30 novembro 2007

Cronologia dos seriados (2)

1965/1968 – PERDIDOS NO ESPAÇO – A Terra em 1997 está superpovoada e os Robinson são escolhidos entre milhões de outras famílias para colonizar Alpha-Centauro. A bordo do Júpiter II, papai John (Guy Willians, ex-Zorro) mantém a disciplina com mão de ferro; mamãe Maureen (June Lockhart) e as filhas Judy e Penny, além do major Donald West, formam a família. Mas os melhores episódios estão com o trio: Will Robinson (Billy Mummy), o filho mais novo; o clandestino doutor Zachary Smith (Jonathan Harris) e o super robô (recheado pelo ator Bob May).

1965/1969 – AGENTE 86 – O mais desastrado agente secreto do Control, o 86 é Maxwell Smart (Don Adams). Ele acabou se casando com sua colega “99” (Bárbara Feldon), com quem teve um filho, entre um tiroteio e outro, com agentes da Kaos.

1966/1973 – MISSÃO IMPOSSÍVEL – A série romantizava as “operações sujas” da CIA. No começo, sempre o mesmo, o chefe Jim Phelps (Peter Graves) entrava em um lugar reservado e escutava uma fita que se destruía cinco segundos após sua audição.

1966/1967 – O TÚNEL DO TEMPO – Tony Newman (James Darren) e Doug Phillips (Robert Colbert) eram cientistas trabalhando no Tic Toc Base, um laboratório subterrâneo localizado em algum lugar do Deserto do Arizona. Seu objetivo: construir uma máquina do tempo. Mas o governo americano planeja acabar com o projeto e Tony toma a iniciativa de entrar no túnel. Doug vai salva-lo e ambos ficam perdidos pela história do mundo, incapazes de voltar ao presente.


1966/1968 – BATMAN – Sátira ao herói de quadrinhos. Batman (Adam West) e Robin (Burt Ward) enfrentam diversos vilões. Durante as cenas de ação, a câmera se inclinava pelos cantos do estúdio, enquanto onomatopéias (Scrack! Pou!) enchiam a tela a cada pancadaria. Aparecer como vilão convidado virou uma espécie de símbolo de status em Hollywood: Pingüim (Burguess Meredith), Coringa (César Romero), Minerva (Zsa Zsa Gabor), dentre outros.

1966/1969 – JORNADA NAS ESTRELAS – USS Enterprise em busca de novas vidas, novos mundos, novas civilizações. A vedete era doutor Spock (Leonard Nimoy), meio-terrestre, meio-vulcano, e suas orelhas pontudas.

1967/1968 – OS INVASORES – Cruzando uma estrada deserta, o arquiteto David Vincent (Roy Thinnes) depara com um disco voador, pioneiro de uma grande invasão. Ninguém acredita nele, já que os invasores assumem aparência humana.

1967 – MANNIX – Um detetive – Joe Mannix – a serviço da tecnocrática Intertec, na pele do ator Michael Connors.

1968/1969 – TERRA DE GIGANTES – Num vôo suborbital de Nova Iorque a Londres, o avião Spinthrift é tragado por uma turbulência solar e é forçado a aterrissar. Os sete americanos que estavam a bordo descobrem que estão num mundo estranho, muito parecido com a Terra, só que com habitantes 12 vezes maiores. Os náufragos espaciais tentam consertar sua nave para voltarem para casa, mas são constantemente ameaçados por crianças, animais e insetos gigantes.

1968/1979 – HAVAÍ 5-0 – Steve McGarrett (Jack Lord) chefiava o 5-0, uma equipe de tiras especializados na luta contra o submundo do crime havaiano. Foi o seriado policial de maior duração, com 220 episódios filmados em locação nas ilhas havaianas.

1968 – THUNDERBIRDS – O melhor dos filmes de marionetes, muito realista e com um design futurista bastante convincente. Narra os apertos da organização Salvamento Internacional, destinada a remediar catástrofes ao redor do mundo.

1969 – MARCUS WELBY – Robert Young (ex-Papai Sabe Tudo) se regenerou do alcoolismo, interpretando um médico maduro e sóbrio.

Além desses, há a série brasileira VIGILANTE RODOVIÁRIO, em 26 capítulos, estrelada por Carlos Miranda, a partir de 1961; CAPITÃO 7, na pele de Percy Ayres; o primeiro super-herói oriental da tevê, NACIONAL KID, e mais ULTRA SEVEN, JEANNIE É UM GÊNIO, IVANHOÉ, O SANTO, CISCO KID, O HOMEM DE VIRGÍNIA, A NOVIÇA VOADORA, FAMÍLIA BUSCAPÉ, KUNG FU, QUINTA DIMENSÃO, JAMES WEST, OS MOONKEES, FALCÃO NEGRO, ALÉM DA IMAGINAÇÃO, CIDADE NUA, OS INTOCÁVEIS, JUSTIÇA EM DOBRO, MOD SQUAD, FLIPPER, HULK, MIAMI VICE, O HOMEM DA MÁFIA, JASPION, CHANGEMAN, A GATA E O RATO, FLASH O HOMEM RELÂMPAGO..... a lista é imensa.

29 novembro 2007

Cronologia dos seriados (1)

1949/1965 – ZORRO – Único sobrevivente de um destacamento atacado por bandoleiros, é salvo pelo índio Tonto. Ele veste a máscara e jura vingar os companheiros. Seu grito de guerra é “aiôôô, Silver!”.

1951/1964 – ROY ROGERS – Western contemporâneo. O rei dos cowboys e sua companheira Dale Evans cuidam do Double Bar Ranch, de Mineral City.

1951/1958 – I LOVE LUCY – Pequeno clássico da comédia americana. Teatro filmado com apenas dois cenários nova-iorquinos: o apartamento de Rick Ricardo (o cubano Desi Arnaz) e o Clube Tropicana, onde ele é o “band-leader”. Arnaz e Lucille Ball eram casados também na vida real. No Brasil, a série inspirou o Alô Doçura, com John Herbert e Eva Wilma.

1953 – SUPERMAN – As aventuras do homem de aço, depois de estrear nos quadrinhos de 1938 e no rádio em 1940, teve de esperar 13 nos antes de voar na televisão. Um estranho visitante de outro planeta veio à Terra com poderes e habilidades superiores às dos mortais, disfarçado como Clark Kent, humilde repórter de um grande jornal diário. No papel, George Reeves.

1954/1964 – RIN TIN TIN – O clarim tocava e a 101ª Companhia de Cavalaria perfilava orgulhosa no Forte Apache. “Olhar à direiiita!”, e todos olhavam, inclusive o fantástico pastor alemão. Ele atacava quantos índios houvesse com apenas uma ordem do pequeno cabo Rusty (Lee Ascker): “Aiôôô, Rintin!”. Série típica de órfão e seu bicho de estimação.

1954/1967 – PAPAI SABE TUDO – Comédia de situação sobre a família americana. A autoridade paterna se impõe com luvas de pelícia, enquanto a subserviência materna não tira as luvas na hora de lavar os pratos. Papai é Jim Anderson (Robert Young) e mamãe é Margareth (Jane Waytt), com seus três filhos. Toda noite, ao chegar em casa, colocava os chinelos e cuidava dos problemas cotidianos de sua família, resolvendo tudo com um largo sorriso e alguns conselhos sensatos.

1954/1972 – LASSIE – O maior de todos os seriados sobre animais. Foram 12 anos de produção em cinco séries e uma continuidade em desenhos animados Hanna Barbera. Lassie começou como uma personagem de uma coleção de livros para mocinhas e fez carreira no cinema estreando ao lado de Elizabeth Taylor.

1957/1959 – ZORRO – Bem-sucedido seriado produzido pela Walt Disney. Na Califórnia de 1820, Zorro (identidade secreta de Don Diego de La Veja) combate Monastero, o cruel interventor espanhol. Guy Williams era o herói, espalhando a marca do Z por portas, paredes e barrigas, especialmente a do balofo Sargento Garcia (Henry Calvin).

1957/1961 – BAT MASTERSON – As aventuras de Willian Bartley (Gene Barry), elegante agente da lei, sempre acompanhado de sua bengala e seu chapéu coco.

1957/1963 – O PALADINO DO OESTE – Antigo oficial do Exército vende sua experiência a pessoas que precisam de proteção. Na pele do paladino, o ator Richard Boone.

1957/1962 – MAVERICK – Sátira ao chamado código do oeste. Bret (James Garner) e Bart Maverick (Jack Kelly) são jogadores em viagem pela fronteira, que usam métodos pouco convencionais.

