29 agosto 2008

Música & Poesia

Rosebud (Lenine / Lula Queiroga)

Dolores, dólares...

O verbo saiu com os amigos
pra bater um papo na esquina,
A verba pagava as despesas,
porque ela era tudo o que ele tinha.
O verbo não soube explicar depois,
porque foi que a verba sumiu.
Nos braços de outras palavras
o verbo afagou sua mágoa, e dormiu.

O verbo gastou saliva,
de tanto falar pro nada.
A verba era fria e calada,
mas ele sabia, lhe dava valor.
O verbo tentou se matar em silêncio,
e depois quando a verba chegou,
era tarde demais
o cáderver jazia,
a verba caiu aos seus pés a chorar
lágrimas de hipocrisia.

dolores e dólares...
que dolor que me da los dólares
dólares, dólares
que dolor, que dolor que me da



Soneto De Intimidade, de Vinicius de Moraes

Nas tardes de fazenda há muito azul demais.
Eu saio às vezes, sigo pelo pasto, agora
Mastigando um capim, o peito nu de fora
No pijama irreal de há três anos atrás.

Desço o rio no vau dos pequenos canais
Para ir beber na fonte a água fria e sonora
E se encontro no mato o rubro de uma amora
Vou cuspindo-lhe o sangue em tomo dos currais.

Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme
E quando por acaso uma mijada ferve

Seguida de um olhar não sem malícia e verve
Nós todos, animais, sem comoção nenhuma
Mijamos em comum numa festa de espuma.

28 agosto 2008

O Homem Deus

A sabedoria das grandes religiões não convém mais a nossos tempos democráticos? Um dos traços mais singulares do nosso universo secularizado é que nós nele permanentemente existimos por meio de projetos. Após a morte das grandes utopias que inseriam nossas ações no horizonte de um vasto propósito, a questão do sentido não encontra mais um local onde se exprimir coletivamente.

As grandes utopias deram, durante décadas, sentido à vida dos indivíduos – tanto aos que nelas acreditavam, por acreditarem, quanto aos que as combatiam, por combatê-las. A idéia de um “além” da vida presente. O militante trabalhava para o futuro, para as próximas gerações, para o advento da sociedade perfeita, do paraíso na Terra. Assim, durante um século e meio que essa religião (insubstituível como fornecedora de sentido) residiu o extraordinário poder de fascínio de milhões de pessoas. A partir daí procurou-se encontrar o caminho no ressurgimento de antigas formas de espiritualidade. Assim, há mais de 20 anos houve a redescoberta do budismo no Ocidente.

O desencantamento com o mundo, ou melhor, a humanização do divino fez com que crescesse a laicidade na Europa. Da bioética ao humanitário, o homem aparece, nos dias de hoje, como sagrado. Daí a era do homem Deus. O filósofo Luc Ferry em sua obra O Homem Deus ou O Sentido da Vida (Editora Bertrand Brasil) aborda a questão do sentido e a do sagrado que são inseparáveis, e elas se ligaram, hoje em dia, baseadas em um duplo processo. O desencadeamento com o mundo e o crescimento da laicidade na Europa. Foi contra tal tendência que o Papa multiplicou suas Encíclicas.

Para ele, o islã de Khomeini, o cristianismo do reverendíssimo Lefebvre, ou o judaísmo da extrema direita israelense podem ser entendidos como facetas diversas de um fenômeno único e inquietante: o integrismo.

A emancipação dos corpos começou nos anos 60. A tradição judaico-cristã, há mais de 20 séculos, opunha o mundo intelectual ao mundo sensível, a beleza da Idéias à feiúra dos instintos, o espírito à matéria, a alma do corpo. No final dessa luta, depositou a libertação sexual. Até os anos 60 a caridade não tinha grandes prestígios. Naquela época os filósofos e intelectuais ridicularizavam considerando que mais parecia, a exemplo da religião que frequentemente a inspirava, o ópio do povo.

No entanto, a partir dos anos 80, o número de organizações não-governamentais com exceção caritativa se multiplicou por cem. Os valores da caridade ganharam um ovo impulso. O progresso das ciências e das técnicas (fecundação in vitro, pílula abortiva, inseminação artificial, clonagem..) suscita interrogações de dimensão moral, metafísica. Assim os poderes, antes negados, estão à inteira disposição do homem e constitui, em si, um problema maior. Entregue a um destino que ele pode agora construir, sozinho às voltas com seus próprios demônios, o homem terá de encontrar em si as respostas às interrogações que ele suscitou. E vai precisar inventar suas regras de conduta diante das forças que ele desencadeou e que ninguém sabe ainda como ele vai poder dominar. As preocupações mais se reagrupavam sob o termo bioética. Com isso a religião perdeu essa relação tradicional com a Revelação e se ergue contra as orgulhosas exigências da liberdade de consciência e do “pensar por si mesmo”.

27 agosto 2008

Turma da Mônica na adolescência

Maurício de Souza está sempre em sintonia com seu público. Desde que lançou a personagem Tina que ele tinha vontade de dialogar mais com o público adolescente. Com a Turma da Mônica Jovem, recém-lançado nas bancas e na 20ª Bienal Internacional do Livro em São Paulo, ele apresenta a turma oito anos mais velha. Cada personagem passou por transformações individuais.

Mônica não é mais baixinha ou gorducha, mas continua líder da turma e dentucinha. Uma romântica incorrigível. E aposentou o vestidinho vermelho. Magali preocupa-se com a qualidade da sua alimentação, adora gatos e pratica esportes. Cascão usa brinco na orelha, toma banho “de vez em quando”, pratica esporte, sendo o skate um dos seus preferidos, junto com a moda street que ele adotou. Cebolinha virou um rapaz moderno, com óculos e cabelo estilosos, após fazer um tratamento com uma fonoaudióloga, não troca mais as letras e prefere ser chamado de Cebola.

O destaque dos desenhos é outra mudança da nova publicação. Mais próximos dos mangas (história em quadrinhos japonês), as histórias são em preto-e-branco, cheias de ação, magia, aventura e humor com pitadas de romance. “É preciso estar atento aos jovens à nossa volta. E observando nossa juventude e mesclando com elementos dos mangas, temos tudo para não apenas agradar os nossos leitores, mas também para conquistar novos. Os leitores vão se surpreender com os novos visuais dos personagens”, disse Maurício de Sousa no lançamento. Além da Mônica, Magali, Cebolinha e Cascão, aparecem o Franjinha, o Anjinho (agora Céuboy) e o vilão Capitão Feio é conhecido como Poeira Negra.

A Turma da Mônica já é nossa velha conhecida não só nos gibis, mas nos desenhos animados e brinquedos. A turminha fala 18 idiomas e está presente em 30 países. Alcançou esses números com a ajuda do Universal Press Syndicate, instituição americana dedicada a quadrinhos e cartunistas reconhecidos em todo o mundo e responsável pela divulgação dos mesmos. Há 40 anos, Mauricio sonhava fazer parte dessa seleta lista, mas foi há pouco tempo que a Monica’s Gang e o gibi inspirado em Ronaldinho Gaúcho conseguiram integrar o time liderado por Garfield e Calvin. Agora, países como Espanha, Indonésia e Coréia do Sul querem ver essa turminha virando desenho animado na TV e nos cinemas. E Mauricio está trabalhando para atender a esses pedidos.

A revista Turma da Mônica vende cerca de 2,5 milhões de gibis por mês, tem 3.500 produtos licenciados, de sabonetes a parques - além do Parque da Mônica no Shopping Eldorado. Mauricio de Sousa estuda a montagem de outro em Luanda, Angola. E também uma área de lazer em Atibaia, um resort da Turma da Mônica na Praia Grande e outro parque temático em São Paulo.

O primeiro número da revista com a versão adolescente vendeu 57% da tiragem nos sete primeiros dias de venda. A edição de estréia lançada pela editora Panini teve um lote inicial de 80 mil exemplares, e ampliou para 230 mil copias. A mídia deu ampla cobertura. "A turma agora vive em dois universos", escreveu Mauricio de Sousa num texto explicativo presente no primeiro número. "Naturalmente se avolumam comentários pro sim e pro não. Mas vale a pena experimentar uma sensação nova, até mesmo perigosa, mas inédita e desafiadora nesta nova série.". Parabéns a toda equipe de criação do Maurício de Sousa Produções pelo desafio da nova publicação. Sucesso!

26 agosto 2008

O novo livro de Sérgio Mattos

* Por Lamartine Lima

A literatura mundial conhece os textos em prosa fescenina desde há muito tempo. Geralmente têm a forma de confidência ou diário íntimo ou confissão. São famosos aqueles de Pietro Aretino e de Teresa Filósofa, que causaram delícias eróticas na imaginação dos europeus da Renascença e do Iluminismo, como aconteceu, entre outros, e de forma diversa, com os brasileiros e os livros da escritora paulista Cassandra Rios ou do pernambucano-carioca Nélson Rodrigues, nos meados do século passado, aquele último alcançando o século XXI.

Ainda este ano de 2008, o escritor baiano Oleone Coelho Fontes, lançou as Confissões de um Proxeneta, em que trata ficcionalmente de uma personagem real, o “cabaretier” Petrônio Fachinetti Carvalhal. Seus autores aproveitam o enlevo a que conduzem os leitores através de suas narrativas, para discutir sutilmente muitas questões transcendentais, principalmente sobre ética, religião e política, particularmente acerca de culpa, pecado e punição. Assim acontece, agora, com o novo livro do profissional de longo e bem sucedido tirocínio como premiado jornalista e docente, fundador e presidente do Instituto Baiano do Livro e também fundador e ex-presidente da Academia de Letras e Artes do Salvador, Prof. Dr. Sérgio Mattos, aos 60 anos de idade, família bem constituída e, com mais esse, 34 volumes publicados.

