que revela com os personagens e com o público tem origem no cotidiano e no acompanhamento dos fatos que fatalmente interferem nas relações sociais quando devidamente dissecados pelas partes interessadas. Lage seguramente é pioneiro na Bahia da charge política, nas duas décadas e meia (70/96) em que se comunica com um público que se amplia. Seu trabalho é referência e faz escola. Não é de veiculação exclusiva da grande imprensa e está requisitado em jornais e outras publicações de sindicatos, entidades ligadas à defesa dos direitos humanos e ambientalistas. Em dois out-doors inclusive teve a oportunidade de mostrar como a charge é um recurso poderoso de comunicação nada devendo em efeito de linguagem às fotos e mensagens escritas boladas pelas grandes agências de publicidade. Nos out-doors o produto vendido foi a crítica à revisão constitucional nos governos Itamar Franco/Fernando Henrique Cardoso dos pontos de vista dos trabalhadores do Fisco baiano (auditores fiscais do Estado) e da Petrobrás”.

E a jornalista detalha os trabalhos de Lage nos quadrinhos (que pode ser lida por completo no livro Feras do Humor Baiano lançado em 1997) e conclui: “Sobre o perfil do autor, eu diria: de jeito considerado tímido, é bastante reservado, perspicaz, introvertido como se estivesse a sondar o terreno onde está pisando, mas bastante humorado. Um tipo raro de pessoa com o poder da visão além das aparências. Com cara de amigo de todos é inimigo da prepotência. O seu trabalho independente na prática inviabiliza chefias, está acima de comandos por achar que está a serviço de ma imprensa livre e embora um estilo aparente tal o de um seminarista a quem se atribui assexuado e sempre cordato, não se auto censura e nem admite censuras”.

TRAÇO RETO COMO O SEU CARÁTER
“Iluminado, demolidor, íntegro, traço reto como o seu caráter. Talento incomum que dignifica a imprensa em geral e a arte do cartunismo em particular. Notável e instigante chargista político. Em abril de 1990, quando chefiava a sucursal da Veja, pautei e acompanhei o fechamento de uma matéria na Vejinha sobre cartunistas baianos, executada com brilho pelo repórter Valdemir Santana. Então Lage desnudava imperadores e rainhas do poder na Bahia e no Brasil na era collorida. Mexia não só com cardeais da política, mas com batinas famosas também. Foi assim na charge que mostrava o vigoroso Avelar Brandão Vilela indeciso e assustado diante de um despacho de candomblé, posto em encruzilhada baiana. Deu rolo tanto com católicos quanto militantes esquentados do MNU”.

“Em 1992 foi a vez de Antonio Carlos Magalhães tentar colocar o garrote da censura no pescoço de Lage e nas páginas da TB. O motivo foi a charge `Farias do mesmo saco`, genial por sinal, na qual ACM aparecia com a tradicional camisa de grife presidiária, com listas horizontais, dentro de um saco levado por PC Farias. Deu bolo também, com os ataques do dono do poder à TB e o surreal pedido de direito de resposta à charge, encaminhada por ACM à justiça. Então Diretor do Sinjorba, acabei entrando na briga contra tamanho disparate, ao lado de muita gente que, como esse jornalista, acompanha com admiração sempre crescente os passos desse original artista do traço, que chega aos 50 anos de idade com o vigor criativo – sua marca inconfundível – inabalado. Mais 50 anos, no mínimo, para Lage, é o que peço. Os poderosos e poltrões não vão gostar. Mas a face ética, criativa e corajosa da Bahia, sorrirá feliz”. A opinião é do jornalista Vitor Hugo Soares, que acompanhou a trajetória de Lage desde o início de carreira. O depoimento na íntegra está no livro Feras do Humor Baiano.

