29 agosto 2007

CIBERPUNKS: Pirataria invade computadores (3)

Enquanto os computadores dominam o mundo, os cyberpunks procuram dominar os computadores. (Reportagem publicada em 1992)

LITERATURA

É na literatura que o estilo melhor e mais completamente se expressou. No Brasil, a Editora Aleph estreou, em 1989, a coleção Zenith, totalmente dedicada à ficção científica. Em 1982, o escritor canadense William Gibson começou a publicar uma série de artigos (reunidos num livro chamado Burning Chrome) e trechos do que viria a ser seu primeiro romance de ficção científica, Neuromancer, que, ao ser finalmente editado, em 1984, ganhou todos os principais prêmios literários da categoria, do renomado Hugo ao importante Philip K. Dick Award.

Gibson continuou a saga de Neuromncer por mais dois livros, Count Zero e Mona Lisa Overdrive. A antologia Mirroshades (1986), de diversos autores, e Schismatrix, The Artificial Kid e Islands in the Net, por Bruce Sterling. No ano passado, o casal de jornalistas de informática, Katie Hafner e John Markoff, lançou o livro Cyberpunk – Outlaws and Hackers on the Computer Frontier. Relata casos reais de três hackers (cyberpunks) da Europa e Estados Unidos pelo submundo do computador, com toques romanceados. O livro traça o perfil de um novo tipo de fora-da-lei, o crime em alta tecnologia, esses jovens gênios d arte de infernizar o mundo das grandes redes e retrata a séria ameaça que representam na idade do acesso-a-tudo-e-a-todos.

Há quem aponte os pioneiros da tendência, como William Burroughs, H.G. Wells, J.C.Ballard, Thomas Pynchon e Philip K. Dick. Eles são considerados os pais modernos dos cyberpunks. Philip K. Dick é autor de Do the Androids Dream About Electric Sheeps (na versão em português O Caçador de Andróides, aproveitando o sucesso do filme de Ridley Scott, Blade Runner). Outro ponto de partida do cyberpunk, Shockware Rider, escrito em 1975, por John Brunner, trazia como protagonista principal um icebreaker, alguém com capacidade de se infiltrar em sistemas.

MÚSICA E TV

Há muito pouca referência à música nos textos dos autores cyberpunk, mas todos confessam fãs exaltados de rock, incapazes de escrever se não estiverem, eles mesmos, plugados num sistema portátil de som. William Gibson, por exemplo, conta que, ao escrever Neuromancer, ele ouvia, sem parar, Velvet Underground, Joy Division e o álbum “Nebraska”, de Bruce Springsteen. O reggae, em sua versão dub também é muito ouvida. O rock tecnoindustrial, como Ministry, Skinny Puppy, Bomb the Bass, Front 242, Revolting Cocks, Clock DVA (que tem uma música chamada The Hacker), Fini Tribe, Severed Heads, Manifacture, Front Line Assembly e Beatnigs são bons representantes da corrente. Tem, ainda, Brian Eno, Laurie Anderson, as várias versões sintéticas de pop, principalmente pop russo. Vale lembrar os pioneiros da techno music: Kraftwerk, Cybotron e Model 500.

O crítico de música da revista Mondo 2000 (a bíblia dos punks cibernéticos da Califórnia), Jas Morgan, cita nomes da música pop que eles curtem: Kate Busch, Elvis Costello, George Clinton, Psychic TV, Butthole Surfers, Enormous Ensemble, World Music, fusion, rock de garagem, industrial disco e até o trabalho de Tom Zé gravado em Nova Iorque.

Na tevê, o melhor exemplo é Max Headroon (criatura meio humana, meio cibernética, criada por efeito de computador) que a TV Manchete exibia nos fins de semana; Dorfe, de Dóris para Maiores exibida pela TV Globo e o programa Buzz, veiculado entre 1990 e 1991 pela MTV, e que captou toda a essência da linguagem visual cyberpunk. (Gutemberg Cruz)

28 agosto 2007

CIBERPUNKS: Pirataria invade computadores (2)

Enquanto os computadores dominam o mundo, os cyberpunks procuram dominar os computadores. (Reportagem publicada em 1992)

CINEMA

Para começar, um filme de 1926, Metrópolis, de Fritz Lang, baseado na obra “Thea von Harbu”. História passada no ano 2000, numa cidade dividida em duas classes distintas: os trabalhadores, que vivem no subsolo, e a elite, que vive na superfície, na luxúria. Quase toda a obra do canadense David Cronemberg, como Scanners (1981), onde relaciona as capacidades parapsicológicas, tais como a telepatia e telecineses; a paranóia via satélite de Videodrome (1983), onde um programa de tevê causa alucinações e tumores no cérebro. Há, também, o cult Liquid Sky (1983), de Slava Tsukerman, que maneja um aspecto da ficção científica que era tabu até o cyberpunk – as drogas sintéticas, criadas e produzidas por alta tecnologia.

Mathew Broderick vive um jovem que consegue penetrar no sistema de defesa norte-americano ao descobrir a palavra-chave de acesso ao computador que controla o sistema balístico do país. O filme é Jogos de Guerra (1983), dirigido por John Badham. James Cameron, um apaixonado por quadrinhos, dirige, em 1984, O Exterminador do Futuro, com Arnold Schwarzenegger no papel de um cyborg que retorna ao passado com o objetivo de exterminar uma mulher cuja vida teria grande importância no futuro. A atuação de Schwarzenegger é perfeita no papel do andróide exterminador. Na continuação desse filme O Exterminador do Futuro 2 – O Julgamento Final (1991), Arnold volta a encarnar o andróide, dessa vez em missão de justiça, para ajudar o futuro líder. O problema é que surge outro robô de uma linha mais avançada, de metal líquido, modelo T-1000 – com poder de mimetismo e praticamente indestrutível Com direção de Cameron, foi uma das produções mais cara da história do cinema (US$100 milhões) e mostrou um show de tecnologia.

