02 setembro 2016

Poesia, poesia, poesia, alimento do dia




Rio morre de sede

Existem rios de navegar
navegam barcos, barcaças e balsas
no vai e vem de um dia a dia sem parar
e suas corredeiras partem de seu curso d'água para o mar
mas a poluição fluvial pode provocar sua morte
seja na ocupação desenfreada para industrialização
ou moradia de terrenos ribeirinhos,

e os danos são irreversíveis ao rio
cujas águas podem parar
e no seu leito o rio secar
Assim, o rio morre de sede,
as águas não mais escorrerão
e da nascente até a foz
nada poderá salvar
esse rio que um dia corria para o mar
e no seu córrego, no seu regato,
igarapé, buritis e muitos pássaros
nunca mais irão passar
esse rio, agora jaz!
(Gutemberg Cruz, 2014)



Amor lilás

O vento da noite
está soprando
o cheiro forte de amor lilás.
 
O dia morreu na orgia
do pôr do sol roxo de vinho.

E eu alimento os deuses
de meus pensamentos insanos
Nesse momento sinto seu sopro
modiscando meu pescoço
Fecho os olhos e abro o coração
me exponho nesse chão agreste
Você feito flecha se apressa
em atingir meu corpo sã
Agora só resta o vento
caminhando em frestas e flores
e em todos meus amores. (Guto)
 
 
COMEÇO

No começo você foi mais quente
entrava batendo a porta
me fotografava com o olhar ardente
me beijava mastigando os dentes
e me abraçava sofregamente;

No começo você foi mais gente
apertava minhas mãos sedento
beijando meu corpo fervendo
e conversava altas horas no relento.

No começo você foi eterno
parecia feito em sal
eu levava os lábios sôfregos
e ungia o seu corpo todo
você não se desprendia
vibrava em mim, vivia em mim
no começo foi somente amor.



CALIGRAFIA


Você é intrigante e instigante
vive sob o signo da multiplicidade
das confluências e dos campos disciplinares
transita entre um movimento e outro


é aberto a outras linguagens
a outras sensibilidades
E está sempre atento ao meu mundo e ao seu.

E na dança do tempo
entre o estranho e o insólito
entre o belo e o feio, o bem e o mal
você passeia nesse território natural.

Na caligrafia do amor escreve à flor da pele
alcança primeiro com os olhos
depois com o olfato faz o extrato
sintetiza no toque e no paladar
tem sensações que vai além mar.

Viaja nos verbos do infinito
e na pele a condição transparece
nos gestos, entrecortados por suspiros vulgares
e respirações profundas
e num impulso subterrâneo
para um gozo insano
É a delicadeza se encontrando
na sombra do medo e do desconhecido
tudo nesse espaço infinito.(Guto)


MULHERES
 
Há mulheres que amam sem pudor
passam as noites em pleno furor.
E há as que sentem felicidade no ar,
beijam, abraçam, tateiam e querem mais


Há mulheres que não sabem o que fazem,
tiram a roupa e toda a cumplicidade.
E há as que a gente não esquece, deixam suas marcas
e saem fora do set.

Há mulheres que não dá para recordar,
transam na noite só para gozar
Mas há as que amam, as que sonham e as que fogem
todas temem a esperança nos corações, recordem.



APANHADOR DE PALAVRAS

Sou um apanhador de palavras
encostadas em um livro qualquer
uso para compor meus silêncios
repor meus desalentos
e reunir meus tormentos


Quero secar as palavras
molhadas em meus sentimentos
controlar as lágrimas
que correm sofregamente.

Umedecendo minha alma
prestes a desaguar rio acima
tipo de doença que rói
e rói silenciosamente.

As palavras voam e a escrita permanece
é o que garante o adágio vindo do latim
escrita é que nem ódio, só envelhece
e o amor nunca se esquece, é que nem prece.


Férias:

Caros leitores: a partir de segunda feira (dia 05) estarei de férias. Vou aproveitar para ler uns livros reservados para ocasião (incluindo aí quadrinhos de alta voltagem), ouvir algumas músicas necessárias para o coração, colocar a mão na terra para saber da estação, mimar meus cachorros e plantar o que a natureza espera de cada um de nós.

01 setembro 2016

Causas ecológicas no Homem Animal



A questão ecológica já frequenta as páginas das histórias em quadrinhos desde o início de 1980, década que marcou a ascensão dos quadrinhos adultos. Muitos autores se preocupam com o meio ambiente e discutem em suas obras a melhor maneira de como a civilização pode continuar a viver, sem que, para isso, a natureza deixe de existir. Com a onda verde que atingiu os meios de comunicação, a ecologia entrou com mais força nos gibis. Basta lembrar o Monstro do Pântano, Homem Animal, Orquídea Negra, o caipira Chico Bento, o baiano Mero, dentre outros.