1958 – AVENTURA SUBMARINA – Mike Nelson (Lloyd Bridges), ex-homem-rã da U.S.Navy, viaja pelas profundezas do Pacífic.
1958/1961 – PETER GUNN – Ele é um investigador do velho estilo que faz do bar Mother´s de Los Angeles sua base de operações. No papel de Peter, Craig Stevens.

1959 – Os TRÊS PATETAS – As desventuras de Moe Howard, Larry Fine e Curly Howard, três desajeitados enfrentando os obstáculos que a vida oferece. Garantia de boas risadas.

1959/1973 – BONANZA – Sentimentalismo pela rudeza do velho oeste. Cada um dos filhos de Ben Cartwright (Lone Greene) nasceu de uma mãe diferente, morta em condições trágicas. Adam (Pernell Roberts) era o galã. Little Joe (Michael Landon), o garotão, enquanto o gordo Hoss (Dan Blocker) se encarregava de atrair as simpatias.

1960/1964 – ROTA 66 – Logo após a morte de seus pais, Tod Stiles (Martin Milner) e seu ex-empregado Buzz Murdock (George Mahares) embarcaram num Chevrolet para viver aventuras ao longo da rota 66.

1961/1966 – DOUTOR KILDARE – Os problemas médicos neste seriado são resolvidos com a presença de Kildare (Richard Chamberlain), que mostrava um ar de moço bom.
1961/1966 – BEM CASEY – Estreou cinco dias depois de Kildare. Casey (Vincent Edwards) não era tão frágil quanto o rival.

1962/1967 – COMBATE – O sargento Chip Saunders (Vic Morrow) chefia a Cia K de infantaria desde o desembarque na Normandia até a vitória final.

1963/1967 – O FUGITIVO – O doutor Richard Kimbale (David Jansen), médico de Indiana, briga com sua esposa e resolve dar um passeio pelo lago. Na volta, encontra sua mulher morta e o assassino fugindo de casa. É preso e condenado à morte. A caminho da penitenciária estadual, o trem que o leva descarrila e Kimbale foge para ser perseguido por dezenas de episódios.

1963/1965 – FIREBALL XL-5 – Inaugurou a era dos seriados de marionetes eletrônicos. Em Space City, base da Patrulha Galática, o Capitão Steve Zodiac e sua companheira Vênus defendem o Sistema Solar Unido contra forças de outras galáxias.

1964/1969 – DANIEL BOONE – As aventuras do grande herói americano que viveu na região da Carolina do Norte, Tennessee e Kentucky antes e durante a Guerra Revolucionária. Boone (Fess Parker) se encontra com índios em suas expedições pioneiras que podem ser amigáveis ou hostis.

1964/1968 – VIAGEM AO FUNDO DO MAR – As proezas dos oficiais e marujos do Seaview, um submarino atômico com nariz de vidro que viajava pelos setes mares, lutando contra vilões humanos ou alienígenas. O submarino foi obra do almirante aposentado Harruman Nelson (Richard Basehart).

1964/1968 – O AGENTE DA UNCLE - O mais planejado aproveitamento pela tevê do mito James Bond, recém-explodido. O par central personificava a “détente” nas figuras do americano Napoleon Solo (Robert Vaughn) e do soviético Illya Kuriakin (David McCallum).

1964/1972 – A FEITICEIRA – Sucesso no Brasil. James Stevens (Dick York, depois de Dick Sargent), publicitário de largas ambições, casa-se com a bela Samantha (Elizabeth Montgomery) e descobre depois que ela pertence a uma velha linhagem de feiticeiros.

1964/1968 – OS MONSTROS – Afiada sátira ao gênero família. Herman (Fred Gwynne) é o pai, um pastiche de Frankenstein com dois metros e vinte e um zíper no pescoço. O resto da família é de vampiros: Lily (Yvone de Carlo), o vovô (All Lewis) e o filho Eddie (Butch Patrick).

28 novembro 2007

Um revival de paixões (2)

INFLUÊNCIA – A influência dos pulps logo sucumbiu à proliferação de um novo meio, os quadrinhos de aventuras que começaram adaptando heróis da literatura de massa, Tarzan e Buck Rogers, e logo passaram a se expressar em sua própria linguagem, dando origem aos heróis Dick Tracy, Batman, Terry e os Piratas e tantos outros. No fim dos anos 20, e por todos os anos 30, começava uma época explosiva nos quadrinhos – a era de ouro. De cômicos, as histórias em quadrinhos passaram por muitos temas como aventuras nas selvas, no Oriente e até no espaço. E surgiram Tarzan, Jim das Selvas, Agente X-9, Buck Rogers, Flash Gordon, Brick Bradford e outros. Assim houve uma assimilação de muitas dessas histórias pelo cinema, particularmente pelos seriados que se dirigiam a um público infanto-juvenil.

Em 1929 Tarzan inaugurava nos quadrinhos a moderna linguagem dessa arte, desenhado por Harold Foster. No mesmo ano é lançado Tarzan o Tigre, série em 10 episódios, dirigida por Henry McRae. A lista de adaptação dos quadrinhos é interminável. A combinação de ator, dublê e modelo, utilizada para criar a ilusão de vôo na montagem de Capitão Marvel (1941) e a transformação do ator em desenho animado durante os supervoos de Super Homem (1948), são exemplos imbatíveis do charme “camp” dos velhos seriados.

Havia, ainda, heróis animais, como Rin Tin Tin, Lassie e Rex, “o rei dos cavalos selvagens”. Entretanto, não existiam mocinhos negros ou orientais (estes sempre apareciam como vilões e aqueles, como submissos). No roteiro, a eterna luta contra o mal era invariavelmente vencida pelas forças do bem – mas só no capítulo final. A inocência dos mocinhos era notável, e os vilões com desejos de dominar o mundo. Pouco diálogo, muita ação e nada de romance (afinal, havia na época um forte código de ética). Armas de raio, robôs e civilizações perdidas. Lutas, perseguições e explosões espetaculares. Esse era o segredo dos clássicos seriados. Se a tevê liquidou o gênero, nos anos 60, o vídeo (e logo depois o DVD), por ironia,foi bem capaz de resgata-lo e, ainda por cima, elevar sua condição de refugo da indústria cultural à qualidade de fetiche.

GERAÇÃO – Cada geração tem os seus seriados favoritos. Porque o seriado era uma fase da vida. Os mais velhos lembram alguns desses. Os mais jovens vão falar em Flash Gordon, Jim das Selvas, Zorro, O Caveira, Rei da Polícia Montada, Sombra, Capitão Marvel, Batman até os últimos seriados serem rodados nos EUA, em 1956. Atores mais gloriosos de Hollywood viveram toda a sorte de perigos nessas histórias como John Wayne, Boris Karloff, Bela Lugosi, Mickey Rooney, Tom Tylet, Tom Mix, Buck Rogers, Gene Autry. Mas os estudiosos dos seriados dizem que o rei deste ciclo de cinema foi Larry “Buster” Crabe, o Flash Gordon e o Buck Rogers das telas.

A partir de meados dos anos 50, a galeria desses super-heróis e arquivilões começou a abandonar as telas dos cinemas. Primeiro, eles foram relegados aos cinemas de bairros (os conhecidos “cines-poeira”) e os cinemas do centro esqueceram as matinês com os seriados. Depois, passaram a viver só nas cidades menores, onde não havia chegado a televisão. Nos anos 50, a TV mata os seriados e as novelas de aventuras das rádios – como O Anjo ou Gerônimo, o Herói do Sertão. A garotada deixou de ir aos cinemas para ver estas séries, nos domingos, porque a tevê passa todos os dias. Agora, em vez de seriados cinematográficos, milhões de pessoas querem saber o que vi acontecer com os personagens favoritos da telenovela.

Os primeiros seriados para televisão surgiram em 1949 e sofreram enorme influência da histeria macartista que marcou a década de 50. Espiões, marcianos e índios, no fundo todos refletiam a mesma coisa: a obsessão pelo “perigo vermelho”. No fim dos anos 50, e começo dos 60, os seriados televisivos atingiram sua linguagem própria e produziram quantidades imensas de capítulos. A partir de 1965, as séries são precedidas de amplas pesquisas de opinião pública e um caso típico é O Agente da UNCLE. A ideologia expansionista que justificou a guerra do Vietnã está presente nas séries como Perdidos no Espaço e Túnel do Tempo. A paixão por seriados de tevê teve até um fanzine, “...E No Próximo Episódio...”. A publicação paulista, bimestral, teve, entre os seus colaboradores, alguns dubladores dos filmes. Hoje temos diversos sites sobre o assunto.