Blade Runner (1982) é exemplar e todos os autores cyberpunk são unânimes em situar no filme de Ridley Scott algumas das inspirações mais constantes para o movimento. A fita é uma adaptação de um livro de Philip K.Dick. Um cult movie dos anos 80. Dois livros do mesmo K.Dick inspiraram a base do roteiro de O Vingador do Futuro (1990), dirigido pelo holandês Paul Verhoeven. Outros filmes: a transformação do policial em RobocopHardware – O Destruidor do Futuro (1990); o design do filme punk-aspocalíptico de Mad Max 2 (1981), de George Miller, e Batman (1989), de Tim Burton, que traz uma atmosfera dark do gibi de Frank Miller. (1987), dirigido por Verhoeven; o desenho Akira, do japonês Katsuhiro Otomo; o futuro tecnopsicodélico no filme de Richard Stanley,

QUADRINHOS

O mercado de quadrinhos já absorveu a linguagem da nova era. Em 1989, a editora independente Innovation lançou uma minissérie em dois capítulos, intitulada Cyberpunk, que agradou o público juvenil. O argumento é de Scott Rockwell e a ilustração de Darryl Banks. No enredo, a luta de Topo para recuperar, através do cyberspace, os registros mentais de sua namorada, Juno, trancafiados em um software. A Epic Comics lançou, em 1990, a graphic novel Neuromancer, com roteiro de Tom DeHaven e arte de Bruce Jensen, baseada no livro homônimo de William Gibson. Foram três volumes da novela gráfica onde, no desenho estático de Bruce Jensen, a mistura de computação gráfica, aerografia e técnicas de tinta acrílica dava um novo tom ao gibi.

Outra publicação da Epic, Interface, conta a história de uma mulher que entra no reino eletromagnético do computador, através de seus poderes psíquicos, de um modo impossível de ser detectado, como se fosse um vírus. Interface foi produzida por James D. Hudnall e Paul Johnson. Mas a nova onda da ficção científica chegou aos quadrinhos bem antes. Na década de 70, com as revistas Metal Hurlant e Heavy Metal, em quase todo o trabalho de Moebius, Philippe Druilett, Jean Pierre Dionet, e Farkas, alguns dos mais proeminentes artistas da França fundaram a seita dos Humanóides Associados e lançaram, em 1974, a revista Metal Hurlant (metal, material de que são construídos os robôs e andróides, uivantes). A revista de ficção científica fez grande sucesso e, em 1977 começou a ser publicada a versão norte americana Heavy Metal. Outros gibis cyberpunks: Watchmen, de Alan Moore; O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, que tem uma ambientação neste gênero; Digital Justice, de Pepe Moreno, versão de Batman totalmente desenhada por computador, e o andróide Ranxerox, de Liberatore e Tamburini. (Gutemberg Cruz)

27 agosto 2007

CIBERPUNKS: Pirataria invade computadores (1)

Enquanto os computadores dominam o mundo, os cyberpunks procuram dominar os computadores. (Reportagem publicada em 1992)

Prepare-se para conhecer uma tribo de cowboys cibernéticos, piratas de dados, hackers, que manipulam informações e possuem um tipo de poder que só se consegue via informática/computadores. São os cyberpunks, jovens ou estudiosos informatas que usam alta tecnologia contra todos aqueles que controlam a tecnologia de ponta. Cyberpunk é o punk da informática. É o jovem que desrespeita as leis e invade sistemas particulares de computadores. Não importa se o que o move é apenas curiosidade científica ou compulsão de violar as normas de computadores vigentes.

Eles grudam “dermatrodos” nas suas têmporas e plugam em qualquer terminal de computador. São transportados para uma dimensão onde estão todos os dados armazenados eletronicamente do mundo. Com um computador na mão e idéias na cabeça, pode-se ter o mundo ao alcance dos dados. O nome cyberpunk, foi inventado por Gardner Dozois, da Isaac Asimov Magazine, e vem da junção de cyber (pela ênfase na alta tecnologia de informações) e punk (pelo clima moral obscuro e um certo “no future” confirmado).

LIGAÇÕES

Embora expressa essencialmente em literatura, a tendência cyberpunk tem óbvias ligações com cinema, quadrinhos, música, moda. Um bom exemplo é Neuromancer (considerado o romance de ficção científica mais importante da década de 80), que rompeu o restrito círculo científico para politizar os piratas de computadores mais pirados – os hackers, que inspiraram o filme “Jogos de Guerra”, em que Matthew Broderick, um penetra de 17 anos, invade o sistema do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e quase dispara a Terceira Guerra Mundial. Incorporando os signos da cultura pop com tribos e sua moda, música e linguagens próprias (personagens com um pé na marginalidade), o escritor William Gibson superou o conceito do hacker e concebeu um futuro. A obra – Neuromancer – profetizou uma realidade próxima, pelo menos nos países do Primeiro Mundo: o advento do cyberespace (dimensão criada por computador) e a ascensão dos cyberpunks. É a primeira techno-novel que vai a fundo na questão da tecnologia de ponta da informática.

