De Aristóteles a Hobbes, de Platão a Georges Bataille, foram inumeráveis e quase infinitas as tentativas de conceituação do humor. Na Grécia antiga, o humor estava no centro da sociedade, nos rituais de sacrifício, danças e cultos, nos sagrados festivais báquicos, nas procissões orgiásticas. Na Idade Média, por sua vez, o humor também se expressa como representação essencialmente pública, uma prática coletiva de vilarejos, praças e igrejas, como as festas cristãs da celebração dos mistérios da Paixão, da Páscoa e do Natal. Ele integra a conjunto de práticas para as legítimas expressões próprias da época – exorcismos, conquistas, misérias, fantasias. A commedia dell´arte nasce na Itália no século XVI e se consolida no século seguinte na França como gênero teatral distinto do teatro medieval.
A partir do século XVII a tragédia se afirma como gênero “de conteúdo” e assim desqualifica a comédia, o humor e o riso como fontes de informação sobre o real. À medida que o sério na Idade Clássica passa a ser condição de credibilidade para conteúdos que pretendem exprimir verdades, o humor perde essa sua característica positiva e universal.
Na Antiguidade, na Grécia ou em Roma, na Idade Média e no Renascimento, tempos em que a razão não havia ainda espalhado certezas pelo mundo, o humor como produtor e veículo de verdade ocupa um espaço central no cotidiano da sociedade. Assim, a afirmação do poder absolutista na política, do capitalismo que o financiava na economia e do discurso da razão na ciência e na cultura, marcam a decadência da festa, da celebração e do riso como portadores da verdade.
A função do humor não é, imediatamente, provocar o riso, como supõe a razão, mas é, também, de se contrapor a ela como instância privilegiada exclusiva da verdade. Assim, “o humor não é resignado, mas rebelde” como dizia Freud. Assim, no século XVII, a razão troca as difusas verdades universais espalhadas pela sociedade por verdades oficiais, ancoradas pelo poder absolutista.
Desse modo, todas as práticas que anarquicamente enunciavam as verdades que eram capazes de formular (os loucos, alquimistas, astrólogos, bruxos) ficam esvaziadas, portadoras de um saber sem conteúdo, perdendo a positividade de seus discursos, o controle de seus dizeres e a ordem de seus prazeres. São postas à margem da sociedade e da cultura como difusoras de práticas negativas porque marcadas pela ausência da razão. O humor produz desordem na ordem da razão.
Festas populares (como o Carnaval) e quaisquer manifestações profanas são proibidas. Os ditos loucos também foram aprisionados, afinal de contas, é deles o riso mais libertário. O clero toma a dianteira nessa campanha conservadora. Baixa-se uma espécie de código na tentativa de abafar as gargalhadas. A alegria passa a ser crime.
O riso na Idade Média estava expulso de todas as esferas oficiais da ideologia e de todas as formas oficiais da vida e do comercio. O riso foi expurgado do culto religioso, do cerimonial feudal e estatal, da etiqueta social e de todos os gêneros da ideologia elevada.
O tom “sério exclusivo” caracterizava a cultura medieval oficial tanto quanto seu conteúdo: o ascetismo, o pecado, a redenção, o sofrimento, assim como o caráter opressor do regime feudal. A seriedade passou a ser a expressão da verdade, do bem e de tudo que poderia ser considerado virtuoso. O que dava um leve colorido a esse riso ficou associado à licenciosidade, ao descontrole, ao desregramento, e portanto era o que mais se buscava nas manifestações e nas elaborações populares. De um lado, o público; de outro, a alegria esfuziante.
A cultura popular do riso continuou a ser transmitida fora da esfera oficial da ideologia e da literatura elevada.
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