Intitulado AS CONFISSÔES SEXUAIS DE MARIA FRANCISCA, ele trata, na terceira pessoa, de u’a mulher, de família das Lavras Diamantinas, nascida na capital baiana, sob o signo de Touro, no dia 15 de maio de 1976, vítima, na pré-adolescência, de agressão sexual, por mais de um adulto, que se tornou uma atraente recepcionista e depois empresária de promoções e vendas, de olhos cor de mel, longos e lisos cabelos castanhos caídos pelo dorso do seu corpo moreno, de altura mediana, esbelto e formas harmônicas, em que se destacam os seios pequenos, arredondados e firmes, mais as ancas e as coxas, tipo de cigana. De formação educacional secundária, ela se acha mãe perfeita de uma filha, Ana Lúcia, cujo hímen mandou romper ainda recém-nascida, e um filho, Carlos, ambos adolescentes e já mantendo relações sexuais; frutos, a moça, de sua relação sexual com o sogro, um usineiro das Alagoas, e o rapaz, de sua união com o herdeiro daquele proprietário e industrial, e que a abandonou. Ela vive uma compulsão nicotínica e pansexual, e tem a fixação de ter um terceiro filho, cujo pai quer que seja o publicitário Felipe Castelo, ex-guerrilheiro que foi preso político anistiado e bem indenizado.

Esta obra de Sérgio Mattos retrata o encontro, durante três dias de um fim de semana prolongado, de Maria Francisca com um homem de 75 anos, careca, de barba grisalha cheia, alto, magro, ágil física e mentalmente, de voz grave e com sotaque que denunciou sua origem estrangeira, o qual fora professor universitário, perdera a mulher e os filhos em um desastre de automóvel, tornara-se missionário peregrino em romarias desde o Santuário do Bom Jesus da Lapa, na Bahia, até aquele da Terra da Mãe de Deus, no Horto do Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, no Ceará, manuseando as contas de um terço grande e escuro, vestido com o hábito marrom dos frades franciscanos, sob o nome de Frei Vicente. Ela procurou-o para se confessar, depois de haver-se consultado com psicólogos, psiquiatras, psicanalistas e praticantes de religiões afro-brasileiras.

Todas as 118 páginas do livro remetem ao relato da intensa e desregrada atividade da prática de relações sexuais de todas as maneiras usadas por Maria Francisca, com homem e com mulher, formando um casal, ou um par, ou com mais outro parceiro ou parceira, ou com um grupo, ou mesmo um animalzinho, e os problemas psicológicos e espirituais da compreensão sobre os fatos expostos ao religioso, mais as conseqüentes discussões. Entremeia a narração com observações a respeito da consciência; dos Mandamentos, dos pecados capitais e do perdão; da cidade de Bom Jesus da Lapa, a Gruta-Santuário e o seu milhão de romeiros; do rio São Francisco, seus problemas e intervenções; das práticas litúrgicas sincretizadas dos orixás; de perfumes e receitas afrodisíacos, e uma de assado de carneiro; de operações cirúrgicas plásticas genitais, inclusive implantação de próteses; da arte da discreta fricção erotizante em público; dos movimentos estudantis e guerrilhas, mais sua repressão na época dos governos militares da Revolução de 1964; dos variados tipos e métodos de tortura; da Anistia; da Constituição de 1988; do tempo presente, que é apenas um ponto na linha entre o passado e o futuro; do remorso; das diversas linhas de tratamento pela Psicologia; da Fé; e, finalmente, da promessa de um novo livro que romanceará outros casos de Maria Francisca. Insere-se, portanto, essas confissões de u’a mulher que se acredita livre, na antiga tradição dos livros licenciosos e, paradoxalmente, de cunho filosófico-moralista. Nos dias atuais, como no passado, é um dos segredos para o seu sucesso, esperado junto ao grande público.


* Lamartine de Andrade Lima é médico e ensaísta, membro-fundador e ex-presidente da Academia de Letras e Artes do Salvador, e sócio-fundador do Grupo de Ação Cultural da Bahia

O lançamento do livro do professor e jornalista Sérgio Mattos, As Confissões Sexuais de Maria Francisca, será amanhã, quarta-feira, dia 27, a partir das 18h no restaurante Grande Sertão (Costa Azul).

25 agosto 2008

A Vírgula

A vírgula pode ser uma pausa. Ou não
Não, espere.
Não espere.

Ela pode sumir com seu dinheiro.
23,4.
2,34.

Pode ser autoritária.
Aceito, obrigado.
Aceito obrigado.

Pode criar heróis.
Isso só, ele resolve.
Isso só ele resolve.

E vilões.
Esse, juiz, é corrupto.
Esse juiz é corrupto.

Ela pode ser a solução.
Vamos perder, nada foi resolvido.
Vamos perder nada, foi resolvido.

A vírgula muda uma opinião.
Não queremos saber.
Não, queremos saber.

Uma vírgula muda tudo.

Associação Brasileira de Imprensa (ABI) 100 anos lutando para que ninguém mude nem uma vírgula da sua informação.

Detalhes Adicionais:

Se o homem soubesse o valor que tem a mulher andaria de quatro à sua procura.

Se você for mulher, certamente colocou a vírgula depois de A MULHER.

Se você for homem, colocou a vírgula antes de A MULHER.






Grampos

Os três poderes em Brasília estão agitados. Tudo por causa da paranóia dos grampos. Estão fazendo varreduras periódicas em diversos gabinetes. Muitos estão mudando a rotina de segurança. O que será que eles têm que temem tantos os grampos?! Encontrou a resposta? Claro!


Congresso

Durante dois dias (18 e 19). São Paulo recebeu mais de 800 pessoas no WTC Hotel para participar do mais importante evento da indústria jornalística nacional. Trata-se do 7º Congresso Brasileiro de Jornais cujo tema debatido foi “O Brasil e a indústria jornalística em 2020. “A (re) construção do jornal para a era digital” foi um tema bastante concorrido pois discutiu o desafio que a internet impõe hoje as empresas jornalísticas. O evento foi promovido pela Associação Nacional de Jornais.


Distorção

A disputa travada no mercado de banda larga criou uma distorção total nos preços do acesso à internet no Brasil. A cobrança pelo serviço varia mais de 100% de uma cidade para outro local vizinho. Para as teles, a concorrência, custos e demanda determinam os preços.


Reforma

Um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário mostra que, no Brasil, a tributação é dividida em 65% sobre o consumo, 3,5% sobre o patrimônio e 31,5% sobre a renda. Para os especialistas, o país deveria ampliar a tributação sobre a renda e o patrimônio. É típico de países pobres tributar o consumo e não a renda e o patrimônio. O Brasil precisa mudar esse foco, dizem os técnicos em tributação.

Nepotismo

Atendendo a recurso da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a súmula que proíbe a contratação de parentes, sem concurso público, para ocupar cargos de confiança e assessoria. O veto do nepotismo abrange, além do Judiciário, o Executivo e o Legislativo, nas esferas federal, estadual e municipal. Mesmo assim o nepotismo ainda tem brecha na lei. O STF ignora a contratação para cargos políticos por ministros, secretários de Estado e autoridades afins. Sendo uma das faces da corrupção, o nepotismo continua. Medida do STF mantem intactas as estruturas do empreguismo estatal.

22 agosto 2008

Música & Poesia

Suíte do Pescador (Dorival Caymmi)

Minha jangada vai sair pro mar
Vou trabalhar, meu bem querer
Se Deus quiser quando eu voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer

Meus companheiros também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer

Adeus, adeus
Pescador não se esqueça de mim
Vou rezar pra ter bom tempo, meu bem
Pra não ter tempo ruim
Vou fazer sua caminha macia
Perfumada com alecrim


Cântico negro (José Régio)

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

21 agosto 2008

Impunidade, omissão, corrupção

Há uma crise moral, ética, de decência e dignidade que embrulha os três poderes das responsabilidades partilhadas. Nesse novo modelo democrático, apura-se o escândalo, encaminha-se à Justiça e fica por isso mesmo. Nada se pune no reino das mordomias, do sagrado privilégio da imunidade que cobre a bem-aventurada cúpula dos três poderes. O Judiciário é indiferente a reforma dos códigos desatualizados. O Executivo não há o que esperar. E do Congresso pouco se pode esperar – deputados e senadores participam de acordos por baixo do pano para absolver envolvidos nas trapaças da corrupção. Há uma manobra sustentada pelo consenso da maioria.

O desempenho da Justiça é comprometido pela sua morosidade, negligência das autoridades executivas, ardis de advogados chicaneiros e a vista grossa, complacente, das autoridades judiciais em tribunais abarrotados de processos civis e criminais. Uma reforma do Judiciário limitaria os casos de impunidade. E os retrocessos continuam. Deputados e senadores ganham R$12.800 mais benefícios, verbas adicionais, passagens, combustível, moradia, franquia postal e telefônica. Já os magistrados recebem R$24.500. Pois esses dois poderes, Judiciário e Legislativo reivindicam reajustes que segundo eles, é constitucional. Os dois guardiões do equilíbrio de direitos e garantias, asseguram seus ganhos sempre no pico. É justo? O povo não concorda. Os maiores salários do Judiciário estão nos Tribunais de Justiça. Justiça para quem? Para eles.