A invasão da mente com redes de computadores e cérebros em ligação já é uma realidade, e a invasão do corpo, com membros protéticos, circuitos implantados, cirurgia cosmética e alteração genética controlam a alta tecnologia. Hoje, a cultura cyberpunk engloba computação gráfica e realidade virtual, pirataria e hacking, moda e arte, música industrial, quadrinhos, cinema e muito mais. Os adeptos não lutam diretamente contra o sistema e sim se utilizam dele, fazem uma interface com o software diretamente em seus cérebros e atingem uma nova dimensão chamada ciberespaço, uma alucinação consensual em eu informações e pessoas se misturam. O livro de William Gibson inspirou novas tecnologias. A NASA desenvolveu “datagloves” e “eyephones”, que permitem ao usuário ver e tocar objetos existentes apenas na realidade virtual. Isso é só o começo.... (Gutemberg Cruz)

24 agosto 2007

Música & Poesia

Valor do Nordestino (Bráulio Tavares e Zelito Miranda)

Pois é, quando a gente bota o pé na estrada é que a gente sabe de fato o que é ser nordestino. Claro, existe vários nordestes: tem o nordeste dos bem sucedidos, dos capas pretas, dos macomunados, tem o nordeste cultural, o nordeste dos cantadores, trovadores, violeiros, cangaceiros, contadores de causos e artista de muita arte, tem o nordeste da beira-mar, beira-de-rio o nordeste do turismo e da riqueza tão mal explorada. Tem o nordeste dos lunáticos, dos loucos de juízo mole, dos andarilhos que perambulam em canoas quebradas pisando em mangue seco, viajando pelo cosmo em busca da Chapada Diamantina. Lapão, Mucuges Lençóis mas temo Raso da Catarina. Tem o nordeste do cerrado, da caatinga seca, mas com uma riqueza sem par, o nordeste do cacau. Esse é o nordeste da biodiversidade, o nordeste cantado em verso e prosa, é o nordeste da musica, dos butuques, dos caboclinhos , dos maracatus, dos calumbís, dos carnaval, do forro, ah! o forró que faz do S. João a maior festa do Brasil. E por falar no Brasil, digo e repito, o nordeste poderia ser um grande país independente. Mas não é somente deste nordeste que eu quero falar, eu quero falar também é de um outro nordeste que apesar da sua riqueza mantém uma legião de trabalhadores que constroem esse grande país, com a pior divisão de renda. Disseram que o nordestino é acima de tudo um forte, eu também acho, o nordestino já virou Corisco, virou Lampião virou Macunaíma deu até presidente da república mas agora o nordestino vira suco todos os dias expremido na espremedeira da cidade grande, é, o nordestino que constrói esse Brasil vaca leitera dos corruptos, dos populistas que traem o povo se locupletando com o suor das classes que de fato produzem vejam só:

Quem vê tanta avenida e edifício

Construção, catedral e viaduto

Muitas vezes não pensa no matuto

Que lutou com suor e sacrifício

Exercendo a dureza do ofício

Sem pensar em medalhas nem troféu

Confiando que alguém de lá do céu

Compensasse o rigor do seu destino

Se não fosse o valor do nordestino

Em São Paulo não tinha arranha-céu

Quando vem lá do norte ele não passa

De mais um João-ninguém desempregado

E com tudo que vê fica espantado

Com a pressa o barulho e a fumaça

Vai dormir sobre o banco de uma praça

Sem emprego a vagar de déu em déu

Se cobrindo com as folhas de papel

De um jornal semanário ou matutino

Se não fosse o valor do nordestino

Em São Paulo não tinha arranha- céu

A cidade possui um ar cinzento

Que irrita a garganta e o pulmão

E no meio de tal poluição

Se eleva a floresta de cimento

Espigão de escritório e apartamento

Tem a torto a direito e a granel

E quem faz essas torres de babel

É o nortista migrante e peregrino

Se não fosse o valor do nordestino

Em São Paulo não tinha arranha- céu

Ele fez pavilhões do Morumbi

Fez Congonhas e Ibirapuera

Interlagos e Via Anhanguera

O hotel Hilton o Othon o Normandie

Ele fez os degraus do Morumbi

Onde a massa alvi –negra da fiel

Aos domingos faz festa e escarcéu

Grita solta bomba canta hino

Se não fosse o valor do nordestino

Em São Paulo não tinha arranha- céu

Nordestino em São Paulo ou Guanabara

É tratado de um jeito diferente

Pois aqui no nordeste toda gente

Tem respeito ao seu nome e sua cara

Mas no sul é chamado pau-de-arara

Paraíba Baiano ou tabaréu

Quando fala com gente de anel

Só lhe trata Zé ou Severino

Se não fosse o valor do nordestino

Em São Paulo não tinha arranha- céu

Houve um tempo que o homem do sertão

Quando estava faminto e injustiçado

Tinha o rifle o facão bem amolado

E virava Corisco ou Lampião

Hoje em dia ele vem de caminhão

Chega aqui constrói clube e faz hotel

Mas vem lendo um folheto de cordel

Que é prá não se esquecer de Virgulino

Se não fosse o valor do nordestino

Em São Paulo não tinha arranha- céu

Eu Quero Meu País (Zelito Miranda)

Eu quero meu sertão

Eu quero meu país

O povo nordestino

Tá querendo é ser feliz

Eu vejo tanta coisa

O mundo tá virado

Tem diaba sem caçola

Tem surfista afogado

Tem doutor pedindo esmola

Tudo isso está errado

Tem criança sem escola

Picareta diplomado

É tanto estupro

Tanta peste tanto golpe

Falta emprego é tanto corte

Ataque do coração

No marca passo

O governo só atocha

Depois que a coisa arrocha

Da diarréia meu irmão

Dá caganeirada lumbago

Dá cirrose

Há quem morra de overdose

E o sertão vai virar mar

Virar deserto

Vai virar um assum preto

Se ninguém lhe der um jeito

O sertão vai se afogar

Vai vai o sertão vai se afogar

Os Deuses de Hoje. Segundo soneto (Bruno Tolentino)

É preciso que a música aparente

no vaso harmonizado pelo oleiro

seja perfeitamente consistente

com o gesto interior, seu companheiro

e fazedor. O vaso encerra o cheiro

e os ritmos da terra e da semente

porque antes de ser forma foi primeiro

humildade de barro paciente.

