30 setembro 2011

Fachadas de Salvador a partir da década de 70:a arte dirigida às coletividades(5)

5. CRIADOR EXPÕE SUA IDENTIDADE

Miguel Cordeiro é um economista que tem uma visão muito crítica do mundo. Seu pai residiu em Nova Iorque e ele sempre está atento a tudo o que acontece e sua volta. Miguel é o nome do criador dos grafites que fizeram sucesso no período de 1979 a 1985 em Salvador. Seu personagem maior, Faustino, foi criado de uma simples conversa entre Miguel e sua namorada, também grafiteira, que assinava Madame Min. Na época havia um personagem inteligente, O Mancha. Este foi morar em São Paulo e pouca coisa ficou. Os grupos não persistiram, Faustino, cujo nome escolhido porque sova bem eum pouco demodê”, permaneceu. O autor comenta a personalidade de Faustino:


Sempre fiz o Faustino, desde 1979, mas era anônimo. Mas, ultimamente, todos discutiam quem era o autor de Faustino e terminaram atribuindo as pichações a outras pessoas, que aceitavam a autoria. resolvi assumir. Em 1979, quando comecei, havia toda uma efervescência do grafite: Mancha, Min, Zezin. Do Zezin eu também fazia parte, mas achava que não tinha uma certa personalidade, uma coisa coesa, embora fosse até poético. o Faustino é o perfil de uma pessoa. Me inspirei quando vi uma foto de Roberto Carlos com a famíliaNice e Segundinhonum porta retratos do Shopping Center. Quem poderia ter esse porta retratos? mesmo um Faustino. Eu tinha de escolher um nome engraçado para esse personagem. Pintaram váriosme lembro de Agostinhomas o nome que ficou foi Faustino mesmo, por causa do som da palavra. A maioria do pessoal que fazia grafite em 79 parou. Acho quer aquele movimento do grafite, que começou tão intenso, foi interrompido porque muitos não acreditam no tipo de ação do grafite”, revelou o artista em 1984.

Na época foram dezenas de frases espalhadas pela cidade mostrando quem é Faustino: “Faustino faz curso Madureza”, “Faustino ouve Julio Iglésias” (em 1981), “Faustino usa calça Topeka”, “Faustino usa escovinha pata-pata”. Segundo Miguel, “as pessoas dizem que o Faustino é uma coisa ligada ao saudosismo, mas eu vejo o personagem como uma certa crítica, com humor, fundamental num trabalho de rua. Se não tivesse humor, parece que estou cumprindo ordem, que é uma coisa político-partidária. É uma forma de me expressar. Para fazer um trabalho grafite é preciso dinheiro para o spray, saltar os obstáculos e colocar a mensagem diretamente na rua. Um spray para uma dez citações”.


Faustino é um personagem que tem muito a ver como um indivíduo de classe média que num momento de aperto vendeu o ouro do dente e guarda uma calculadora na capanga para acompanhar a conta do supermercado (lembre-se que nessa época a inflação era galopante). Miguel, em 1984 tinha 28 anos, muito inquieto e ligado aos movimentos de vanguarda. Não gostava de bolero e era do rock, música da sua geração que nessa década de 80 retornava com muita força.

Na época o recorte de Salvador com os trabalhos de Miguel estava no bairro do Caminho das Árvores onde existia um desenho colorido representando um rosto de uma figura passada com as coisas da vida. Os traços gestuais representavam exatamente a grande interrogação diante de tanto caos. A figura representada estava perdendo as forças e assim abria a boca num grito de desespero. O trabalho é antropofágico, ou seja, foi decupado da arte de Munch (1863-1944), um dos primeiros artistas do século XX que conseguiu conceder às cores um valor simbólico e subjetivo, longe das representações realistas. Uma de suas obras mais importantes é O Grito (1889). Nela a figura humana não apresenta sua linhas reais mas contorce-se sob o efeito de suas emoções.


