31 janeiro 2007

É preciso ser paciente

“Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma/até quando o corpo pede um pouco mais de alma/a vida não pára//Enquanto o tempo acelera e pede pressa/eu me recuso faço hora vou na valsa/a vida é tão rara//Enquanto todo mundo espera a cura do mal/e a loucura finge que isso tudo é normal/eu finjo ter paciência//O mundo vai girando cada vez mais veloz/a gente espera do mundo e o mundo espera de nós/um pouco mais de paciência//Será que é o tempo que lhe falta pra perceber/será que temos esse tempo pra perder/e quem quer saber/a vida é tão rara (tão rara)”. A composição de Lenine e Dudu Falcão é precisa. Fala de uma virtude de manter controle emocional, sem perder a calma.

O famoso ditado “a pressa é inimiga da perfeição” nunca fez tanto significado como agora. Para viver e conviver em sociedade é preciso mesmo ter paciência: afinal, cada pessoa está preocupada em satisfazer as suas próprias vontades, os seus desejos e nem sempre o que uma pessoa deseja é o que a outra deseja e vice-versa. Além disso, é preciso ter a paciência de esperar que as coisas aconteçam da forma como devem acontecer, que nem sempre o tempo que desejamos e esperamos é o tempo de algo acontecer. Para entendermos as vantagens de sermos pacientes, basta observar a natureza. Tudo nela tem o seu tempo certo: o de arar, o de semear, o de impedir que as ervas daninhas sufoquem as sementes e o de colher.

Pessoas impacientes, em geral, não sabem lidar com limites, costumam vir de famílias que, por excesso ou falta de amor, sempre satisfizeram as suas vontades enquanto crianças. São pessoas que não aceitam um não como resposta, justamente porque não aprenderam dentro de casa a lidar com este limite. Atualmente estamos sempre correndo, agitados, sempre sendo cobrados a fazermos algo imediatamente, sem muito tempo para pensar. Há determinadas situações que, ou decidimos de imediato ou perdemos a chance de algo bom para nós mesmos, embora, em geral, na maioria das vezes em que agimos por impulso ou por impaciência, costumamos ter mais derrotas, erros e sofrimento do que vitórias ou acertos.

Apesar da paciência e da serenidade se mostrarem importantes no desenrolar da vida dos seres humanos, algumas pitadas de inquietação, insatisfação e até da própria impaciência podem ser ingredientes vitais na confecção da receita de uma carreira profissional e de uma vida pessoal mais apimentada, fora da rotina e da acomodação. Alguns psicólogos alertam que a paciência “pode mascarar a submissão ou o conformismo. Há pessoas que passam a vida em busca da solução perfeita, anos e anos arquitetando um plano perfeito que nunca se concretiza, enquanto outras, por impulso, acabam por agir de forma impaciente e resolvem o problema”. Portanto, vale a pena dosar a paciência para trazer benefícios à sua vida.

A paciência, virtude de pessoas muito especiais, atributo dos santos, é, muitas vezes, confundida com preguiça. Uma caracteriza-se por saber esperar, tanto para agir, quanto para colher os frutos dessa ação. Outra é a inação, a espera que os outros façam por nós o que deveria ser da nossa competência. É o não fazer. O filósofo Jean-Jacques Rousseau já dizia que “a paciência é amarga, mas seus frutos são doces”. Às vezes, é necessário muito tempo para os resultados começarem a aparecer. Prepare-se para lidar com a demora nos resultados e habitue-se a encarar as suas conquistas em médio e longo prazos.

Já Edmundo Burke refletia: “A paciência traz mais frutos do que a força"."Esperança é a paciência com a lâmpada acesa”. A frase é de Tertuliano. "Os mais fortes de todos os guerreiros são estes dois — Tempo e Paciência." (Leo Tolstoi). E John Dryden recomendava: "Tenha cuidado com a fúria de um homem paciente”. E Leonardo da Vinci chegou a uma conclusão: "A paciência serve de proteção contra injustiças como as roupas contra o frio. Se você veste mais roupas com o aumento do frio, este não terá nenhum poder para feri-lo. De forma idêntica você deve crescer em paciência quando se encontra em grandes dificuldades e elas serão impotentes para atormentar a sua mente". A paciência está em falta no mercado.

29 janeiro 2007

Solidão, mal do século XXI?

“Eu sozinho sou mais forte/minh'alma mais atrevida/não fujo nunca da vida/nem tenho medo da morte//Eu sozinho de verdade/encontro em mim minha essência/não faço caso de ausência/e nem me incomoda a saudade//Eu sozinho em estado bruto/sou força que principia/sou gerador de energia/de mim mesmo absoluto//Eu sozinho sou imenso/não meço nunca o meu passo/não penso nunca o que faço/e faço tudo o que penso//Eu sozinho sou a Esfinge/pousado no meio do deserto/que finge que sabe o que é certo/e sabe que é certo que finge//Eu sozinho sou sereno/e diante da imensidão/de toda essa solidão/o mundo fica pequeno//Eu sozinho em meu caminho/sou eu, sou todos, sou tudo/e isso sem ter contudo/jamais ficado sozinho”. A composição é de Paulo César Pinheiro. Conviver o dia a dia com tanta gente e ao mesmo tempo se sentir solitário parece um paradoxo social contemporâneo. Mas são muitas as situações geradoras de solidão. Há solidão gerada pelo próprio poder, solidão decorrente da riqueza, solidão dos bem e mal casados, solidão imposta pelo trabalho atomizado, solidão da criança cujos pais são egoístas ou inafetos, solidão dos velhinhos rejeitados com suas memórias e, muitas vezes, abandonados nos asilos esquecidos dos familiares, solidão da loucura, dos internos, dos hospitais psiquiátricos, solidão dos enfermos hospitalizados ou dos desempregados.

Muitas pessoas solitárias justificam seu “desejo de privacidade” escolhendo “viver sozinhas porque gostam de liberdade”, “prefere viver sozinha do que mal acompanhadas”. A tendência individualista de nossa época reforça o temor de conviver com as diferenças humanas, afinal, morar junto implica, sobretudo, sermos tolerante, compreender o outro, termos que dividir espaços e coisas e aceitar conferir a todo momento que o outro não nos preenche.

Há quem use a solidão como tempo de inspiração, análise e programação. É o recolhimento ao próprio íntimo. De vez em quando é preciso estar só. Ao sair da África até a Bahia o navegador Amyr Klink passou dias sozinho em sua pequena embarcação. Perguntaram-lhe se a solidão não teria sido seu maior obstáculo. Ele respondeu que nunca estivera só porque muitos torciam por ele e o que fazia lhe dava prazer. Quem age dessa forma não dá espaço para a solidão.

Há diferença entre viver sozinho “por opção” e o isolamento social obrigatório. No primeiro, a escolha é consciente e deliberada viver solitariamente, já que no segundo existe a imposição do destino ou das circunstâncias. O escritor, por exemplo, precisa estar sozinho para se concentrar e produzir seu texto. Também para ler, refletir, escrever, é preciso estar sozinho. Há diversas funções profissionais cujo isolamento social é condição sine que non para bem exercer a função. Ocupação é o antídoto para a solidão.

O filósofo Gaton Bachelard questiona: “Como se comporta sua solidão? Esta pergunta tem mil respostas. Em que recanto da alma, em que recanto do coração, em que lugar do espírito, um grande solitário está só, bem só? Só? Fechado ou consolado? Em que refúgio, em que cubículo, o poeta é realmente um solitário? E quando tudo muda também segundo o humor do céu e a cor dos devaneios, cada impressão de solidão de um grande solitário deve achar sua imagem (...) Um homem solitário, na glória de ser só, acredita às vezes pode dizer o que é a solidão. Mas a cada um cabe uma solidão (...) As causas da sua solidão não serão nunca as causas da minha”. E conclui: “A solidão não tem história”.

Viver no século 21, superestimulados por informações, contatos, internet, celular, ampliando a possibilidade de encontrar-mos e sermos encontrados, que fica cada vez mais difícil de estarmos sós, com nós mesmos. A solidão é malvista, as pessoas que ficam mais sozinhas são consideradas excluídas, ou diferentes, excêntricas. Para o psicoterapeuta Flávio Gikovate, o mundo atravessa um momento histórico em que a pressão por uma vida acompanhada está deixando de existir. "Cada vez mais as pessoas estão se encaminhando para existências solitárias. Desaprendeu-se bastante a conviver a dois, por exemplo, e assume-se a opção de ficar solteiro. É um fenômeno social, a humanidade está se adaptando à solidão", analisa. "Basta olhar ao redor para comprovar isso. As pessoas andam sozinhas, dançam sozinhas. A mulher solitária de hoje não é mais uma solteirona trancada num quarto de pensão. Tudo está mudando.". Para ele, a capacidade de conviver bem com a solidão tem a ver, principalmente, com maturidade. "E só amadurecemos nos expondo a situações de dor. Isso aumenta nossa tolerância à frustração", explica.

O sucesso social é medido pela quantidade de vezes que alguém é visto e com quem. Mas dentro de nós há duas forças essenciais para nossa sobrevivência e bem-estar, que são poderosas e interdependentes: estar só e relacionar-se. O sono é uma forma natural de nos garantir isolamento, para repormos nossas forças e descansarmos já que a vida urbana nos proporciona poucas chances de ficarmos sós. Quando se está só há chances de avaliar como está a vida e como estão os relacionamentos. Isolamento nem sempre significa solidão. Há pessoas que precisam subir montanhas, outras a se embrenhar nos matos, ou simplesmente colocar seu walkman nos ouvidos. Para saber de quanto e de qual espaço você precisa, é bom passar um tempo sozinho, observando como se sente. A reclusão é importante para o processo criativo. É preciso abolir a idéia de que a solidão é negativa e de que pessoas sozinhas não podem viver bem. Agora é preciso distribuir seu tempo de forma adequada e positiva. Para os que vivem acompanhados, vale aprender a valorizar os momentos de quietude, de contemplação.

O que é solidão? Ausência de companhia, de pessoas à nossa volta? Estar longe das civilizações? Mais grave do que estar só é sentir-se só. Solidão, mais do que estar só, é a insatisfação da pessoa com a vida e consigo mesma. O filósofo alemão Martin Heidegger afirmou que estar só é a condição original de todo ser humano. Que cada um de nós é só no mundo. É como se o nascimento fosse uma espécie de lançamento da pessoa à sua própria sorte.