A reforma das Leis penais no Brasil é necessária e urgente. Um bom exemplo é que a maioria civil é de 18 anos, mas o mesmo não vale para a questão penal. Menores de 21 têm atenuantes nas penas. O Brasil é um dos países que mais oferece possibilidade de apelação ou recursos, ao tempo em que assiste ao franco crescimento da criminalidade e dos índices de violência. O assunto está em discussão há alguns anos e um projeto de reforma do Código de Processo Penal tramita no Congresso Federal há mais de cinco anos. Alguns consideram o Estatuto cada vez mais brando com os criminosos, outros defendem o recuo nas penas punitivas com a privação de liberdade. É preciso estabelecer também a súmula impeditiva de recursos. Isso irá prevenir o excesso de recursos que torna os processos muito lentos. Muitas vezes a lei admite brechas e os advogados usam todos os recursos permitidos a favor dos seus clientes.

A corrupção se tornou prática comum no Brasil. O quer se observa na política é que oposicionista e situacionista se corrompem em maior ou menor grau, quando no exercício do poder. Suas promessas de decoro no desempenho da representação popular chegaram a ser teatral. Eles próprios se imunizam contra acusações, parceiros de uma permissividade geral. O que se nota é que o corporativismo pesa, conforme mostraram os julgamentos de cassação de mandatos. Há uma solidariedade implícita entre eles, na certeza da impunidade. A única punição será pelo voto do eleitor. A impunidade no país tem contribuído para o grande aumento da criminalidade.

A cada dia cresce a crise ética que assola, em graus diversos, os três poderes. A maioria dos deputados rejeita qualquer reforma que reduza privilégios, vantagens e mordomias que compõem o ganho mensal de mais de R$100 mil de um dos melhores empregos do mundo. Há um novo modelo democrático no país, não se deixa escândalo sem resposta: apura-se o fato, encaminha-se à Justiça e fica por isso mesmo. Nada se pune nesse reino de mordomias, do sagrado privilégio da imunidade que cobre a cúpula dos três poderes.

A corrupção no Brasil virou novela pornográfica com capítulos dedicados ao mensalão, caixa dois para financiamento de campanhas eleitorais com o dinheiro público, das ambulâncias superfaturadas pelas trapaças parlamentares com a conivência de órgão público, tráfico de influência e tantos outros. O que se vê é o plenário firmando a norm a da impunidade. Sabemos que nosso país é das desigualdades. Uma desigualdade que favorece alguns poucos e prejudica a todos.

Apesar de toda a crise ética que assola os três poderes e desânimo do eleitor, a sociedade está vigilante. Os meios de comunicação estão acompanhando continuamente as sessões legislativas passando ao leitor informações pertinentes. Agora, ficou mais difícil enganar o povo por muito tempo.

O regime democrático foi restaurado em 1985, depois de quase 21 anos de ditadura militar. Mas o complô do corporativismo ainda domina o plenário e divide as votações. Basta observar a série de absolvições de políticos denunciados. Quando a sociedade exige reformas, eles rejeitam com medo de reduzir os privilégios. É preciso uma faxina completa no executivo, legislativo e judiciário. O Ministério Público lançou uma campanha contra o nepotismo onde o empreguismo de parentes é fato corriqueiro. “Serviço público não é a casa da mãe Joana, não é a casa do pai Francisco, do tio José, da cunhada Maria”, diz o cartaz.

Em meio ao caos e à corrupção da Itália renascentista, Nicolau Maquiavel (1467/1527) armou o palco para a política moderna. O subtexto óbvio de seu famoso tratado, O Príncipe, é que na política não há nada de moral. A política é só manipulação e estratégia, não amor ao povo ou algo tão idealista quanto a responsabilidade cívica.

20 agosto 2008

Onde estão os valores da sociedade?

Antigamente a palavra valia muito quando se fazia algum tipo de negócio. Não se precisava de promissória, recibos ou qualquer outro tipo de documento. A palavra era um dos maiores bens que se tinha. Quarenta anos depois a palavra não vale mais nada. Evolução ou retrocesso? O que aconteceu com os costumes, o caráter, a ética de cada um? Parece que “aquele jeitinho brasileiro”, de levar vantagem em tudo, ficou impregnado no país. É só olhar em volta e observar que muita gente pensa em arranjar carteira de trabalho com informações falsas para enganar a previdência. Outros resolvem tirar a carteira de motorista subornando o funcionário do Departamento Estadual de Trânsito que anda insatisfeito com seu salário. E os que furam a fila do banco porque tem amigo no caixa e assim acha que tem direito acima dos demais.

Essa escalada de corrupção parece indicar a disseminação social de um comportamento sem ética que está afetando o relacionamento entre as pessoas, condicionando-as a querer levar vantagens. Isso tudo tem ocorrido porque a sociedade atual incentiva pessoas a uma busca frenética de "ter" cada vez mais, em detrimento do "ser", com valores de vida distorcidos, valorizando somente o "ter cada vez mais vantagens" sobre os outros (bens financeiros, em especial, bens materiais, etc.) não importando se para isso, elas precisem agir de modo desonesto, utilizando meios escusos e pouco éticos ou lícitos. Em outras palavras, parece ser a disseminação de que "ser desonesto, conseguindo vantagens, é ter mais valor, é ser mais esperto do que os outros".

Onde estão os valores? Um bom exemplo está na profissão de advocacia que são os homens da lei, lutam pelo que é justo. Pois bem, um deles (só para citar um e tem milhares) que foi pego em flagrante levando aparelhos de telefone celular para traficantes de uma facção criminosa. Sim, os traficantes estão cada vez mais contratando advogados para defendê-los e muitos servem para levar e trazer recados para outros traficantes.

Na área médica não está muito diferente. No sul do país foi descoberta uma gangue de médicos que fraudava cirurgias com próteses em pacientes que necessitavam deste tipo de aparelho. O material usado por esses médicos era de quinta categoria. Os empresários querendo ampliar suas contas falsificam produtos diariamente para lançar no mercado. Sejam brinquedos, perfumes, roupas, sapatos e uma série de itens, inclusive remédios.

Da classe política a situação é bem pior. Basta lembrar de Collor, Hidelbrando Pascoal, PC Farias, Maluf e os nomes são milhares, encheria toda uma edição de jornal. A imprensa também não fica de fora e o caso da Veja com a relação de Cuba com Lula e o suposto jabá no caso iPond/Maria Rita é só um exemplo. O que está acontecendo, onde está a conduta desses profissionais? Foi para o ralo.

O coordenador do Núcleo de Estudos de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Evandro Vieira Ouriques, apresentou ao público os conceitos do método de gestão da mente sustentável contra a Lei Gerson. Segundo ele, “do ponto de vista histórico, o estado mental da corrupção e da impunidade foi criado pela dupla colonização que construiu o Brasil, pois em verdade nossa sujeição colonial portuguesa foi escrita em inglês. Ou seja, desta forma nós fomos marcados no passado por um absenteísmo por parte da figura do colonizador (um ausente presente, o inglês, e um presente ausente, o português), absenteísmo ainda marcante no Brasil e em sua dificuldade - compreensível porém inquietante - de exercer os direitos que não conquistou, pois tanto a Independência quanto a República, por exemplo, foram concedidas pela classe dirigente”.

“Para construirmos uma sociedade sustentável precisamos muito mais do que as lutas operárias e proletárias. Muito mais do que o desenvolvimento capitalista. Precisamos saber dosar a componente capitalista de nossa economia psíquica com a componente solidária que nos move e funda. Quando se fala de Responsabilidade Social, está se falando do amor e identificação por aquele que se nomeia de Outro. Um fenômeno biológico que não requer justificação: o amor é um encaixe dinâmico recíproco espontâneo, um acontecimento que acontece ou não acontece. Precisamos ponderar nossas decisões em prol da Responsabilidade Social e da Sustentabilidade levando em conta que é o que chamamos de Natureza que está nos levando a modificar nossos valores. Ainda bem, pois somente assim podemos ter o reconhecimento e a gratidão de nossos descendentes. Por termos deixado, de fato, uma herança que poderá ser usufruída”.

É preciso conhecer mais profundamente esse pessoal que pretende entrar na política, por exemplo (ou mesmo um médico que você deseja se consultar, um advogado, empresário etc). Investigue se o passado deles é de bom caráter, se tem postura transparente, a origem de seus bens, sua plataforma de trabalho. Pesquise caso contrário vai se arrepender mais tarde. “O princípio dos princípios é o respeito da consciência, o amor da verdade”, já dizia Rui Barbosa.

19 agosto 2008

Ética e política andam juntas ou separadas?


Existe no Brasil compromisso sério entre a ética e a política? A sociedade brasileira está perguntando diante de todo o processo de corrupção que vem assolando o país nesses últimos anos. “Não existe nenhum partido no Brasil, atualmente, que possa empunhar tranquilamente a bandeira da ética”, informa o cientista político da Universidade de Brasília e presidente da Organização Não-Governamental Transparência, Consciência e Cidadania, David Fleischer.

A incredulidade diante da política dá sinais de reação a essa corrupção generalizada e mostra que indignação não é sinônimo de indiferença. O presidente do conselho deliberativo do Instituto Ethos, Oded Grajew encabeçou o Pacto Nacional Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção. No movimento, as empresas que assinaram o documento se comprometem, entre outras coisas, a não financiar campanhas políticas de maneira ilegal.

O promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Roberto Levianu estudou a corrupção no plano institucional público em uma tese de doutorado apresentada na Faculdade de Direito da USP. Dentre as conclusões a que chegou, aponta que uma das soluções para o combate a esse crime passa pela educação. Ele sustenta que o problema da corrupção no Brasil é de ordem cultural.

As origens de nossa cultura da corrupção, segundo o estudo, estariam no período colonial. Naquela época, as capitanias hereditárias e as sesmarias eram utilizadas como instrumento político e em benefício das pessoas escolhidas pelo rei de Portugal para administrá-las. Muitas vezes o rei se utilizava dos Tribunais da Inquisição para punir acusados de traição da Corte. Eram freqüentes as falsas acusações com o objetivo de confiscar os bens do acusado e de sua família. Com a proclamação da República, veio o coronelismo, já nascido no Império, mas que ressurge fortalecido e que estreitou ainda mais a prática de tráfico de influências. È nesse período que o funcionalismo público cresceu, passou a ser usado como moeda de troca pelos políticos, fomentando a corrupção, uma vez que a escolha dos cargos se dava por meio do clientelismo.

Fazendo um rápido raio x da corrupção dos anos 90 até hoje, tudo começou com o favorecimento de instituições financeiras (Marka e FonteCindam) favorecidas com a venda de dólares muito abaixo do preço do mercado, depois o esquema do juiz Nicolau dos Santos Neto então presidente do TRT em São Paulo desviando milhões. Mais tarde o tesoureiro de Fernando Collor de Mello, Paulo César Farias comandou um esquema gigantesco de corrupção. Em seguida, foi denunciado que o Orçamento da União era manipulado por um esquema de corrupção do qual faziam parte governadores, ministros, senadores e deputados. Ficou conhecido como Anões do Orçamento. Em 1997 veio a compra de votos da reeleição. E a então governadora do Maranhão, Roseana Sarney que, em 2002 era uma forte candidata à sucessão do presidente FHC até descobrir o Caixa 2. Em 2003 a Operação Anaconda é descoberto como um poderoso esquema que envolvia agentes federais, delegados de polícia e juízes parta extorsão de empresas. Veio 2004 com o caso Waldomiro Diniz, a corrupção nos Correios, o mensalão e todo o efeito cascata.

Segundo o professor da Uerj, Emir Sader, a ética e política podem ser consideradas inseparáveis ou, ao contrário, fundadas em princípios distintos e obedecendo a lógicas distintas. A inseparabilidade entre ética e política se baseia em que a conduta do indivíduo e os valores da sociedade têm que ser coerentes entre si, porque é na existência compartilhada com os outros que podemos realizar a liberdade, a justiça e a felicidade, como valores humanos. Baseia-se igualmente no caráter moral dos homens, como seres que escolhem seus destinos e podem fazê-lo conforme critérios que decidam por sua própria consciência.

Para ele “toda política tem que ser ética, o que lhe dá a sua superioridade moral e lhe multiplica a força. E toda ética tem que ser política, tem que, se for correta, encontrar suas formas de realização, fazer da utopia um horizonte concreto e não apenas uma quimera que satisfaz os que se contentam com ter razão, sem nunca conseguir transformar o mundo conforme os nossos sonhos”.

Se hoje, aos olhos da sociedade, o país parece mais corrupto do que em tempos passados, segundo Levianu, isso se deve ao maior acesso da população à informação. Além disso, instituições como o Ministério Público estão mais abertas, investigam casos e trabalhos quase em conjunto com a imprensa.

Roberto Levianu diz que se faz necessária uma reforma no código penal para punir mais severamente o crime de corrupção. Afinal, os índices de percepção da corrupção colocam o Brasil entre os 60 países mais corruptos do mundo. Essa colocação é traduzida pela ausência de medidas decisivas de ataque às causas da corrupção. Assim, parece utópico associar ética à política e possivelmente esse assunto será o tema de muitas campanhas eleitorais. Acredite se quiser
.

18 agosto 2008

Morre o grande Caymmi

O cantor e compositor Dorival Caymmi morreu no último sábado (dia 17 de agosto) no Rio de Janeiro, aos 94 anos. Vítima de insuficiência renal e falência múltipla dos órgãos, o cantor baiano era conhecido pelo seu pequeno produção composta de pouco mais de cem canções e pela fama de preguiçoso. Se a quantidade era pouca a qualidade suas composições era muita. Ele terminou a vida reencontrando o tema mais famoso de suas obras. Nos seus momentos finais, olhava o mar.

“Ficamos sem mar, sem vento, sem rio, sem floresta. Ficamos num deserto” (Aldir Blanc, compositor). “O frescor e a modernidade dele eram eternos” (Carlos Lyra, cantor e compositor). “Ele cantou da forma mais íntegra e verdadeira. Falou do povo baiano, da natureza, do mar, da Bahia, com uma verdade e simplicidade incríveis. É um compositor único, de uma grandeza incrível, que falou do amor de uma maneira muito especial” (Gal Costa, cantora).

Com a morte de Dorival Caymmi, o país perdeu o último dos grandes cantores e compositores da década de 30. A afirmação foi feita pelo novelista Gilberto Braga, no Salão Nobre da Câmara dos Vereadores do Rio, onde o corpo de Dorival está sendo velado. “Com a sua morte, não fica mais nenhum deles vivo. Apesar de a década de 60 ter sido brilhante do ponto de vista musical, a de 30 é o apogeu da música popular brasileira, com Ari Barroso, Noel Rosa, o próprio Dorival e muitos outros”.

João Valentão é brigão
Pra dar bofetão
Não presta atenção e nem pensa na vida
A todos João intimida
Faz coisas que até Deus duvida
Mas tem seu momento na vida
É quando o sol vai quebrando
Lá pro fim do mundo pra noite chegar
É quando se ouve mais forte
O ronco das ondas na beira do mar
É quando o cansaço da lida da vida
Obriga João se sentar
É quando a morena se encolhe
Se chega pro lado querendo agradar
Se a noite é de lua
A vontade é contar mentira
É se espreguiçar
Deitar na areia da praia
Que acaba onde a vista não pode alcançar
E assim adormece esse homem
Que nunca precisa dormir pra sonhar
Porque não há sonho mais lindo do que sua terra. (João Valentão, de Caymmi)


É dengo que esse samba tem

“Em algum lugar entre a natureza e a cultura, a tradição e a invenção, a história e o anacrônico, a obra de Caymmi guarda um mistério tanto mais recôndito quanto mais exposto, na simplicidade plenamente oferta de suas canções”. A opinião é do poeta e letrista Francisco Bosco que traça o retrato de Dorival Caymmi no livro da série “Folha explica”, dedicado ao compositor baiano. Bosco esquadrinhou a obra caymmiana em “sambas sacudidos”, “canções praieiras” e “sambas canções”. Viajando com propriedade e na medida certa sobre um artista cuja singularidade compara à Clarice Lispector na literatura e Iberê Camargo nas artes plásticas.

A obra, pequena quantitativamente e imensa qualitativamente, é formada, em sua maior parte, por clássicos da canção popular brasileira. Segundo Bosco, os princípios composicionais norteadores da obra caymmiana são sinceridade, simplicidade e elaboração. “Em sentido geral, a obra de Caymmi é feliz, afirmativa e solar, apresenta uma Bahia pré-industrial, alegre e sensual”.

A obra de Caymmi não tem antes nem depois na tradição da canção popular brasileira. “Um estilo inconfundível quase sem seguidores na música popular brasileira”, comenta o pesquisador André Diniz. “Não tendo antecessores, imprimiu sua marca inconfundível em tudo o que fez (...) Caymmi não se filia a nenhuma corrente, escola ou modismo”, declarou outro pesquisador, Jairo Severiano. “Ele é um autor inaugural. A música dele, e como ele casa música e letra, com tanta maestria, é sem igual na MPB”, enfatizou Chico Buarque. Para Francisco Bosco, Caymmi é um grande mestre cancionista porque, justamente, pensa e cria a canção levando em conta essa totalidade indiscernível. “Dentro de sua obra tem –se a impressão de que letra e música nasceram juntas, ou antes, nunca nasceram – sempre existiram”.

Vamos nos deter aos sambas sacudidos, repletos de remelexos e requebrados. Para muitos, as ladeiras de Salvador entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta pode ter sido de extrema importância para os sambas de Caymmi. Foram elas as principais responsáveis pela beleza das pernas e os glúteos torneados das baianas. Caymmi, como afirma Antonio Risério, “é o poeta do bumbum em movimento”. A vizinha quando passa “mexe com as cadeiras pra cá/mexe com as cadeiras pra lá/ela mexe com o juízo/do homem que vai trabalhar” (A Vizinha do Lado). E “quando você se requebrar/caia por cima de mim” (O Que é Que a Baiana Tem?).

E sondando o segredo do samba de Caymmi, Francisco Bosco descobre que o requebrado das mulheres em Caymmi possui uma qualidade especial, “trata-se de um rebolado gracioso, a um tempo sensual e discreto, extremamente feminino, poderoso e consciente de seu poder, mas como que brejeiro, delicado, sutil”. Até chegar a palavra chave desse feminino-poderoso: o dengo. “O dengo é a qualidade presente em todos os gestos e movimentos da mulher: ´É dengo, é dengo, é dengo, meu bem!/é dengo que a nega tem/tem dengo no remelexo, meu bem!/tem dengo no falar também//-Quando se diz que no falar tem dengo/-tem dengo!tem dengo! tem dengo! tem.../-quando se diz que no andar tem dengo/-tem dengo! Tem dengo! Tem dengo!tem.../-quando se diz que no sorrir tem dengo(...)/-quando se diz que no sambar tem dengo (...)´.”.