27 novembro 2007

Um revival de paixões (1)

As aventuras da antiga e nova Jornada nas Estrelas trombam no espaço, cultivando fãs ardorosos. Mas a mania não viaja apenas com os tripulantes da Enterprise, Batman e Robin (a dupla pop dos anos 60), Perdidos no Espaço, A Feiticeira, Agente 86, Terra de Gigantes explodem nas telas de tevê num revival de muitas paixões.

Quem tem mais de 50 anos vai recordar. Quem tem menos, vai saber o que eram as matinês de domingo... Aquele tempo em que a garotada ia ao cinema para gritar e brigar pelos seus ídolos – Buck Rogers, Búfalo Bil, O Sombra, Zorro, Flash Gordon – e odiar os arquivilões, os cientistas loucos que queriam subjugar o planeta. A maioria vestia a melhor roupa para enfrentar as cadeiras de madeira. Muitos levavam pilhas de gibi e de figurinhas de álbuns para trocar na porta do cinema. Chegavam antes da sessão para comprar ou trocar.

A tevê não existia, e o cinema era a grande opção de diversão da garotada. Os seriados, a maior atração. Agora, através do lançamento em DVD de muitos deles, ou mesmo reprisados na tevê, as novas gerações começam a travar contato com a lenda das matinês de sábado e domingo. Desde o início os seriados foram sinônimos de aventuras e perigo. O seriado era uma emoção em cada quadro, e cada um dos 12 ou 13 episódios terminava numa situação terrível, da qual jamais o mocinho ou a mocinha poderiam escapar. Amarrada nos trilhos pelo vilão, a mocinha está para ser atropelada pelo trem em disparada. O público prende a respiração. Conseguirá escapar? A resposta, porém, só será conhecida na semana seguinte, na continuação do seriado.

PÚBLICO – O público entendia tudo: uma certa forma de olhar do personagem já mostrava se ele era bom ou mau. Cada gesto do ator em cena correspondia a uma linguagem que o público compreendia em seu mais sutil sentido. Assim, o seriado foi um dos mais importantes elementos na criação de várias gerações de cinemaníacos. O seriado cinematográfico é a conjugação de várias técnicas: dos romances em série publicados nos jornais, em forma de folhetins; das narrativas em quadrinhos que assimilam muito do espírito de aventuras das revistas ilustradas e de certos romances, e da evolução da linguagem do próprio cinema.

Os primeiros seriados eram para adultos. Só a partir da década de 30, e até começo dos anos 50, que se tornaram um gênero dirigido às crianças, projetados só nas sessões matinais ou vespertinas dos domingos. Nick Carter foi um dos primeiros heróis que começaram a aparecer nas telas em 1908, numa produção francesa, era um detetive americano. Com ele foram feitos seis filmes, de 30 minutos cada um, projetados na França à razão de um mês - e com um sucesso impressionante.

As proezas de Nick inventaram um novo gênero no cinema. Lançada a moda, logo surgiam, de semana para semana, heróis idênticos perseguidos pelos maléficos vilões. Estes filmes cumpriam um papel necessário: levar o público ao cinema. O público ia para ver o que aconteceria, exatamente como os leitores dos folhetins corriam para comprar o jornal e seguir a história favorita. No início, acontecia uma curiosa fusão de gêneros. Os jornais continuavam publicando, em forma de folhetim, as histórias dos principais filmes. As técnicas não se negam; completam-se, enquanto a linguagem do cinema conquista autonomia.

POPULARES – O vilão-herói dos pulps franceses, Fantomas (1913), teve suas aventuras transformadas em seriado. Os pulps eram livretos populares, em que heróis destemidos e detetives mascarados enfrentavam o crime e o perigo em situações fantásticas. Em suas páginas, publicadas desde o século passado, estava a fórmula básica dos filmes seriados. Além da estrutura, o pulp também emprestou personagens como o inspetor Blake, astro do primeiro seriado falado, The Ace of Scotland Yard (1929), e O Sombra (1940).

O primeiro seriado autêntico chamava-se The Adventures of Kathlyn (1913) e era estrelado por Kathlyan Williams, “a garota sem medo” que por 13 episódios enfrentava uma variedade de perigos bizarros na Índia. O seriado mais popular do cinema mudo, por sua vez, foi Os Perigos de Paulina (1914), estrelado por Pearl White. A bela Pearl White era a verdadeira rainha dos primeiros seriados. Numa série em 20 episódios, as aventuras desta moça milionária, sendo perseguida por vilões inescrupulosos, devido à sua herança, seriam publicadas, na época, pelos jornais da cadeia Hearst, na França, pelo célebre Le Matin.

Nos seriados criados na Alemanha, o que se via, de forma quase obsessiva, era o problema da vontade de poder, de homens que sonham em dominar o planeta. Basta conferir em Homunculus der Fuher, de 1915, dirigido por Otto Rieppert, filme de seis episódios que conta a história de El Golen, ser artificial gerado no laboratório de um cientista para conseguir o domínio do mundo. Ou As Aranhas, de Fritz Lang que narra as façanhas de uma organização de supercriminosos que também tentam dominar o mundo. Este é igualmente o objetivo de Doutor Mabuse, do mesmo diretor, filmado inicialmente em série – e depois em longa-metragem, considerado um clássico do cinema.

26 novembro 2007

Uma mania planetária: nostalgia dos seriados

O folhetim, narrativa seriada publicada em jornais e revistas, consolidou uma fórmula de consumo para uma sociedade industrial que se constituía ao longo do século 19. A estrutura em capítulos já era padrão em romances, na medida em que nela se acentua a temporalidade, com a entrega de segredos ao leitor de forma regular, se consolida uma fidelidade à base de manipulação da tensão e da atenção.

O cinema vai adotar a fórmula seriada para conquistar e manter o público ainda nas primeiras décadas do século 20. A fórmula dos seriados no cinema, popular nos anos 30 e 40, também encontrou no rádio um veículo popular e de fácil acesso às massas consumidoras de histórias simples e contagiantes. Nos EUA, nos anos 30, o formato radiofônico, conhecido como “soap opera” (ópera de sabão, como referência irônica aos excessos dramáticos nessas histórias da vida cotidiana), era transmitido diariamente e seu público predominantemente era de donas-de-casa.

Da literatura folhetinesca para o cinema e o rádio foi um passo, em seguida, a tevê. O surgimento da fórmula dos seriados na tevê aconteceu em meados dos anos 40, nos EUA, com quatro redes principais dominando o novo veículo: ABC, CBS, NBC e DuMont. O predomínio do teleteatro e o valor publicitário agregado a uma suposta clientela com maior poder de consumo dava o tom. Encenação era ao vivo e num espaço confinado com cenário praticamente fixo. Com a entrada do videotaipe, em 1957, trouxe o desenvolvimento de roteiros cada vez mais específicos para o meio, condições técnicas mais sofisticadas e mis possibilidades narrativas. Dessa forma a atriz Lucille Ball deu origem direta ao formato de sitcom (abreviatura para a comédia de situações), gênero fundador dos seriados de TV, com a trama de “I Love Lucy”, adaptada de um programa de rádio bastante popular.

Na década de 60 os seriados de ficção científica eram os mais cultuados. Estimulado pelo sucesso de “O Mundo Perdido”, Irwin Allen lançou “Vigem ao Fundo do Mar” (1964/68). Em seguida ele produziu “Perdidos no Espaço”, “O Túnel do Tempo” e “Terra de Gigantes”. Outros seriados de sucesso: “A Feiticeira”, idealizado pelo produtor William Asher e sua mulher, a atriz Elizabeth Montgomery para a rede ABC. A concorrente NBC cria “Jeannie é um Gênio” (produzido por Sidney Sheldon).

O ano de 1970 marca a estréia de Mary Tyler Moore Show, o primeiro sitcom dedicado a uma personagem principal feminina, solteira e independente e suas peripécias diárias no mundo do trabalho. A década de 80 se transforma na época das séries realistas: Hill Street Blues, Twin Pearks. As longo dos anos 90, sexo, rogas, amoralismo de toda ordem são levados para dentro dos lares em horário nobre: Law & Order, Er, Friends,. Sex and the City, The West Wing, Família Soprano. A partir do ano 2001 são exibidos A Sete Palmos, 24 Horas, Lost e muitos outros virão para preencher o imaginário do público. Hoje, as pessoas do mundo inteiro discutem na Internet o que aconteceu no último episódio de Lost, tentando decifrar os mistérios da ilha e compram DVD´s da temporada completa de sua série preferida. Este envolvimento proporcionado pelas tramas e personagens das séries americanas de TV é um dos assuntos do livro do jornalista, crítico de cinema, professor Cássio Starling Carlos: “Em Tempo Real – Lost, 24 Horas, Sex and the City e o Impacto das Novas Séries de TV”, publicado pela Editora Alameda. Ótimo livro. Amanhã começaremos uma série sobre o assunto. O tema seriado já havia publicado em uma reportagem de setembro de 1991 no jornal A Tarde. Não percam...