Um personagem obscuro e com poucas histórias publicadas nos anos 1960 surgiu através dos traços de Carmine Infantino. Trata-se do Homem Animal, cujo poder era a capacidade de absorver as características de animais que estivessem por perto. A partir de 1988, o argumentista inglês Grant Morrison iniciou a sua versão do herói e, em pouco tempo, a revista Animal Man passou a ser uma das mais elogiadas pela crítica e público. Motivo: as histórias têm sido a sua aproximação real com os animais, não apenas para extrair poderes, mas para sentir o que eles sentem. A partir daí, Morrison humaniza os animais que aparecem nas histórias: um golfinho relata ao impressionado herói como foi a festa anual da matança de uma aldeia de pesadores; a agonia de um chipanzé aidético e estágio terminal, propositadamente contaminado pelo homem. O Homem Animal se envolveu tanto com as causas ecológicas que, ao chegar em casa e encontrar a geladeira cheia de pedaços de amigos seus, virou vegetariano. O enredo é consistente, e os desenhos de Chas Troug e Doug Hazlewood, bem estruturados.

Nenhum herói se envolveu tanto com as causas ecológicas como o Homem Animal. Alterego de Buddy Bakder, o Himem Animal era um personagem obscuro e com pouquíssimas histórias publicadas nos anos 1960, através dos traços de Carmine Infantino. Quando os agentes da DC foram para a Inglaterra em busca de talentos para os gibis americanos, ficaram surpresos ao contratarem o roteirista Grant Morrison. Ele queria o pior personagem da editora, prometendo que o transformaria num grande sucesso. Em pouquíssimo tempo, a revista Animal Man passou a ser uma das mais elogiadas pela crítica e público entre os títulos mensais de super herói. O quinto número da publicação recebeu na última votação anual, promovida entre os leitores, pelo Comics Buyers Guide, a classificação de segunda melhor história do ano. Uma prova que um autor é sempre melhor que os personagens que o cercam.

O leitor brasileiro começou a acompanhar as aventuras do personagem no terceiro número da revista DC 2000, da Editora Abril. Foi um experimento (da Vertigo/DC Comics) dos mais bem sucedidos com a expansão do conceito de super-herói: Buddy Baker, o Homem Animal, embora um super-herói, sofria dilemas e situações nada comuns. Na história de estreia – primeira parte de uma minissérie em quatro edições – Buddy Baker, um pacato dublê de cinema que abandonou o uniforme de super herói, resolve voltar à ativa. Seu superego, o Homem Animal tem o poder de absorve e duplicar as habilidades do animal que estiver mais próximo por apenas 3º minutos. Assim, ao passar perto de uma formiga pode adquirir a força dela nas proporções humanas, perto de um cachorro pode obter o faro dele e assim por diante. O herói não se transforma nos bichos como no seriado televisivo Manimal, apenas adquire os poderes.

Desempregado, com filhos, Buddy resolve retomar sua carreira por estar cansado e ser sustentado pela esposa. Mas as pessoas não o levam muito a sério, preferem os outros super herois mais conhecidos. O personagem tem uma aproximação real com os animais, não apenas para extrair poderes, mas para sentir p que eles sentem. Começam aí os problemas. E tudo vai e complicando logo na sua primeira aventura. O herói atende ao chamado de um laboratório de experiências que contaminou um chipanzé com o vírus da Aids. Como ficar impassível diante de um animal aidético, em estágio terminal, propositalmente contaminado pelos humanos?

Quando o Homem Animal chega em casa e encontra a geladeira cheia de pedaços de amigos seus, o a que sente? Buddy briga com a família, quer torna-los vegetarianos e passa a adotar atitudes pouco comuns para um super herói, como ajudar ações ilegais do Green Peace. A cada aventura, Morrison humaniza os animais. Assim, a atual onda ecológica deve muito ao sucesso do Homem Animal, escrita por Grant Morrison e desenhada por Chas Trouog e Doug Hazlewood.

Na saga “O Evangelho do Coiote”, Morrison mergulha, por meio do personagem, num universo alheio ao gênero de super-heróis, embora lidando essencialmente com um.  “O Evangelho do Coiote” retrata a realidade como algo existente em camadas, na verdade em pluralidades e, como tal, as realidades existem para além da percepção unidimensional do leitor/leitora para com histórias em quadrinhos, mas também da própria história em quadrinhos para com o leitor/leitora. Morrison, em “O Evangelho do Coiote”, mergulha nessa fina e delicada transição de realidades por meio do Coiote, na HQ chamado de “Astuto”, que personifica um coiote saído diretamente de outra mídia. E nessa transição entre autor/obra artística/leitor-leitora, experimentamos página a página, quadro a quadro, a “ponta do iceberg” da nossa realidade para com a realidade de Buddy Baker. É o ápice da metalinguagem em Homem Animal.