Em sua biografia sobre o avô (Dorival Caymmi, Cancioneiro da Bahia, Stella Caymmi), o compositor comenta a singularidade do dengo, procurando relacioná-lo a um certo mudus vivendi baiano: “Não sei de palavra tão bonito quanto ´dengo´. Dengo...Denguice...dengosa...Palavras que dizem muita coisa, que definem, por vezes, a personalidade de uma mulher. O sol do Nordeste, aquele calor das tarde pedindo rede e água de coco, pedindo cafuné e dando ao corpo certa moleza gostosa, produz o dengo, que por vezes está apenas no quebranto de um olhar, às vezes na modulação da voz terna, de súbito no gesto, como um convite. Não sei definir certas mulheres senão pelo dengo que possuem”.

Com o diz o letrista Aldir Blanc, “o Dorival foi quem inventou o gênero `samba Caymmi`(...). Perguntar se existe estilo de samba é como duvidar da existência do vatapá”. “Se “com qualquer dez mil-réis e uma nega” se faz um vatapá, com que ingredientes se faz, então, o samba Caymmi? Aldir Blanc dá o recado: “um bocadinho mais de sensualidade, uma pitada generosa de preguiça da boa, sorrisos morenos de Dora, das Rosas e da Marina (no Brasil, as louras também são morenas), roupa branca em pele escura, brisa de mar, a ousadia das jangadas, ciúmes, dengos, uma vasta dose de sacanagem, rir como quem reza em 365 igrejas (..). Sensualidade, preguiça, mulheres, dengo e religiosidade estão nos sambas de Caymmi”.

“O samba de Caymmi - escreveu Bosco – é `sacudido`, `rebolado´, buliçoso; deixa a gente mole e, quando se samba, todo mundo bole. Através da qualidade feminina do dengo, tornada um princípio estético, pode-se entender um aspecto decisivo da singularidade do samba de Caymmi”. E Francisco diz mais: “Simples, coloquiais, apimentados, dengosos, rebolados, os sambas de Caymmi possuem aquela que seja talvez a virtude maior da canção popular: provocam a vontade de ouvi-los e reouvi-los, de decorá-los (o que se faz sem se dar conta) e cantá-los e cantá-los e cantá-los. São canções que parecem anônima, parecem ter surgido espontaneamente das igrejas, dos sobrados, das ladeiras, do dendê, do vatapá, do requebrado das baianas”. O encantamento da obra de Caymmi vem da representação de uma Bahia alegre, sensual, solar, mestiça, erótica, bela, em suma, feliz. “Não sou de dores nem queixas”, diria Caymmi, já do alto de seus noventa anos.

15 agosto 2008

Música & Poesia

O Buraco (Arnaldo Antunes)

o buraco ensina a caber
a semente ensina a não caber em si
a terra sabe receber
a caveira ri
o céu ensina a tudo caber
o corpo cabe
a terra sabe receber
o cadáver

corpo enterrado
sobre corpo enterrado
adubando o chão
a morrer
ninguém foi ensinado
e todos morrerão

a chuva ensina a chorar
o tempo ensina a parar de chover
a terra sabe receber
a chuva
o buraco ensina tudo a acabar
no fundo
a terra sabe receber
o defunto

corpo enterrado
sobre corpo enterrado
adubando o chão
a morrer
ninguém foi ensinado
e todos morrerão


Campo de Eros (Ruy Espinheira Filho)


Amor: esta palavra acende uma
lua no peito, e tudo mais se esfuma.

E testemunho: eis que Amor deixou
ferida cada coisa que tocou.

E tudo dele fala: a mesa, a cama
(como abrasa este hálito de chama!),

o bar, cadeiras, livros e paredes
vivem, revivem: de fomes e sedes

a corpos saciados. Tudo fala,
tudo conta. Só a boca é que se cala.

Amor. Do extinto pássaro, o vôo
prossegue, inexorável. Mas perdôo,

eu, essa lâmina que me escalavra,
revolve em mim, em sua funda lavra,

amor, restos de amor, gestos quebrados,
enganos, mais amor, olhos magoados,

e fúria, e canto, e riso, e dança, e dor.
E a Quimera. E amor, amor, amor
por toda parte trucidado e em flor.

14 agosto 2008

Envelhecer com dignidade

Quando o Brasil tinha menos de dois milhões de pessoas com mais de 60 anos, em meados do século XX, Cecília Meireles escreveu este poema: “Eu não tinha este rosto de hoje,/ Assim calmo, assim triste, assim magro,/Nem estes olhos tão vazios,/Nem o lábio amargo.//Eu não tinha estas mãos sem força,/Tão paradas e frias e mortas;/Eu não tinha este coração/Que nem se mostra.//Eu não dei por esta mudança,/Tão simples, tão certa, tão fácil:- em que espelho ficou perdida/A minha face?”

Naquele tempo a face da velhice era escondida do mundo. Velho ficava em casa, sem muita serventia. Para muitos a velhice era cruel. Com o tempo, perde-se células cerebrais, força muscular, capacidade de enxergar de perto, a pele fica mais fina, os ossos mais frágeis, não se percebe os sons mais agudos e os cheiros mais sutis. Fica-se mais lentos e sente-se mais frio.

Até o início do século 20, a média de duração da vida, nos países desenvolvidos, mal chegava aos 40 anos. O saneamento básico, as vacinas, os antibióticos, todo o progresso da ciência mudou radicalmente esse quadro. A partir do século 20a expectativa de vida aumentou de 40 para 70 anos de idade. O Brasil é um dos dez países do mundo com maior número de pessoas acima de 60 anos: 20 milhões. É a faixa etária da população que mais cresce. Chegar ativo aos 80 anos não é só um privilégio. É uma conquista diária de todos aqueles que não se intimidam com a idade. Nos últimos 60 anos, a face da velhice não parou de mudar, cada vez mais exposta ao mundo.

Por sua expressiva participação e atividade na sociedade, quer direta ou indiretamente, o idoso não pode ficar à margem da vida nacional. Os desafios trazidos pelo envelhecimento da população têm diversas dimensões e dificuldades, mas nada é mais justo do que garantir ao idoso a sua integração na comunidade. A Política Nacional do Idoso estabelecida através da Lei nº 8.842 de 04.01.94, e regulamentada pelo Decreto nº 1.948, de 03/07/96, objetiva colocar em prática, ações voltadas, não apenas para os que estão velhos, mas àqueles que vão envelhecer, no sentido de garantir melhor qualidade de vida ao idoso (ver matéria específica sobre o assunto nesta revista).

Este diploma legal prevê a co-participação dos conselhos nacionais, estaduais e municipais na promoção social em relação ao idoso, bem como lista as competências das várias áreas e seus respectivos órgãos, como a saúde, educação, habitação etc. Nesta relação do que compete às entidades públicas, encontram-se importantes obrigações, como estimular a criação de locais de atendimento aos idosos, centros de convivência, casas-lares, oficinas de trabalho, atendimentos domiciliares e outros; apoiar a criação de universidade aberta para a terceira idade e impedir a discriminação do idoso e sua participação no mercado de trabalho. Entretanto, a legislação existente, embora farta e detalhada, não tem sido eficientemente aplicada. Isto se deve a vários fatores, que vão desde contradições dos próprios textos legais até o desconhecimento de seu conteúdo.

Na análise de muitos juristas, a dificuldade de funcionamento efetivo daquilo que está disposto na legislação está muito ligada à tradição centralizadora e segmentadora das políticas públicas no Brasil, que provoca a superposição desarticulada de programas e projetos voltados para um mesmo público. A área de amparo à terceira idade é um dos exemplos que mais chama atenção para necessidade de uma intersetorialidade na ação pública, pois os idosos muitas vezes são “vítimas” de projetos implantados sem qualquer articulação pelos órgãos de educação, de assistência social e de saúde.

O envelhecimento da população influencia no crescimento econômico, investimentos e consumo, mercado de trabalho, transferência de capital e propriedades, pensões e impostos, assim como, na assistência prestada de uma geração a outra. O envelhecimento da população também afeta a saúde e a assistência médica, a composição e organização da família, a casa e as migrações. No plano político, o fenômeno do envelhecimento da população interfere nos processos eleitorais e na representação parlamentar, já que as pessoas de idade lêem mais, assistem aos noticiários, se mantêm informadas e votam num percentual mais elevado que qualquer outra faixa etária. Hoje em dia, é inegável, que os idosos representam uma força de trabalho que cada vez mais está sendo reconhecida. São milhares deles que viajam pelo mundo todo, fazendo surgir, por exemplo, agências de turismos, hotéis e casas de espetáculos especializados na terceira idade, o que significa um grande potencial econômico.

13 agosto 2008

Traço simples e sofisticado de Cau Gomez

Este ano o cartunista e artista plástico Cau Gómez completa 20 anos de atividade profissional e ininterrupta. Sua carreira começou em 1988, aos 16 anos, no Diário de Minas. De lá para cá ele já ilustrou diversos veículos de imprensa como O Estado de São Paulo, Hoje em Dia, Bahia Hoje, Veja, Palavra, Bundas, Playboy e Jornal do Brasil. Há quatro anos é designer gráfico do jornal baiano A Tarde. É colaborador da revista francesa Courier International.