23 novembro 2007

Entre música e poesia, harmonia (2)

Há um antigo dilema entre poesia e letra de canção. Enquato a maioria das canções fala de amor, a poesia atual aborda uma faixa bem mais ampla de assuntos. Os poetas contemporâneos opta pelo verso livre e pelas formas abertas, as letras continuam se valendo de metro, rima, estrofe, refrão, ferramentas a que a poesia hoje mal recorre, ou utiliza em circunstâncias especiais. O articulador da Folha de S.Paulo, Nelson Archer já abordou com maestria o tema. Para ele, depois de João Cabral, a produção nacional perdeu popularidade e isso coincidiu com duas décadas e meia de apogeu da MPB (1960/85), quando a inteligência local achou um jeito de converter uma arte considerada menor no veículo dos principais debates da época. “A poesia escrita eclipou-se parcialmente entre nós à medida que a cantada chegava ao centro do palco”, escreveu. Assim, o reconhecimento das realizações de duas outras gerações de letrista foi adiado.
Tanto a música como a poesia são artes que se organizam no tempo, diferentemente da pintura e escultura que o fazem no espaço, e o cinema e o teatro que o fazem nos dois. A prosa (o romance e o conto) também se organiza no tempo. As duas são registradas por meio da escrita, mas devem ser executadas como som (exceto e poesia concreta, cuja revolução foi assimilar formas expressivas das artes plásticas). O registro da música se dá pela partitura. Essa registra o ritmo e a melodia. O ritmo diz respeito à acentuação das notas por compasso. A melodia diz respeito à seqüência de notas tocadas, como dó, ré, mi e fá, por exemplo. São esses elementos básicos que se encontram descritos numa partitura. Na música moderna, o ritmo pode ser irregular, e a melodia ter grandes variações.

Na poesia, o ritmo também está registrado, não por notas, mas por sílabas átonas e tônicas. E como na música, a regularidade do poema também é construída por eles. E como o compasso da música, a poesia também tem uma unidade: o verso. E nela, as pausas também têm seus símbolos: ponto, vírgula e ponto e vírgula, que também diferem em duração. A escolha das palavras é necessariamente uma escolha de sílabas, que por sua vez, carrega em si a escolha de vogais e consoantes: fonemas. Assim, na música, a melodia e o ritmo são registrados, enquanto o timbre e o andamento fazem-se na execução, dependendo do intérprete, do instrumento, e assim por diante. Na poesia, o ritmo e o timbre são registrados, enquanto a melodia e o andamento fazem-se na execução, dependendo também do intérprete.

Para Paul Valéry, a prosa e poesia, “servem-se das mesmas palavras, da mesma sintaxe, das mesmas formas e dos mesmos sons ou timbres, mas coordenados e excitados, distinguindo-se, portanto, através da diferença de certas ligações feitas e desfeitas em nosso organismo psíquico e nervoso, enquanto os elementos desse modo de funcionamento são idênticos”. “A prosa utiliza-se da linguagem útil, isto é, a linguagem que serve para o homem atingir seus objetivos; ou seja, para ser compreendida; quando isso ocorre, ela transforma-se em algo totalmente diferente. Entretanto, no poema, é feito expressamente para reviver e vir a ser indefinidamente o que acabou de ser, ou seja, reconhece-se por esta propriedade: ela tende a fazer reproduzir em sua forma: ela nos excita e reconstituí-la identicamente”. Sendo assim, poema utiliza-se da linguagem como um fim em si mesma, procurando exprimir um ideal, um estado de alma:

“A tarefa do poeta – diz Valéry - é nos dar a sensação de união íntima entre a palavra e o espírito, o que resulta no maravilhoso, na magia, agindo em nós como um acorde musical. A impressão produzida depende da ressonância, do ritmo, do número dessas sílabas, mas resulta da simples aproximação dos significados”. Fernando Pessoa, em Ricardo Reis, diz que a poesia é "música que se faz com idéias”, enquanto Mallarmé afirma que "se faz com palavras, não com idéias". Para Antonio, “a poesia se faz com palavras-idéias e com idéias-palavras. O que Mallarmé quer excluir é a tese de que a idéia separada da palavra seja suficiente para fazer poesia”.

Procura da Poesia (Carlos Drummond de Andrade)

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

22 novembro 2007

Entre música e poesia, harmonia (1)

Desde os magníficos trechos poéticos da Bíblia, do lirismo erótico de Safo, dos textos gregos e latinos, a poesia sempre se fez presente. E a música era instrumental. Durante um longo período, a música ocidental foi homofônica. Existia uma única linha melódica ou voz, sendo que o restante da música era composto de harmonia que sustentava essa linha melódica. Geralmente, a melodia principal era em um tom mais elevado e identificava a peça. A música religiosa do século IV não necessitava de um acompanhamento musical. Uma única voz cantava a melodia simples em latim. No século VI, o Papa Gregório I decidiu governar também a feitura das músicas. Como resultado, surgiu o canto gregoriano, que era cantado em uníssono.

Foi na Idade Média que houve a descoberta que os vários sons podiam ser feitos ao mesmo tempo, sem que um cancelasse o outro, ou em resultar em mero ruído, e, assim, nasceu a polifonia Coincidiu que a polifonia surgiu com a construção das grandes catedrais góticas e o nascimento da harmonia, que culminaram com a Renascença e o início das ciências modernas e da matemática. O interior de uma antiga igreja de arquitetura romana com teto alto e em volutas, paredes paralelas e uma longa arcada, espaço ideal para as procissões, mas também para as reverberações do canto gregoriano. Já no interior de uma catedral gótica, com seus ângulos, corredores, estátuas, escadarias, nichos e complexas fugas em pedra, um canto gregoriano seria partido, fragmentado.
Na Idade Média os trovadores surgiram para cantar o amor cortês. Eram cantigas com letras resistentes à leitura mais sensível e rigorosa. Depois a música colou-se à pele das palavras numa relação intensa e apaixonada. É quando acontece a síntese entre música e poesia. Muitos versos soam banais quando lidos sem acompanhamento musical. Mas quando aparece junto ao suporte sonoro, emociona. Faça um este com as músicas que você costuma ouvir com freqüência, retire o suporte musical e tente ler a composição em voz alta. Muitas dessas composições não convencem sem seu lado musical.

Mas quando a pele da palavra se encaixa nos acordes dos sons e decifra seus códigos, se aprofunda nos sentimentos humanos e nos muitos compassos da música, o resultado é exitoso. Paixão para os ouvidos, carícias para a mente. E nessa relação intensa onde a voz ilumina a corda instrumental em que se equilibra a vida, uma vida musical do universo estético equilibrado e não apenas um simulacro da expressão artística que se ouve nos atuais ritmos populares (pagode, axé...)

Música e letra de qualidade acaricia a pele de verdade, invade todos os infindáveis poros, por cima ou por baixo dos acordes. Busca com avidez os segredos da língua, uma menina ao som do seu bel prazer, deixando feliz todo e qualquer ser. Afinal, a palavra pele é uma tinta que não se expele.

“A nossa poesia é uma só/eu não vejo razão para separar/todo o conhecimento que está cá/foi trazido dentro de um só mocó/e ao chegar aqui abriram o nó/e foi como se ela saísse do ovo/a poesia recebeu sangue novo/elementos deveras salutares/os nomes dos poetas populares/deveriam estar na boca do povo//Os livros que vieram para cá/O Lunário e a Missão Abreviada/A donzela Teodora e a fábula/obrigaram o sertão a estudar/de repente começaram a rimar/a criar um sistema todo novo/o diabo deixou de ser um estorvo/e o boi ocupou outros lugares/os nomes dos poetas populares/deveriam estar na boca do povo//No contexto de uma sala de aula/não estarem esses nomes me dá pena/a escola devia ensinar/pro aluno não se achar um bobo/sem saber que os nomes eu louvo/cão vates de muita qualidades./O aluno devia bater palma/saber de cada um o nome todo/se sentir satisfeito e orgulhoso/e falar deles para os de menor idade/os nomes dos poetas populares” (Poesia de Antonio Vieira)

Hoje, a partir das 18h na Livraria Civilização Brasileira do Shoppping Barra (2º piso), Ruy Espinheira Filho estará autografando seu livro "Um Rio Corre na Lua".