Deus, que concebe o cântaro e o separa

da argila lentamente, foi fazendo

do meu aprendizado o Seu compêndio

de opacidades cada vez mais claras,

e com silêncios sempre mais esplêndidos

foi limando, aguçando o que escutara.

23 agosto 2007

José Calasans

Professor, historiador e folclorista. José Calasans Brandão da Silva nasceu em Aracaju no dia 14 de julho de 1915. Fez estudos primários no Colégio N.S.da Conceição e o curso secundário no Colégio Estadual de Sergipe, antigo Ateneu Sergipense, em Aracaju, concluindo em 1932. Diplomou-se pela Faculdade de Direito da Bahia em 1937. O pendor para a História e o magistério o tornou historiador e professor. Em sua terra foi Catedrático da Escola Normal Ruy Barbosa ensinando também em vários colégios. Ao mesmo tempo, desenvolve suas investigações no Instituto Histórico de Sergipe. Passando a residir na cidade do Salvador, em 1947, prosseguiu nas atividades de sua vocação, como escritor de assuntos históricos e mestre em diversos estabelecimentos de ensino médio (nos colégios Nossa Senhora Auxiliadora, Antonio Vieira e Santíssimo Sacramento) e nas duas universidades: Federal e Católica. Atua nas faculdades de Ciências Econômicas de ambas; e na de Filosofia, da Federal, com a cátedra de História Moderna e Contemporânea. Foi diretor do Departamento Regional do SENAC, na Bahia (1947/1961), onde incrementou o ensino profissionalizante em Salvador, com pioneirismo e a modernidade, que foi buscar na Europa. Hoje preside o Rotary Club.

Em Salvador ele desenvolveu o seu lado de pesquisador de História e do folclore, cultivando uma obsessão, chamada Antônio Conselheiro, que começou com a tese O Ciclo Folclórico do Bom Jesus Conselheiro (1950). Obteve o grau de Doutor em Geografia e História em 1951, defendendo, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFBA, em concurso de livre-docência para História do Brasil, a tese O Ciclo Folclórico do Bom Jesus Conselheiro. Nesta mesma faculdade havendo concorrido à cátedra de História Moderna e Contemporânea, conquistando-a após a defesa e aprovação, em 1959, da tese Os Vintistas e a Regeneração Econômica de Portugal. Chefiou, por longo tempo, o Dep. de História dessa faculdade, tendo exercido sua direção, nos anos de 1974 e 1975. Foi vice-reitor da UFBA de 1980 a 1984. A fascinação pela figura do Conselheiro de Canudos levou o professor José Calasans por todos os lugares em que aquele líder messiânico andou, recolhendo escritos, missais, objetos e memórias de sobreviventes. O conjunto desse material acabou por constituir, em 1983, o Núcleo Sertão da UFBA, instalado no Terreiro de Jesus, em Salvador, e de onde o escritor peruano Mario Vargas Llosa retirou informações fundamentais para o seu romance histórico A Guerra do Fim do Mundo. O Núcleo Sertão, que integra o Centro de Estudos Baianos da UFBA é o centro de pesquisa que reúne o maior patrimônio documental sobre Canudos, em escala mundial, sobre os temas referidos, o qual custodia sua coleção particular e parte do seu arquivo. O Núcleo está instalado atualmente no 3º pavimento da Bib. Central da UFBA.

Professor emérito da UFBA, é considerado a maior autoridade em todo o país na temática de Canudos, que estuda há quase 50 anos. Essas pesquisas resultaram nos livros No Tempo de Antônio Conselheiro (1959), Antônio Conselheiro e a Escravidão (1968), Antônio Conselheiro, Construtor de Igrejas e Cemitérios (1973), Canudos: Origem e Desenvolvimento de um Arraial Messiânico (1974), Canudos na Literatura de Cordel (1984), Quase Biografia de Jagunços (1986) e Cartografia de Canudos (1997). Outros livros publicados: Temas da Província (estudos de história e folclore de Sergipe, 1944), Cachaça Moça Branca (1951), A Santidade de Jaguaripe (1952), Euclides da Cunha e Siqueira de Menezes (1957), Os Vintinistas e a Regeneração Econômica de Portugal (1959), Folclore Geo-Histórico da Bahia e seu Recôncavo (1970), A Revolução de 30 na Bahia (1980), Aparecimento e Prisão de um Messias (1988), Miguel Calmon Sobrinho e sua Época (1991), Aracaju e Outros Temas Sergipanos (1992). "Ao lado de uma brilhante carreira acadêmica em todos os sentidos, constrói uma obra marcadamente voltada para o folclore e para a história. No conjunto de suas produções, tudo se centraliza na síntese cósmica em torno da figura messiânica de Antônio Conselheiro, Canudos, Euclides da Cunha, Nordeste e o ciclo dos jagunços. Canudos é o seu núcleo temático, sua linha de pesquisa, sua vida intelectual, sua paixão de estudos", comentou o professor Edivaldo Boaventura em um de seus artigos sobre o mestre José Calasans. Já aposentado, em 1984, o Banco Econômico conseguiu convencê-lo a dirigir o Departamento de Estudos e Publicações do Museu Eugênio Teixeira Leal - memorial do próprio banco. O sucesso deste empreendimento ultrapassou todas as expectativas em todos os setores ativados: arquivo e biblioteca, consultas e exposições, conferências e palestras, outras programações - tudo aberto ao público. Calasans também ocupou as presidências do Instituto Geográfico e Histórico de Sergipe, da Academia de Letras da Bahia e do Conselho de Cultura do Estado da Bahia. Ele tomou posse na Academia de Letras da Bahia em novembro de 1963, em março de 1971 foi empossado presidente. E em junho de 1993 recebeu da Prefeitura e da Câmara Municipal de Canudos o título de Cidadão da Cidade de Canudos.