Na Avenida Paulo VI, nas imediações onde estava sendo construída a nova sede dos Correios, num muro defronte havia um dos principais desenhos do pai de Faustino. A presença de duas figuras onde a que está no vídeo puxa a outra que representa o telespectador. Uma critica ao poder dos veículos de comunicação de massa, especialmente a televisão que está nivelando os costumes, acabando com as tradições, impondo modas e comportamento. Uma dura crítica, na época, a massificação desenfreada que vinha sendo institucionalizada no país através das grandes redes de tevê.


Saindo do bairro da Pituba e entrando no Chame Chame, exatamente na Rua Sabino Silva, próximo a um posto de gasolina estava um desenho de maior tamanho, criado sob inspiração de uma obra de Pablo Picasso. É o dilema da mulher do espelho. O conflito do narcisismo, e a estética vigente n sociedade. A cor morena é o padrão da beleza, a ponto de várias jovens terem sofrido, no último verão, queimaduras nas pernas e nos rostos devido o uso de um bronzeador caseiro. No verão as mulheres ficam expostas horas e horas ao sol, num desconforto total prejudicando a própria saúde em busca da cor morena. É a vaidade demasiada e o espelho é o elemento que mais representa este frama do individuo diante do seu verdadeiro físico, o idealizado diante das determinantes da sua aculturação.


No bairro da Barra, próximo ao Iate Clube da Bahia tinha um desenho colorido que provocava um encontro surpresa com o transeunte. A figura de Miguel foi desenhada de tal forma que se você subia a ladeira encontrava de frente, de cara. E isto provocava muitas vezes risos entre os transeuntes que subiam distraídos e foram alertados pela figura. Miguel, desejava assim, uma participação cada vez maior do público com seu trabalho. Na Rua Oito de Dezembro no final havia um desenho plasticamente bem bolado, mas não tem uma explicação maior. Na Rua Marquês de Caravelas surgia forte o Faustino. “Faustino fica bravo!”. Esta frase é uma reação diante de tanta coisa ruim que fazem com a Bahia. Ele ficava apavorado com tanto abandono que maltrata a velha Cidade do Salvador. Aborrecido com o descaso para com a educação e com o empobrecimento de sua gente. Faustino leva não somente a Bahia a sério, como defende sua gente.

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24 Horas de Quadrinhos


A partir deste sábado, 01 de outubro, durante o 24 Horas de Quadrinhos (no RV Cultura e Arte, no Rio Vermelho) até o próximo final de semana, mais precisamente dia 08/10, alguns títulos dos convidados que passam por Salvador neste mês estarão disponíveis com descontos especiais!!


Lembrando a todos que o Rafael Coutinho (Cachalote) vai estar no RV a partir das 16hs do mesmo dia para um bate-papo aberto ao público e gratuito. E vocês podem ainda aproveitar para levar para casa a HQ Cachalote com desconto e autógrafo, ou alguns dos produtos do Projeto Narval, capitaneado pelo próprio Rafa como por exemplo: canecas, posters, alguns números a revista MIL, camisetas dos Piratas do Tietê, e até posters da Gazzara, um novo projeto em quadrinhos formato A2.


Lembrando que a “Feira de Autores” será realizada em parceria com o 1º FESTIVAL ANUAL DE QUADRINHOS e terá a participação especial de Gabriel Bá e Fábio Moon, lançando a HQ Daytripper, além de Mário Cau, Rafael Grampá, André Dahmer, Gustavo Duarte lançando a HQ Birds, Flávio Luiz e Marcello Fontana. Os trabalhos começam as 17h30 do dia 08 de outubro. Vocês não podem perder!!

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929). Na Galeria do Livro, em outubro: Oficinas do Mês das Crianças.