26 janeiro 2007

Música & Poesia

Fortaleza (Chico Buarque e Ruy Guerra. Para a peça Calabar )

A minha tristeza não é feita de angústias
A minha tristeza não é feita de angústias
A minha surpresa
A minha surpresa é só feita de fatos
De sangue nos olhos e lama nos sapatos
Minha fortaleza
Minha fortaleza é de um silêncio infame
Bastando a si mesma, retendo o derrame
A minha represa



Planos de Igualdade (Cid Seixas Fraga Filho)

Cada coisa que existe,
na outra, busca igualdade
(até mesmo a mentira
se encontra na verdade).

Da mesma forma que um homem
se difere de um rio,
as vidas de ambos semelham:
tomadas como um fio.

Difícil é o distinguir,
nas não palavras que dizem,
quando eles se parecem
e quando se contradizem.

Enquanto vivos, os rios
se alongam até o mar;
do mesmo modo, os homens
vivem a se alongar.

Correm num mesmo sentido
Todos os rios que sei;
Podem voltar, no entanto,
Contrariando esta lei.

Para voltar, eles viram
o rumo para nascente;
da mesma forma, os homens:
para voltar, viram a frente.

Em alguns casos, os homens
podem andar para trás
(para trás da sua frente);
isto o rio também faz.

Os homens só andam assim
em caso extraordinário;
como os rios podem faze-lo,
quando encontram adversário.

Se um rio encontrar outro rio
de mais forte correnteza,
ou mesmo uma enxurrada,
recuará – com certeza.

Os rios, como os homens,
têm psicologia:
águas também têm alma
e momentos de covardia.

Depressa os rios vencem
terras que vão em descida;
por semelhar com os homens,
esbarra qualquer subida.

Qualquer entrave estanca
o cainho de um rio
(vezes, prepara revanche,
ofendido no seu brio).

É na terra que os rios
encontram a sepultura:
mortos em forma de poça
de muito pouca fundura.

Este chão é para os rios
campo, leito e abrigo
(quando a vida é difícil,
pode tornar-se inimigo).

Porém, esta mesma terra
que às vezes lhes sepulta:
quando o rio é rico em água,
em leito constante resulta.
(Do livro “Paralelo entre homem e rio/Fluviário. Imprensa Oficial da Bahia, 1972)

25 janeiro 2007

Milton Santos

Geógrafo e professor. Milton Santos é baiano de Brotas de Macaúbas, onde nasceu a 03 de maio de 1926, de pais professores primários. Veio para Salvador, onde fez o curso secundário como aluno interno do Instituto Baiano de Ensino. Cursou, depois, as faculdades de Direito e Jornalismo e trabalhou no jornal A Tarde por quase 20 anos. Foi professor da Universidade Católica e, anos depois, da UFBA, onde fundou, em 1959, o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais, durante a gestão do professor Edgard Santos, época em que retornava da França, onde fez doutorado. A Geografia na Bahia desenvolveu a partir de então, através do empenho de Milton Santos, que trouxe para o laboratório da localidade, professores e pesquisadores de outros estados, criando assim um núcleo de estudos.

Nesta mesma época, o geógrafo foi o representante civil do governo Jânio Quadros, na Bahia, e presidente da Comissão de Planejamento Econômico da Bahia, apesar de nunca ter sido um político, no sentido partidário do termo. Em 1964, foi preso pela ditadura militar e, ainda na prisão, recebeu convites de várias universidades internacionais. Durante o exílio ensinou e fez consultorias para várias universidades dos Estados Unidos, Venezuela, Tanzânia, Japão e Canadá. Doutorou-se em Geografia pela Universidade de Strasbourg (França), lecionou em Toulouse, Nova Iorque, Bordeaux, Paris, Toronto, Lima, Dar-Es-salaam, Venezuela e Federal do Rio, antes de ingressar na USP, em 1983.

O geógrafo, que se tornou uma referência em epistemologia e um escritor de apurado estilo, retornou ao Brasil em 1978, quando lançou o livro Para Uma Geografia Nova, considerado um marco na Geografia brasileira. Foi, então, lecionar na Universidade Federal do Rio de Janeiro e, depois, na Universidade de São Paulo. Em 1995, já no reitorado do professor Luiz Felippe Perret Serpa, foi reintegrado à UFBA. Considerado o maior geógrafo metodológico do mundo e um dos mais respeitados nos meios acadêmicos e científico internacional, o professor Milton Santos é detentor do troféu máximo de Geografia: o Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud, uma espécie de Prêmio Nobel da especialidade, atribuído por universidades de 50 países, recebido em 1994, além de uma série de títulos honoríficos outorgados por diversas universidades nacionais e estrangeiras. Ele já recebeu 12 títulos de Doutor Honoris Causa, em universidades do Brasil e exterior (UFBA, 1986; Estadual do Centro Oeste, 1995; Federal de Sergipe, 1995; Federal do RS, 1996, Estadual do Ceará, 1996; Toulouse, França, 1980; Buenos Aires, 1992; Complutense de Madrid, 1994; Barcelona, 1996, entre outros; o título de Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, 1995; o Prêmio USP pela Orientação da Melhor Tese - Ciências Humanas, 1993; a Medalha do Mérito da Universidade La Habana, Cuba, 1994; a Medalha Tomé de Souza da Câmara Municipal de Salvador, 1994; Medalha da Câmara Municipal de São Paulo, 1995, e o Prêmio do Mérito Tecnológico do Sindicato dos Engenheiros do Est. de SP, 1995.

Ex-professor de universidades na França, EUA, Canadá, Peru, Venezuela, Tanzânia e da Unicamp, Milton tem hoje uma das mais extensas bibliografias brasileiras, certamente a mais opulenta bibliografia entre os geógrafos latino-americanos, com mais de 40 livros publicados (a maioria centrada no estudo do subdesenvolvimento, das relações de espaço na sociedade e das cidades do Terceiro Mundo) e 300 títulos em artigos científicos, prefácios e pequenas publicações, além da editoria de 14 coletâneas. Mais que geógrafo, Milton Santos tornou-se uma referência em epistemologia e um escritor em grande estilo. Tudo isso vem de longe e de uma disciplina obstinada de trabalho. Desde a escritura de O Centro da Cidade do Salvador (1959) ele se insurgia para o projeto de compreender a transformação do espaço do homem e, por consequência, do espaço e do tempo. Metamorfoses do Espaço Habitado; Pensando o Espaço do Homem; Técnica, Espaço, Tempo são os títulos de obras que avança na elaboração de um caminho da técnica para o homem, e em favor do lugar, tempo e emoção. Seu livro O Espaço Dividido (1975), que desenvolve uma teoria sobre o espaço geográfico urbano e o subdesenvolvimento, é hoje um clássico mundial do assunto. Em 1978, foi publicado Por uma Geografia Nova.

Em 1996 ele foi homenageado na USP, onde é professor da Pós-Graduação em Geografia. As homenagens começaram com a realização do seminário internacional O Mundo do Cidadão. Um Cidadão do Mundo, ao qual compareceram representantes de 17 universidades internacionais. O Mundo do Cidadão do Mundo foi também o nome de um dos lançamentos que marcaram as homenagens ao geógrafo. Organizado por cinco professores, brasileiros e estrangeiros, que foram colegas de Santos durante sua vida acadêmica. Ensaios de Geografia Contemporânea, Milton Santos, Obra Revisitada, igualmente assinado por vários autores (estudantes da USP) é outro título que gira em torno do seu trabalho. O professor emérito da USP publicou em 1997, A Natureza do Espaço - Técnica e Tempo, Razão e Emoção. O espaço é a porta de entrada que o autor emprega para refletir sobre a nossa contemporaneidade, já que nele se materializam os anseios, os medos e as aspirações de toda uma época, entremeados por tensões da existência humana. Ele tem declarado que uma importante tarefa do início do próximo século será “a recriação da cidadania, mediante uma outra globalização, horizontalizada e não verticalizada, como a atual”. Ele acredita existir espaço para a emoção, que é “o que une os homens”. Em uma de suas palestras discorreu sobre o que vê como a reemergência das massas em uma fase popular da história e sobre a contrapartida de um mundo em que os objetos técnicos começam a dominar o homem: a produção ilimitada de carências e de escassez. Milton Santos é hoje o geógrafo brasileiro mais conhecido no mundo. Este grande brasileiro, morreu em São Paulo-SP, no dia 24 de Junho de 2001, aos 75 anos, vítima de câncer.

24 janeiro 2007

Quadrinhos, espelho da sociedade

A história em quadrinhos é formada por dois códigos de signos gráficos: a imagem e a linguagem escrita. Esse meio de expressão é uma espécie de confluência das técnicas de cinema, fotografia e literatura, mas tem absoluta autonomia em relação às três. Os quadrinhos refletem a pedagogia de um sistema e funciona como reforçadora dos mitos e valores vigentes. A força do quadrinho enquanto instrumento de penetração e divulgação cultural, política e ideológica é imensa. Estudar o que os quadrinhos estão dizendo e, principalmente, o que eles poderiam dizer é uma tarefa urgente. O quadrinho amadureceu como arte e leitura do nosso tempo. O universo das HQs pode ser visto como uma espécie de espelho de cada época.

A história em quadrinhos, como toda narrativa, tem várias funções, independente de mercado. Entreter, educar e retratar a sociedade, espelhando determinada realidade. O geógrafo e pensador Milton Santos disse que a crescente aproximação entre os povos fez com que as soluções técnicas de cada povo sofressem um afunilamento muito grande. Quando as sociedades viviam isoladas, cada uma criava diferentes técnicas de organização social. Havia uma diversidade cultural muito grande. Conforme os povos foram ampliando as formas de contato, as técnicas foram se padronizando, e hoje estão igualadas. A sociedade japonesa, por exemplo, hoje é muito parecida com a ocidental.

Assim, a interação entre os povos pela dominação de um sobre os outros gerou um grande nivelamento, e a diversidade foi banida. As sociedades tornaram-se cada vez mais igualitárias (num sentido negativo), e também utilitárias. Nada que seja cultural, que tenha a ver com a identidade de um povo, importa muito. Importa a utilidade que isso possa ter. Assim a cultura tem poucas condições de brotar.