21 novembro 2007

Cheiro de Mutarelli, o maldito, no ar

Ele é importante por representar a resistência dos quadrinhos de autor, adulto, fugindo das soluções bem-sucedidas do humor e da pornografia. O paulistano Lourenço Mutarelli marcou seu início nos anos 80, sobrevivendo a um incipiente mercado independente e mantendo em sua obra a mesma dignidade até hoje. Na sua premiada obra “Transubstanciação” (1991), o poeta Thiago sofre um angustiante estado de alteração mental. Não sabe exatamente se está sonhando ou se as coisas estão realmente acontecendo. O chão balança embaixo dos pés, como num terremoto. Em seus delírios, resolve conversar com o Todo Poderoso. O diálogo entre os dois é antológico.

Apaixonado pelo cinema, pintura, literatura e quadrinhos, Mutarelli foi um atento observador dos filmes de Tarkovski, dos quadrinhos de Philip Druillet (futurista) e Will Eisner, das pinturas de Bosch e Brueghel, da literatura de Beckett e Gertrud Stein. Lembrando ainda do norueguês Edward Munch, pioneiro do expressionismo, mestre do sufoco. “O Grito” é uma de suas obras mais conhecidas. O surrealismo escabroso de seus traços fica por conta de uma personalidade depressiva, agravada por uma Síndrome de Pânico que enfrentou em 1990 com pesadas doses de psicotrópicos.

O território das histórias de Lourenço está numa região oculta do cérebro – o inconsciente. “O Cheiro do Ralo” trata de um universo bizarro e de um personagem que compra e vende objetos usados. A história de um comerciante vil, torpe, que se redime por amor a um derrière. Antes de “Transubstanciação” (que chegou a vender 13 mil exemplares) ele publicou “Os Desgraçados” e “Eu Te Amo Lucimar”. No álbum “A Confluência da Forquilha” ele mostra um artista que não consegue unir palavra e imagem, minando a cada raciocínio sua habilidade de perceber o mundo. Narra a história do pintor Matheus, que faz sempre o mesmo quadro (o retrato do poeta francês Baudelaire) e vê seu mundo desmoronar quando sua mulher vende todas as suas obras idênticas para comprar comida para a família. Ansioso por ganhar dinheiro, ele se envolve com Moloc, que lhe impõe um pensamento lógico e lhe tira a inspiração artística.

O traço, expressivo, consegue amarrar a atenção do leitor sem se distanciar do texto denso e poético. Cínico e de humor negro cortante, o álbum traz o incômodo dos malditos, dos que estão sempre à margem, subterrâneo, espreitando a vida na superfície. Denso, cruel, infernal. Seus personagens são claustrofóbicos. “Seqüelas” saiu em 1998.

Ele mesmo escreve, desenha, arte-finaliza e coloca as letras em seus álbuns. Seu trabalho é como terapia. “Tem gente que acha que desenhar é uma bênção. Para mim, é uma maldição. Eu não consigo parar. Eu faço quadrinhos porque preciso”, disse em uma de suas entrevistas. No início ninguém queria editar seus trabalhos porque os considerava muito diferente do que era publicado. “Eu consigo classificar minhas histórias como psicológicas. Elas são, talvez, uma mistura de gótico com estados de alma”.

A partir de 1999 surge a trilogia do detetive Diomedes – “A Soma de Tudo. Parte 1”, “A Soma e Tudo. Parte 2”. Teve ainda os romances “Jesus Kid” e “O Cheiro do Ralo”. Este último virou filme roteirizado por Marçal Aquino sob a direção de Heitor Dhalia e tem o ator Selton Mello como protagonista. Mutarelli participa do filme. Assim o artista gráfico está envolvido profundamente com a literatura e o teatro, além do prazer de interpretar.

A idéia central da tragicomédia O Cheiro do Ralo surgiu porque Mutarelli andava sempre mal vestido, seguido pelos seguranças e, como não sabe negociar nada, vivia tomando prejuízos. Resolveu criar um personagem que fosse o seu oposto, soubesse vender, humilhar, negociar. Na época ele trabalhava num quarto de empregada e tinha um banheiro com um cheiro insuportável. Assim, começou a imaginar o efeito que aquilo podia ter sobre o personagem. O comerciante frio e cruel se aproveita da fragilidade de pessoas que o procuram para ganhar uns trocados com a venda de alguma jóia a família ou de um pertence muito querido. O próprio Mutarelli aparece no filme como o segurança da loja.

E é esse universo sombrio, doentio, mais psicológico que está fazendo com que a obra de Mutarelli seja ampliada em outras linguagens. Vale a pena conhecer o trabalho do artista. Mas se prepare para entrar no mundo das sombras, do interior das pessoas.

20 novembro 2007

Tramas do sagrado na poética de Elomar (2)

A trajetória de Elomar é curiosa. Filho de pequeno fazendeiro, aprendeu, de menino, a ouvir a caatinga. Primeiro, na voz rachada dos violeiros errantes do sertão. Depois, ouviu atentamente as cantigas de grilo trazidas pela brisa. Na Fazenda São Domingos, que herdou do pai, plantou café e mantêm vivas todas essas lembranças. Viajou para Salvador e passou 13 anos aprendendo arquitetura e violão clássico. Formado, voltou para Vitória da Conquista. Comprou a Fazenda Gameleira, na serra da Tromba, a 30 quilômetros de Vitória da Conquista, e passou a criar carneiros. Entrou mais fundo no sertão e comprou Rio Gavião, uma fazenda a 102 quilômetros da cidade, por estrada de terra. E é lá que ele cria bodes (um deles, o Francisco Orellana se tornou personagem dos quadrinhos de Henfil) e vive a vida simples dos homens do povo.

Ele não se acostuma com a cidade grande. Prefere ficar a maior parte de seu tempo às margens do Rio Gavião. “Não tenho natureza pra agüentar o meio urbano. A cidade é um curral entupido de gente”. Ele separa o mundo em duas partes, os “urbanóides”, são os que vivem nas cidades, suportam a poluição e nunca encontram tempo para observar qualquer manifestação da natureza. E a outra parte do mundo ele chama de “roçalinos”, os que habitam campos e sabem perfeitamente a orientação das estrelas. São capazes de distinguir a constelação do Cruzeiro do Sul da Flormarion, a última estrela da Via Láctea.

Também são pessoas que enxergam o amor através de outros olhos, pelos olhos de poetas. Não acredita no amor carnal, que ele chama de momentâneo, de instantes apenas. Como as paixões medievais, é adepto e seguidor das paixões platônicas: “Eu canto meu povo, suas dificuldades, sua fome. É claro que há amor nos meu versos. Mas não é um amor carnal. Canto o amor transcendental, que ultrapassa torres, pontes, quebradas, rompe florestas perdidas. Jamais cantarei ´um copo de uísque, a cama desarrumada, o cinzeiro com tocos de cigarros...´.”.

DINHEIRO NÃO

A música de Elomar começou a ser conhecida do público quando, em 1969, sua composição “O Cantador” foi apresentada no Festival Internacional da Canção, no Rio. Naquela canção dizia Elomar: “Apois pro cantador e violeiro/Só há três coisas nesse mundo vão/Amor, forria, viola – nunca dinheiro/Viola, forria, amor – dinheiro, não!”. Em 1973 ele gravou seu primeiro Lp, “Nas barrancas do Rio Gavião”. O disco não fez sucesso comercial e, retirado logo do catálogo pela gravadora Polygram, não conseguiu fazer de Elomar um artista conhecido do grande público. Mesmo assim, até porque quem tinha esse disco guardava-o como preciosidade, foi através dele que Elomar passou a ser conhecido de críticos, musicólogos e interessados, que logo atentaram para a originalidade de sua música e para a raridade de seus versos, escritos quase que num subdialeto sertanejo, cheio de arcaísmo e preciosismo verbais. Aos poucos, ele passou a ser quase que uma legenda dentro da MPB.

