E ele encerra esse seu primeiro capítulo (Precursores) afirmando:
“Com seu traço pesado e ´germânico`, forjado na ortodoxia do desenho de anatomia humana das velhas academias europeias, Henrique Fleiuss como chargista não se sobressai entre seus pares. Suas charges se prolongam por quadros sucessivos, acompanhadas por longos textos, como era moda no romantismo da época. Entretanto, são essas características – personagens fixos, pluralidade de quadros e textos verbais – que as tornam precursoras de HQ, sobretudo em relação aos Comics Books americanos, cujos primeiros números só surgem em 1934! Durante toda a Monarquia, as charges criaram e mantiveram uma linguagem gráfica semelhante à estrutura narrativa de HQs, o que nos autoriza a classificá-las hoje como legítimas e autênticas precursoras desse gênero, bem antes que americanos e europeus as inventassem `oficialmente`!”. (p.9).
A filosofia da Semana Illustrada resumia-se no lema “Ridendo castigat mores”, o que numa tradução livre pode ser tomada como “(A sátira) rindo corrige os costumes”. Era o que vinha escrito na capa, no alto do frontispício. Logo em seguida, em primeiro plano, apareciam as popularíssimas figuras do Dr. Semana e seu fiel companheiro, o infalível Moleque. O primeiro, de aparência atarrancada, com vasta cabeçorra, lápis em riste e acionando uma lanterna mágica, comentava os principais fatos da atualidade com o Moleque. Este se apresentava sempre a posição irreverente, fazendo alguma apreciação maliciosa a respeito.
Trajando a caráter, aparecia de libré, como era comum aos pequenos escravos, que serviam de pajens às casas ricas da Corte. Mais tarde, Fleuiss ainda incorporou à dupla um terceiro personagem, dona Neguinha, esposa do Moleque. Ao que tudo indica, o Dr. Semana era uma adaptação dr Dr. Sintaxe, tipo crítico criado pelo caricaturista inglês Thomas Rowlandson, em 1798. Tanto Dr. Semana quanto Moleque se transformaram em símbolo da crítica dos costumes, das fraquezas e dos cacoetes políticos da época.
Na concepção de Fleiuss, a prática do jornalismo bem humorado, compreendia também o exercício de uma função cívica e de caráter pedagógico, no sentido de orientar o cidadão quanto as suas ações no espaço público. Fatos como a crise bancária de 1864, provocada pela bancarrota da Casa Souto criticava a falta de controle sobre os bancos emissores de papel moeda e de títulos (Semana Illustrada nº.197, 18/09/1864). Consciente de seu papel de formador da opinião pública, o semanário estampou charges em prol do alistamento voluntário, logo que se iniciou o conflito com o Paraguai (1865). Longe dos campos de batalha, a Semana Illustrada promoveu campanhas que mobilizaram a população. Abraçou a causa da lei do ventre livre, apoiando o projeto do ministério Rio Branco (Semana Illustrada nº.537, 26/03/1871).
Considerado um pioneiro da imprensa ilustrada humorística no Brasil1, Fleiuss manteve por 16 anos um hebdomandário bem diferente dos que à época alcançava maior destaque social2. Seu formato era pequeno, com oito páginas, quatro de texto e quatro com ilustrações. Publicava poesias, crônicas, contos. Pela Semana Illustrada passaram os mais conhecidos escritores e jornalistas da época: Machado de Asis, Quintino Bocaiuva, Pedro Luis, Joaquim Manoel de Macedo, Joaquim Nabuco, Bernardo Guimarães. Até o n.10, a Semana Illustrada foi totalmente desenhada e litografada por Fleiuss, recebendo, daí por diante, a cooperação de H. Aranha, Aristides Seelinger e Flumen Júnior. No seu último ano, teve também a colaboração de Aurélio de Figueiredo3.
O traço conservador na caricatura, aliado à timidez na sátira política, certamente contribui para o rápido fim da Semana Illustrada, tão logo teve que enfrentar a concorrência da arte brilhante de Ângelo Agostini, que garantiu o sucesso imediato da Revista Illustrada4. Alguns comentários sobre Fleuiss encontra-se na obra de Herman Lima, Historia da Caricatura no Brasil5, e na de Nelson Werneck Sodré, História da Imprensa no Brasil6. Ambas, contudo, defendem a imagem de um artista limitado na arte da caricatura e nas críticas sociais, pois o pioneirismo de sua revista perderia o valor ao deparar-se com outras desenhadas por estrangeiros de “punho mais ácido”, como Ângelo Agostini, Rafael Bordalo Pinheiro e Luigi Borgomainerio.
Referências:
ARAGÃO, Octávio. Henrique Fleiuss, a Semana Illustrada e o advento da caricatura política. 170 anos da Caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: Jornal da ABI. Edição extra (322), Outubro de 2007.
FONSECA, Joaquim da. Caricatura. A imagem gráfica do humor. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999
LAGO, Pedro Corrêa do. “Henrique Fleiuss”. In: Caricaturistas Brasileiros 1836-1999. Rio de Janeiro: Sextante Artes, 1999
LIMA, Herman. “Henrique Fleiuss” in: História da Caricatura no Brasil. Vol.2. Rio de Janeiro: José Olympio, 1963
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1983
TEIXEIRA, Luiz Guilherme Sodré. O traço como texto. A história da charge no Rio de Janeiro de 1860 a 1930. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa. Coleção Papéis Avulsos nº38, 2001
1LIMA, Herman. “Henrique Fleiuss” in: História da Caricatura no Brasil. Vol.2. Rio de Janeiro: José Olympio, 1963, p.745
2Dentre os jornais da corte com maior tiragem na década de 1860 destacam-se, sobretudo, o Jornal do Comércio, Correio Mercantil, e o Diario do Rio de Janeiro. Nenhum periódico ilustrado havia conseguido se firmar.
3FONSECA, Joaquim da. Caricatura. A imagem gráfica do humor. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999, p.217.
4LAGO, Pedro Corrêa do. “Henrique Fleiuss”. In: Caricaturistas Brasileiros 1836-1999. Rio de Janeiro: Sextante Artes, 1999, p.24
5LIMA, Herman. Op.Cit.
6SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1983
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