14 maio 2009

Leve, ágil, cortante e irreverente traço de Lage (4)

“Lage não precisou deixar a Bahia para se tornar um dos mais importantes chargistas brasileiros, muitas vezes premiado nacionalmente. Mas, se tivesse ido para o Rio ou São Paulo, certamente que haveria de transformar-se num criador mais reconhecido e glorificado em todo o país. Muitas vezes eu falei isso para ele. Mas, modesto, e sempre meio silencioso, ele sorria e ignorava a sugestão. Do mesmo jeito que fazia quando alguém se atrevia a sugerir-lhe um tema para uma charge. Nunca dizia não, mas jamais admitia utilizar a sua pena para ilustrar idéias de outros. Era original e muitas vezes demolidor nas suas charges inteligentes sobre os assuntos nacionais, daquelas que faziam doer quando a gente ria. O papagaio desbocado Putz, personagem de tira que publicou durante anos nesse jornal, assim como as suas principais charges, inclusive as premiadas, merecem ser editadas em livro. Que alguém comece a cuidar disso, para que o traço de Lage não se perca nas brumas do tempo e ganhe a eternidade” (Lage, um traço para a eternidade. Sergio Gomes, jornalista. Tribuna da Bahia, 01/12/2006).

“Lage, como era mais conhecido e assinava seus trabalhos, levou uma vida tão simples, tão despreendida de ambições pessoais, certamente por convicção inata de sua baianidade, que se tornou ao longo dos anos um legítimo representante do provincianismo baianês (...) O certo é que Lage deixa uma enorme lacuna no traço do humor político baiano (...). Lage foi genial. Seu traço simples das figuras humanas que retratou, o cidadão classe média quase sempre com a cara do baiano que vai a padaria no final da tarde, narigão, olhos de gude; os policiais brucutus; e as suas tirinhas sobre sexualidade (o casal na cama, o papagaio putz) deixavam seus fãs admirados. A primeira coisa que o leitor da Tribuna da Bahia fazia quando pegava o jornal era olhar e ler a charge de Lage (A charge política sem Lage. Tasso Franco, jornalista e escritor. Tribuna da Bahia, 04/12/2006).
MOÇÃO DE PESAR
O jornalismo baiano perdeu um de seus mais competentes profissionais e o cartunismo brasileiro ficou sem um dos seus expoentes máximos. Partiu o gênio do traço, o chargista que esbanjava alegria, senso crítico e humor sutil e inteligente”. Foi assim, com um misto de tristeza e exaltação das qualidades de Hélio Roberto Lage que a então deputada estadual Jusmari Oliveira se despediu do chargista e cartunista, através de uma moção de pesar. No documento, protocolado na Secretaria Geral da Mesa da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, Jusmari fez um resumo da vitoriosa trajetória do cartunista. “Abdicou do diploma de arquitetura, entregando-se de corpo e alma à profissão que exerceu como poucos durante 40 anos, até que a doença traiçoeira interrompeu sua brilhante carreira”, lamentou a deputada. Jusmari Oliveira lembrou que Lage iniciou seu trabalho em jornal na Tribuna da Bahia na época da fundação do veículo. “Durante a repressão militar, foi convocado para depor em razão de críticas feitas ao regime através de charges que retratavam o pensamento do povo oprimido”, relatou o parlamentar, acrescentando que, apesar da censura, continuou criticando a ditadura com seus desenhos carregados de humor sutil e mordaz. “A Bahia jamais esquecerá o filho que preferiu o anonimato a ter que abandoná-la em busca de fama e do estrelismo fugaz. Com simplicidade e brilhantismo, destacou-se como um dos melhores e mais inteligentes cartunistas do Brasil”, elogiou a autora da moção.
Lage, Nildão e Setúbal no traço de Setúbal
No dia 05 de dezembro de 2006, na 89ª Sessão Ordinária da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, o deputado Álvaro Gomes apresentou a seguinte moção de pesar: “O deputado que esta subscreve solicita que a Mesa Diretora da Assembléia Legislativa da Bahia aprove, na forma regimental, moção de pesar pelo falecimento do chargista baiano Hélio Roberto Lage, ocorrido no dia 29 de novembro de 2006, nesta capital. Lamentamos profundamente a perda de uma dos mais brilhantes profissionais de imprensa, considerado o gênio do traço, Hélio Roberto Lage, ou simplesmente Lage, como assinava os seus trabalhos. Nascido na cidade de Catu, em 16 de setembro de 1946, arquiteto de formação, o chargista fez opção pelo desenho crítico e assim destacou-se na imprensa nacional contra o jugo do regime militar, por sua luta pela liberdade de expressão e pela afirmação da democracia. Satírico, Lage, tanto na charge quanto nos quadrinhos,trazia à tona temas da mais alta relevância, questionava costumes, preconceitos, fatos do cotidiano de grande repercussão e o desempenho dos políticos, com a compreensão dos sábios. Humor refinado e mordaz, foi merecedor de diversos prêmios, inclusive internacionais. Lage fez escola junto aos novos cartunistas e cultivava um profundo sentimento de grupo, posicionando-se enquanto umas das mais expressivas lideranças do cartoon brasileiro. Participou de diversas bienais nas quais se destacava como um dos expoentes máximos da crítica política. Recatado, discreto nas suas aparições públicas, possuía um grande poder de observação. Com a mesma simplicidade e espírito de solidariedade, suas características mais marcantes como pessoa reconhecidamente tímida e avessa ao estrelismo, destacou-se também como artista plástico, tendo realizado exposição de quadros com temas clássicos, que, como sempre, tinha a pitada de humor inteligente. É para ele, este dedicado profissional de imprensa, que devemos as nossas homenagens póstumas, a ele, cidadão Lage, que, em defesa das liberdades democráticas,teve tentativa de voz de prisão dentro da redação do jornal Tribuna da Bahia e depôs por diversas vezes acusado pela ditadura militar de atentar contra o regime, e com quem a Bahia conviveu por 40 anos recebendo as informações tão necessárias ao entendimento e posicionamento acerca da nossa realidade. Portanto, Sr. Presidente, apresento esta moção de pesar, com certeza aqui também subscrita por muitos e muitos colegas, que seguramente intencionam e estão dispostos afazer o mesmo. Muito obrigado”.