“Na quadrada das águas perdidas”, seu segundo disco, já havia uma grande expectativa em torno de sua figura de artista e de sua obra. Com esse trabalho ele ganhou o Prêmio da Crítica de São Paulo e Rio de Janeiro como o “melhor disco do ano de 1980”. Depois lançou o “Parcelada Malunga” (1980), “Fantasia Leiga para um Rio Seco” (1981), “Com Sertão” (1982), “Alto da Catingueira” (1983) uma espécie de opereta, “Cartas Catingueiras” (1983), “Cantoria 1” (1983), “Cantoria 2” (1984), “Sertanias” (1985), “Concerto Sertanez” (1988), “Elomar em Concerto “(1989), “Árias Sertânicas” (1992), “Cantoria 3” (1995) que mais tarde foram relançados pela gravadora Kuarup Discos.

Além das gravações, Elomar tem se apresentado desde 1975 por todo território nacional, ao menestrel e, com orquestras, quintetos, quartetos e outras formações sinfônicas. Fez apresentações na Martinica e na Alemanha Ocidental, onde em 1986, sendo convidado para representar o Brasil no Festival Íbero-Americano, gravou o LP Dos Confins do Sertão (1986), pelo qual recebeu da crítica daquele país, primeiro prêmio internacional. Tem recebido diversos convites para apresentações, na França, Inglaterra, Portugal. Rejeitando a todos ante a insignificância de cachês e propostas.

Assim é o menestrel do sertão baiano, depurando a sua música, conservando a virtuosidade aprendida nas aulas de violão clássico, mas herdando dos sertanejos catingueiros a singeleza contida de suas melodias. Avesso à cidade grande e à sociedade moderna, para ele vazia em espiritualidade, Elomar mantém-se resguardado com suas relíquias protegido pela redoma do sertão. Protestando contra o esquema mercenário das gravadoras, grava sua obra independente e distribui da mesma forma. Mesmo assim, tornou-se um artista singular, que consegue notoriedade nacional sendo avesso à mídia.

19 novembro 2007

Tramas do sagrado na poética de Elomar (1)

Presentificando o sagrado existente na linguagem, no homem, na natureza, Elomar peregrina pelas terras do sertão. Garimpa, vasculha lá no abismo do esquecimento os ritmos quase mortos, os costumes que vão embora junto com os retirantes, as cantigas que remontam à era medieval. E o resultado é uma obra primada pelo vocabulário rebuscado (retirado do cancioneiro ibérico que sobrevive no sertão nordestino), aliado a expressões típicas dos cantadores e repentistas.

Em junho deste ano o cantador inaugurou a Fundação Casa dos Carneiros, com sede na fazenda do artista, onde compôs boa parte de sua obra. A entidade vai incentivar as manifestações artísticas e desenvolver projetos ecológicos e sociais, sediar o acervo elomariano, aberto para pesquisa, com histórico de suas obras: discografia, canções, poesias, árias de ópera, roteiros para cinema, romances de cavalaria e tudo que diz respeito à produções de Elomar.

Em julho a professora e pesquisadora Simone Guerreiro lançou o livro “Tramas do sagrado: a poética do sertão de Elomar”, com ilustrações do artista plástico Juraci Dórea. A obra traz o perfil biográfico do artista erudito-popular e um CD inédito gravado em 2006 por Elomar, além da entrevista com o homenageado, uma análise de seus poemas, canções e árias, conhecidas ou inéditas também estão inseridas no trabalho.

Na viagem pelo sertão do trovador de Conquista, Simone aborda as trocas culturais entre “Brasil e Portugal e a aproximação com o mundo medieval, atualizando consoante a realidade histórica do sertão (...). Isto é tecido a partir das tramas do sagrado, ou seja, observando como a consolidação de um estilo arcaico, medieval, é uma estratégica para resguardar determinados valores éticos e estéticos que se contrapõem à dessacralização da arte moderna e desumanização da arte contemporânea. Pousando, em seguida, na caatinga, ressalta-se o processo de ficcionalização de sua aldeia, o Rio Gavião, ao modelar uma geografia encantada que inventa o território sertanejo”. O trabalho de Simone é sensível, criterioso, competente, valioso.

Com 16 discos lançados, a comemoração dos 70 anos do poeta (dia 21 de dezembro) será feita com o lançamento de um DVD, seguida de uma turnê por várias capitais, além da publicação de seu romance inédito de cavalaria, Sertanílias.

ÚLTIMO CATINGUEIRO

Elomar Figueira de Mello mora nas caatingas da Bahia, mas estudou música erudita em Salvador. É arquiteto, criador de bodes e trovador místico, sabe das coisas. Seu terceiro disco, “Fantasia leiga para um rio seco” conta a histórica seca do Noventinha, acontecida no sertão na virada do século, quando dezenas de famílias morreram ao sair em êxodo para o Sul. Os que ficaram na terra, também pereceram. É a saga de um catingueiro, cronista derradeiro da fome e sua retirada heróica em busca de onde nasce o verde, até a morte. Esse trabalho, de todas as formas, reafirma o talento de um dos mais inspirados artistas brasileiros e também é uma das propostas mais originais da música popular brasileira.

O disco tem “Cinco Cantos” onde o seu violão e voz casam-se com os sons da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal da Bahia, com arranjos e regência de Lindembergue Cardoso. Na abertura, a orquestra soa a desolação, a terra seca. Em seguida vem o primeiro canto, “Incelença pra terra que o sol matou” onde Elomar canta como está o catingueiro, derradeiro flagelo. O segundo canto, “Tirana” é o lado mais íntimo, fala da mulher, dos filhos, na solidão, seus sonhos. Gira em torno da casa e da estrada. O terceiro canto, “Parcela”, ele remove recordações. Vem a dor: sair da caatinga para o Sul. A seca, a fome e a morte estão no quarto canto, “Contradança”. E encerra o quinto canto, “Amarração”, com o sertanejo sem força, chegando morto.

A música do cantador Elomar tem claramente definidos os traços de musicalidade ibérica – a que se adiciona ainda forte dose de sentimento mourisco – e a prova disso é não apenas a sua temática, cheia de referências medievais e cavalheirescas, como também o próprio suporte formal de suas composições, todas calcadas em esquemas modais, com seu violão sublinhando, frase por frase, o canto anasalado e cheio de vocalizes. Desta maneira, voz e violão unem-se, marcham paralelos.

Vô cantá no cantori primêro/as coisas lá da mia mudernage/que me fizero errante e violêro/eu falo sero e num é vadiage/e pra você qui agora está me ôvino/puro inté pelo Santo Mininio/Virge Maria que ôve o qui eu digo/se fô mintira me manda o castigo//Apois pra o cantado e violêro/só há treis coisa neste mundo vão/amo, furria, viola, nunca dinhêro/viola, furria, amo, dinhêro não” (O Violeiro)

14 novembro 2007

Beijos nas histórias em quadrinhos

Smak! Chuac! Mmmm!! Beijos molhados, apaixonados ou no pé do altar do Super Homem, Batman, Fantasma, Ferdinando, Pato Donald, Peanuts, Mônica, Menino Maluquinho e tantos outros personagens dos gibis já foram expostos nas galerias de Salvador nas décadas passados quando gostava de homenagear a todos os que se entregam à magia do amor. Nos mais de 40 quadros em seqüências revelava que um beijo é mais que somente um beijo, é uma poderosa forma de comunicação entre duas pessoas. Se nos anos 30, 40 e 50 as personagens de quadrinhos passavam anos sem dar uma “bitoca”, pois a idéia era de que quadrinhos era coisa de criança, nas décadas seguintes o que se via eram beijos calorosos de dar água na boca.

Na história dos beijos quadrinizados, cada geração pode escolher seu casal preferido: Mandrake e Narda, Fantasma e Diana, Pato Donald e Margarida, Super Homem e Lois Lane, Homem Aranha e Mary Jane, Mônica e Cebolinha, Zé Carioca e Rosinha ou Popeye e Olívia Palito. Vale a pena conferir cenas desses grandes beijoqueiros.

Antes, as namoradas existiam apenas para atrapalhar ou colocar os heróis em frias, como fazia Mirian Lane com Super Homem. É bom lembrar que naquela época não só a religião mas toda a sociedade colocava a mulher em segundo plano e o gibi refletia essa realidade. Os que passavam desse limite eram censurados. Depois de namorar Lana Lang e a sereia Loris Lemaris, Super Homem resolveu casar com Lois Lane comprovando que no amor nem ele é de ferro. Isso sem falar nos namoros de Spirit com Elle, filha do comissário de polícia Dolan, com muitos tumultos. Constantemente ela o pega em flagrante em conturbados romances com as vilãs da série como P´Gell ou Silk Satim. E não é só o Spirit que tem suas caídas por damas fatais. Flash Gordon é o que mais se prendeu nessa rede. Eterno noivo de Dale Arden. Ele sucumbiu a paixão da rainha Frigia, princesa Áurea e da rainha Azura. Ele namorou ainda todas as musas de todas as galáxias em que esteve.