Embora retraído, o cidadão José Calasans Brandão da Silva, ganhou notoriedade e reconhecimento público, traduzido em medalhas e condecorações, a saber: Comendador da Ordem do Mérito da Bahia, Medalha Inácio Barbosa (Prefeitura Municipal de Aracaju), Medalha Visconde de Itaparica (Polícia Militar do Estado da Bahia), Medalha Euclides da Cunha - Casa Euclidiana (São José do Rio Pardo, São Paulo), Medalha Sílvio Romero (Prefeitura do Distrito Federal-RJ), Medalha do Mérito Cultural Castro Alves (Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia), Medalha do Pacificador (Ministério do Exército). Considerado a maior autoridade na História de Canudos e fascinado pelo rico folclore brasileiro, o professor José Calasans confessa que o que mais gosta de fazer é conversar e recitar poesias populares.

22 agosto 2007

Vida feita de palavras

“Contar e ouvir histórias é fundamental para os seres humanos; parte de nosso genoma, por assim dizer (...) A história é feita de palavras. Palavras são fundamentais para quem escreve, como a madeira, a serra, o martelo, os pregos, para o marceneiro”, escreveu o escritor gaúcho Moacyr Scliar no seu 75º livro “O Texto, ou: a Vida – Uma Trajetória Literária” e que encerra a obra de um modo fluente, delicioso, revelador: “Para isto servem as palavras, para estabelecer laços entre as pessoas – e para criar beleza.Pelo que elas devemos ser eternamente gratos”. Para o escritor mexicano Guillermo Arriaga, “a palavra é o que permite ao homem continuar existindo, o que facilita o progresso da sociedade. Sem a palavra, o homem não teria prosperado, não haveria computador ou celular. O livro foi o salto mais alto da civilização”, opina.

No CD “De Repente”, Moraes Moreira e Fred Góes, na canção “Palavra de Poeta” cita Drummond, Gregório de Matos, Quintana, Pessoa, sempre enaltecendo a palavra, encerrando com os versos “ê a palavra é o som/a palavra ê/a palavra é o dom/a palavra é o bem dizer”.Já na nona faixa, “Na Boca do Povo”, numa mistura criativa de ritmos ele canta em um dos versos: ”Dona palavra me disse/que só no dicionário;parada ela não fica/só nesse vocabulário/só no que significa/caiu na boca do ovo/ganhou um sentido novo/ganhou um novo sentido”.

Segundo o cantor e compositor baiano que uniu rap e repente, “a idéia é unir tradição e modernidade, rap, repente e cordel e explorar da crônica na música falada, na poesia cantada. Quis fazer essa mistura para mostrar que a música não tem fronteiras: as mesmas referências podem estar nos Estados Unidos ou no Nordeste. O artista deve ter uma visão planetária da cultura mantendo suas raízes regionais”, analisa Moraes. Alguém que desvela seu tempo em suas canções, músicas que falam do mundo de hoje, retratam como um jornal, o dia-a-dia da sociedade, a maneira de pensar das pessoas, seus movimentos, suas vidas. Nessa referência encontro nela o dado fundamental da fusão de palavras e som. Uma está inteiramente conectada com a outra.

A importância das palavras vem desde os tempos antigos. Górgias, sofista grego, no “Elogio de Helena”, escreveu: “Com a palavra se fundam as cidades, se fazem portos, se comanda exércitos e se governa o Estado”. Aristóteles, na Política, sublinha que é cidadão “aquele a quem é concedido o direito de deliberar”. Assim, há uma estreita relação entre a linguagem e a dimensão social e política do homem. Diógenes Laércio, no século III, dizia: “A linguagem é a voz que manifesta aquilo que a coisa era ou é”. Nietzsche, instituindo o perspectivismo, afirma que a linguagem não manifesta o que as coisas são, mas o nosso ponto de vista, a nossa perspectiva relativamente às coisas ou fatos. Heidegger defende que o mundo revela-se pelas palavras: o que não tem nome não é conhecido. Por isso, assegura que “a linguagem é a casa do ser”.

Roland Barthes salienta o desejo de domínio (disfarçado) que se exerce pela comunicação. E afirma: “a palavra, enquanto instrumento, é símbolo de poder (...) Nada a fazer: a linguagem é sempre poder, falar é exercer uma vontade de poder. No espaço da fala, nenhuma inocência, nenhuma esperança”. Esta “vontade de poder”, no entender de Barthes, encontra-se na argumentação e na própria sedução pela palavra. Wittgenstein considera que é no uso que damos às palavras que encontramos o seu significado. E para compreender o uso é preciso entender o "jogo de linguagem" que integra o que é dito. Habermas fala de uma ética da comunicação. A razão comunicativa deve orientar-se por amor à verdade, dever de sinceridade e abertura à refutação na procura das melhores razões. Define a razão comunicativa como uma razão solidária: os melhores consensos devem promover uma solidariedade na ação.