13 maio 2009

Leve, ágil, cortante e irreverente traço de Lage (3)

Outro veterano, o desenhista Valtério foi mais longe. “Pela criatividade, starte visão de mundo que ele tinha, Lage estava entre os dez melhores cartunistas do Brasil, incluindo ai nomes como Ziraldo e Paulo Caruso. Ele apenas teve menos visibilidade. Além de tudo, era uma pessoa boa, essa doença foi uma brutalidade”, declarou. Valtério, que se refere ao artista como “amigo-irmão” esteve ao lado de Lage na fundação da Galeria do Humor, que funcionou na Boca do Rio entre as décadas de 80 e 90, e na criação da revista Pau de Sebo, junto com o também cartunista Paulo Setúbal. “Eu o conheci por volta do ano de 1975, quando comecei a trabalhar no Jornal da Bahia, antes de trabalhar com ele já o admirava muito. A gente desenvolveu um lado muito afetivo. Ele era muito generoso, como profissional tinha o seu humor próprio, um humor de alta qualidade. O que fica dele é a imagem de um cara bem humorado e criativo”, definiu Paulo Setúbal. Para ele, Lage sempre teve um humor diferenciado e muito pessoal. “Enquanto todo mundo fazia o convencional, ele conseguia colocar umas pitadas de baianidade. No Brasil, poucos fazem charge como ele fazia”.

A publicação serviria de inspiração para uma nova geração de artistas baianos. “Quando comecei profissionalmente, ele já tinha 20 anos de estrada. Eu comprava a revista Pau de Sebo só para ver seus desenhos que tinham um estilo marcante, tanto pelo traço quanto pelo tom politizado, além deterem um timming maravilhoso”, disse Flávio Luiz, ilustrador na época do Correio da Bahia