Demorou 400 anos mas Fantasma resolveu finalmente casar com Diana Palmer. E a Princesa Narda com o Mandrake? Por amor Tarzan abandonou os macacos para conquistar Jane. E se não existisse o namoro do Príncipe Valente com Aleta, sua saga não teria um terço da fama. Se Brucutu não namorasse Ulla e não virasse o mundo pré-histórico de cabeça para baixo por ela, suas histórias não teriam a menor graça. O mesmo aconteceu com Fredy Flintstones e Vilma.

Durante década o Dia de Maria Cebola foi uma grande atração da série Ferdinando, de Al Capp. Ferdinando Buscapé morava em Brejo Seco, no interior dos EUA. Quando solteiro, era um dos mais perseguidos no tal dia de Mária Cebola, que em determinada hora, a partir de um sinal de gongo, todas as solteiras da vida tinham o direito de caçar os solteiros e levá-los ao altar à força. Por muitos anos, Violeta namorada de Ferdinando, nesta data protagonizava as mais loucas aventuras onde preparava armadilhas ou livrava seu namorado delas. Quando eles se casaram, o dia de Maria Cebola continuou com uma grande atração na série. E acabou por ser assimilado por universitários em todo o país nos anos 40. E os triângulos amorosos entre Donald, Margarida e Gastão? A gata Krazy Kat, o ratinho Inácio e o cão buldog Xerife? É bom lembrar os velhos namoros de Mickey e Minie, Popeye e Olívia, Zé Carioca com Rosinha e Bolinha com Luluzinha. E aquela paixão platônica de Charles Brown pela garotinha ruiva?.

Nos anos 60 o namoro esquentou com a chegada de Stan Lee e Jack Kirby que criaram o Quarteto Fantástico, implantando o novelão que são as historietas de super-heróis de hoje. Primeiro Benjamin namorava Sue. Ele se transformou no mostro Coisa e ela na Garota Invisível. Ela passou, mais tarde, a namorar o Senhor Fantástico, mas surgiu em sua vida o Príncipe Submarino, que se apaixona por ela, esquecendo Betty, Namora e Dorma, suas namoradas anteriores. O jeito foi o Senhor Fantástico acabar roubando Alicia, a nova namorada do Coisa, única capaz de sentir a angústia do Surfista Prateado, que abandonou seu planeta, para que o vilão Galactus deixasse sua namorada Shalla Ball viva. O casal X-Men, Scott Summers e Jean Grey finalmente oficializou o namoro e entrou na igreja com muitos beijos.

E o que dizer do Homem Aranha. Um tremendo namorador. Primeiro, conquistando Betty, a secretária do jornal Clarin, depois Mary Jane, a linda sobrinha do melhor amigo de sua tia. Mas quando conheceu Gwen Stacy ficou perdido. Por azar do herói, ela morre em seus braços, assassinada pelo vilão Duende Verde. Veio a super heroína a Gata, mas ele ficou mesmo foi com Mary Jane. E para acabar com os boatos da existência de um romance entre Batman e Robim, seus editores deram-lhe uma namorada fatal, Tália, filha do vilão Rã´s Al Ghul, que acabou por lhe dar um filho no álbum “O Filho do Demônio”.

Enquanto os autores de aura politicamente correta envolviam os heróis com o ar ingênuo, os mais liberais divertiram leitores adultos. Barbarella, por exemplo, namorava não só um anjo sem sexo, mas também se envolvia com qualquer macho, mesmo que fosse robô. A bela Drunna frequentemente é vista enlaçada por criaturas em decomposição. Vampirella é sedutora de corpo e alma e os famosos catecismos de Carlos Zéfiro (aquelas revistinhas picantes que circulavam pelas bancas de jornais dos anos 50 e 60) não faziam mais nada além daquilo. Querem mais? Dessa forma, com ou sem censura, no mundo das histórias em quadrinhos, namorar é imprescindível e o beijo é fundamental para o início do relacionamento.

13 novembro 2007

Bruce Lee, translúcido como a água (2)

Depois que o seriado de tevê Besouro Verde acabou e enquanto batalhava em Hollywood, Bruce Lee montou uma escola em Los Angeles, ensinando lutas para famosos como Steve McQueen, Lee Marvin, Roman Polanski e Chuck Norris. Quando ensinava filosofia oriental a amigos, conheceu a jovem Linda Emery e se apaixonou. Casou em 1964. E na academia ensinava uma mistura das técnicas que aprendera como boxe, jiu jitsu, boxe tailandês e karatê.

A base do jeet kune do é aprender a lutar com simplicidade. Bruce ensina como aprimorar posições de defesa e adquirir técnicas de equilíbrio e concentração, Indica também como obter coordenação velocidade, resistência, condicionamento físico e como executar os mais variados golpes da modalidade. O estilo combina a técnica com atrações filosóficas máxima do pensamento budista, taoísmo e auto-conhecimento.

Bruce era rápido e ágil em golpes e manobras nas lutas. O reflexo também impressionava. Parecia antecipar cada ataque e contra-ataque em frações de segundo, Defendendo-se com outro golpe ou esgueirando-se para se posicionar e, então, desferir um soco ou voar com as pernas sobre o adversário. Exatamente o que ele iria mostrar nas telas de cinema nos anos seguintes.

Ao fazer testes para o seriado Kung Fu do estúdio Fox percebeu o obstáculo pela sua descendência chinesa, pois o papel foi entregue a David Carradine. Resolveu então se tornar famoso primeiro no cinema de Hong Kong. Foi então que estreou em 1971 “O Dragão Chinês” quebrando todos os recordes da época na Ásia e recebendo o título de O Rei do Kung Fu. A América ele conquistaria como ator e lutador no filme “Operação Dragão” (1973).

Lee viveu pouco para desfrutar sua glória. Ele tomava muito analgésico devido a fortes dores de cabeça. Sofreu um edema cerebral agudo, provocado por uma reação alérgica a um componente químico do remédio. E em 20 de julho de 1973, as 32 anos, entrou para o time dos mitos da cultura pop. A morte fez muita gente acreditar em assassinato pela máfia chinesa e o mistério aumentou quando o filho de Lee, Brandon Lee, foi alvejado acidentalmente no set de “O Corvo”. A bala que deveria ser de festim, foi um projétil real de calibre 44. Brandon morreu 20 anos após o pai.

12 novembro 2007

Bruce Lee, translúcido como a água (1)

Ele foi um fenômeno que ultrapassou os limites da cultura pop. Um símbolo e uma referência máxima do século XX. Bruce Lee tinha a virtude de mostrar habilidade incomum numa luta. Com grande desenvoltura, Bruce misturava estilos variados de artes marciais. O kung fu, o jiu jitsu, o karatê, o judô – tudo ele dominava. Além de modalidades ocidentais como o boxe, cujos fundamentos exibia com maestria.

“O lutador deve se comportar numa luta como a água – insubstancial, flexível”. Ele acreditava que um lutador em plena forma deveria ser capaz de se mostrar imprevisível, ágil e veloz. Tudo para, aos olhos do adversário, parecer translúcido como a água. Lutador completo, Bruce Lee criou também um estilo próprio de luta: o jeet kune do. Esse estilo alia técnicas marciais com filosofia oriental. Foi assim que contribuiu para popularizar essa luta milenar no Ocidente.

No cinema, sua influência começou nos filmes de ação dos anos 70 na China e nos EUA, chegando até o ano 2000 em produções cultuadas como a série “Matrix” dos irmãos Laurence e Andrew Wachowski, os dois volumes de “Kill Bill” de Quentin Tarantino, “O Matador” do chinês John Woo, “O Tigre e o Dragão” do chinês Ang Lee, “O Quinto Elemento” do francês Luc Bresson, entre outros. Ele inspirou dezenas de atores e imitadores. Sua vida e trajetória viraram musical da Broadway.

Nas histórias em quadrinhos a Marvel, nos anos 70, criou vários personagens em sintonia com a época como Mestre do Kung Fu, ou Shang Che. O visual de Chi era claramente copiado de Bruce Lee. Na TV, a série King Fu mostrava um monge shaolin vagando pelos EUA em busca de seu irmão e fugindo de caçadores de recompensa. O tropicalista Caetano Veloso cantou em “Um Índio” que o lutador era “tranqüilo e infalível”, e a crítica de cinema Pauline Kael escreveu que ele “foi o Fred Astaire das artes marciais”. Já a revista americana Time classificou Bruce Lee como o “chinês mais importante do século XX”. O jornalista Marco Antonio Lopes lançou pela Conrad Editora o livro “Bruce Lee definitivo”. O que Lee fazia era lutar gloriosamente: leve, perfeito, fluído, insubstancial como a água.