Ele conquistou mais de 40 prêmios em diversos festivais e salões de humor no Brasil e exterior, dentre eles destaque para o Grande Prêmio Cartum na Bienal Internacional de Caricaturas e Desenhos Humorísticos de Santa Cruz de Tenerife (Espanha), First Rhodes Cartoon Festival (Grécia), IV Portocartoon-Worldfestival (Portugal), Prêmio Internacional Curuxa Gráfica (Itália), World Press Cartoon (Portugal) e muitas outras, além de ser homenageado pelo Salão Internacional de Humor de Piracicaba.

Seus 20 anos de carreira podem ser observados na edição 61 da revista Gráfica que reúne destaques brasileiros e estrangeiros em design, fotografia, ilustração e artes gráficas. Ele ocupa as primeiras 23 páginas da publicação curitibana. No texto de apresentação a revista anota que os traços de Cau “são uma prova de que a caricatura, o cartum e a charge são uma forma de arte que usa o humorismo como abordagem da realidade”.

Apaixonado pela fusão das linguagens do cartum e das artes plásticas, suas influências são amplas, indo de artistas plásticos clássicos como Toulouse-Lautrec e Picasso, aos mestres das histórias em quadrinhos como John Buscema, Will Eisner e Jack Kirby. Inquieto, ele não pára em serviço, e isso desde pequeno. Em Belo Horizonte o guri pintou todas as escolas do seu bairro, além do carrinho de sorvete e o que viesse pela frente. Hoje domina diversas técnicas, desde pintura em madeira, pintura a óleo, acrílica, o que aparecer em suas mãos. A experimentação é seu forte. Sua técnica é expressionista, cores poderosas e pinceladas soltas que foge ao lugar comum.

“De Belo Horizonte, onde nasceu, herdou o espírito crítico. A desconfiança mineira se exprime na preocupação dele com a conceituação. Nos trabalhos de Cau nada é aleatório. A intensa procura pela aproximação máxima com a personalidade do retratado proporciona o encontro com a fiel realidade dos seus personagens, condição que ele se impõe para atingir o resultado desejado. A busca contínua pela transformação está embutida no seu trabalho”, comenta a revista Gráfica.

E esse artista do traço que nos faz pensar, refletir diante de sua obra impactante, sempre evitou a estagnação. Antenado, ele corre o mundo com seus trabalhos. Quem passeia por suas obras sente a qualidade de seus traços gestuais, suas pinceladas, sua textura. Tem força e é pura essência. Vai direto ao ponto. Quem ver seus trabalhos se transforma. Assim é Cau Gómez, um rapaz simples, mas que revela um traço sofisticado, imprimindo ao riso do brasileiro as tintas do cidadão que luta no dia a dia para sobreviver nesse circo chamado Brasil.

12 agosto 2008

Fichas sujas

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu não excluir candidatos a cargos eletivos com ficha suja. Para o STF apenas quando o candidato tenha sido julgado definitivamente culpado será cabível impedir o comparecimento ao pleito. Só que o STF não quis entender que os julgamentos demoram anos e anos, quando o réu tem poder ou riqueza. E passa a ser praticamente inalcançável pelo afastamento da política.

A moralidade pública ficou esquecida. O Congresso Nacional permite com a sua omissão na Lei das Inelegibilidades a falta de complementação de caráter moralizante. Afinal eles são os beneficiários da situação. Os candidatos espúrios estão soltos, coitada da sociedade, mais uma vez sem assepsia política. Então, eleitor, cuidado com os fichas sujas!

“O princípio da presunção de inocência é inquestionável. O que me espanta é a freqüente utilização de um princípio jurídico irretocável como instrumento da impunidade. Cria-se, assim, um abismo entre legalidade e moralidade”, escreveu o professor de ética e doutor em comunicação pela Universidade de Navarra, Carlos Alberto Di Franco no artigo desta segunda-feira (11/08) no jornal A Tarde (Ficha suja e desencanto juvenil). Mais adiante ele diz: “O eleitor tem o direito de conhecer os antecedentes dos candidatos, sua evolução patrimonial, seu desempenho em cargos anteriores, etc. Impõe-se, também, um bom levantamento das promessas de campanha. É preciso mostrar eventuais descompassos entre o discurso e a realidade. Trata-se, no fundo, de levar adiante um bom jornalismo de serviço”.


Blindagem

A postura de colegas da magistratura, que estariam “blindando” bandidos do colarinho-branco e do crime organizado com liminares foi criticada pela ministra Eliana Calmon, do STF. “É inconcebível que tentemos prender um criminoso, no outro dia lhe assistimos ir a um banco e transferir R$ 10 milhões para contas de paraísos fiscais, pois está blindado por liminares injustificáveis”. Disse ela na abertura do seminário Segurança Pública e Promoção da Igualdade, Direito e Responsabilidade de Todos Nós, no Centro de Convenções.

Olimpíadas

Não sei se os colegas jornalistas repararam que a cobertura inicial da imprensa na Olimpíada sempre foi mostrar os ângulos mais negativos da China. Seja no caráter repressivo do regime, da poluição ou da pobreza da localidade. Muitos desses repórteres vão para China cumprindo simplesmente a pauta que receberam dos chefes de redação e carregam nas tintas do regime ideológico chinês. Caso não cumpram as ordens, serão demitidos. Assim, nem eles mesmo têm liberdade.

É bom saber que dos 200 milhões de pessoas que deixaram a pobreza na última década, no mundo, 150 milhões são chineses. Essas mudanças ocorreram em curto período. Contradições existem em diversas sociedades. A nossa civilização ocidental reduziu os índios do Novo Mundo à servidão para cristinizá-los. Os africanos foram escravizados para discipliná-los pelo trabalho. Os iraquianos estão sendo massacrados para ensiná-los a ser livres. E agora querem libertar os chineses. Mas eles são muitos e cada vez mais fortes. Querem ser o que são. E agora?


Violência policial

Tradicionalmente a sociedade brasileira incentivou a violência policial porque o alvo das ações eram os pobres. Quando a coisa muda de figura, há uma grita geral contra a polícia e mesmo o Judiciário. Esta é a opinião do professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o jurista Dalmo Dallari. No dia 08/08/2008 ele disse numa entrevista ao jornal A Tarde:

“Na verdade, a concepção que se tem, no Brasil, da polícia é fora da realidade, uma concepção atrasada, que vem do começo do século XX. A idéia de que a polícia é para reprimir. Ingenuamente, a pretensa boa sociedade, a sociedade mais rica, sempre considerou a mais eficiente a polícia violenta. A idéia é que a polícia iria agir contra pobres. Então, quanto mais violenta, melhor. Ela era aplaudida pela violência. Agora, nesta nova criminalidade que se tem, muitos jovens de família mais rica também são envolvidos com o tráfico de drogas, e, por isso, começa a surgir uma nova mentalidade, uma preocupação com uma polícia diferente. É interessante se verificar isso, em termos de pesquisa, de observação, que a polícia agia com violência, às vezes arbitrariamente, de maneira violenta, contra os pobres, invadindo casas, e os jornais nunca diziam que isso era errado, uma violência, uma agressão. Agora, que isso está sendo feito, e atingindo pessoas da classe média alta ou da classe mais abastada, há uma grita geral contra a violência, os exageros da polícia, ou ater mesmo contra o judiciário, que autoriza escutas telefônica. Vivemos uma realidade nova, que precisa ser encarada com seriedade, analisando o que se pretende dos organismos de segurança”.

11 agosto 2008

O que está acontecendo, de fato, no mundo

A jornalista americana Elizabeth Kolbert viajou da Groelândia à Antártida (passando pela Inglaterra, Holanda, Islândia, Porto Rico, entre outros), visitou vilas esquimós que precisaram mudar de lugar devido ao degelo marinho no Ártico, viu também casas rachadas pela desintegração do permafrost no Alasca, conversou com dezenas de cientista. O resultado foi uma série de reportagens publicadas pela revista New Yorker, que valeu à autora o National Magazine Award de 2006. O livro foi editado em 2005 nos EUA sob o título de Fieldnotes From a Catastrophe. No Brasil a editora Globo está publicando sob o nome de Planeta Terra em Perigo (O que está, de fato, acontecendo no mundo).

O aquecimento global do Antropoceno (período geológico marcado pela transformação da Terra pelo homem) mudará a face do planeta com uma velocidade jamais observada. O governo Bush bloqueou toda e qualquer tentativa de acordo internacional contra emissões de gases. Ao lançar gás carbônico no ar para gerar energia e mover carros e fábricas, os seres humanos já estão rompendo a estabilidade do planeta. E clima instável significa fome, guerra e morte.

Os americanos, ao longo de mais de 25 anos, receberam alertas sobre os perigos do aquecimento global. Livros inteiros já foram escritos sobre a história dos esforços para chamar atenção para o problema. As principais geleiras do mundo estão encolhendo. No Mar Ártico um pequeno exemplo explica que o gelo, que derrete, pode trazer alterações não só climáticas, mas de costumes locais. No vilarejo de Shishmamed (519 habitantes), no Alasca, a população teve que trocar o trenó por barcos, já que não é mais possível trafegar por cima do gelo, nem ir à caça das focas. Exemplos vivenciados pela autora e os estudos científicos descritos no livro Planeta terra em perigo aproximam o leitor da realidade ambiental; e faz um resgate da história das civilizações, que não deixaram de contribuir para o desastre ecológico que está próximo.

Logo no primeiro Império do mundo (criado há 4.300 anos) já havia escritos informando que as construções das cidades e o mau uso dos recursos naturais prejudicariam a caça, a pesca, a agricultura e o meio ambiente; e que isso poderia causar a extinção das espécies talvez também a humana. O livro comprova por meio de estudos e pesquisas que existe um embate ambiental político em torno do tema aquecimento global e que nessa relação complexa - entre a ciência e a política - existe um abismo que está entre aquilo que sabemos e aquilo que nos recusamos a saber.