No princípio era o verbo. Ao longo dos tempos sentimos, crescemos, aprendemos, ensinamos, partilhamos, descobrimos e fomos nas palavras e com as palavras. Todo o animal vê, só nós falamos. Esse foi o dom, mas parece que estamos perdendo isso. Devido à velocidade com que as informações chegam, as pessoas perderam o costume de ouvir, de escutar. Não existe mais uma ação do ser humano preparada para a escuta, para receber os estímulos que vêm de fora, para depois haver a resposta. Muitas vezes a informação entra, nem passa pelo organismo da pessoa, e ela já está colocando para fora essa informação, como uma informação verdadeira. Ou, muitas vezes, ela já tem uma opinião preconcebida e não permite que a informação chegue à sua totalidade.

A criação do Museu da Língua em São Paulo foi um ponto positivo, um equilíbrio em toda essa confusão instaurada pela modernidade. Afinal, a língua portuguesa é a base para tantas outras artes. As tecnologias digitais estão provocando uma revolução em diversos âmbitos da organização cultural planetária de modo muito similar à revolução provocada pelo surgimento da escrita alfabética aperfeiçoada e ampliada pelos gregos, em torno do século VIII AC. A escrita criou a primeira rede de informações externa à memória humana. A web, com sua imensa capacidade de armazenamento, transforma esta rede em uma gigantesca biblioteca sem precedente. Uma fonte inesgotável de informação com memória digital. Da Grécia antiga aos dias de hoje, muita coisa mudou, mas a palavra escrita e a relação das palavras uma com as outras continua ser fonte da informação com significado ainda mais rico e abrangente em tempos digitais.

21 agosto 2007

Pele, o mais visível órgão do corpo humano (2)

O livro “Pele - Uma História Natural” demole várias teorias sobre a ausência de pêlos nos seres humanos. Essencialmente, o estilo de vida de nossos ancestrais africanos e o rápido aumento do tamanho e da produção de energia em seus cérebros requeria refrigeração mais eficiente do que era o caso quanto a outras espécies. E o melhor mecanismo de refrigeração era suar o mais rápido possível em um corpo desprovido de pêlos. A maioria das pessoas pode produzir um litro de suor por hora num deserto quente e, em alguns casos, até três litros (a cabeça humana manteve os cabelos para proteger o couro cabeludo da radiação do sol tropical). “Sem uma profusão de glândulas sudoríparas para nos manter resfriados por meio de um suor copioso, ainda teríamos o espesso manto de pêlos de nossos ancestrais e viveríamos vidas semelhantes às dos macacos”, escreve Jablonski.

“Foi o velho, simples e nada elegante suor que tornou os seres humanos aquilo que hoje são”. Assim que os seres humanos perderam os pêlos, a cor da pele se tornou extremamente importante. Pigmentação é o campo de estudo em que Jablonski se especializa, e ela emprega bem os seus conhecimentos para explicar as duas principais forças evolutivas que estabeleceram o gradiente de cores predominantes da linha do Equador aos pólos. Há muito os cientistas sabem que a cor da pele humana varia com a quantidade de exposição à radiação ultravioleta (UV) do sol, mas até recentemente eles não haviam identificado o processo de seleção natural que realmente leva a esse fenômeno. Agora o trabalho de Nina Jablonski lança uma nova luz sobre os conceitos de raças ao relacionar a variação de cor da pele à evolução e reprodução.

A melanina, o pigmento marrom da pele, age como um protetor solar natural. Ela protege contra o UV, e as populações dos trópicos têm a pele mais escura por causa da maior incidência da luz do sol nos lugares em que vivem. O UV envelhece a pele, causa câncer de pele, e destrói o folato (ou acido fólico), vitamina B essencial na divisão celular e na produção de novo DNA. Em sua análise da história da evolução humana, Jablonski concluiu que o ser humano moderno muito provavelmente se desenvolveu nos trópicos, onde era exposto a altos níveis de UV. Mas ao se mudar para regiões distantes do equador, onde os níveis de UV são mais baixos, o ser humano se tornou mais claro para permitir que um nível suficiente de radiação UV penetrasse sua pele e produzisse a vitamina D, a "vitamina dólar", também conseguida com uma dieta de peixe e mamíferos marinhos. A vitamina D é essencial para manter níveis saudáveis no sangue de cálcio e fósforo, promovendo assim o crescimento dos ossos.

A cor da pele, basicamente torna-se um ato de equilíbrio entre as demandas evolucionárias de foto-proteção e a necessidade de criar vitamina D na pele. Mas as coisas nem sempre são o que parecem ser. É o caso dos esquimós e outros habitantes do norte do Alasca e do norte do Canadá. "Tomando o Alasca, seria de se pensar que seu povo nativo deveria ser pálido como um fantasma", Jablonski diz. Um dos motivos para isso é que essas populações não vivem na região há muito tempo em termos de tempo geológico. Mas o mais importante, sua dieta tradicional é rica em peixe e outros frutos do mar. Eles consumiram altas doses de vitamina D, não precisando dessa forma passar pela mesma redução de pigmentação que de outro modo seria preciso em latitudes altas como essas. "Interessante mesmo é que se esses povos não comerem suas dietas originais de peixe e mamíferos marinhos, eles sofrem altas taxas de doenças causadas pela deficiência de vitamina D como o raquitismo nas crianças e a osteoporose nos adultos", Jablonski diz.

Um problema semelhante ocorre quando pessoas de pele escura se mudam para altas latitudes. "Durante anos as pessoas não entendiam porque indianos e paquistaneses que moravam no norte da Inglaterra sofriam de males causados pela deficiência de vitamina D", Jablonski diz. "Hoje está claro que o protetor solar natural de suas peles não permitia que fosse sintetizada uma quantia saudável de vitamina D a partir da luz do sol". Fatores culturais exacerbaram o problema, como o uso de véus por algumas mulheres mulçumanas. "É uma verdadeira história de detetive", ela acrescenta.