Nos quadrinhos, até os anos 80, a garotada que gostava de desenhar criava super-heróis influenciados pelos quadrinhos norte-americanos. Nos anos 90 em diante o estilo manga japonês teve acesso a mídia e tornou-se a novidade da década. Neste século, apesar de muitas imitações, existe um espaço para quadrinhos com essa função crítica de espelhar a sociedade. Há muitas experiências alternativas, em várias cidades, de resistências ao pensamento único. Os criadores (texto & imagem) devem observar a vida, conhecer as características das pessoas para a criação do person
agem com base naquilo que quer representar, e também na observação da vida. Estudar um pouco mais a filosofia de cada um na construção do personagem e sua formação já é um bom começo. Assim, o artista pode representar melhor sua sociedade, criticamente ou não.

Essa complexidade do discurso que se constrói hoje em relação aos quadrinhos, cartum, charge, entre outro grafismo. O humor, charge, quadrinhos feitos pelos profissionais é reflexo de seu tempo, sua sociedade com seus problemas e tormentos. Muitos dizem que a imprensa é um partido único, você leu um jornal, leu todos. A imprensa aqui tem um lado. Aqui a imprensa toda fala a mesma língua. Depois da censura do estado, veio a auto-censura do jornal que não é institucional, mas é velada e tolhe os artistas locais. Essa imprensa não fará com que o senso crítico vá aflorar. Precisamos refletir sobre isso.

Nenhuma forma de arte viveu dentro de limites tão pequenos como a HQ nos últimos 100 anos. É hora da HQ crescer e encontrar a arte subjacente. É hora de equilibrar a balança, ver o mundo e ampliar os horizontes. E no nosso mundo, o principal desafio do quadrinho brasileiro e, consequentemente baiano, está na escolha correta da estratégia a ser trilhada. As novidades tecnológicas são fatores crescentes de promoção do desenvolvimento das narrativas gráficas. O Brasil tem um grande potencial, o brasileiro é muito criativo, imaginativo, e é isso que atrai os leitores. A capacidade do imaginário, de criatividade, de sensibilidade...tudo isso faz a grande diferença.

Portanto, vamos à luta. Vamos desenvolver quadrinhos que falam da nossa realidade, do que ocorre em nossa volta para despertar interesse de todos. Se salvador é apontada como ícone do Brasil, para o turismo, vamos explorar esta faceta. Vamos desvendar os segredos e mistérios da Bahia. E também da “caixa preta”. O que se esconde nos gingados dos baianos e nos remelexos das mulatas. E do falar aberto, arrastado? Vamos sorrir dos nossos problemas, das nossas ações, aventuras e desventuras. Vamos aprofundar essa questão. Cante sua aldeia para o mundo.

A história em quadrinhos precisa mostrar o homem em luta com grandes problemas de sua época, pois os quadrinhos compõem um trabalho ideológico e político do autor. É preciso compreender que o trabalho do autor é o de simples participante de um processo, como o próprio leitor o é. A HQ tanto pode ser usada para conscientizar como também para alienar. A culpa não está na HQ e sim nas intenções daquele que faz uso dela. È preciso desenhar um quadrinho mais participante onde o autor é o repórter da história, é testemunha ocular. Um quadrinho com uma perspectiva nova em termos de linguagem, conteúdo e forma.

Refletir e expressar o seu tempo é essencial para o desenhista. Ter consciência de sua época. Como expressar seu mundo, de que forma dispõe para a execução e que posições tomar frente à realidade do momento. Essas são perguntas que muitos desenhistas se fazem a todo instante, uns mais outros menos. Uma obra de arte significa sempre uma tomada de posição do artista perante a vida. Aqueles que procuram uma arte de consumo fácil, de puro ócio, dificilmente seu trabalho resistirá ao passar do tempo.




















Quadrinhos, espelho da sociedade

A história em quadrinhos é formada por dois códigos de signos gráficos: a imagem e a linguagem escrita. Esse meio de expressão é uma espécie de confluência das técnicas de cinema, fotografia e literatura, mas tem absoluta autonomia em relação às três. Os quadrinhos refletem a pedagogia de um sistema e funciona como reforçadora dos mitos e valores vigentes. A força do quadrinho enquanto instrumento de penetração e divulgação cultural, política e ideológica é imensa. Estudar o que os quadrinhos estão dizendo e, principalmente, o que eles poderiam dizer é uma tarefa urgente. O quadrinho amadureceu como arte e leitura do nosso tempo. O universo das HQs pode ser visto como uma espécie de espelho de cada época.

A história em quadrinhos, como toda narrativa, tem várias funções, independente de mercado. Entreter, educar e retratar a sociedade, espelhando determinada realidade. O geógrafo e pensador Milton Santos disse que a crescente aproximação entre os povos fez com que as soluções técnicas de cada povo sofressem um afunilamento muito grande. Quando as sociedades viviam isoladas, cada uma criava diferentes técnicas de organização social. Havia uma diversidade cultural muito grande. Conforme os povos foram ampliando as formas de contato, as técnicas foram se padronizando, e hoje estão igualadas. A sociedade japonesa, por exemplo, hoje é muito parecida com a ocidental.


Assim, a interação entre os povos pela dominação de um sobre os outros gerou um grande nivelamento, e a diversidade foi banida. As sociedades tornaram-se cada vez mais igualitárias (num sentido negativo), e também utilitárias. Nada que seja cultural, que tenha a ver com a identidade de um povo, importa muito. Importa a utilidade que isso possa ter. Assim a cultura tem poucas condições de brotar.

Nos quadrinhos, até os anos 80, a garotada que gostava de desenhar criava super-heróis influenciados pelos quadrinhos norte-americanos. Nos anos 90 em diante o estilo manga japonês teve acesso a mídia e tornou-se a novidade da década. Neste século, apesar de muitas imitações, existe um espaço para quadrinhos com essa função crítica de espelhar a sociedade. Há muitas experiências alternativas, em várias cidades, de resistências ao pensamento único. Os criadores (texto & imagem) devem observar a vida, conhecer as características das pessoas para a criação do personagem com base naquilo que quer representar, e também na observação da vida. Estudar um pouco mais a filosofia de cada um na construção do personagem e sua formação já é um bom começo. Assim, o artista pode representar melhor sua sociedade, criticamente ou não.

Essa complexidade do discurso que se constrói hoje em relação aos quadrinhos, cartum, charge, entre outro grafismo. O humor, charge, quadrinhos feitos pelos profissionais é reflexo de seu tempo, sua sociedade com seus problemas e tormentos. Muitos dizem que a imprensa é um partido único, você leu um jornal, leu todos. A imprensa aqui tem um lado. Aqui a imprensa toda fala a mesma língua. Depois da censura do estado, veio a auto-censura do jornal que não é institucional, mas é velada e tolhe os artistas locais. Essa imprensa não fará com que o senso crítico vá aflorar. Precisamos refletir sobre isso.

Nenhuma forma de arte viveu dentro de limites tão pequenos como a HQ nos últimos 100 anos. É hora da HQ crescer e encontrar a arte subjacente. É hora de equilibrar a balança, ver o mundo e ampliar os horizontes. E no nosso mundo, o principal desafio do quadrinho brasileiro e, consequentemente baiano, está na escolha correta da estratégia a ser trilhada. As novidades tecnológicas são fatores crescentes de promoção do desenvolvimento das narrativas gráficas. O Brasil tem um grande potencial, o brasileiro é muito criativo, imaginativo, e é isso que atrai os leitores. A capacidade do imaginário, de criatividade, de sensibilidade...tudo isso faz a grande diferença.

Portanto, vamos à luta. Vamos desenvolver quadrinhos que falam da nossa realid
ade, do que ocorre em nossa volta para despertar interesse de todos. Se salvador é apontada como ícone do Brasil, para o turismo, vamos explorar esta faceta. Vamos desvendar os segredos e mistérios da Bahia. E também da “caixa preta”. O que se esconde nos gingados dos baianos e nos remelexos das mulatas. E do falar aberto, arrastado? Vamos sorrir dos nossos problemas, das nossas ações, aventuras e desventuras. Vamos aprofundar essa questão. Cante sua aldeia para o mundo.

A história em quadrinhos precisa mostrar o homem em luta com grandes problemas de sua época, pois os quadrinhos compõem um trabalho ideológico e político do autor. É preciso compreender que o trabalho do autor é o de simples participante de um processo, como o próprio leitor o é. A HQ tanto pode ser usada para conscientizar como também para alienar. A culpa não está na HQ e sim nas intenções daquele que faz uso dela. È preciso desenhar um quadrinho mais participante onde o autor é o repórter da história, é testemunha ocular. Um quadrinho com uma perspectiva nova em termos de linguagem, conteúdo e forma.

Refletir e expressar o seu tempo é essencial para o desenhista. Ter consciência de sua época. Como expressar seu mundo, de que forma dispõe para a execução e que posições tomar frente à realidade do momento. Essas são perguntas que muitos desenhistas se fazem a todo instante, uns mais outros menos. Uma obra de arte significa sempre uma tomada de posição do artista perante a vida. Aqueles que procuram uma arte de consumo fácil, de puro ócio, dificilmente seu trabalho resistirá ao passar do tempo.







23 janeiro 2007

As curvas da arte e dos quadris

A pálida virgem quase à morte dos românticos, a destruidora de corações dos realistas e a louca histérica dos médicos fazem parte da mitologia da feminilidade no século 19. Vivendo em mundos quase que completamente separados, homens e mulheres ainda guardavam os eternos segredos que fascinavam o sexo oposto. A obsessão que o século da rainha Vitória tinha pelas mulheres era real e não se restringia apenas aos livros e quadros, mas se espalhava pelas ruas em cartazes de propaganda, peças de teatro popular e crônicas de jornal.

No mundo desses homens que viviam trancados nos gabinetes das fábricas, não era permitida a entrada da mulher, que, em casa, ostentava jóias e bebês, ou, no bordel, tomava champanhe quente. E essa separação teve um preço: para todo lado que eles olhavam viam mulheres. Estátuas nuas perfilavam pelas ruas e museus, os nomes femininos estavam presentes na representação da Justiça, da Ciência, da Eletricidade, da Indústria, da Ferrovia, e também a luxúria, a castidade, a verdade e a cultura.