29 setembro 2011

Fachadas de Salvador a partir da década de 70:a arte dirigida às coletividades(4)

4. A CIDADE SE TRANSFORMA NUMA ENORME GALERIA


A pichação no Brasil sofreu a influência do momento político, das eleições, e as propagandas dos candidatos catalizaram alguns dos futuros pichadores. “Eu gostaria de usar a cidade como se fosse uma enorme galeria. O muro em frente do ponto de ônibus me interessa mais do que colocar uma tela em salas de visita de milionários”, comenta um pichador baiano que não quis revelar o nome (com medo de pagar a multa). E acrescentou: “Esta é uma forma de manifestação independente e espontânea, cuja intenção deliberada é provocar o espectador, descondicionando sua percepção cotidiana”.

Para mim a pichação é uma saída para a falta de divulgação das atividades artísticas”, revela outro pichador. “Embora a gente continue no anonimato, nosso movimento incrementa a produção artística e por isto vale a pena”. As pichações permitem observar uma série de traços da sociedade e sua maneira de encarar a si mesma. Pichação é protesto, crítica. A pichação, tão eloquente em seu anonimato, tão autêntica em seu grito de protesto, vozaos que não têm voz”, constituindo-se no canal único de expressão das camadas mais ignoradas e aflitas da sociedade (seja ela econômica ou mesmo invisível no que diz respeito aos projetos culturais), ou de seus grupos mais dissidentes, que se apresentam aos olhos da burguesia acomodada (e/ou panelinha artística que sempre beberam o nectar dasverbas federais/governamentais) como se gritasse a ela: “Nós também existimos!”.


Deus condena do candombléfoi a primeira manifestação em grafite que teve certa ressonância junto à população. Mas, o autor da pichação nas paredes e viadutos nunca chegou a ser descoberto. Depois, foi a vez de se falar na crise que o Esporte Clube Bahia atravessava, pela falta de renovação dos jogadores. Em agosto de 1979 grupos de poetas iniciaram uma intensa movimentação de manifestação artística, utilizando as paredes públicas, fazendo reviver toda uma fase de exposição de ideias. A poesia de rua é importante por ser a veiculação direta autor/povo, das variadas mensagens, como por exemplo: “O operário é um poema censurado”.


O grupo de poetas de rua, autodenominado BaldeAção foi preso no início de agosto de 1970 pela Polícia Civil por estar pintando as paredes, no Politeama. Era a segunda detenção do grupo (a primeira ocorreu no início de junho de 1979) que estava tentando dar uma nova roupagem para a manifestação. Mas a prisão serviu apenas para determinar o crescimento do potencial do grupo por ter despertado à atenção de populares para o tipo de arte que estava sendo desenvolvido.


O BaldeAção tinha 25 componentes, que se reuniam nas ruas. Foi criado em junho de 1979 e a maioria dos poetas eram estudantes de Comunicação da UFBa. Alguns tinham experiência literária. Diariamente faziam recitais de poesia na Praça da Piedade no cair da tarde (17h). Outros tinham trabalhos publicados em cadernos literários. O grupo, segundo auto definição, é filho da Semana de Arte Moderna, sendo que a diferença estava na pretensão de ser diferente do movimento modernista. Para eles o importante é a comunicação direta com o povo, as ruas. Não pensava em lançar livros, por achar que o livro ocupa um espaço antigo. Mas não descartava a possibilidade de se documentar todo o trabalho que vinha sendo feito nas paredes, ruas e avenidas.


Um dos componentes do grupo, jornalista Marcos Luedy explicou que na época, nas entrevistas dadas aos jornais que o grupo não estava fazendo pichações em casas residenciais, mas apenas em áreas baldias ou lugares públicos sem maiores prejuízos. Porque se pensou na pichação como meio direto de levar ao público as ideias do grupo. Ele reconheceu que a princípio foi a dificuldade de se editar os trabalhos. depois que se chegou à conclusão queos muros são melhores que os livros, porque o livro fica limitado a poucas centenas de leitores”. Marcos Luedy ( recebeu prêmios literários na área de contos em Ilhéus e Itabuna, onde tem sua formação cultural) na pichação dos muros a forma mais prática de criação, embora observe que o expediente não é novo, masque tem um caráter, agora de cada vez maior renovação e ganho de força