“Tive poucas oportunidades de estar com ele, mas o admirava porque ele combatia o autoritarismo fazendo críticas contundentes sem nunca perder a veia do humor. Infelizmente, não há outro que possa ser posto no lugar. E a Bahia vai perdendo a graça”, disse Cau Gómez.
“Eu fui amigo de Lage desde meninote, no colégio Maristas, na década de 50, companheiro de sala, já então um grande desenhista. E a vida sempre nos deixou juntos: no lançamento da Tribuna da Bahia, em 69, sob o comando de Quintino de Carvalho, onde ficou até o fim, na sucursal do Jornal do Brasil, na década de setenta, onde foi um dos cartunistas, e, no fim, na Coopercom, uma cooperativa de profissionais de comunicação, onde fizemos juntos a revista Viver Bahia e o Jornal do Metrô até 2005 e estreitamos a nossa amizade. O Jornal do Metrô era um projeto nosso. Com a doença de Lage, o projeto ficou suspenso e, sem ele, extinto. Ele nunca assumiu a sua dimensão. Quando trabalhou no Jornal do Brasil, tinha tudo para ser um nome nacional. Não quis. Ele gostava mesmo era de sua vida simples ao lado de Marta, sua esposa, e Daniel, o filho”, declarou o jornalista Osvaldo Gomes.
O diretor-presidente da Tribuna da Bahia, Walter Pinheiro, disse que Lage tinha sido um ótimo filho, esposo e um pai generoso, extremado e invejável colega de trabalho como poucos chargistas sabia se manifestar diante das agruras da vida, das injustiças e da desumanidade. A Tribuna da Bahia, sem dúvida, cresceu tendo uma das suas grandes estrelas. Com a sensibilidade do artista, de sua pena para comunicar-se com todos os seus leitores e admiradores, transmitindo as suas críticas, os seus protestos, as suas reflexões, através do amor. Como todo gênio, seu trabalho permanecerá para sempre, porque um gênio não morre nunca”. A história do cartunista é considerada a própria história da Tribuna da Bahia para o diretor de redação do jornal, Paulo Roberto Sampaio, “marcante por seu talento, independente e de muita criatividade”.
ÂNSIA DE AMAR O TRAÇO
“Para quem não o conheceu, vou me atrever a apresentar. Era o cara das tirinhas Ânsia de amar e desenhos de ironia finíssima que valiam tanto quanto os editoriais. Lage mexia também com a política, e nem sempre agradava ao pessoal que gostava do poder. Cabeça baixa, risinho de canto de boca, quando a gente menos esperava, lá vinha um desenho reinventando uma cena do cotidiano, um relance de uma situação inusitada. Ele nem tinha e nem precisava desses aparatos techno das telas de 200 mil cores de hoje. Bastavam um pedacinho de papel e tinta preta, que ele derramava com uma humanidade rimada de simplicidade. Neste mundo de aparência, foi-se um exemplar de gente que não curtia alarde (...) Ele foi antes, mas todo mundo vai um dia. Tanto talento, é claro, nem sempre foi reconhecido como deveria pelos baianos (...) Nestes tempos difíceis de digerir, pois os talentos são engolidos como mercadorias, a lembrança de Lage vai ficar como a de um cara que tem mesmo a ânsia de amar o traço como gênero jornalístico muitas vezes superior aos melhores textos” (Paulo Roberto Leandro, jornalista – “Esse Lage é engraçado!”. A Tarde, 01/12/2006).

12 maio 2009

Leve, ágil, cortante e irreverente traço de Lage (2)

Traço simples, Lage consegue captar todo o momento histórico político vivenciado. Tudo Bem, Ânsia de Amar e outras tiras trazem um humor sem retoques, autêntico, mordaz. O humor caligráfico de Lage tem uma marca pessoal muito forte e traz, por inteiro a perplexidade nossa de cada dia. Traço rápido, leve, ágil, sinuoso, carregado de expressividade, firme, ajusta-se a brevidade do momento.

O desenho de humor de Lage é uma análise crítica do homem e da vida, uma análise desmistificadora. Seu humor é uma forma de tirar a roupa da mentira. Na Tribuna da Bahia, Lage conquistou a liberdade de criação no veículo, ele é quem responde pelas tiras e charges diárias. A ele é permitido criar e, veicular, todas as suas idéias sem censuras e castrações. É aí que ele desenvolve sua verve artística crítica, explorando os costumes baianos e satirizando os fatos políticos.