O inconsciente coletivo de 1900 confundia a curva da arte com a curva dos quadris. E todas as penas descreviam suas heroínas fortes, da musa de Charles Baudelaire à serenidade burguesa prestes a explodir de Madame de Renal, de Stendhal. Não é à toa que um médico vienense, Sigmund Freud, começou a ver sérios problemas de natureza sexual nas mentes de seus pacientes. Assim, a mulher povoou as páginas da literatura em fins do século 19 como castradora, vampira, fatal. Cleópatra, Helena, Dalila e muitas outras mulheres que se destacaram na história, a preferida como tema para os artistas era Salomé. A assassina bíblica mereceu atenção especial por parte de pintores e escritores. A dança fatal de Salomé inspirou versos encantadores fatais de Charles Baudelaire, Émile Zola e Oscar Wilde. Ela era a mulher fatal e ingênua, ao mesmo tempo virgem e prostituta. Impossível resistir a tanto apelo e, frágeis, os homens se entregavam aos caprichos.

Foi através da literatura folhetinesca e do cinema que a mulher fatal (irresistível) tomou impulso. Ela é forte, dominadora e habilmente induz o homem a fazer o que deseja. A Bíblia é pródiga em mulheres fatais. Exemplos? Dalila que encarna a traição ao vender-se aos inimigos de Sansão. Ela descobriu no leito que os cabelos de Sansão guardam sua potência e, após o amor ela lhe corta a cabeleira. Salomé com sua dança sensual pede a cabeça do profeta João Baptista. No império romano, Messalina convenceu o marido, imperador Cláudio a ordenar o assassinado do senador Apio Silano. A rainha do Egito, Cleópatra conquistou Júlio César e Marco Antônio.

Na literatura elas foram mais que sedutoras. Carmen por exemplo surgiu como personagem de uma novela de Prosper Mérimée, em 1852 e depois se tornou ópera, por obra de Bizet. Mais tarde foi adaptada para o cinema e balé. Essa cigana seduz o cabo José, faz dele um bandido e depois o trai com um toureiro. Haja chifre!. Wladimir Nabokov criou a ninfeta Lolita, a jovem atraente para a desgraça dos mais velhos. Tem ainda as noites intermináveis de Sherazade, a escolhida do rei para lhe entreter contando histórias. O rei ouve todas as noites e, se não for de seu agrado, faz com que a narradora morra. Sherazade torna os contos atraentes e encadeados para que o rei desista da idéia de sacrificá-la no dia seguinte. Assim ela narrava a trama das mil e uma noites carregadas de aventuras e surpresas. Quem lembra da exótica dançarina Mata Hari (olho da madrugada), a cortesã mais bem paga da Europa que virou espiã? Era fatal!

As mulheres nas peças de Shakespeare são possessivas. Em Macbeth, por exemplo, Lady Macbeth domina e reina induzindo o frágil esposo aos piores crimes. Em O Mercador de Veneza a mulher travestida de advogado é a mais hábil, inteligente e perfeita defensora de Antônio e a cruel acusadora de Shylock. Titus sofre na mão da perversa Tamora. Lear vai aprender que não se divide herança em vida para filhas que parecem amorosas e nem se deserda a que o ama, Cordélia.

Décadas de transformações sociais, históricas e econômicas possibilitaram a mulher ocupar novos lugares na cena social, ter acesso ao mercado de trabalho, apropriar-se de seu corpo e de sua sexualidade, aproximando-o de seu desejo. O acesso das mulheres à vida universitária, fruto de muitas lutas dos movimentos feministas, faz com que hoje, embora minoritárias, as mulheres políticas, cientistas, sejam respeitadas. Nas áreas das letras e das artes, as mulheres sempre estiveram presentes, embora discriminadas. Tocar piano ou pintar era como bordar: algo para as mulheres se entreterem ou entreter a família. O direito ao reconhecimento público e à profissionalização foi conquistado com muita luta. Apesar dos avanços, as mulheres ainda são minorias e exceção.










































22 janeiro 2007

A praça ainda é do povo?

Praça é um lugar de encontro, de namoro, de criança brincar, de festas com coretos e bandas de música, de chafariz, pipoqueiro, de gente. Espaço aberto, livre, acessível a todos, da interação social. As praças já foram locais mais importantes das localidades. Historicamente a praça sempre foi o templo da política. Os políticos se reuniam para fazer discursos. Ultimamente a praça se despolitizou. Existem praças da luz, da sé, do santo, do encanto e da apoteose. Praça da liberdade, da paz, da guerra e da humanidade. Tem programa de humor A Praça é Nossa, o boa praça (o soldado que trata bem às pessoas), além de locais com a história de várias gerações como a Praça Tiradentes, no Rio, base da implantação do Reinado de D.João VI

No mundo inteiro há praças memoráveis. Composta por órgãos federais representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a Praça dos Três Poderes em Brasília foi projetada por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Lá estão localizados o Palácio do Itamaraty, o Palácio do Planalto, o Palácio da Justiça, o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, o Panteão da Liberdade e Democracia e o Espaço Lúcio Costa. A Praça Vermelha é famosa em Moscou, conhecida pelos desfiles militares soviéticos durante a era da União Soviética. Exaltada pelo poeta Vladimir Maiacóvski (1893-1930) como o centro do mundo, a praça Vermelha tem um ligeiro declive que parece acompanhar a curvatura da Terra. Cenário de coroações, execuções e desfiles militares, é o palco principal da vida pública russa.

Mães foram para as praças chorar pelos seus filhos. A Praça de Maio sempre foi o centro da vida política de Buenos Aires. Desde a década de 70 as Mães da Praça de Maio se reúnem com fotos de seus filhos desaparecidos pelos militares durante a ditadura argentina. O povo argentino foi a Praça para exigir o fim da ditadura, e , mais tarde, para celebrar outros momentos. Em frente à Basílica de São Pedro, no Vaticano, situa-se a Praça de São Pedro Foi desenhada por Bernini no século XVII em estilo clássico mas com adições do barroco. Ergue-se um obelisco do Antigo Egipto no centro. Quase todos os visitantes que chegam ao Estado do Vaticano visitam primeiro a Praça, uma das melhores criações de Bernini, que o romancista francês Stendhal chamou “a arte da perfeição”.

Praça Castro Alves: a praça batizada em nome do poeta Antônio de Castro Alves é palco e coração do Carnaval de Salvador, maior manifestação popular do Brasil. O monumento do escultor italiano Pasquale Di Chirico, feita em bronze e granito, imortaliza o poeta em atitude de declamação. No início de 1866, na Bahia, Castro Alves fundou a associação abolicionista. Em novembro, o governo imperial, demagogicamente, decretou a liberdade dos cativos estatais que fossem lutar no Paraguai. Em dezembro (há 140 anos), Castro Alves publicou vibrante poema contra a repressão policial de comício republicano - "O povo ao poder". Diz o poema: “A praça! A praça é do povo/Como o céu é do condor/É o antro onde a liberdade/Cria águias seu calor...” . Tem ainda os Poetas da Praça, em salvador, reunidos na Praça da Piedade.

A música popular brasileira é cheia de praças. O samba chorou quando a urbanização acelerou na Praça Onze, composição de Herivelto Martins e Grande Otelo: “Vão acabar com a Praça Onze/Não vai haver mais Escola de Samba, não vai/Chora o tamborim/Chora o morro inteiro/Favela, Salgueiro/Mangueira, Estação Primeira/Guardai os vossos pandeiros, guardai/Porque a Escola de Samba não sai”. Zé Keti compôs Praça 11, Berço do Samba: “Favela/Do camisa preta/Dos sete coroas/Pra ver o teu samba/Favela/Era criança na praça onze/Eu corria pra te ver desfilar”

“Peço licença, peço em nome de quem passa/Onde a rua fez-se em praça/Tempo passa e vai-se embora/Eu vou cantar um samba/Pra quem chegar agora”, a letra A Praça já foi cantada por Nara Leão, mas A Praça que todos lembram é da canção de Carlos Imperial que teve como intérprete Ronnie Von, aquele da Jovem Guarda: “Hoje eu acordei com saudades de você,/Beijei aquela foto que você me ofertou,/Sentei naquele banco da pracinha só porque/Foi lá que começou o nosso amor.//Senti que os passarinhos todos me reconheceram/Pois eles entenderam toda a minha solidão/Ficaram tão tristonhos e até emudeceram/Aí, então, eu fiz esta canção//A mesma praça, o mesmo banco, / As mesmas flores, o mesmo jardim./Tudo é igual mas estou triste, / Porque não tenho você perto de mim./Beijei aquela árvore tão linda, onde eu/Com meu canivete, um coração eu desenhei/Escrevi no coração o meu nome junto ao seu/E meu grande amor então jurei...”.

“A praça Castro Alves é do povo/Como o céu é do avião/Um frevo novo,/um frevo novo,/um frevo novo/Todo mundo na praça,/manda a gente sem graça pro salão” cantou Caetano Veloso em Um Frevo Novo. E Moraes Moreira, em pleno carnaval, atacou de Chão da Praça: “Olhos negros cruéis, tentadores das multidões sem cantor/Olhos negros cruéis, tentadores das multidões sem cantor/Eu era menino, menino um beduíno com ouvido de mercador/Lá no oriente tem gente com olhar de lança na dança do meu amor//Tem que dançar a dança que a nossa dor balança o chão da praça ôuôuô”

19 janeiro 2007

Música & Poesia

Canção Amiga (Canta: Milton Nascimento. Composição: Carlos Drummond de Andrade)


Eu preparo uma canção
Em que minha mãe se reconheça
Todas as mães se reconheçam
E que fale como dois olhos
Caminho por uma rua
Que passa em muitos países
Se não me vêem, eu vejo
E saúdo velhos amigos
Eu distribuo segredos
Como quem ama ou sorri
No jeito mais natural
Dois caminhos se procuram
Minha vida, nossas vidas
Formam um só diamante
Aprendi novas palavras
E tornei outras mais belas
Eu preparo uma canção
Que faça acordar os homens
E adormecer as crianças
Eu preparo uma canção
Que faça acordar os homens.



O poeta pede a seu amor que lhe escreva (Garcia Lorca)


Amor de minhas entranhas, morte viva,

em vão espero tua palavra escrita

e penso, com a flor que se murcha,

que se vivo sem mim quero perder-te.

O ar é imortal. A pedra inerte

nem conhece a sombra nem a evita.

Coração interior não necessita

o mel gelado que a lua verte.

Porém eu te sofri.

Rasguei-me as veias,tigre e pomba,

sobre tua cintura em duelo de mordiscos e açucenas.

Enche, pois, de palavras minha loucura

ou deixa-me viver em minha serena

noite da alma para sempre escura.