Em algumas regiões do planeta os índices de aquecimento ainda são sutis, em outras partes os sinais já não podem mais ser desprezados. Vários congressos e seminários são realizados para chamar a atenção sobre o assunto e, nos documentos sugerem medidas práticas que podem ser tomadas diante das descobertas científicas, incluindo a redução na emissão de gases do efeito estufa. Os representantes dos Estados Unidos sempre rejeitam.

A idéia de que a vida na Terra muda de acordo com o clima é aceita há muito tempo. A pesquisa é minuciosa sem ser enfadonha. As informações sobre a ciência d climatologia aparecem numa linguagem clara e detalhada. Belo trabalho jornalístico.

08 agosto 2008

Música & Poesia

Pra Poder Te Amar (Martinho da Vila)

O amor não tem cor
O amor não tem idade
O amor não vê cara
Nem religião
Não faz diferença
Do rico e do pobre
O amor só precisa
De um coração...

O amor não tem tom
Nem nacionalidade
Dispensa palavras
Basta um olhar
O amor não tem hora
Nem fórmula certa
Não manda recado
Chega prá ficar...

O amor entrou na minha vida
Quando te encontrei
Olhei no teu olhar
E me apaixonei
Foi tanta emoção
Não deu prá segurar
Não deu!...

O amor contigo ao meu lado
É cada vez maior
Quero me batizar
No sal do teu suor
E ter a vida inteira
Prá poder te amar...

O amor não tem cor
O amor não tem idade
O amor não vê cara
Nem religião
Não faz diferença
Do rico e do pobre
O amor só precisa
De um coração...

O amor não tem tom
Nem nacionalidade
Dispensa palavras
Basta um olhar
O amor não tem hora
Nem fórmula certa
Não manda recado
Chega prá ficar...

O amor entrou na minha vida
Quando te encontrei
Olhei no teu olhar
E me apaixonei
Foi tanta emoção
Não deu prá segurar
Não deu!...

O amor contigo ao meu lado
É cada vez maior
Quero me batizar
No sal do teu suor
E ter a vida inteira
Prá poder te amar...

O amor entrou na minha vida
Quando te encontrei
Olhei no teu olhar
E me apaixonei
Foi tanta emoção
Não deu prá segurar
Não deu!...

O amor contigo ao meu lado
É cada vez maior
Quero me batizar
No sal do teu suor
E ter a vida inteira
Prá poder te amar
Prá pode te amar...

Prá pode te amar
Amar, amar, amar
Amar, amar, amar
Prá poder te amar!...


Antielegia de Agosto (Ruy Espinheira Filho)


"... a mensagem que ensinava a esperar, a combater, a calar, desprezar e ter amor".
Carlos Drummond de Andrade: "Mas Viveremos"


As estações do coração cessaram
há dez anos em ti. Em nós, no entanto,
ainda se abrem com a luz do encanto
dos teus primeiros versos que pousaram


em nossa mocidade, uma oferenda
sutil, porém espessa, e nossa vida
dela embebeu-se até (hoje vivida)
a madureza, essa terrível prenda.

A nossa vida, que se fez segundo
tuas palavras. Só nos embalavam
teus versos graves, que em nós pulsavam
como um coração maior que o mundo

— ou menor, que importava? Um coração
nos corações, cantando-nos toadas
amorosas, desejos, saqueadas
montanhas, desencantos, solidão

(que — tu o disseste — é também palavra
de amor), ternuras, sonhos, ironia,
humor, em sopro vasto de poesia
que circulava em nós e ainda lavra

em nossos dias. Tua voz soava
em nossa voz. E nada se fazia
sem ela a ritmar a alegria
ou a tristeza. Tudo se cantava

segundo o Poeta, o irmão maior: assim
no bar como no baile; assim na rua
como no mangue, ao vento, ao sol, à lua;
assim na escola como no jardim

onde giravam Dulces, Beatrizes,
Rosas, Leonoras, Cármens... (e ainda estão
girando, e vão e vêm, e vêm e vão
em névoa anterior às cicatrizes

e outras memórias). Exigiam rumbas,
algumas; outras, valsas; outras, ambas
— e ainda havia as que dançavam sambas
bravos, violentos, sobre as nossas tumbas.

Ah, nunca é fácil essa dança... O amor
é isso que você está vendo: hoje
beija, amanhã não beija, depois foge
e ficamos coçando a nossa dor

de cotovelo. E então, contigo, íamos
a outras danças: em Berlim, fraternos,
entrávamos com o russo; os infernos
da guerra se evolavam; e o que ouvíamos

era uma voz falar de um tempo novo,
sem igrejas, quartéis, ouro, bandeiras,
país de todo homem, sem fronteiras:
voz da tua canção, rosa do povo.

O mundo não pesava mais que mão
de criança em nossos ombros. E as almas
eram confiantes e fitavam, calmas,
o horizonte futuro: amplidão

de esperanças. O sonho se cumpria.
Era só caminhar na claridade
e semear a terra e ter vontade
de amanhecer no azul que amanhecia.

Se assim não foi, se agora a incerteza
se alastra, pouco importa. Em nós se esconde,
e queima, um fogo — e a um grito ainda responde
outro grito, outro homem, outra certeza.

Teu coração repousa. Mas a lavra
de tua voz persiste. Em nós, ainda,
traça seu sulco fértil, que não finda
essa rosa, esse canto, essa palavra.

07 agosto 2008

Dorival Caymmi


Poeta, compositor, violeiro, cantor e pintor. Ninguém cantou a Bahia como Dorival Caymmi, poeta nascido a 30 de abril de 1914, em Salvador. A sua iniciação musical deu-se já quando criança, ouvindo parentes que tocavam piano. Seu pai, além de funcionário público, era músico amador. Tocava, além do piano, bandolim e violão. A mãe, doméstica, cantava em casa. Ouvindo os parentes, o fonógrafo, e depois a vitrola, tomou gosto pela música e nasceu a vontade de compor. Ainda menino, cantava em coro de igreja com sua voz de baixo-cantante. Concluindo o primeiro ano ginasial, aos 13 anos interrompe os estudos para trabalhar como auxiliar de escritório na redação do jornal O Imparcial. Quando o jornal fecha em 1929, passa a trabalhar como vendedor de bebidas.

Em 1930 escreve a primeira de suas composições, a toada “No sertão”. Aos 20 anos estreou cantando e tocando violão em programas na Rádio Clube da Bahia. Em 1935 ganhou o programa Caymmi e suas Canções Praieiras. No ano seguinte venceu um concurso de músicas de carnaval com o samba “A Bahia também dá”.

Ele deu à música popular brasileira – que se chamava simplesmente samba nos anos 50 – um ingrediente que a tornou mais abrangente: a paisagem baiana nos versos e o jogo diferente no ritmo. Com suas canções sobre o mar, seus sambas dengosos, Caymmi realçou as cores e os sabores de sua terra, exportando a cultura da Bahia para o resto do Brasil e também para o mundo.

Influenciado pela música de rua da Bahia, Caymmi reempregou temas e elementos folclóricos dando-lhes um novo sentido, como um primitivo. E alterou o acompanhamento do violão de uma maneira que ninguém havia feito até então, como um impressionista. Seu estilo violonístico se constituiu num marco histórico do uso do violão, principalmente entre grandes autores-cantores que se acompanham ao instrumento e que revolucionaram o modo de tocá-lo. Gente como João Gilberto, Gilberto Gil e Jorge Benjor. Como afirmou Caetano Veloso, "o grande esforço de modernização de João se apoiou na modernização sem esforço de Caymmi".

Seus grandes sucessos com Carmem Miranda, a partir de 1939 – “O que é que a baiana tem?”, “A preta do acarajé”, “Você já foi à Bahia?” -, transformaram Salvador na segunda capital do samba. Caymmi é também autor de canções praieiras, memoráveis, para voz e violão, que ninguém interpretou como ele, e cujos versos se nota influência de poesia modernista.

Com uma batida de violão e sofisticada simplicidade musical, Dorival Caymmi moldou o formato canção na MPB e foi o precursor de Tom Jobim e João Gilberto. Caymmi “pegou o violão e orquestrou o mundo”, escreveu Tom Jobim no prefácio de um songbook. Dono de uma voz de baixo cantante, afinada e aveludada, sabe imprimir-lhe um quê muito caloroso do eterno cantor das imensidades marítimas. Além de compositor, cantor, do comendador Caymmi que recebeu do Ministério da Cultura da França a comenda da “Ordre dês Arts et dês Lettrers”, Doutor Honoris Causa da UFBa, existe também o Caymmi pintor. Em junho de 1953 acabou virando Praça Dorival Caymmi, em Itapoá. Mais tarde outra praça com seu nome no Shopping Center Iguatemi.

O que poderia ser uma grande frustração – não saber música – fez de Caymmi um compositor original: “Como não aprendi música, descobrindo-a sozinha, ou em companhia de um amigo, tive uma vantagem: fui levado,. Por isso mesmo, a inventar músicas e isto me fez compositor”. Ele viajou por diversos países, fez música para TV (Gabriela) e é o chefe de uma autêntica dinastia musical, despontando seus três filhos, Nana, Dori e Danilo.