ORIGENS

As artes marciais sempre fizeram parte da tradição familiar de Bruce Lee. Seu pai, Li Hoi Cheun era ator e cantor de ópera. Fazia parte da Companhia Cantonesa em Hong Kong, célebre e adorada como a Ópera de Pequim. Um dos três sobreviventes do massacre do templo Shaolin ocorrido em 1760, decidiu ensinar técnicas de luta para os atores da ópera. O objetivo era preservar a tradição da luta e, ao mesmo tempo, tentar denunciar através das peças a violência da dinastia Ching, que mandou destruir o templo onde viviam mais de 500 homens. Assim, muitos atores da ópera passaram a apresentar, de maneira coreográfica, os saltos, golpes e chutes dos Shaolin. Os filmes de luta nasceram da tradição do teatro chinês.

Bruce nasceu no bairro de Chinatown, em São Francisco no dia 27 de novembro de 1940, devido ao trabalho do pai que excursionava pelos EUA com uma companhia de ópera. Garoto inquieto, brigava na escola, na rua e com qualquer um que aparecesse em sua frente. O king fu foi o caminho encontrado para canalizar a energia e a agressividade do rapaz em Hong Kong. Aos 18 anos, por conta das brigas, ele se mudou de Hong Kong para São Francisco. E foi durante uma apresentação num torneio de artes marciais em Miami que Lee foi descoberto por um produtor da série Batman. Seu desempenho no evento lhe valeu um convite para participar da série Besouro Verde, no papel de Kato. Por ser oriental, Lee teve dificuldade para conseguir papéis nas TV e no cinema.

09 novembro 2007

Nos tempos líquidos o futuro pode morrer de sede (5)

As mortes causadas por doenças relacionadas à contaminação da água são 205 por hora em todo o mundo segundo a Organização Mundial de Saúde e isso poderia ser evitado com o cesso das populações à água potável, ao saneamento básico e ao tratamento das águas. Por ano, 1,8 milhão de crianças morrem de diarréia, 443 milhões faltam à escola por doenças causadas pelo consumo de água inadequada e metade da população dos países em desenvolvimento tem algum problema de saúde relacionado à qualidade da água. Esses números mostram claramente a insanidade da administração pública. O Brasil gasta 2,7 bilhões por ano para tratar de doenças transmitidas por água contaminada, 80% das consultas médicas realizadas pela rede pública e 65% das internações de todo o país estão relacionados – direta ou indiretamente – a essa contaminação. Enfermidades que vão desde gastrenterites até doenças que matam.

O ser humano pode ser contaminado – tanto individual como coletivamente – de três formas: pela ingestão da água imprópria, pelo contato com ela e pela picada de insetos que se desenvolvem em águas. A infecção por sua vez pode ocorrer por meio de bactérias, vírus e parasitas, metais, pesticidas, subproduto de desinfecção e toxinas produzidas por algas.

Como disse um especialista na área, ou nos comprometemos agora com uma ação coordenada para levar água potável e saneamento às pessoas pobres do mundo ou condenamos milhões de pessoas à vida de pobreza, às más condições de saúde e às oportunidades diminuídas, além de perpetuamos profundas desigualdades entre os países e no interior dos mesmos. Temos uma responsabilidade coletiva de sermos bem-sucedidos nesse desígnio.

Dados da ONU (Organização das Nações Unidas) mostram que cerca de 1,1 bilhão de pessoas em todo o mundo não têm acesso a água potável. Nos países em desenvolvimento, esse problema aparece relacionado a 80% das mortes e enfermidades. No século 20, o consumo da água multiplicou-se por seis – duas vezes a taxa do crescimento da população mundial. Um total de 26 países sofre escassez crônica de água.

08 novembro 2007

Nos tempos líquidos o futuro pode morrer de sede (4)

Fluindo de Zygmunt Bauman em seus “Tempos Líquidos” para o trabalho da jornalista Claudia Piccazio (“Água, urgente!”. Editora Terceiro Nome) vamos mergulhar na preocupante previsão da ONU de que cerca de 4 bilhões de seres humanos serão vítimas da escassez de água em todo o mundo a partir de 2050. Sabemos que a água recobre 70% da superfície da Terra e, nessa mesma proporção, faz parte da composição do organismo humano. Há uma diferença entre a falta de água e a falta de acesso a ela. Uma diferença essencial porque tem muita gente vivendo a escassez a poucos quilômetros de fontes abundantes. Ou seja, água existe. O que é preciso é estruturar para ter acesso a ela. O Chile, por exemplo, atingiu a marca de 100% de cobertura no aceso à água potável e saneamento em áreas urbanas. O Brasil, apresentou o Plano Nacional de Recursos Hídricos e foi um dos primeiros do mundo a articular uma gestão integrada dos aspectos sociais, culturais, éticos, técnicos e econômicos.

Se o mundo decidir por resolver as questões da água, ele estará a caminho de solucionar muitas outras, como a pobreza, o desenvolvimento, a ética, a cidadania, a saúde, entre outros. Toda e qualquer providência no sentido de captar, tratar, gerir, distribuir a boa água estará, de maneira indiscutível, ligada a outras questões da existência do homem. Afinal são 1,2 bilhões de pessoas sem acesso à água e 2,5 bilhões que vivem sem nenhuma espécie de rede de esgoto – condição que resulta na morte de 25 mil pessoas por dia por causa das doenças associadas à má qualidade da água.

Segundo cálculos feitos pela Unesco é mais barato para os países suprir suas populações com água de boa qualidade e saneamento do que pagar as contas dos estragos com a saúde pública. Os mais variados estudos já comprovaram uma diminuição em até 70% das doenças relacionadas com a água em populações com acesso a água potável e saneamento.

O planeta Terra tem 1,386 bilhões de quilômetros cúbicos de água sendo 2,5% desse volume, 35 milhões totalizam a água doce. Tirando 24,4 milhões em geleiras e o que sobra fica a disposição para o uso da humanidade, 0,3% em 10,6 milhões de quilômetros cúbicos. E todo esse recurso é finito.

O Brasil possui 15% de toda a água da Terra, e o maior fluxo de água do mundo, mas com distribuição irregular e por isso o volume de água por habitante é bastante diverso. Se no Nordeste a disponibilidade de água é de 1.279 metros cúbicos per capita ao ano, no estado do Amazonas esse volume sobe para 773 mil. Há casos ainda em que as reservas naturais de água doce estão distanciadas da população. Além disso, existe o desperdício, não a água que cai pelo ralo, mas aquela que nem chega às torneiras. No Brasil há 47% de desperdício de água potável destinada ao consumo humano por causa da má conservação dos canos e das redes clandestinas. Tal volume daria para abastecer de três a quatro países com a mesma demanda da Suíça, da França ou da Bélgica. A perda de uma gota por segundo totaliza 10 mil litros por ano.

Sobre a transposição do Rio São Francisco a questão é polêmica. Alguns especialistas consideram que não há estudos sobre a viabilidade técnica dessa proposta e que, portanto, não se sabe se o rio será capaz de suportar a transposição. O São Francisco tem cinco hidrelétricas ao longo de seu curso e é bastante utilizado para abastecimento público e irrigação. Além disso, se as estatísticas falam de 120 mil hectares de terras irrigadas, extra-oficialmente calcula-se 250 mil por causa das ligações clandestinas.

Periodicamente os jornais cobram obras prometidas e não concluídas e contam as histórias da população que vive na região e sofre com a escassez. Só na Bahia temos Salitre, em Juazeiro, projeto iniciado em 1993 com pretensões de irrigar 29 mil hectares, mas que até agora só beneficiou 5 mil; Baixas do Irecê, entre Xique-Xique e Itaguaçu, que deveria beneficiar 59 mil hectares, mas parou nos 14 mil; Projeto Iuiu, Guanambi, que ainda não saiu do papel, com previsão de benefícios em uma área de 30 mil hectares.

O governo não pretende retomar as obras apenas para socorrer os pequenos agricultores. O objetivo é concentrar-se nas grandes empresas agrícolas para que elas, por sua vez, abram espaço para os pequenos produtores. Foi justamente por esse motivo que o bispo D. Luiz Flávio Cappio, da diocese de Barra, fez greve de fome, em 2005. Não por ser contra a transposição, mas porque as obras iriam favorecer apenas ao agro-negócio, ignorando os pequenos agricultores.