18 janeiro 2007

A complexidade de comportamentos variáveis

Histórias, aventuras e desventuras dos quadrinhos envolvem permanentemente questões que giram em torno do certo/errado, bem/mal. Seus discursos, nesse sentido, incorporam inevitavelmente uma ética e uma moral com as quais estruturam a visão de mundo na qual agem seus personagens. Uma ética, kantiana, para histórias em quadrinhos porque envolvida por julgamentos de valor universal, princípios e leis morais, regras e normas que fundamentam ações humanas independentemente de circunstâncias, uma ética categórica do bem, do correto, do perfeito dever.

Tem heróis que perdem a direção e viram bandidos. E até vilões que mudaram de lado como Feiticeira Escarlate, Mercúrio e alguns outros. Tiveram seus motivos e o roteirista conseguiu argumentos convincentes. Em um artigo sobre vilões, o comentarista Rafael Cardoso no site Sobreca
rga (www.sobrecarga.com.br) afirmou: “Os autores devem saber fazer o equilíbrio entre histórias com vilões antigos, novos e histórias sem tais antagonistas. Usar o `cinza` para mostrar que muitas vezes os vilões podem estar certos e os heróis errados ou fazer desafios que não necessariamente envolvam um antagonista é uma outra boa opção, se não for usada em excesso. Assim, evitamos aparições normais, chatas e rotineiras. Queremos os vilões que realmente amamos odiar”.

Super-heróis são seres além da dualidade que marcam a relação da consciência humana com o mundo, isto é, que não comungam com o mal como a própria condição do bem, e que o encaram como “exterior”: o mal como “estranho”, deve ser eliminado. São seres cuja prática, produtora exclusiva desse bem unilateral, em nome do qual agem, não supõem qualquer ato voluntário de vocação ou vontade, mas imposição fortuita do destino – intervenções sobrenaturais, acidentes de laboratórios, pedras alienígenas, palavras mágicas etc – que os transcende como sujeitos, solitários, rotineiros, previsíveis e banais.

Por outro lado, a prática do mal por vilões de HQs são cidadãos comuns que decorre de atos livres e voluntários, atos sim de vontade e querer. De um lado está a linearidade e a mesmice das atitudes de um Batman ou Homem Aranha. De outro, a diversidade, criatividade e complexidade de comportamentos variáveis de um Coringa, um Pingüim ou um Luthor. Tal como posto pelas histórias em quadrinhos – o bem como dever irrevogável, o mal como prazer inquestionável -, a imprevisibilidade do mal diante do bem irredutível confirma virtudes e delícias da transgressão. “Aquele que transgride não apenas quebra uma norma. Ele vai a algum lugar onde os

outros não vão; e conhece algo que eles não sabem”, segundo Susan Sontag. Assim, os super heróis são seres a serviço exclusivo da ordem e do bem, no mundo em permanente da desordem e do mal.

Enquanto os heróis são corretos e de beleza física, os bandidos são o oposto. Basta observar o Rei do Crime (figura obesa), Dr.Octopus (gordo, baixo e feio), Kaisen Gamorra, o Consertador e Dr. Silvana (velhos) ou mesmo os pequenos como o gênio tecnológico Chip e o duende da Quinta Dimensão Mxplt. Assim o herói apresenta a imagem que o mercado propõe ao homem moderno: belo, forte e bem sucedido, enquanto o bandidão é feio, fraco e sem sucesso, uma figura desprezível.

No Brasil temos também vilões, e como temos. O desenhista Laerte criou nas histórias de Overman, o estranho herói da tiras “Piratas do Tietê”. O personagem chegou para liquidar o mito de que herói não pode falhar. E nem todos os vilões de Overman almejam o controle do planeta. A maioria se dedica às suas vilanias por puro espírito de porco, praticando o mal através de trotes telefônicos, escritos em nota de dinheiro ou peidos – como os do temível Maníaco Flatulento.

Vale lembrar o filme de Kubrick, “Laranja Mecânica”, o retrato da nossa sociedade narcisista e fascista, o caos em que sociedade e bandido se confundem. Kubrick mostra no que o homem pode se tornar, já que o meio faz o homem. Para o cineasta, a autonomia é o que nos torna humanos. O ser humano cria diversas justificativas para não se enxergar como vilão. Para muitos, o mau são os outros. Enquanto o anti-herói tem conhecimento do que faz para servir a um bem maior (que ele acredita), o vilão faz por uma necessidade, uma essência do mal que vem desde a infância. Não se justifica, mas está ali. Muitas vezes a maldade está em todos, mocinhos e bandidos. A diferença é como cada um lida com ela. Pense nisso e reflita. Série Vilões 4. Final (Gutemberg Cruz)

17 janeiro 2007

Bandidos roubam a cena

Os mocinhos seguem um rígido e monótono código de disciplina. Os bandidos, cada vez mais violentos e espertos se adaptaram aos novos tempos e estão ganhando cada vez mais a simpatia do público. Veja a cronologia de alguns dos mais perigosos vilões:

1930 (EUA) – O fora-da-lei Bafo de Onça surge como grande inimigo do Mickey.

1933 (EUA) – Inspirado em Al Capone, Chester Gould cria o mais malvado dos vilões de sua temida e deformada galeria do crime nas tiras do detetive Dick Tracy: Big Boy Caprice.

1934 (EUA) – O Cobra é o mestre dos disfarces, que não dá sossego ao mágico Mandrake, de Lee Falk. Ninguém conhece sua verdadeira cara.

1939 – Dr. Silvana, o famoso cientista louco é o principal inimigo do Capitão Marvel. Ele inventa máquinas de todo tipo para conquistar o mundo.

1940 (EUA) – Coringa, da galeria dos bat-bandidos é o mais perigoso. Passou pelo crivo do Comics Code dos anos 50 e roubou a cena do herói.

1940 (EUA) – Surge Lex Luthor na décima aventura de Super Homem sem muito destaque.

1941 (EUA) – O arquivilão Caveira Vermelha anuncia seus assassinatos com assobios da “Marcha Fúnebre” de Chopin. O patriótico Capitão América, de uniforme bandeiroso entra na luta em defesa do bem.

1946 (EUA) – A vamp do crime, Silkie Satin é capaz de tudo para se dar bem. Tem uma paixão mal-resolvida com o herói Spirit, de Will Eisner.

1951 (EUA) – Atrás do Tio Patinhas e todo o seu tesouro estão os maiores bandidos de Patópolis: Irmãos Metralhas. Já a Maga Patalójica continua atrás da moeda número um do velho Patinhas.

1962 (ITÁLIA) – Diabolik, o homem dos mil disfarces fez muito sucesso com os leitores porque não tem piedade com suas vítimas, e criou até uma nova linha. Os “fummeti néri”, versão dos quadrinhos “noir”.

1966 (ITÁLIA) – Na onda do sucesso do Diabolik, surge os quadrinhos dos bandidões: o astuto e duro Kriminal, a loura e diabólica Satanik, além de Demoniak e Sadik (nos nomes não falta um exótico “k” para dar um toque de perversidade germânica).

1967 (ITÁLIA) – Rasputin é o mais louco dos rivais do aventureiro Corto Maltese, criação do italiano Hugo Pratt. Faz contrabando de armas e escravas brancas ou qualquer outro negócio por dinheiro.

1978 (ITÁLIA) – O cibernético Ranxerox conquista o público. Ele vive rodeado de violência e sangue. Ranxerox é um Frankenstein pós-moderno.

1982 (ESPANHA) – Daniel Torres cria o sofisticado vilão oriental Opium numa minissérie própria.

1985 (EUA) – O antimonitor mata Flash e Super-Moça na série “Crise nas Infinitas Terras”.

1986 (EUA) – Elektra, personagem coadjuvante das aventuras do Demolidor, depois de ser treinada como uma ninja moderna, vira uma verdadeira máquina de matar a serviço de quem paga mais.

1986 (EUA) – O Rei do Crime é recriado por Miller e passa por transformações significa
tivas.

1986 (EUA) – Surge Marshall Law, o assassino de super-heróis.

1988 (EUA) – John Byrne muda a trajetórias do bandido Lex Luthor, anos depois ele se torna o primeiro vilão biografado do mundo dos quadrinhos e o número um na preferência dos leitores.

1988 (EUA) – Howard Chaykin lança a série Black Kiss, trama hard core entre o mercado de drogas e o pornô.

1988 (EUA) – Em “Piada Mortal” o destaque é para o arquiinimigo de Batman, o Coringa.

1988 (BRASIL) – Surge a revista Porrada, mais um underground nativo para bandido nenhum botar defeito.

1989 (EUA) – Por decisão dos leitores norte-americanos, Robin morre pelas mãos do Coringa, depois deste aleijar metade de Gothan City com seu gás do riso.

1989 (EUA) – A arquiinimiga do Batman, a Mulher Gato chega às bancas numa minissérie de quatro números. Os vilões ganham mais espaço.

1989 (EUA) – Arkhan Asilum é mais um dos gibis especiais que levam o nome do Batman na capa, mas o astro é o Coringa.

1989 (BRASIL) – Surge a revista Animal que se rotula: feia, forte e formal.

1990 (EUA) – Uma essência eletrônica do mal (Coringa) permeia toda a cultura computadorizada em “Digital Justice”, graphic novel do Batman do futuro.

1990 (EUA) – Surge o hermafrodita Dom Patrol.

1990 (EUA) – A loucura é tema de Shade the Changing Man, um mutante psicopata.

1990 (EUA) – Miller lança Hard Boiled, sobre um ciborg impiedoso.

1990 – Os vilões tomam conta dos quadrinhos e aprontam, espelhando muito vem o espírito dó final de século XX. Série Vilões 3. Reportagem publicada originalmente no jornal A Tarde 05/05/1991. (Gutemberg Cruz)
















































16 janeiro 2007

Idolatria dos vilões começou na Itália

Os ventos da mudança vieram da Europa e, em seguida se espalharam pela América. Primeiro aconteceu na Itália. Criado em 1962 por uma dupla de roteiristas italianas, as irmãs Ângela e Luciana Giussani, Diabolik o homem dos mil disfarces é uma mistura de vários clichês do gênero policial, vestido com uma malha colante negra que só deixava à mostra seus olhos e sobrancelhas. A diferença marcante, porém, é que Diabolik, ao contrário de bandidos galantes que quase nunca assassinavam suas vítimas não tinha o menor pudor de se valer dos crimes mais bestiais para roubar e saquear. Ele construía seus roubos em cima de cadáveres, aterrorizando e enlouquecendo suas vítimas. A atração do público foi quase imediata. De mensal a revista passou para quinzenal em 1964. Começava uma verdadeira onda de idolatria a este tipo de personagem, com imitações famosas de Diabolik como Sadik, Kriminal e Satanik. No início dos anos 70, a Editora Brasil América Ltda (EBal) adquiriu os direitos do personagem, mas desistiu de lançar a revista por considerar suas aventuras muito violentas. Em 1981, a extinta Editora Vecchi lançou uma edição mensal do personagem que durou cerca de um ano. Em 1990, a Editora Record investiu na revista.