Quando conheceu o escritor Jorge Amado, a amizade logo se fortaleceu. Num desses encontros, em uma feijoada na casa dos pais de Jorge Amado, que nasceu a canção ''É Doce Morrer no Mar''. Numa brincadeira, Dorival pediu a todos que fizessem versos em cima do verso ''é doce morrer no mar'', marca de Guma, personagem do livro ''Mar Morto''. Outras músicas em parceria dos dois são ''Modinha de Gabriela'', ''Beijos pela noite'', ''Modinha para Teresa Batista'', ''Retirantes'', ''Essa Nega Fulô'', entre outras.

A música de Caymmi sempre esteve a salvo de modismos ou ciclos epidêmicos de influência estrangeira. Basta observar os sambas-canções cariocas (“Fim de Semana em Copacabana”, “Nem Eu”, “Não Tem Solução”) aos pontos de terreiro (“Mãe Menininha”) ou cantigas de retirante (“Peguei um Ita do Norte”, “Fiz uma Viagem”). Ele cantou pequenas áreas como a densa “Lagoa do Abaeté” ou a multiforme “Suíte dos Pescadores”, que incorpora desde marcha-rancho até incelência, forma musical de oratória pelos mortos no Nordeste, além das canções praieiras. Para muitas analistas da cultura brasileira, talvez estejamos diante do mais puro representante da identidade musical de nosso país, pela força de sua simplicidade, pelo jeito de dizer grandes verdades que não tem explicação.

06 agosto 2008

Um enigma de rara beleza e poesia: Orquídea Negra

Quando a minissérie foi publicada no Brasil em 1990 pela Editora Globo o sucesso foi imediato. Depois a minissérie escrita por Neil Gaiman e ilustrada por Dave Mckean foi republicada numa edição de luxo com direito a capa dura, pela Opera Graphica Editora. Trata-se de Orquídea Negra. A personagem surgiu pela primeira vez no nº428 da revista Adventure Comics, agosto de 1972. Participou das histórias da Supermoça, apareceu na revista Super Friends e foi integrante da antiga legião dos Super Heróis, sempre sem passado nem futuro, apenas com o presente. Depois passou a fazer parte do Esquadrão Suicida na série Crise nas Infinitas Terras para logo em seguida desaparecer.

Gaiman e McKean pegaram a personagem totalmente obscura e criaram uma obra-prima. A graphic novel tem visual inovador. A história da personagem é recontada de outra maneira e toma novos rumos cheios de beleza e poesia. Num ambiente cinzento e corrompido pelo poder de um magnata sem escrúpulos chamado Lex Luthor, a Orquídea Negra ressurgir como a mais rara das flores. Na verdade ela é um ser híbrido que necessita das mesmas condições que uma planta precisa para sobreviver. Mas ela não é uma planta...nem uma mulher...A Orquídea Negra é um enigma cuja solução encontra-se em seu próprio passado.

Em busca de suas origens, ela depara-se com, seres bastante incomuns como o Monstro do Pântano, Hera Venenosa e o Homem Morcego. O autor dessa nova origem é o escritor inglês Neil Gaiman (Sandman, o Mestre dos Sonhos). Usando uma técnica mista que mistura tinta e óleo com tinta spray para carros e filtros de tecido sobre aquarelas, o desenhista Dave Mckean trabalhou as imagens da minissérie mantendo apenas o tom do uniforme da Orquídea, cor púrpura, intacto. Os cenários mudavam de tonalidade de acordo com a situação e o estado de espírito dos personagens. Lembra o filme de Bergman, “Gritos e Sussurros”, ou mesmo o trabalho do desenhista Bill Sienckiewicz.

A narrativa mostra como Philip Sylvian, um botânico que estudou na mesma classe de Pamela Isley (futura Hera Venenosa, inimiga de Batman) e Alec Holland (que se tornaria o Monstro do Pântano), desenvolveram criaturas mistas de planta e ser humano. Essas criaturas, geradas a partir de orquídeas, foram feitas à imagem de uma outra botânica por quem Sylvian era apaixonado. Mas cada uma das plantas carrega em si uma espécie de memória genética que é despertada conforme cresce, e uma série de incidentes pode impedir essas memórias de despertarem totalmente. As criaturas têm poderes enormes e uma tendência a fazer o bem, mas não sabem se devem se importar mais com plantas ou seres humanos.

O problema começa a surgir no momento em que o ex-marido da musa que inspirou as orquídeas de Philip sair da cadeia e envolver Lex Luthor na história. Luthor passa a fazer de tudo para dominar o segredo das orquídeas. Ao mesmo tempo, duas delas - uma adulta e uma criança - tentam manterem-se vivas, longe de Luthor e reiniciar o plantio de sua raça.

Na obra, Orquídea Negra busca sua identidade tal qual uma criança inocente que começa a conhecer o lado negro do mundo: o Asilo Arkham. “Ela é uma flor – conta Neil Gaiman -, não uma divindade da natureza como o Monstro do Pântano. O termo técnico que usei para ela foi Rainha da Primavera com todas as implicações que isso traz, inclusive vida curta. Os Monstros do Pântano vivem eternamente, as Rainhas da Primavera não. Elas representam beleza, inocência, pureza e paz”.

Antes que Dave pegasse o lápis – conta Neil – nós conversamos sobre o que queríamos fazer com a atmosfera de cada numero da minissérie. A decisão inicial foi de que a primeira parte seria muito direta, ousadamente realista. Tudo acontece em cidades e salas dentro de um mundo feito pelo homem”. Os tons arroxeados da Orquídea convivem com o cinza, o preto e o branco, do mundo ao seu redor. “Na segunda parte, começamos a explorar outras coisas como o Central Park de Gotham City e o cemitério nos fundos do Asilo Arkham. Ainda são locais feitos pelo homem, mas há profundezas estranhas neles”. As cores se misturam gradativamente.

Ao fazer a última parte, sabíamos que tudo aquilo tinha que sair bonito, porque tudo acontecia em áreas selvagens: as flores tropicais da Amazônia e os pântanos da Louisiana. Em vez de minúsculos borrifos de cor num mundo cinzento, nos temos minúsculas pessoas cinzentas movendo-se dentro da bela floresta tropical. E é neste último número que há uma explosão de cores. Orquídea encontra o Monstro do Pântano, e acaba na Amazônia, onde enfrenta agentes de Lex Luthor. Em cada imagem sequenciada, a fusão do expressionismo figurativo e abstrato com o impressionismo numa atmosfera de sonho, imaginação, memória. Essa viagem através da arte estonteante de Mckean atravessa caminhos que parecerão novos, mas que sempre estiveram lá, apenas nunca havia sido trilhados. E tudo começa com uma orquídea e um pôr-do-sol. Belo.

05 agosto 2008

A TV sob fogo cerrado

Uns amam outros odeiam. Em um tempo mínimo ela fornece a um máximo de pessoas a única substância que ainda possa mobilizá-las: a indignação e a emoção. É uma tática indispensável, mas que não deixa de apresentar perigos, pois a televisão, é o mínimo que se pode dizer, não tem boa imagem. Ela desacredita tanto quanto legitima. Escravizadas pelas indicações das pesquisas de audiência, submetidas à imperiosa lógica do espetáculo e do entretenimento, a cultura e a informação midiáticas estariam, se ouvirmos os rumores, em vias de perdição.

Por necessidades técnicas tanto quanto ideológicas, a rapidez prima sobre a exigência de seriedade, o vivido sobre o concebido, o visível sobre o invisível, a imagem-choque sobre a idéia, a emoção sobre a explicação. Após as ilusões e as vaidades do “Estado cultural”, são estão as da “sociedade midiática” que devem ser agora desvendadas.

A crítica a tevê foi desenvolvida com eloqüência por Régis Debray em “L ´État séducteur”, Gallimard, em 1993. Vamos saber o que ele disse: “Eu fiz o teste, quase disse a prova: ler os 15 ou 20 livros recentemente dedicados aos malefícios da sociedade midiática. A lista é impressionante, e poderíamos crer que a televisão tomou o lugar do próprio Diabo. A seguir, sem nenhum acréscimo de minha parte e nem exagero de qualquer tipo, desordenadamente, o que pude trazer desse mergulho antimidiático: a televisão aliena os espíritos; mostra a todo mundo a mesma coisa; veicula a ideologia de quem a fabrica; deforma a imaginação das crianças; empobrece a curiosidade dos adultos; adormece os espíritos”

“È um instrumento de controle político; fabrica nossas formas de pensamento; manipula a informação; impõe modelos culturais dominantes, para não dizer burgueses; só mostra de maneira sistemática uma parte do real, esquecendo a realidade urbana, as classes médias, o trabalho terciário, a vida do campo, o mundo operário; marginaliza as línguas e as culturas regionais; engendra a passividade; destrói as relações interpessoais nas famílias; mata o livro e toda cultura “difícil”; incita à violência, à vulgaridade assim como à pornografia; impede as crianças de se tornarem adultas; concorre de maneira desleal com os espetáculos vivos, circo, teatro, cabaré ou cinema; gera a indiferença e a apatia dos cidadãos por intermédio da sobre informação inútil; abole as hierarquias culturais; substitui a informação pela comunicação, a reflexão pela emoção, o distanciamento intelectual pela presença de sentimentos voláteis e superficiais; desvaloriza a escola...”

“Podemos nos perguntar como tal monstro ainda pode se beneficiar da cumplicidade das autoridades civis, para não falar do próprio povo. Podemos nos perguntar como, cada noite, a imensa maioria dos cidadãos se divide entre os que estão diante da telinha e aqueles que, mesmo criticando-a, se interrogam quanto à maneira mais viável de ter acesso a ela da maneira mais fácil...”.