20 agosto 2007

Pele, o mais visível órgão do corpo humano (1)

Para além da faceta dermatológica, a pele sempre teve um papel preponderante na sociedade humana e é esse lado que agora é revelado no livro Pele - Uma História Natural (Skin: A Natural History, University of California Press, 290 págs). O fascinante livro da professora de antropologia na Universidade Estadual da Pensilvânia, Nina Jablonski, é tão abrangente quanto a própria pele. Jablonski trata de tópicos que vão da história evolutiva da pele a perspectivas futuras, tais como peles robóticas ou eletrônicas, passando por temas como suor, cor, tato e dermatite. No processo, ela demonstra que a pele é não apenas crucial para nossa saúde como também um importante veículo para a expressão pessoal. Uma combinação de três atributos torna a pele humana única no reino animal. Primeiro, ela não é revestida por pêlos e sua. Segundo, é produzida naturalmente em ampla variedade de cores, “um fascinante arco-íris em sépia”, nas palavras de Jablonski, que varia do marrom escuro ao branco marfim pálido. Terceiro, ela é uma superfície para decoração, de maquiagem e outras formas de pintura temporária a cicatrizes e tatuagens.

A pele representa 16% do peso do corpo humano. Parece pouco? A pessoa que tem 70 kg, a pele é responsável por cerca de 12 kg do seu peso. Toda a superfície da sua pele mede de 1,5 a 2 metros quadrados. A pele é formada por três camadas, bem unidas entre si. São elas: epiderme, derme e hipoderme. Todas são importantes para o corpo, e cada uma tem características e funções diferentes.

A epiderme é a camada mais externa da pele, aquela que você pode ver, formada, na sua superfície, por células achatadas, chamadas queratinócitos, ricas em uma proteína chamada queratina. É a queratina quem, entre outras substâncias, ajuda a evitar a desidratação, ou perda de água, do organismo. Isso porque esta proteína mantém as células mais unidas e, conseqüentemente, com menos espaço para ocorrer a evaporação da água.

A epiderme tem ainda outras células, chamadas melanócitos, as que produzem a melanina, outra proteína, de cor escura, responsável pela pigmentação da pele. A quantidade de melanina determina a cor da pele de cada um. Além disso, a melanina protege a pele dos efeitos nocivos do sol. A epiderme está em constante renovação: as células mais antigas são substituídas por outras mais novas. As células (queratinócitos) nascem mais redondinhas e vão se achatando à medida que chegam na superfície.

A derme é a camada do meio da pele. Ela mede de um a quatro milímetros. É formada por fibras e por grande quantidade de vasos sangüíneos e terminações nervosas. As terminações nervosas (as extremidades dos nervos, a “pontinha” dos nervos), que estão localizadas na derme, recebem os estímulos do meio ambiente, e os transmitem ao cérebro, através dos nervos. Estes estímulos são traduzidos em sensações, como dor, frio, calor, pressão, vibração, cócegas e prazer.

A hipoderme é a terceira e última camada da pele. Esta camada é formada basicamente por células de gordura. Sendo assim, sua espessura é bastante variável...(depende se a pessoa é gordinha ou magrinha). Ela apóia e une a epiderme e a derme ao resto do seu corpo. E permite que as duas primeiras camadas deslizem livremente sobre as outras estruturas do organismo. Além disso, a hipoderme mantém a temperatura do seu corpo e acumula energia para o desempenho das funções biológicas.

A pele tem várias funções: Transmissão de estímulos e sensações (frio, calor, tato, pressão, dor, vibração, cócegas e prazer), regulação da temperatura corporal (elimina ou conserva o calor do seu corpo, conforme a necessidade), suor , arrepio, proteção (serve de “armadura” para você: suas estruturas protegem o corpo das agressões do meio ambiente, como bactérias e fungos, condições climáticas, poluição e substâncias químicas, entre outras.)

A pele é o maior e mais visível órgão do corpo humano. Sua riqueza e sua complexidade biológicas só são excedidas pelas do cérebro e do sistema imunológico. E, agora, ela enfim ganhou o livro que merece. Nina Jablonski escreveu a obra voltada ao grande público que cobre a pele humana em todos os aspectos “à maneira de uma antiquada história natural”, na definição da autora. Esperamos que a obra seja publicada no Brasil.

”Nossa pele é uma espécie de roupa espacial, dentro da qual nos movemos em meio a uma atmosfera de gases agressivos, de radiação solar e de obstáculos de todos os tipos”, escreveu Diane Ackerman em sua obra “Uma História Natural dos Sentidos”. “Nossa pele – escreveu – é o que fica entre nós e o mundo. Se pensarmos sobre o assunto, verificamos que nenhuma outra parte nossa entra em contacto com outra coisa além de nós como a pele. Ela nos aprisiona, mas também nos fornece a forma individual, protege-nos contra invasores, resfria-nos ou aquece-nos quando necessário, produz a vitamina D de que necessitamos, contém os fluídos de nosso corpo. Talvez o fato mais extraordinário seja sua capacidade de se recuperar e de, constantemente, se renovar. Pesando de três a cinco quilos, é o maior órgão que possuímos e o mais importante para a atração sexual (...) É à prova d´água, lavável e elástica. Apesar de ficar flácida ou enrugada quando envelhecemos, resiste surpreendentemente bem ao tempo. Em quase todas as culturas, é a tela ideal para ser decorada com pinturas, tatuagens e jóias. Porém, mais importante do que tudo, é o centro do tato”.