Ainda na Itália, no final dos anos 70, outro personagem fez furor nos quadrinhos: o raivoso, apaixonado e cibernético Ranxerox, que usa brinco na orelha esquerda e fala muito palavrão. O alucinado robô faz de tudo para proteger sua amada – uma ninfeta de 13 anos. Desde o mais carregado clima de violência, misturando pancadarias, sexo, drogas e rock and roll, até os mome
ntos de demência do ciberpunk italiano, tudo é motivo de delírio nos textos de Stefano Tamburini (que morreu vitima de uma overdose) e nos belíssimos desenhos de Gaetano Liberatore. OI estilo de Liberatore e a crueza dos temas de Tamborini deixaram um legado aos desenhistas de HQ. O gibi espelha o espírito da década de 80.
Com a morte do ditador Franco, veio a liberação política, o fim da censura e do isolamento cultural. A Espanha redescobriu o mundo e hoje Barcelona é a capital da nova HQ espanhola. O desenhista espanhol Daniel Torres criou, em 1982, Opium, um sofisticado vilão oriental que se veste como Mandrake e não se vale de meios-termos. Ele encarna a essência da crueldade e do sadismo para colocar Mundópolis sob seu jugo, com seus asseclas, a fêmea fatal Acapulco Gin e o gigante careca e barbudo Gulp. Torres utiliza o tom debochado com requintada tendência gráfica de traços preciosos, limpos e bem definidos no melhor estilo “ligne claire”.


Faces de uma mesma moeda corrompida

Os anos 80 foram violentos e os vilões roubaram as cenas dos heróis americanos. O rei do Crime, recriado por Frank Miller, passou por transformações significativas. Coringa é o personagem de maior impacto nas aventuras de Batman. O Anti-Monitordeu fim ao Flash e Super-Moça. John Byrne mudou a trajetória de Lex Luthor – ele cometeu um crime perfeito e continua solto. Os vilões estão gozando de um bom status entre os leitores. Há uma nova geração de roteiristas que têm colocado os bandidos em primeiro plano. E os leitores apóiam. Sinal dos novos tempos.

Frank Millerr, junto com Bill Sienkiewicz, produziu uma HQ de suspense psicológico, temperado com espionagem, ocultismo e humor negro, para contar a história da ninja Elektra Assassina. Coringa mata, no Oriente Médio, sem piedade, o segundo companheiro de Batman, Jason Todd, o Robin. Tudo isso sob o aplauso do público leitor que, em massa, ligou para a editora pedindo a morte do pupilo Robin.. Ainda o psicopata palhaço do crime ao lado de supercriminosos como Duas Caras, Chapeleiro Maluco, Cara de Barro e outros assumem o comando do sanatório Arkhan Asylum, onde estão presos e fazem os funcionários reféns. Exigem a presença de Batman para libertá-los. O Morcego aceita, para se arrepender até a morte. Cada insano que Batman encontra esmera-se em torturas psicológicas. Para eles, não há diferença entre os internos de Arkhan e o herói. São faces de uma mesma moeda corrompida. A graphic novel tem arte de Dave Mckran (o mesmo de Orquídea Negra) e roteiro de Grant Morrison. Esse mesmo tema foi abordado na premiada A Piada Mortal.

No Brasil, os quadrinhos progressivos, que espelham a realidade da sociedade atual, estão circulando via underground, à margem, pelos milhares de fanzines espalhados pelo país. Um ótimo exemplo disso é o trabalho de Marcatti, só para gente com estômago forte. Taras, sujeira e larvas infestam seus quadrinhos. Basta conferir pelos nomes dos seus gibis: Lodo, Tralha. Outro bom exemplo é o cartunista Angeli, com suas tiras diárias, gags pinçadas na boemia dos bares paulistanos e nos resquícios de ativismo político. Ele criou Bob Cuspe, personagem que não escolhe vítimas para seus ataques salivares. Série Vilões-2. Reportagem publicada originalmente no jornal A Tarde 05/05/1991 (Gutemberg Cruz)

15 janeiro 2007

A hora e a vez dos vilões

O que seria do Super Homem sem o vilão Lex Luthor? E o que faria Batman sem o charme da Mulher Gato? As artimanhas do Charada ou as brincadeiras do palhaço do crime, Coringa? E o Capitão América sem seu maior inimigo, o Caveira Vermelha, a própria imagem do mal? O mundo dos super-heróis é povoado de vilões. Uma legião deles. Cada um especialista num crime, fazendo um tipo especial de bandido. Eles se revezam na luta contra o bem e mantêm ocupados os super-heróis. O vilão é causa e efeito. A sociedade em crise gera o bandido e o mocinho. E os vilões estão ganhando, cada vez mais, a simpatia do público leitor de histórias em quadrinhos. A era agora é dos vilões.

Os quadrinhos conheceram seus primeiros heróis em 1929. Em 1938, seu primeiro super-herói. De lá para cá muita coisa mudou. Em 1940, surgia os perigosos Lex Luthor e Coringa. Eles não valiam nem duas páginas dos gibis do Super Homem e Batman. Naquele tempo pegavam bem os ideais de justiça e decência com que se combatia o mal. Hoje, o eterno inimigo do Super-Homem, Lex Luthor, tornou-se o primeiro biografado no mundo dos quadrinhos. A publicação “Lex Luthor-Biografia Não Autorizada” revela uma mudança radical nos hábitos e preferências dos leitores do gênero. A publicação prova que a era é dos vilões.

Os tempos mudaram. A maldade se sofisticou muito mais do que a luta pela manutenção das ordem. Os escrúpulos determinados pelo infalível código de honra da legalidade são como amarras. Enquanto Batman se recusa a usar armas de fogo, o Coringa se vale de crianças-bombas no episódio do Cavaleiro das Trevas. O Rei do Crime jamais perdeu uma noite de sono por ter viciado em heroína a ex-namorada do Demolidor, para descobrir sua verdadeira identidade. O mundo em quadrinhos tem se aproximado cada vez mais da realidade que o inspira. Muito mais espertos, os vilões perceberam as mudanças e trataram de se adaptar aos novos tempos, enquanto a maioria dos heróis permanecia ingênua e inocente ou na onda existencialista em que Stan Lee os mergulhou nos anos 60.

ANOS 60 – Nos tumultuados anos 60, Stan Lee lançou uma série de heróis problemáticos. Na época, os vilões eram feios e engraçados. Nas HQs, os vilões quase sempre chamam mais atenção do que os próprios heróis, que devem sua fama à estranheza de seus inimigos. Os gibis de Batman são carregados de vilões bizarros. Pingüim anda armado com perigosos guarda-chuvas. Chapeleiro Maluco é uma cópia do personagem homônimo de Alice no País das Maravilhas. O Charada comete crimes perfeitos, mas não resiste a tentação de deixar uma charada que faça Batman captura-lo. Cara de Barro é apaixonado por manequim. Também não faltam mulheres fatais como Erva Venenosa, que inventa batons perigosos e a desejada Mulher Gato. O popular Homem Aranha tem também uma galera de bandidos curiosos como Duende Verde, Dr. Octopus, Lagarto, Kraven, Raposa e Puma sempre na parada.

De todos os vilões quem mais roubou a cena foi o Coringa. Sua primeira aparição acon
teceu em 1940, no primeiro número da revista norte-americana Batman, um ano após o Homem Morcego ter estreado no gibi Detective Comics. Essa primeira aventura do Coringa começava com o vilão anunciando pelo rádio que iria matar um milionário e roubar seu diamante. E matava mesmo. No início Coringa era um terrível assassino. Só foi ficar mais inofensivo nos anos 50, quando o moralista Comics Code exigiu que a série do Batman ficasse mais “família”. Em 1986, Frank Miller recolocou o velho Batman na moda com o Coringa psicopata assassino. O inglês Alan Moore deu grande destaque ao vilão na premiada Piada Mortal.

ANOS 80 – Nos anos 80, a era das trevas foi deflagrada por Frank Miller sobre a terra dos heróis. O patriótico herói americano foi substituído por personagens paranóicos, psicopatas. Tudo começou como The Watchmen,. A série de Alan Moore que mostrou como o tempo estava se esgotando para os super-heróis. Os vilões ganharam projeção: A piada Mortal, de Moore e Brian Bolland, é um show do Coringa, e “Born Again”, a série do Demolidor escrita por Miller, é o palco do Rei. Em 1986, os ingleses Patt Mills e Kevin O´Neal criaram Marshall Law, o caçador de heróis. A era da justiceiromania chegava ao fim e tinha início o violento e bizarro ano 90. A realidade nua e crua bate à porta dos quadrinhos adultos.

O autor mais premiado da atualidade, Grant Morrison, trabalha com personagens irreais (ou reais até demais), absurdos e engraçados. Dom Patrol é um hermafrodita; Shade-The Changing Man aborda a loucura. Trata-se de uma revista mensal estrelada por um mutante de outra dimensão encarnado no corpo de um psicopatra. Roteiro de Peter Milligan. E faz muito sucesso entre os leitores, assim como os filmes de David Lynch que levam o estranho para o lugar-comum, como a série de TV “Twin Peaks”, que trata de atrocidades. Segundo Morrison, “a estranheza está se tornando mais aceitável para o público em geral. Por isso, os melhores comics comerciais dos anos 90 vão ser bizarros e não histórias de super-heróis realistas”.

VIOLÊNCIA – Howard Chaykin, autor do violento American Flagg, transformou um travesti no personagem principal da polêmica série Black Kiss. E pancadaria é o que não falta na ultraviolenta minissérie escrita por Frank Miller com arte de Geof Darrow: “Hard Boiled (durão, no jargão das novelas policiais americanas dos anos “noir”). A história trata de um ciborg impiedoso em busca de suas memórias e seu propósito, com arte nitidamente violenta, repleta de imagens de aberrações. “Na verdade, acho que essa é a espécie de coisa (sexo e violência) que iremos ver cada vez mais nos quadrinhos”, revelou Frank Miller na época. “Há uma explosão de liberdade se aproximando, e alguns escritores e artistas irão querer ver o que acontece quando se faz a coisa mais extrema – o que isso faz à sua história e à sua experiência de leitura. Eu só sei que gostaria de saber mais a esse respeito. Estou no meio há 12 anos e esta é a primeira vez que encontro esse tipo de liberdade”.