Os principais pontos de pichação em Salvador estavam localizados no Politeama, Garcia, na Escola de Comunicação da UFBa, Escola de Música, São Lázaro e nas escolas de Arquitetura e Politécnica, justamente onde a massa estudantilque se identificava com o movimentoera maior. Os grupos se solidarizaram nos manifestos, embora houvesse respostas quando as mensagens desagradavam. O grupo Mancha pelas pichações tinha jeito de ser formado por narcisistas. Suas criações falavam coisas comoO Mancha está em todas”. Sua tirada máxima aconteceu no muro da empresa de publicidade Divisão/Engenho, onde escreveuO Mancha gosta de propaganda”. Jaciara era outro grupo em ação que preferia os poemas ao invés de recados diretos: “Jaciara é uma menina pirracenta”.


Sombra da Noite era um grupo menos conhecido e se preocupava sempre em falar de coisas românticas, numa linha diferente dos outros. Numa das frases o grupo colocava no muro: “Nunca amar sem amor” (parte de um poema de Thiago de Mello). o grupo Poemus pichava: “Pintar a boca do mundo com o batom da palavra”. As pichações apareceram da Cidade Baixa até Itapuã.

Outro grafiteiro que marcou a cidade foi Joelino Ferreira de Araújo Filho que, aos 32 anos (em 1988), engajado politicamente, provocava certas discussões dentro dos partidos radicais e se definia como um ser anárquico, que fazia arte e pichava visando um público específico - “as pessoas inteligentes”. Joelino é o tipo de pessoa que demais e tem a língua solta, sem papes nem sombras, por isso mesmo se inspirou nele mesmo para fazer seu personagem. Painéis imensos de seis metros de altura por 40 de cumprimento na Ladeira da Barra que começou as pichações do personagem Joelino: “Joelino foi atropelado”, e estava ele esquartejado, com a cabeça para um lado, perna para o outro, tudo espalhado. O pensamento era criticar a segurança nas ruas que não é respeitada por ninguém e nem mesmo pela própria segurança do estado que não conseguia evitar que cenas como apareceram nos cartazes aconteçam diariamente nas cidades.


Mais cenas urbanas foram levantadas. Uma delas apareceu no Campo Santo: “Joelino serviços funeráriosNos providenciamos o defunto”, dizia o cartaz com tudo o que tem direito ao clima tenebroso criado pelos papa-defuntos, sempre de plantão nos pronto-socorros na tentativa de conquistar mais um cliente. Ao todo foram uns 300 cartazes com outras 300 ideias diferentes. O Joelino atropelado marcou. Mas na realidade, Joelino foi atropelado como artista. O artista desenvolveu um trabalho alternativo e gratuito no Teatro Castro Alves, em troca da utilização de um espaço deles. Expulso pelo TCA, Joelino acabou indo para a Secretaria de Cultura de Camaçari a convite do então prefeito Luiz Caetano a desenvolver um trabalho de arte na cidade. Em Camaçari teve problemas com o então secretário de Cultura do município, José Carlos Capinam e deixou a localidade com o desabafo: “Eu não quero ser mentor de nada, minha terapia é extravasar essas coisas que sinto, que vejo, através de uma marca que é Joelino”. Por essas e outras ele saiu das galerias e caiu nas ruas e até que haja muro Joelino permaneceu a postos com ideias e uma lata de piche na mão.

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Festival Anual de Quadrinhos - Inscrição nas oficinas


Durante o FAQ - Festival Anual de Quadrinhos, que acontecera entre os dias 6 a 9 de outubro, a RV Cultura e Arte receberá três oficinas. Para se inscrever é necessário acessar o site www.quadrinhosbahia.com e preencher o formulário de inscrição. Cada pessoa pode se inscrever em até duas oficinas e serão disponibilizadas somente 20 vagas. Pedimos que os interessados tenham certeza de sua participação nas oficinas, devido ao numero limitado de vagas. Att, RV Cultura e Arte

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929). Na Galeria do Livro, em outubro: Oficinas do Mês das Crianças.