17 agosto 2007

Música & Poesia

Somos Quem Podemos Ser (Humberto Gessinger, do Engenheiros do Hawaii)

Um dia me disseram

Que as nuvens não eram de algodão

Um dia me disseram

Que os ventos às vezes erram a direção

E tudo ficou tão claro

Um intervalo na escuridão

Uma estrela de brilho raro

Um disparo para um coração

A vida imita o vídeo

Garotos inventam um novo inglês

Vivendo num país sedento

Um momento de embriaguez

Somos quem podemos ser

Sonhos que podemos ter

Um dia me disseram

Quem eram os donos da situação

Sem querer eles me deram

As chaves que abrem esta prisão

E tudo ficou tão claro

O que era raro ficou comum

Como um dia depois do outro

Como um dia, um dia comum

A vida imita o vídeo

Garotos inventam um novo inglês

Vivendo num país sedento

Um momento de embriaguez

Somos quem podemos ser

Sonhos que podemos ter

Um dia me disseram

Que as nuvens não eram de algodão

Sem querer eles me deram

As chaves que abrem esta prisão

Quem ocupa o trono tem culpa

Quem oculta o crime também

Quem duvida da vida tem culpa

Quem evita a dúvida também tem...tem

Somos quem podemos ser

Sonhos que podemos ter

Caso do Vestido (Carlos Drummond de Andrade)

Nossa mãe, o que é aquele

vestido, naquele prego?

Minhas filhas, é o vestido

de uma dona que passou.

Passou quando, nossa mãe?

Era nossa conhecida?

Minhas filhas, boca presa.

Vosso pai evém chegando.

Nossa mãe, esse vestido

tanta renda, esse segredo!

Minhas filhas, escutai

palavras de minha boca.

Era uma dona de longe,

vosso pai enamorou-se.

E ficou tão transtornado,

se perdeu tanto de nós,

se afastou de toda vida,

se fechou, se devorou.

Chorou no prato de carne,

bebeu, gritou, me bateu,

me deixou com vosso berço,

foi para a dona de longe,

mas a dona não ligou.

Em vão o pai implorou,

dava apólice, fazenda,

dava carro, dava ouro,

beberia seu sobejo,

lamberia seu sapato.

Mas a dona nem ligou.

Então vosso pai, irado,

me pediu que lhe pedisse,

a essa dona tão perversa,

que tivesse paciência

e fosse dormir com ele...

Nossa mãe, por que chorais?

Nosso lenço vos cedemos.

Minhas filhas, vosso pai

chega ao pátio. Disfarcemos.

Nossa mãe, não escutamos

pisar de pé no degrau.

Minhas filhas, procurei

aquela mulher do demo.

E lhe roguei que aplacasse

de meu marido a vontade.

Eu não amo teu marido,

me falou ela se rindo.

Mas posso ficar com ele

se a senhora fizer gosto,

só para lhe satisfazer,

não por mim, não quero homem.

Olhei para vosso pai,

os olhos dele pediam.

Olhei para a dona ruim,

os olhos dela gozavam.

O seu vestido de renda,

de colo mui devassado,

mais mostrava que escondia

as partes da pecadora.

Eu fiz meu pelo-sinal,

me curvei... disse que sim.

Saí pensando na morte,

mas a morte não chegava.

Andei pelas cinco ruas,

passei ponte, passei rio,

visitei vossos parentes,

não comia, não falava,

tive uma febre terçã,

mas a morte não chegava.

Fiquei fora de perigo,

fiquei de cabeça branca,

perdi meus dentes, meus olhos,

costurei, lavei, fiz doce,

minhas mãos se escalavraram,

meus anéis se dispersaram,

minha corrente de ouro

pagou conta de farmácia.

Vosso pai sumiu no mundo.

O mundo é grande e pequeno.

Um dia a dona soberba

me aparece já sem nada,

pobre, desfeita, mofina,

com sua trouxa na mão.

Dona, me disse baixinho,

não te dou vosso marido,

que não sei onde ele anda.

Mas te dou este vestido,

última peça de luxo

que guardei como lembrança

daquele dia de cobra,

da maior humilhação.

Eu não tinha amor por ele,

ao depois amor pegou.

Mas então ele enjoado

confessou que só gostava

de mim como eu era dantes.

Me joguei a suas plantas,

fiz toda sorte de dengo,

no chão rocei minha cara,

me puxei pelos cabelos,

me lancei na correnteza,

me cortei de canivete,

me atirei no sumidouro,

bebi fel e gasolina,

rezei duzentas novenas,

dona, de nada valeu:

vosso marido sumiu.

Aqui trago minha roupa

que recorda meu malfeito

de ofender dona casada

pisando no seu orgulho.

Recebei esse vestido

e me dai vosso perdão.

Olhei para a cara dela,

quede os olhos cintilantes?

quede graça de sorriso,

quede colo de camélia?

quede aquela cinturinha

delgada como jeitosa?

quede pezinhos calçados

com sandálias de cetim?

Olhei muito para ela,

boca não disse palavra.

Peguei o vestido, pus

nesse prego da parede.

Ela se foi de mansinho

e já na ponta da estrada

vosso pai aparecia.

Olhou para mim em silêncio,

mal reparou no vestido

e disse apenas: Mulher,

põe mais um prato na mesa.

Eu fiz, ele se assentou,

comeu, limpou o suor,

era sempre o mesmo homem,

comia meio de lado

e nem estava mais velho.

O barulho da comida

na boca, me acalentava,

me dava uma grande paz,

um sentimento esquisito

de que tudo foi um sonho,

vestido não há... nem nada.

Minhas filhas, eis que ouço

vosso pai subindo a escada.