A campanha conservadora continua em alta nos EUA e os principais criadores estavam publicando em editoras independentes como a Dark Horse, Vortex e Mad Love, entre outras. Estavam também experimentando diversas linguagens gráficas. Com todo esse avanço, quais os próximos passos desse tipo de arte? O roteirista (“Robocop 2”) e desenhista (Batman, Demolidor), Frank Miller respondeu: “O que vejo acontecer nos quadrinhos americanos é uma diversificação muito grande, saindo dos tradicionais gibis de super-heróis até manifestações artísticas extremamente pessoais. Estamos assumindo os quadrinhos como o campo perfeito para vôos livre da imaginação, como um meio onde não há limites quanto aos temas a serem abordados, e acho que é isso que assegura a posição privilegiada das histórias em quadrinhos na cultura americana”. Série Vilões 1. Reportagem publicada originalmente no jornal A Tarde 05/05/1991. (Gutemberg Cruz)


































12 janeiro 2007

Música & Poesia

Memórias do Mar (Vevé Calasans e Jorge Portugal)

A água do mar na beira do cais
vai e volta volta e meia vem e vai

A água do mar na beira do cais
vai e volta volta e meia vem e vai

Quem um dia foi marinheiro audaz
relembra histórias
que feito ondas não voltam mais

Velhos marinheiros do mar da Bahia
o mundo é o mar
maré de lembranças
lembranças de tantas voltas que o mundo dá

Tempestades e ventos
tufões violentos
e arrebatação
hoje é calmaria
que dorme dentro do coração

Velhos marinheiros do mar da Bahia
o mundo é aqui
maré mansa e morna
de Plataforma ou de Peri-Peri

Velhos marinheiros do mar da Bahia
o mundo e o mar
maré de lembranças
lembranças de tantas voltas que o mundo dá.


Qualquer (Arnaldo Antunes, Hélder Gonçalves, Manuela Azevedo)

qualquer traço linha ponto de fuga
um buraco de agulha ou de telha
onde chova

qualquer perna braço pedra passo
parte de um pedaço que se mova

qualquer

qualquer fresta furo vão de muro
fenda boca onde não se caiba

qualquer vento nuvem flor que se imagine além de onde o céu acaba

qualquer carne alcatre quilo aquilo sim e por que não?

qualquer migalha lasca naco grão
molécula de pão

qualquer dobra nesga rasgo risco
onde a prega a ruga o vinco da pele
apareça

qualquer lapso abalo curto-circuito
qualquer susto que não se mereça

qualquer curva de qualquer destino que
desfaça o curso de qualquer certeza

qualquer coisa

qualquer coisa que não fique ilesa

qualquer coisa

qualquer coisa que não fixe

11 janeiro 2007

Humor gráfico na Bahia (4)

A tira de quadrinhos Fala Menino, do ilustrador Luís Augusto, discute o relacionamento do mundo adulto com a infância apresentando a diversidade do universo infantil e contribuindo para que a criança tenha voz atuante na sociedade. É uma das mais premiadas. A tira está sendo publicada no jornal A Tarde, além de vários livros editados e acaba de alçar seu vôo mais alto. Ganhou as telas das TVs dos lares baianos. Trata-se de uma série de 15 capítulos (de 45 segundos cada) que ficou no ar na programação das emissoras da Rede Bahia. Depois os episódios serão reapresentados pela TVE.

A turma do Fala Menino é formada por 26 amigos. Alguns chamam a atenção pelas características quase nunca presentes em histórias em quadrinhos como Rafael que é deficiente visual, Bruninho com síndrome de Down, e Caio, um cadeirante. A maneira de tratar temas tão delicados funciona como um alerta para pais, educadores e adultos de uma maneira geral aprenderem a lidar com assuntos que fazem parte da vida de qualquer criança. As histórias que Lucas nos conta são sobre o relacionamento do mundo adulto com a infância. Ele nos fala de diferenças físicas ou sociais, de superação de limites, de inclusão, de responsabilidade social com a naturalidade das lições que apenas a infância sabe dar.

Antônio Luiz Ramos Cedraz é um dos mais importantes quadrinhistas da Bahia, principalmente na área do quadrinho infantil, gênero que alcançou o auge das historietas cômicas nas séries Lúbio, Zé Bola, Joinha, Ana, Pipoca e agora Xaxado. Durante muitos anos Cedraz vem publicando seus trabalhos na Bahia, em outros estados e até fora do país. Ele está no mercado há mais de 40 anos, sempre batalhando, lutando para abrir espaço para os quadrinhos nacionais, mas com muita humildade. Nunca desistiu da luta, mesmo que batalhasse com dificuldades e enfrentando o todo poderoso syndicate norte americano.


Da simplicidade do traço à criatividade da narrativa, Xaxado retrata a vida rural com todas as suas lendas e mistérios. São aventuras de um garoto, neto de um famoso cangaceiro que vivia com o bando de Lampião, às voltas com problemas do dia a dia, junto com seus pais e amigos. A Turma do Xaxado reúne personagens tipicamente brasileiros e já recebeu diversos prêmios. Todo o trabalho tem um bom acabamento visual das personagens, com precisão no traço e originalidade temática. Através de um enredo fluente, falando de um cotidiano em que se misturam o real e o simbólico, o objetivo e o subjetivo, o autor constrói uma atmosfera da qual é difícil ficar alheio. Através de Xaxado penetramos no universo gráfico de Cedraz, o imaginário infantil cria asas e viaja na mente de todos nós.

Flávio L
uiz faz charge e ilustrações no Correio da Bahia, publicou a revista Jayne Mastodonte (uma aventureira musculosa), já publicou tiras (Rota 66, sobre um cacto e uma caveira de bisão em algum lugar da estrada mais americana, e Job um lutador, um cão dálmata, atrapalhado com seus próprios limites, que ele busca a todo custo vencer, se envolvendo nas mais variadas modalidades esportivas), tem uma revista Au da Bahia, o capoeirista. O rapaz é um dos mais premiados cartunistas da Bahia, tendo no currículo prêmios em diversos salões no Brasil e exterior.

O ilustrador Wilton Bernardo tem um trabalho voltado para o quadrinho infantil, além do site oficinahq voltado para os interessados no desenho de humor. Por pressão do mercado, alguns profissionais têm que pagar pela falta de opções e pela imposição da dura realidade, onde a sobrevivência fala mais alto do que a ideologia da liberdade total de criação.

O desenhista de Flash Gordon, Jim das Selvas e o Agente Secreto X-9, Alex Raymond afirmou certa vez: “Cheguei, honestamente, à conclusão de que a História em Quadrinhos, em si, é uma forma de arte. Reflete a vida e o tempo com mais precisão e é mais artística do que a ilustração de revista, pois é inteiramente criativa. Um ilustrador trabalha com máquina fotográfica e modelos; um desenhista de histórias-em-quadrinhos começa com uma folha em branco e ´sonha´ inteiramente a obra – ele, ao mesmo tempo, é roteirista de cinema, diretor, montador e ator”. Nos quadrinhos temos a literatura (a narrativa), a imagem (o desenho), o som (através da onomatopéia), os diálogos (através dos balões) e todas as nuances do desenvolvimento das sequências de imagens, as cores, o formato e os tipos de letras dos diálogos. Quando esses elementos se combinam em uma obra, a química é perfeita: não há como ficar imune ao artista. Ele nos domina, manipula nossas emoções e, de quebra, nos faz refletir. Nessa folha de papel em branco o artista pode recriar um mundo e assim, começa a nossa viagem pelos quadrinhos.





10 janeiro 2007

Humor gráfico na Bahia (3)

Nildão, Lage, Setúbal, só para lembrar esse trio, traçavam as linhas de quadrinhos e humor no suplemento semanal de um jornal diário da década de 1970 no Brasil: A Coisa. Além deles, participavam regularmente com palpites e algumas contribuições, Antonio Cedraz, já com espaço regional garantido pelo seu Joinha; Dilson Midlej e as primeiras tiras da Nikita, Sebastian Seriol (Sebas) e a série sobre um vendedor de picolé conhecido como Juá, Os Bixim, de Nildão questionando a natureza.

Os problemas de um homem de meia idade, classe média, diante da realidade – trabalho exaustivo em relação a baixa remuneração eram assuntos tratados na série Argemiro, de Setúbal, e o malandro Bacuri, de Carlos França, a garota Bartira de Péricles Calafange, a vida de um casal nos alagados, Nego & Nega, de Romilson Lopes. Tem ainda o grafismo de Cleber Barros, Helson Ramos, o poema processo de Almandrade, e o experimentalismo gráfico de Carlos Ferraz, Jorge Lessa e Jorge Silva num delírio visual nunca visto até hoje na região, as pinturas influenciadas pelos quadrinhos de Juarez Paraíso, Floriano Teixeira, Carybé, Chico Liberato entre outros. Até Castro Alves já rabiscava caricatura, o cineasta Glauber Rocha também.


Na Bahia os quadrinhos procuram novos caminhos, tomados em sua mais ampla significação estética e social. E, como nas demais manifestações artísticas, cruzam-se várias correntes e direções, das mais tradicionais às mais experimentais. Ocorre com o quadrinho feito na Bahia o mesmo espírito de reforma que vem atingindo outra arte. As linhas que se marcam pelo experimentalismo – quadrinhos que exploram a potencialidade visual dos temas – desdobram-se em várias matrizes, desde a pesquisa puramente gráfica (Aps, Calafange) à visão de página como um todo articulado (Jorge Silva, Carlos Ferraz), desde os modelos que se inspiram nos cartuns (Lage, Nildão, Lessa e Setúbal), do poema processo (Almandrade), desenho-animado (Chico Liberato) até o realismo fantástico (Juarez Paraíso, Edsoleda Santos).

Nildão, um dos mais atuantes passou a ser reconhecido nacionalmente pelos trabalhos. Um de seus desenhos marcantes na época foi o de um cangaceiro que urinava pó na caatinga. Desenho de traço nítido, econômico, o cartunista Nildão em vez de fazer rir às custas da pessoa retratada, o homem que aparece em seus desenhos é anônimo. E o espectador se identifica com ele. Ele não ri mais às custas de um outro, mas às suas próprias custas. Porque hoje, os desenhos de humor é um espelho. Suas ótimas idéias colocaram seu trabalho em um patamar sempre elevado. De grafiteiro, cartunista, hoje é designer gráfico. O humor é o equilíbrio, uma questão de saúde, se você sofre do fígado não consegue rir.

Em vez de desenhar os que estavam no poder, Nildão preferia os que estavam em baixo, os que estavam sofrendo ação. Em vez de abrir as portas e ver os poderosos e saber dos fatos dali dos bastidores, ele está em baixo, ouvindo eco das pessoas. Nos anos 80, Nildão publicou Me Segura qu'eu Vou dar um Traço, um marco na história do humor baiano. Oito anos depois veio Bahia: Odara ou Desce. Em 1989, o livro de grafites Quem não Risca não Petisca, depois Ivo Viu o Óbvio, É Duro ser Estátua, entre outros.

Lage tem traço simples e consegue captar todo o momento histórico político vivenciado. Tudo Bem, Ânsia de Amar e outras tiras trazem um humor sem retoques, autêntico, mordaz. O humor caligráfico de Lage tem uma marca pessoal muito forte e traz, por inteiro a perplexidade nossa de cada dia. Traço rápido, leve, ágil, sinuoso, carregado de expressividade, firme, ajusta-se a brevidade do momento. O desenho de humor de Lage é uma análise crítica do homem e da vida, uma análise desmistificadora. Seu humor é uma forma de tirar a roupa da mentira. Na Tribuna da Bahia, Lage conquistou a liberdade de criação no veículo, ele é quem responde pelas tiras e charges diárias. A ele é permitido criar e, veicular, todas as suas idéias sem censuras e castrações. É aí que ele desenvolve sua verve artística crítica, explorando os costumes baianos e satirizando os fatos políticos.

A obra de Lage adentra as relações afetivas, vasculha detalhes das relações de classe escancara os valores do imaginário do autor. Aborda temas de caráter intimista pontilhados de crítica à realidade sócio-política-econômica do país, extrapolada muitas vezes quando o fato que questiona alcança uma repercussão mundial. Ele é o chargista crítico dos desmandos do poder, exercendo a cidadania tal qual a princípio lhe é conferida como um direito natural e constitucional, no papel de fiscalizador dos atos dos políticos e dos governantes.

O caric
aturista e ilustrador Paulo Setubal trafega bem pela caricatura, ilustração, charges e quadrinhos. A significação social de sua obra e a elaboração narrativa trazem propostas extremamente ricas para nossos quadrinhos. O dinamismo de seus planos reveste-se de uma significação estrutural à altura das melhores produções gráfico visuais dos nossos tempos.

Ada Brito (Tico e Mif), Menandro Ramos, Carlos França, Ruy Carvalho, Reinaldo Gonzaga (O Achamento do Brasil), e Douglas Gentil atuantes no jornal A Tarde. Tivemos também o caricaturista Ângelo Roberto, o cartunista J.Mendes, Zé Vieira, Eduardo Barbosa, Ruy Trindade, Parlim (com a saga de Antonio Conselheiro), Robério Cordeiro com a série Pintinha, Paulo Serra e seu ecológico Mero e a saga de Conselhei
ro, além das atuações dos cartunistas Cau Gomes, Valtério, Rezende, Cão, Gugão, Hector Salles entre outros. Existem nos subterrâneos de nossa cidade muita gente nova preocupada com soluções formais mais atualizada com a contemporaneidade que nos marca, cultural e ideologicamente. Por outro lado, problemas político ideológico seriam marcantes na medida de atuação cultural desses quadrinhos como objetivos de consumo e como linguagem determinada pelo contexto cultural. Além do fanzine Na Era dos Quadrinhos, Balão e alguns outros, tivemos as revistas Tudo com Farinha (projeto de extensão da Universidade Estadual da Bahia), Abalim, Vilões, Esfera do Humor, Pau de Sebo, e Desagaquê.




09 janeiro 2007

Humor gráfico na Bahia (2)

Pouco se escreveu a respeito das obras gráficas baianas. Com exceção de esparsos ensaios na imprensa, quase sempre insuficientes, nada lemos sobre o nosso grafismo. Apenas dois livros que publiquei nos anos 90 traçam um pouco da trajetória: O Traço dos Mestres e Feras do Humor Baiano. A pouca importância da obra gráfica vem do preconceito que muitos estudiosos de arte alimenta, pelo desenho e pela gravura pois esses estudiosos só admitem obras de parede, em vistosas molduras a óleo. As obras gráficas, muitas delas de autênticos valores sociais e culturais, ficam no esquecimento total.

O que muitos não sabem é que a maioria dos grandes nomes da pintura realizou-se primeiro no desenho, na gravura. Relegar a obra gráfica desses artistas a um segundo plano é desconhecer por completo os caminhos percorridos, muitas vezes com maior acerto e determinação do que na obra pictórica. O mestre Raimundo Aguiar, ou K-Lunga, foi um exemplo. Até hoje somente a sua pintura foi considerada. Sua obra gráfica, de interesse ilimitado, permanece em um segundo plano, cercado por um silêncio constrangedor. O mesmo podemos dizer dos trabalhos de Nicolay Tischenko, Sinézio Alves, Fernando Diniz, Álvaro de Barros entre outros. Há nos desenhos desses humoristas uma preocupação em retratar o homem no seu cotidiano, sua vida social.

Para os leitores mais novos, é bom lembrar que no dia 25 de setembro de 1968, a Bahia começou a participar do movimento de estudo das histórias em quadrinhos com a fundação do Clube da Editora Juvenil, assim denominado em homenagem aos primeiros gibis juvenis. Junto com alguns jovens resolvemos difundir o hábito de ler e analisar os quadrinhos no Brasil. Lançamos nossas pesquisas no fanzine Na Era dos Quadrinhos. Foram publicados 37 números: de julho de 1970 a julho de 1973, na sua primeira fase em mimeógrafo. Outra atividade do Clube era realizar exposições, palestras, seminários e debates nas escolas e bibliotecas.

Foi com o Na Era que surgiram as primeiras manifestações conscientes no sentido de se construir HQ autenticamente nacional - e popular. O quadrinho baiano tomou fôlego com o surgimento do tablóide A Coisa, do jornal Tribuna da Bahia. A Coisa foi um seguimento natural do Na Era e tinha como meta principal “uma maior valorização do autor brasileiro e em particular baiano”. “Pretendemos também – dizia o editorial -, divulgar e abrir novas perspectivas aos humoristas e desenhistas que ainda não tiveram oportunidade de publicar seus trabalhos”. Em pouco tempo o suplemento revelou novos cartunistas e desenhistas de quadrinhos.

O suplemento da Tribuna, aberto para os novos desenhistas, aproveitou uma percentagem expressiva, com experiência que abriu novas possibilidades para a pesquisa temática ao nível gráfico. Seu lançamento serviu para aproveitar vários desenhistas que antes apenas trabalhavam em outros setores. Jorge Silva, Carlos Ferraz, Romilson Lopes e Péricles Calafange foram as revelações em termos de quadrinhos. Lessa e Aps (Anildson Pereira dos Santos) tinham base ca
rtunística e colocaram de maneira implícita a relação quadrinho/cartum.

Jorge Silva de Oliveira, vindo da publicidade e interessado pela figuração narrativa desde pequeno, investe no mais puro domínio do experimentalismo. Estruturalmente mais dinâmico (pelo que representam as imagens e a colocação dos planos numa página) o desenho de Silva nos parece mais inventivo, grandioso, em alguns momentos voltando ao clássico de uma maneira nova. O “travelling”, o contracampo cinematográfico e os cortes conduz psicologicamente o leitor para o desfecho, numa alta temperatura gráfico visual.

Enquanto Silva trabalha com uma surpresa formal, Carlos Ferraz reforça de maneira considerável o enriquecimento de certas cenas. Em termos narrativos e/ou criativos há uma rara beleza no interior dos planos quer seja na sua obra sobre a diluição da Terra, do garoto de surf ou do futuro. Tanto Silva como Ferraz trouxeram uma grande inovação formal. Antes a maioria dos desenhistas contentava-se em desenhar as cenas de frente. Silva e Ferraz introduziram o uso de tomadas de campo e contracampo, estudando o enquadramento, o que fez surgir a elaboração de um estilo narrativo mais denso. Péricles Calafange seguiu o caminho aberto pelos dois acima citados, mas com um se
ntido bastante apurado na visualização dos planos.

Surgiu em agosto de 1975, enfrentando diversos problemas com a censura e, por motivos internos do jornal, A Coisa foi reduzida a uma página até sumir, em março de 1976. Saíram 32 números, com muito humor, quadrinhos e informações. Durou oito meses, tempo suficiente para a reunião dos cartunistas e discussão de novas idéias e projetos. Em junho surgiu o nanico Coisa Nostra, com texto, cartuns e quadrinhos. "O importante - diziam os editores - é que o riso não fique na boca. Ele tem de dar uma chegadinha na consciência". Coisa Nostra durou apenas quatro números.

Em 1977, relançamos o Na Era dos Quadrinhos, desta vez impresso em off set, mas que só durou cinco números. Lutar pela colocação do quadrinho baiano no mercado, desenvolver a criação de historietas em Salvador e fazer uma avaliação das HQs feitas até aquela época foram objetivos do periódico, que serviu de estímulo aos criadores, visando o desenvolvimento da consciência quadrinhográfica.



O Clube de Quadrinhos, depois com o nome de Centro de Pesquisa de Comunicação, preparando estudos sobre quadrinhos, sua linguagem e importância, influenciou bastante a imprensa baiana a ponto de levar o tradicional jornal A Tarde, que antes só publicava estorietas estrangeiras, a abrir suas páginas aos nossos quadrinhos. E, não só A Tarde, mas a Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia, Jornal de Salvador e O Mensageiro. Todos eles começaram a se interessar um pouco mais pelos nossos quadrinhos. Além disso, fazíamos palestras, debates nas escolas e bibliotecas sobre o assunto para que as pessoas pudessem apreender mais o sentido visual, a força da imagem nos meios de comunicação de massa. Era preciso saber ler os quadrinhos, sua linguagem específica e a sua importância no mundo.