A obra de Lage adentra as relações afetivas, vasculha detalhes das relações de classe escancara os valores do imaginário do autor. Aborda temas de caráter intimista pontilhados de crítica à realidade sócio-política-econômica do país, extrapolada muitas vezes quando o fato que questiona alcança uma repercussão mundial. Ele é o chargista crítico dos desmandos do poder, exercendo a cidadania tal qual a princípio lhe é conferida como um direito natural e constitucional, no papel de fiscalizador dos atos dos políticos e dos governantes.
A história em quadrinhos na Bahia tomou fôlego com o surgimento do tablóide A Coisa, do jornal Tribuna da Bahia. A Coisa foi um seguimento natural do fanzine Na Era dos Quadrinhos e tinha como meta principal “uma maior valorização do autor brasileiro e em particular baiano”. “Pretendemos também – dizia o editorial -, divulgar e abrir novas perspectivas aos humoristas e desenhistas que ainda não tiveram oportunidade de publicar seus trabalhos”. Em pouco tempo o suplemento revelou novos cartunistas e desenhistas de quadrinhos. Lage foi um de seus editores.
O suplemento da Tribuna, aberto para os novos desenhistas, aproveitou uma percentagem expressiva, com experiência que abriu novas possibilidades para a pesquisa temática ao nível gráfico. Seu lançamento serviu para aproveitar vários desenhistas que antes apenas trabalhavam em outros setores. Durou oito meses, tempo suficiente para a reunião dos cartunistas e discussão de novas idéias e projetos. Em junho de 1976 surgiu o nanico Coisa Nostra, com texto, cartuns e quadrinhos. "O importante - diziam os editores - é que o riso não fique na boca. Ele tem de dar uma chegadinha na consciência". Coisa Nostra durou apenas quatro números.
Aos 60 anos de idade, o cartunista Lage, bastante conhecido em todo o meio artístico da Bahia, morreu no dia 29 de novembro de 2006. Ele sofria de câncer no cérebro. O corpo do cartunista foi sepultado no cemitério Bosque da Paz, no Trobogy. Casado com Marta, com quem teve o filho Daniel, Hélio Roberto Lage nunca saiu de Salvador, terra onde nasceu e, trabalhou como chargista no jornal Tribuna da Bahia desde a sua fundação, em 1969. E parece que não poderia haver momento melhor para a estréia. Foi também funcionário, por muitos anos, da TV Educativa. Formado em arquitetura pela Universidade Federal da Bahia, o artista optou desde cedo pelo desenho, deixando o diploma de lado, a não ser por poucos e pequenos trabalhos.
Referência na área do humor gráfico, especialmente na charge, Lage era dono de um estilo particular, marcado pela contestação calcada no humor virulento. Lage esteve ao lado de outros ilustradores conhecidos na Bahia na criação de trabalhos humorísticos, a exemplo do suplemento semanal A Coisa, do tablóide Coisa Nostra, da revista Pau de Sebo e do Dicionário do Baianês. A década de 70, que batia à porta com toda sua turbulência política e social, trouxe boa parte da munição com a qual Lage disparava sua ironia. A ousadia rendeu ao cartunista alguns desafetos, mas outros tantos admiradores.
Iconoclasta, dono de um traço simples e cortante, Lage logo se destacou pela mordacidade de seus desenhos. Costumava dizer que o bom cartum “é o que sai no estalo”. Durante o regime militar, entrou em controvérsias e chegou a ser chamado para depor nas famosas “sessões de informação” da ditadura. Mesmo assim, não diminuiu o tom de deboche, dizendo às vezes sem palavras o que toda uma nação calava na garganta.
“Lage é um dos maiores cartunistas que a Bahia já teve e eu dizia isso a ele o tempo todo. Além de ter um estilo próprio e nunca abrir mão disso, foi um grande companheiro de trabalho”, disse o artista plástico e cartunista Reinaldo Gonzaga, conhecido como Rei, que realizou trabalhos com Lage como programador visual ao longo dos 15 anos em que ele colaborou com o Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb).