30 novembro 2011

As representações femininas no pagode baiano da década de 90 (2)

2. DISTINÇÃO ENTRE EROTISMO E PORNOGRAFIA


É antiga a polêmica sobre a distinção entre erotismo e pornografia. Os dois termos pretendem descrever um conjunto de sensações, sentimentos, ideias e atitudes relacionados à temática sexual e suas figurações, mas, entre eles, existem grandes diferenças. A pornografias origina-se do grego pornographos, que significa “escritos sobre prostitutas”, sendo este um gênero fundado no século II pelo escritor grego Luciano em “Diálogo das Cortesãs”. Já a palavra erotismo, derivada de Eros, deus grego do amor e paixão carnais, surgiu apenas no século XIX.


No imaginário ocidental persiste a ideia de que é possível (e desejável) distinguir o pornográfico do erótico visando uma separação sutil. E a própria origem dos termos demonstra essa diferenciação. Assim, a pornografia passou a figurar como o que transforma sexo em produto de consumo, e está ligada ao mundo da prostituição e busca a excitação dos apetites mais “desregrados” e “imorais”. Evoca assim uma ideia mais carnal, sensual, comercial, e “explícita” que o erotismo. Já o erotismo tenderia ao sublime, espiritualizado, delicado, sentimental e sugestivo.


A pornografia e o erotismo transitam sempre em terreno marcado pelas contradições, um território não-determinado, uma fronteira entre situações opostas, a tensão entre polaridades. Ao se instalarem, o fazem sempre como uma transgressão das interdições que também são, por sua vez, parte de um conjunto de contradições. Essa impossibilidade de traçar limites precisos entre o erótico e o pornográfico é, a meu ver, sinal de sensatez e um bom ponto de partida, tendo em vista as contradições, o jogo semântico que cerca o uso social dessas palavras, a forma dialética com a história tem tratado do assunto.


Não é fácil estabelecer o limite entre o erotismo e pornografia, na medida em que ele varia com as épocas e segundo os indivíduos. Os excessos cometidos em nome do erotismo nas letras e artes nestes últimos anos correm o risco de tornar questionáveis liberdades penosamente adquiridas. Alguns sonham com uma volta ao puritanismo e à proibição, enquanto há quem defenda a tolerância incondicional.


O erotismo e a pornografia residem não na palavra escrita, não em representações desenhadas, pintadas ou esculpidas, e não em fotografias – ou seja, em nada do que está contido nas páginas deste livro – mas sim na mente do observador.

O erotismo e a pornografia têm muito a dizer-nos sobre a nossa própria natureza como seres humanos, sobre o contexto atual em que vivemos, e muito para agradar ao sentido estético. Podemos tapar os olhos e os ouvidos, que não desaparecem. O erotismo e a pornografia são parte impossível de desatar da estrutura do mundo contemporâneo.

O imaginário do erótico e pornográfico continua a perturbar o intelecto, a imaginação e mesmo até os sonhos da sociedade contemporânea. Pode-se-ia dizer com segurança que nenhum outro tipo de imaginário tem um poder equivalente. E nenhum nos leva tão diretamente às fontes da personalidade humana ou, até mesmo, às fontes da própria vida.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

29 novembro 2011

As representações femininas no pagode baiano da década de 90 (1)

RESUMO

O propósito deste trabalho é mostrar as representações femininas no pagode baiano da década de 90 (usualmente uma construção masculina). O tratamento diferenciado entre homem e mulher – presente em todas as sociedades humanas – tem suas raízes plantadas na própria história da humanidade, e tais raízes resistem bravamente à ação do tempo. Os traços de caráter do homem e da mulher estão constituídos desde o nascimento e são definitivos. Em decorrência de tal determinismo, o lugar e o desempenho de ambos no curso da história têm obedecido a uma rígida divisão social. Assim, a história da humanidade tem sido a história de personagens masculinos, sejam eles guerreiros, sacerdotes, heróis ou artistas. E aqui cabe a indagação: a quem interessava o ocultamento da trajetória da mulher? O pagode, ritmo que caiu no gosto popular a partir da década de 90, reforça a ideologia paternalista, colocando a mulher em segundo plano.

Palavras-Chave: Mulher. Pagode. Estereótipo



1. DOMÍNIO INTELECTAL DO MACHO


A influência da tradição sempre foi reforçada e, em certa medida, continua sendo até hoje pela religião, instituição de marcado caráter conservador. Com o passar do tempo a mulher transformou-se, ela mesma, num agente de reprodução do sistema, cooptada pela ideologia paternalista, que tem como premissa a legitimidade da autoridade masculina sobre o conjunto da sociedade. Tudo que nos chegou sobre o papel da mulher no mundo greco-romano diz respeito à exclusão, à subordinação, à submissão. Privilegiou-se o homem. A mulher foi afastada do corpo filosófico, literário, religioso. O domínio intelectual passou a ser exclusividade do macho. O desprestígio do feminino levou o homem a rebaixar o amor heterossexual a simples nível de reprodução e a enaltecer o amor homossexual. A pederastia foi um exercício comum entre os antigos gregos. O homem maduro e viril se aproximava dos efebos que, acabados de deixar a puberdade, mantinham ainda um aspecto pouco definido da virilidade. O autoritarismo com o qual a Igreja defendia suas crenças como as únicas verdadeiras, encontrou eco no sexo da religião do Pai e do Filho. Excluindo a Mãe do panteão divino, erguiam uma Igreja masculina, em que somente os homens exerciam as funções de padres e bispos, investidos pelos apóstolos que receberam de Cristo o direito de divulgar a Boa Notícia.


Foram necessários quase dois séculos para que essa lógica se transformasse em normas sociais e conferisse a tal igualdade de condições entre os sexos. Foi necessário uma longa marcha que se realizou em várias etapas, na qual as mulheres foram progressivamente ganhando terreno no espaço social. Com efeito, do direito de votar ao de poderem ser educadas, passando a ter acesso aos espaços sociais da masculinidade, o percurso das mulheres foi marcado por um longo combate de muitas idas e vindas, progressões e retrocesso. Os anos 60 do século XX foram o momento crucial dessa ruptura, quando o feminismo rompeu de vez as amarras tradicionais da condição da mulher no Ocidente.

Negar a paixão às mulheres: esse foi um eficiente modelo político que se estabeleceu para a organização social do Brasil Colônia. A estratégia imposta pela Igreja em aliança com o Estado, pela dominação do corpo social, usando a mulher ao mesmo tempo como agente e inimigo, é mostrada na obra da historiadora Mary Del Priore, “Ao Sul do Corpo”. Ela mostra que, da obrigação de se portar como católica e não se desonestar publicamente, a mulher foi – num processo que se iniciou no século XVII, atravessou o século XVIII e se fechou no XIX – empurrada para o conceito de sexo como pecado, aturável apenas dentro do “santo matrimônio” e com fim único de concepção. E a Igreja tinha à disposição argumentos da medicina. Como registra a autora, “a medicina aliou-se à Igreja na luta pela constituição de famílias sacramentadas, e o médico, tal como o padre, tinha acesso à intimidade das populações femininas. Enquanto o segundo cuidava das almas, o ‘doutor’ ocupava-se dos corpos, sobretudo no momento de partos dificultosos e doenças graves. Ao penetrar o mundo fechado de pudores, mistérios e usos tradicionais dessa espécie de terra desconhecida que era o corpo feminino, o médico interrogava a sexualidade da mulher e era também por ela interrogado”.

A historiadora Ana Paula Vosne Martins em seu livro “Visões do Feminino – a medicina da mulher nos séculos XIX e XX” (Editora Fiocruz) mostra como o estudo do corpo feminino pelo saber médico colaborou para o aprisionamento da mulher ao determinar seu papel na sociedade pelas características corporais, reprodutivas e sexuais. Para ela, a mulher do século XXI continua prisioneira do corpo, submetendo-se a intervenções médicas como plásticas e silicones, seguindo à risca as cartilhas da saúde e da beleza. Trata-se de uma versão mais moderna de controle da autonomia feminina.


Ao estudar a produção cultural masculina sobre o feminino no século XIX e começo do século XX, Ana Paula percebeu o quanto a diferença feminina constituía um problema para aqueles homens cultos. Primeiro, o mistério – criaturas misteriosas despertam fascínio, mas também medo. Esta cura de mistério, criada pelo desejo de conhecer e de possuir ao mesmo tempo, é um dos elementos fundamentais para se entender a imagem ambígua da mulher que oscila entre mãe nutridora e amorosa e a mulher fatal. Essa ambigüidade não se restringe às páginas dos livros e jornais ou obras artísticas, mas extravasa para a vida social, participando de uma construção social que inferioriza e as exclui as mulheres, pois as imagens da normalidade e da anormalidade são como o positivo e o negativo de uma fotografia. Adorada ou temida, enaltecida ou execrada, a mulher permanecia o outro, por excelência, da cultura ocidental.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

28 novembro 2011

Homossexualidade nos quadrinhos (3)

BRASIL - Criados em 1985 pelo cartunista brasileiro Adão Iturrusgarai, os cowboys gays são uma sátira escrachada já a partir do nome, referência ao ator de Hollywood que era ídolo de dez entre dez mulheres, mas que escondia sua homossexualidade. A dupla Rocky e Hudson foi publicada em tiras de jornais e em revistas.


O cartunista Angeli criou em 1983 uma dupla de “revolucionários de botequim”, Meia-Oito e Nanico, que, nas palavras do criador eram “Um, seco e moralista; outro, que queria soltar as plumas”. Meiaoito foi atropelado por um caminhão em tira publicada no dia 20 de julho de 2007. Seu criador reconhece que, como tipo urbano, o pseudo guerrilheiro estava datado. Muitos cartunistas usam a homossexualidade com o tom cômico, não é o caso de Laerte. Suas tiras tocam no tema para reflexão.


A personagem Katita foi criada em 1995 por Anita Prado e aborda, através de tiras, o universo homossexual feminino. As tiras faz uso do humor, o que deixa uma leitura muito mais saborosa e chega para marcar o pensamento e o sentimento das mulheres que preferem amar-se entre si.


O baiano Tomas M. é responsável pela criação de Pássaros Rebeldes, tira de quadrinhos protagonizada pelos amigos Tim e Tom. Retratados com traços bem simples, os dois personagens são jovens e vivem a descoberta da própria homossexualidade em histórias comicas. As tiras foram publicadas no blog pássaros rebeldes.


No auge da polêmica em torno do kit de combate à homofobia produzido pelo Ministério da Educação (MEC), o governo baiano avalia a possibilidade de utilizar em sala de aula a cartilha “Fala Menino! Igual a tudo na vida, um papo sério sobre sexualidades”. O material, que teve apoio financeiro da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, discute temas relacionados à orientação sexual e homofobia através de desenhos em quadrinhos. A cartilha é feita em formato de história em quadrinho, e tem como personagem principal um adolescente gay, o Caju.


Além da narrativa, a cartilha apresenta um glossário com a descrição de termos como bullying e homofobia. Segundo o autor do gibi, o quadrinista Luís Augusto Gouveia, “o material dá ao adolescente homossexual argumentos para que perceba que isso é natural. Queremos distribuí-los nas escolas, fazer debates, a princípio em dez instituições públicas”, afirmou em entrevista ao jornal A Tarde. Luis Augusto trata do tema de forma bastante didática, como lhe é característico, apontando para reflexões importantes, sem perder a naturalidade. Na discussão sobre o preconceito, contrapõe argumentos frequentemente usados em debates, além de destacar outras formas de discriminação presentes em nossa sociedade.


A publicação teve uma tiragem inicial de três mil unidades e foi distribuída gratuitamente. Em entrevista ao Portal Flavour, o quadrinista contou um pouco de sua experiência com o tema e antecipou que a turma do Fala Menino! ganhará um novo personagem, o Caju, um adolescente que está se descobrindo enquanto homossexual. “A cartilha se chama Igual a Tudo na Vida e mais do que uma cartilha sobre homofobia ou bullying é uma história em quadrinhos sobre o que significa ser homossexual hoje em dia para um adolescente e como a sexualidade das pessoas reflete nas pessoas ao seu redor. Além, claro, de discutir claramente sobre o bullying homofóbico dando argumentos, tanto para quem sofre a violência, quanto para quem a reproduz. É um texto ousado por ser direto e apontar claramente para os sentimentos de quem vive esta realidade, cada vez mais comum nas escolas, assim como em qualquer lugar. E, finalmente, é uma história significativa para toda a turma do Fala Menino!, já que além do novo personagem, o Caju (um adolescente gay assumido), um outro personagem conhecido da turma do Lucas, também sai do armário até o final da história”.


Sobre de onde veio a ideia de abordar este tema, o autor informa: “Do convívio que tenho desde que o Fala Menino! chegou às salas de aulas com centenas de crianças e adolescentes e professores. Eu percebi a urgência de chamar atenção para a necessidade do respeito para com qualquer um que, por qualquer motivo, seja discriminado por ser quem e como é. O Fala Menino! sempre foi uma obra sobre o diálogo com a infância, com o novo e o respeito às diferenças. E o que vemos acontecendo, hoje em dia, é que enquanto as minorias conquistam suada e sofridamente o respeito social, uma grande parcela da comunidade reforça suas posturas preconceituosas chegando ao absurdo da violência fisica”.


Sobre a homofobia como tema para ser trabalhado desde cedo, junto às crianças, Luiz Auguto responde: “Qualquer homossexual que você entrevistar, pelo menos a grande maioria, vai lhe responder que já sabia ou desconfiava de sua sexualidade desde muito cedo, mesmo antes da chegada da puberdade. E por ouvir e ver tanta homofobia - muitas vezes dentro da própria casa, da boca e atitudes de quem mais amam - sofrem demais a solidão de se perceber algo do que tantos dizem tantos absurdos. Esses meninos e meninas não entendem o que acontece, por que eles são como são. E, se procuram ajuda nas suas religiões, normalmente encontram ainda mais punição por algo tão natural quanto qualquer coisa que Deus botou na Terra. A história desta revista foi escrita e ilustrada e pensada, palavra por palavra, quadrinho a quadrinho, para eles. E esta é a maneira que aprendi para conversar com crianças e adolescentes. Talvez um pouco mais ludicamente do que se falasse para adultos, mas, com certeza, com o mesmo respeito à sua inteligência e muito, muito mais, admiração e carinho. Quero que essas crianças cresçam sabendo que não estão sozinhas e que não são aberrações. Ninguém faz ninguém homo, assim como ninguém faz ninguém heterossexual. É a vida que vai nos construindo e, eu espero que com este trabalho, eu possa ser um vetor positivo na construção da auto-imagem dessas pessoas”.


O Fala Menino! É um trabalho premiado internacionalmente, reconhecido pelo Unicef e pelo MEC, que através de humor e sensibilidade, em quadrinhos, livos e animações para a tevê, fala do diálogo da infância com o mundo adulto com todas as suas questões, por mais incoerentes que possam parecer. A partir da liberdade da perspectiva infantil, Lucas e seus amigos passeiam por temas delicados como o respeito às diferenças, ética, cidadania, segurança, família, diálogo, violência e preconceitos enquanto divertem-se e aprendem neta aventura de crescer gente.


Leitura Recomendada:


- Cartilha Igual a tudo na vida, um papo sério sobre sexualidades, de Luis Augusto.Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, 2011.


- Rocky e Hudson, de Adão Iturrusgarai


- Katita: tiras sem preconceito, de Anita Costa Prado. Marca de Fantasia.


- “Lanterna Verde – Intolerância”: Arco de histórias escrito por Judd Winnick e ilustrado por Dale Eaglesham, publicado no Brasil nas edições 15 e 16 da revista “Liga da Justiça” pela Panini Comics;


- “A Morte do Superman”: Arco de histórias escrito e ilustrado por diversos autores, publicado no Brasil em dois volumes pela Panini Books;


- “52”: Maxissérie em 13 edições, escrita e ilustrada por diversos autores, publicada no Brasil pela Panini Comics;


- “Camelot 3000”: Maxissérie escrita por Mike W. Barr e ilustrada por Brian Bolland, publicada pela Panini Books em encadernado homônimo;


- “Authority – Sem Perdão”: Série escrita por Warren Ellis e ilustrada por Bryan Hitch, publicada em encadernado no Brasil pela Devir;


- “Jovens Vingadores”: Série escrita por Allan Heinberg e ilustrada por Jim Cheung, publicada no Brasil nas edições 27 à 34 de “Os Novos Vingadores” e 1 à 3 de “Avante Vingadores”;


- “Justiceiro – As Ruas de Laredo”: Arco de histórias escrito por Garth Ennis e ilustrada por Cam Kennedy, publicada no Brasil nas edições 4 à 7 da revista “Demolidor – O Homem Sem Medo”.

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25 novembro 2011

Homossexualidade nos quadrinhos (2)

Como se pensava antigamente que quadrinhos era mídia só para crianças, o tema era infantil. A faixa-etária do público-alvo cresceu nas últimas décadas. Conforme os leitores cresceram os temas passaram a ser mais abrangentes. Dessa forma, a sexualidade passou a ser assunto lidado mais abertamente, e com ela também a diversidade sexual. Mas a abertura é lenta e gradual. A ideia de uma postura aberta seduz às grandes instituições e editoras, além de levá-las ao topo dos tabloides em segundos. É preciso estar sempre atentos ao real caráter dessas abordagens. Desde Watchmen (1986) e Sandman (1988-1996), dois dos maiores referenciais dessa forma de arte, personagens assumidos tem surgido aqui e ali.


Com qualquer menção à homossexualidade nos quadrinhos norte americanos era proibido pelo Código Autoridade Comics (CCA) até 1989, tentativas anteriores de explorar estas questões em que os EUA tomaram a forma de sugestões sutis ou sub´texto sobre orientação sexual de um personagem. A homossexualidade foi abordado no início comix subterrânea a partir dos anos 1970. Independentemente publicado one-off histórias em quadrinhos e série, muitas vezes produzidos por criadores gay e com histórias autobiográficas, abordou questões políticas de interesse para os leitores. Desde a década de 1990 temas LGBT (lésbica , gay , bissexual e transsexual) se tornaram mais comuns nos principais comics EUA, inclusive em um número de títulos em que um personagem gay é a estrela. A falta de censura, e uma maior aceitação dos quadrinhos como meio de entretenimento adulto levou a menos controvérsia sobre a representação de personagens LGBT.


A história da homossexualidade nos quadrinhos é uma questão complicada, dado que havia um momento em que qualquer tipo de sexualidade nos quadrinhos mainstream foi tabu, sob os auspícios do Comics Code Authority. O Código foi instituído em 1954, em grande parte em resposta ao livro de reacionário Dr. Fredric Wertham, "Seduction of the Innocent", em que o psiquiatra alertou os pais sobre o conteúdo violento e sexual de revistas em quadrinhos do dia.


Enfrentando a ameaça muito real de censura governamental, a Associação Revista Comic of America optou para a auto-censura. O CMAA redigiu o Código originais Comics em 1954 e estabeleceu o Comics Code Authority para supervisionar a sua implementação. O código de definir diretrizes diante rigorosos para a representação de coisas como crime, violência e sexo em quadrinhos, e proibiu a representação de tudo o que foi considerado no momento de ser moralmente repreensível. Todos os comics público-geral foram obrigados a aderir ao Código de Quadrinhos e para o selo CCA, e apesar de orientado para adultos comics não foram expressamente proibido, o suficiente distribuidores parado carregando não CCA quadrinhos aprovado que o material foi processado grosseiramente inútil. EC Comics "linha de horror populares dobrado na esteira do CCA, e foi apenas uma de suas muitas baixas.


O Comics Code foi largamente modelado após o Código Hays, o conjunto de diretrizes indústria cinematográfica implementado em 1930 pelo que mais tarde tornou-se a MPAA, e algumas das decisões tomadas pelos administradores de ambas poderiam ser descritos como, em uma palavra, arbitrária. O CCA passou por duas grandes revisões - uma em 1971 e uma em 1989 - antes de, eventualmente, desaparecendo em obsolescência. A revisão foi motivada por 71 a recusa do CCA para colocar seu selo de aprovação em um de três partes "Spider-Man" história escrita por Stan Lee que a dependência química descrita. Apesar do fato de que Lee foi solicitada a escrever a história do Departamento de Educação dos EUA, Saúde e Bem-Estar com a finalidade de informar as crianças sobre os perigos da toxicodependência, a CCA ignorou o contexto e aderiu à letra do Código, que proibia a inclusão de substâncias controladas de qualquer tipo em uma página de quadrinhos. À luz das elogios da crítica de Lee "Spider-Man" história recebeu, o Código revisado Comics de 1971 permitiu o uso de drogas no código-aprovado Comics, desde o vício era estritamente mostrado em uma luz negativa.


Existem outros personagens que abordam o tema. Os adeptos dos quadrinhos pornô podem encontrar satisfação lendo as aventuras de Rogue, de Bruno Gmunder, ou mesmo ler os trabalhos dos desenhistas Michael Breyette, Robert W.Richards, Foxy Andy ou Blue Grey. Eles fazem quadrinhos gays.


O estudioso Christophe Bourseiller (Les Forcenés du desir, Denoel, 2000) chama “funáticos do desejo” os que classificam e se fecham nos guetos de suas particularidades para atirar pedras no resto da humanidade. Todos os que maldizem as falsas divisões impostas pela natureza, pelo machismo, pela Igreja, pela burguesia, estão, por sua vez, presos ao narcisismo da pequena diferença e não param de vituperar contra quem quer que divirja de suas opiniões. A vida íntima é exposta alto e bom som por meio dos grupos de pressão, cada um se alardeia militante do próprio desejo para melhor denegrir o dos outros.

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24 novembro 2011

Homossexualidade nos quadrinhos (1)

As histórias em quadrinhos são espelho da sociedade, refletem a cultura em que se insere, seja na maneira de vestir, modismo, manias, filosofias, hábitos alimentares linguagens e sexualidade. Algumas décadas atrás falar de homossexualismo ainda era tabu. Hoje o tema é “quase” comum em páginas – de alguns países – de gibis. Mas o que se nota nos quadrinhos atuais são histórias com personagens secundários, ou mesmo narrativas alternativas acontecendo em plano paralelo (outra dimensão). Tudo para não “assustar” o leitor.


Tanto que o primeiro personagem abertamente gay da turma do Archie, Kevin Keller, irá se casar em janeiro de 2012. o evento acontecerá em Life With Archie n.16, publicação que apresenta futuros alternativos do personagem principal. Na edição de janeiro, Keller será mostrado como um herói de guerra que volta a Riverdate e se casa com seu grande amor. Keller foi criado em 2010 e desde então recebeu várias críticas positivas. O personagem foi criado por Bob Montana.


Em 2009, a revista X-Force apresentou o primeiro beijo gay entre super-heróis. No exemplar 45, lançado nos Estados Unidos, os ex-colegas Rictor e Shatterstar saem do armário. Na história, Shatterstar é tirado de um transe por Rictor e Guido

Jean-Paul Beaubier, mais conhecido como Estrela Polar (North Star) foi criado por John Byrne e Chris Claremont como um integrante da Tropa Alfa, um grupo de heróis canadenses. A primeira HQ do rapaz apareceu em Uncanny X-Men n.120 (em 1979), mas o rapaz só saiu do armário em uma história em 1983. Mesmo após a definição, a homossexualidade do personagem não era inicialmente citada ou comentada e sim sugerida de maneira sutil, de acordo com as regras internas da Marvel na época. Isso porque existia o Comics Code, a censura disfarçada em “ código de ética” que imperou por décadas nas publicações estadunidenses.


Na versão Millenium (Ultimate), publicada no Brasil nos gibis do Homem-Aranha Millenium, não só Jean Paul é assumidamente e abertamente gay como outro mutante famoso dos X-Men, Colossus (Pietr rasputin), é seu namorado. Colossus é um russo super-forte que consegue transformar sua pele em “aço orgânico”. Quando sai do armário, outro mutante que até então era seu amigo, Noturno, se revela homofóbico e a amizade acaba. A paixão de Colossus por Estrela Polar faz com que ele chegue a mutilar Wolverine em um conflito para salvar o namorado (todos se recuperam, menos Estrela Polar, que acaba paralisado em decorrência de uma overdose). Toda essa narrativa é uma versão alternativa, ou seja, uma maneira da editora faturar com o tema.


Se na Marvel há mutantes gays, na DC a coisa fica mais restrita aos personagens secundários, ainda que de maneira mais resolvida e aberta que na concorrente. Nas HQs do Superman, por exemplo, John Byrne criou a policial Maggie Sawyer, lésbica assumidíssima. Nas histórias do Flash, o originalmente vilão Flautista saiu do armário duplamente: deixou de ser vilão e se revelou homossexual. Tem ainda a Batwoman...


A editora Wildstorm tirou do armário os dois maiores ícones da concorrente por meio de uma paródia. Authority, série da Wildstorm estrelada por uma espécie de Liga da Justiça hardcore, que suja as mãos para impor a lei a seu modo, traz o que claramente são versões homossexuais de Superman e Batman: Apollo e Meia-Noite. Criados por Warren Ellis, os dois são namorados e casca-grossas. Apollo é um super-humano cujos poderes são alimentados pela luz solar, dotado de força descomunal, invulnerabilidade, poder de vôo e a capacidade de disparar rajadas de energia pelos olhos. Meia-Noite possui implantes neurais que o tornam o lutador perfeito.


Camelot 3000 apresentou uma lésbica um tanto quanto diferente. Em uma história que mistura invasão alienígena e reencarnação, ressurgem no ano 3000 personagens lendários como o rei Arthur, Lancelot, Merlin e outros. Sir Tristaun (Tristão) reencarna em um corpo feminino, mas com suas memórias de homem, e vive um dilema não só porque não quer ser tratado como literalmente uma lady como também porque redescobre sua amada Isolda, que reencarnou como mulher mais uma vez. Ao final da série, que é uma maravilhosa releitura dos cavaleiros da Távola, as duas mulheres têm um final romântico e sexualmente feliz.

O cowboy Rawhide Kid, um dos primeiros super-heróis dos quadrinhos a assumir ser homossexual, agora pode ser lido no iPad e no iPhone. Rawhide Kid apareceu em 16 revistas da Atlas Comics (antecessora da Marvel, de Março de 1955 a Setembro de 1957). Em agosto de 1960, Stan Lee, Jack Kirby e Dick Ayers resolveram continuar a série. Kirby fez os desenhos até Fevereiro de 1963 (n. 32). Stan Lee foi substituído nos roteiros pelo seu irmão Larry Lieber. O fim da série se deu em Maio de 1979, com a revista número 151.Rawhide Kid era rápido no gatilho, mas sua fala tranquila e seu jeito de garoto o faziam ser frequentemente subestimado pelos seus antagonistas. Numa controversa série de 2003 da Marvel MAX, de 5 edições, Rawhide Kid foi revelado como homossexual. Os artistas foram Ron Zimmerman e o veterano John Severin.


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23 novembro 2011

Inquietações de um artista: Laerte (3)

TRAJETORIA - Em 1968 Laerte concluiu o Curso Livre de Desenho da Fundação Armando Álvares Penteado. Em 1969 começou a cursar jornalismo na Universidade de São Paulo mas não chegou a concluir o curso. Começou profissionalmente desenhando o personagem Leão para a revista Sibila em 1970. Durante a década de 70 ele ainda fundou, junto com Luiz Gê a revista Balão enquanto ainda estudava na ECA e trabalhou nas revistas Banas e Placar.

Em 1974 faz seu primeiro trabalho para um jornal, a Gazeta Mercantil. No mesmo ano começou a produzir material de campanha para o MDB durante as eleições. No ano seguinte trabalhou na produção de cartões de solidariedade no movimento de auxílio aos presos políticos. Em 1978 desenhou histórias do personagem João Ferrador para a publicação do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Mais tarde viria a fundar a Oboré, agência especializada em produzir material de comunicação para os sindicatos. A editora publicou seu livro Ilustração sindical (1986), com mil ilustrações, quadrinhos e caricaturas liberados para utilização por sindicatos e outras entidades.


Laerte fez cobertura jornalística de três copas: a de 78 (para o jornal O Estado de São Paulo), a de 82 (para a Folha de São Paulo) e a de 86 (para O Estado de São Paulo).No fim da década de 80 publicou tiras e histórias em quadrinhos nas revistas Chiclete com Banana (editada por Angeli), Geraldão (editada por Glauco) e Circo, todas da Editora Circo, que mais tarde lançaria sua própria revista (Piratas do Tietê).


Em 1985 lançou seu primeiro livro, O Tamanho da Coisa, uma coletânea de suas charges. Em 1991 a Folha de São Paulo começou a publicar as tiras de Piratas do Tietê. Regularmente o artista lança álbuns com coletâneas de suas tiras, principalmente pela Devir Livraria e L&PM Pocket. Em 2009, Laerte foi convidado para participar do álbum MSP 50 em homenagem aos 50 anos de carreira de Maurício de Sousa, Laerte criou uma história protagonizada por Franjinha e seu cachorro Bidu.


Ao longo dos seus mais de 30 anos de carreira, editou ou participou das revistas Circo, Chiclete com Banana, Piratas e outras. Criou personagens já bastante notórios como Os Piratas do Tietê, Fagundes (o irrecuperável puxa-saco), os habitantes do Condomínio (o Síndico, o Zelador), o Homem-Catraca (além das definições), Hugo Baracchinni (moderno) e muitos outros.


Nesses personagens notam-se as principais habilidades de Laerte com a arte sequencial: seu traço leve e reconhecível, a utilização de temas e linguagens cotidianos através de uma grafia próxima da fonética, a presença de questões filosóficas-existenciais de forma suave, única e desconcertante, o humor sutil e mordaz. Não dá para esquecer o humor de suas histórias como “A terceira margem” (“vocês sabem qual é o segredo do morcego/”), “Lingerie”, “A insustentável leveza do ser”, “A morte dos palhaços mudos”, “Fadas e bruxas”, “Crise”, “Penas”...


Estes são alguns personagens conhecidos de Laerte, sobretudo por suas tiras publicadas em jornais:


* Overman – Publicado como tira de quadrinhos no jornal Folha de S.Paulo, Overman é uma homenagem visual a Space Ghost, o super-herói espacial dos desenhos animados de Hanna-Barbera. Seu maior inimigo é o próprio ego.


* Deus - Tudo o que para nós é metafísico não passa de mera rotina para Ele. Agora que o mundo e a humanidade já estão criados, Ele gasta a maior parte do tempo em afazeres menores, como discutir com o arcanjo Gabriel e jogar cartas com Buda.

* Piratas do Tietê - Esses piratas trocaram o mar pelo não menos perigoso rio que corta a cidade de São Paulo. Hoje em dia a cidade é o alvo de seus saques e matanças.


* Hugo Baracchini - A visão cômica de Laerte do homem dos tempos modernos. Nele o autor criou uma eterna vítima dos problemas contemporâneos: ele já teve problemas em operar seu computador, teve de fugir de paparazzi, ficou complexado com o tamanho de seu pênis e chegou ao cúmulo de sentir saudades da ditadura.


* Suriá - personagem de Laerte voltada para o público infantil. Suriá é uma menina de 9 anos, que mora com a família em um circo (onde trabalha como trapezista). É uma das raras personagens negras de histórias em quadrinhos.

* O Condomínio – Tem Capitão Douglas que vive de pompas militares e de suas glórias do passado; o Zelador e o Síndico.

* A Gata e o Gato – Ele é inseguro, ela é decidida. Ele gosta de Beethoven, ela curte Luiz Melodia.

* Tem ainda Fagundes o Puxa Saco, Palhaços Mudos, Homem-Catraca, Los 3 Amigos (Laerton, Angeli Villa e Glauquito) e muito mais...


E Laerte reconhece, nessa altura da vida, a suposta falência do modelo de arte com o qual ele vinha trabalhando (a repetição constante de quem trabalha com a tira cômica), e que o passar do tempo leva a novas configurações culturais, que renascem do esgotamento de outras. Daí suas turas contemporâneas, carregadas de contemplatividade e sketches absurdos e às vezes abstratos, mas líricos, com pitadas de reflexão pontuada sobre as condições flutuantes da cultura de hoje.


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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

22 novembro 2011

Inquietações de um artista: Laerte (2)

No álbum Muchacha, Laerte apresenta os bastidores surreais do programa centrado no herói espadachim Capitão Tigre. Com o cancelamento da atração, o ator principal, Lairo, passa a confundir realidade com ficção, tornando Muchacha um thriller pastiche que envolve alucinações, romances, viajantes do futuro, cartomantes, além, é claro, do travestismo. Em meio a isso tudo, ainda somos apresentados ao programa de animação do Morcego Frederico, visto pelo olhar distorcido (e político) do próprio Lairo. “Essa parte é uma história voltada para alucinação. Eu queria deixar o leitor com dúvidas, deixar aberturas e portas abertas para ele transitar”, afirma o quadrinista.


Um dos principais traços das produções recentes de Laerte é a sugestão implícita de aspectos da sua vida nas obras. Um exemplo é a série O santo recalcitante, publicada na Folha e republicada no blog do autor, o Manual do Minotauro (www.verbeat.org/blogs/manualdominotauro/). As tirinhas traziam Latércio, um homem santificado contra sua vontade e que busca revogar a nomeação, e os leitores imediatamente a viram como uma resposta do quadrinista aos elogios grandiloquentes de jornalistas e colegas. Laerte, enquanto assume a coincidência entre o personagem e ele, nega essa visão. “Chamar o personagem de São Latércio foi uma liberdade que me dei. Não acho que eu sou santo, claro, mas se bem que o personagem também não acha. Mas a tira não é sobre mim, não. E sobre isso de ser chamado de Deus ou gênio, o engraçado é que os que me chamam de Deus são todos ateus. Um bando de pagãos!”, brinca.

Afastado dos personagens fixos e da fórmula humorística das tirinhas de humor, Laerte faz de inquietações políticas, artísticas, culturais e pessoais o combustível para suas produções. Com a criação do blog Manual do Minotauro, Laerte passou a ser alvo de elogios. O site serviu apenas para ampliar a visibilidade e dar uma visão geral da mudança que havia começado já em 2004 e foi intensificada em 2005, com a morte do seu filho Diogo, aos 22 anos, em um acidente de carro. Nesse tempo, Laerte deixou de lado os personagens que o consagraram, como Piratas do Tietê, Gato e Gata, Overman e Deus, e passou a construir suas tiras diárias na Folha fora da obrigação humorística, buscando levar ao limite as possibilidades do espaço. “Eu já não busco provocar uma risada. Acho que é possível, sim, rir com as minhas tiras, mas elas não são de humor. São espécies de contos”, indica. Não é o seu interesse, portanto, simplesmente superar a crise, mas se manter questionando as próprias fórmulas e premissas do seu trabalho. A atitude, ainda no começo do processo, levou dois jornais que o republicavam a cancelarem as tiras.

O artista recebeu mais destaque, principalmente fora de veículos especializados em quadrinhos quando começou a se vestir de mulher. A primeira aparição foi em março, na TV Uol, com unhas vermelhas e brinco, mas com pouca repercussão. Em agosto, Laerte foi entrevistado no programa Lobotomia, do cantor Lobão, também com acessórios femininos e já em maior evidência. Mas só em setembro, na Bravo!, ele se revelou de fato como adepto do crossdressing – prática de usar roupas ou acessórios vinculados ao sexo oposto – e deu as primeiras declarações sobre o assunto. A partir daí, diversas matérias se dedicaram a falar do Laerte vestido de mulher, incluindo abordagens que se dedicavam, por exemplo, apenas a tratar sobre o guarda-roupa de peças femininas do cartunista.


Antes de tudo, é difícil ver nesse discurso crossdresser de Laerte um simples impulso de provocar uma polêmica, de chocar. Confortável com as roupas – tem aparecido sempre “montado”, termo que usa para se referir ao ato de se travestir – e com as palavras, o quadrinista é ao mesmo tempo incisivo e didático ao tratar da questão. É ambíguo, tratando não como uma defesa finalizada, um processo concluído, mas uma exposição da dúvida, da dubiedade, da liberdade que é, para ele, o próprio objetivo do crossdressing.

Portanto, travestir-se não é uma forma de expor uma mulher que está dentro do corpo de um homem; a sua motivação não tem nada a ver com a sexualidade. É um questionamento, como são as suas obras, de valores e estéticas preestabelecidos. “A repressão faz parte da nossa cultura. Por si só, o fato de existirem duas formas de se vestir para que se escolha é um sinal disso. Você só pode ser homem ou mulher”, explica.


Assim, a busca do crossdresser é a de romper esses limites. “Eu quero conquistar esse espaço. As mulheres já o conquistaram há muito tempo, usam roupas de homens sem problemas. Para mim, essa fronteira não tem que existir”. O travestismo de Laerte é, então, uma problemática de gênero, é a busca de se comunicar artisticamente a partir do que ele chama de “linguagem do vestuário”. “Existem tantos gêneros quanto existem pessoas”, diz ele, citando a frase da amiga Letícia Lanz, autora do blog Arquivos de uma crossdresser. O questionamento dessa linguagem, no entanto, não gerou grandes mudanças no quadrinista. “Continuo a mesma pessoa, ou quase a mesma”, afirma.

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21 novembro 2011

Inquietações de um artista: Laerte (1)

Dono de um trabalho rico tanto visualmente quanto por temáticas e abordagens, o cartunista Laerte Coutinho, 60 anos, faz das histórias em quadrinhos um espaço de inquietação constante. Valores, linguagens, preconceitos e o próprio trabalho são colocados em questão nas quatro linhas que delimitam os quadrinhos. Celebrado por quadrinistas e jornalistas pelo experimentalismo e pela originalidade da sua produção, durante 2010, Laerte revelou gostar de usar roupas e adereços associados ao guarda-roupa feminino (o hábito recebeu uma expressão em inglês chamada crossdresser)


Mais do que suas inquietantes tiras, ele lançou o álbum Muchacha que se tornou a temática principal de entrevistas, matérias e resenhas dos seus livros. Em Muchacha o protagonista principal é o ator Djalma. O personagem, preso a papéis pobres e na maioria das vezes sem falas, se realiza profissionalmente e pessoalmente ao assumir a identidade de cantora transexual cubana que dá o nome ao livro. A obra vai além da temática do travestismo. Para defini-la, Laerte cunhou a expressão “graphic-folhetim”, apropriada porque descreve com perfeição o formato da narrativa, dividida em pequenos capítulos de apenas quatro quadros. Os primórdios da televisão, o pano de fundo da HQ, marcam uma relação com seu livro anterior, Laerte visão.


“Atravesso um período nebuloso, sabe? Uma crise gigantesca, tanto pessoal como profissionalmente. Não ando satisfeito com minhas criações e não imagino um modo de torná-las satisfatórias no curto ou no médio prazo. Talvez nem mesmo no longo. Uma sinuca de bico… Falar sobre minhas ilustrações, meus cartuns e minhas tiras neste momento me incomoda muito. É reivindicar importância para algo que já não avalio como tão relevante”, disse numa entrevista a revista Bravo.


“As primeiras insatisfações surgiram em 2001 ou 2002, no vácuo de uma tempestade maior que causara o fim do meu terceiro e último casamento. Pouco depois, em 2004, o incômodo cresceu e resolvi abdicar de vários elementos que marcavam minha trajetória. Abandonei personagens famosos, como o Overman, os Gatos e os Piratas do Tietê, certo tipo de humor, menos sutil, e a preocupação com a linearidade das histórias. Iniciei, ali, uma fase mais "filosófica", que muitos intitulam de nonsense e que ainda me caracteriza. Uma parcela dos jornais que divulgavam os meus quadrinhos estranhou a reviravolta e acabou me dispensando - caso do gaúcho Zero Hora e do capixaba A Tribuna. Reclamavam de um hermetismo excessivo, de uma obscuridade que atrapalharia a fruição do público. Evidente que não concordo. Rejeito, inclusive, o adjetivo nonsense para definir o meu trabalho. Nonsense pressupõe o caos, a ausência total de significado. Ocorre que minhas tiras buscam, sim, um sentido - mesmo que seja o de aplicar um golpe na lógica, o de implodir o senso comum. Discussões semânticas à parte, noto que a trilha inaugurada em 2004 vai se fechando. Preciso, no fundo, me reconectar com o adolescente atrevido que, 45 anos atrás, ingressou num curso livre de desenho e pintura doido para se expressar. Preciso reencontrar a chave daquela inquietação, daquele frescor, daquela ousadia”.


Sobre o uso do guarda-roupa feminino ele afirmou: “É uma descoberta nova, uma predileção que se insinua há séculos, mas que se manifestou com todas as letras apenas em 2009. Cinco anos antes, um dos meus personagens, o Hugo, decidiu "se montar". Não sei exatamente por quê. Só sei que, de uma hora para outra, arranjou vestido, batom, salto alto e se jogou no mundo. Desde que nasceu, o Hugo se porta como um alter ego do Laerte. Ele costuma assumir nos quadrinhos grilos e desejos que se confundem com os meus. O fato de imitar o visual das mulheres certamente denunciava algo sobre mim - sobre ambições que eu me negava a explorar às claras. Foi quando recebi o e-mail de uma arquiteta, fã do Hugo. Quer dizer: de um arquiteto que abraçou a identidade feminina. O sujeito me perguntava se ouvira falar dos crossdressers, pessoas que gostam de botar roupas ou adereços do sexo oposto. Na época, não dei muita bola. Mas em 2009, por causa do aguçamento de minhas neuras existenciais, procurei um clube de crossdressers, frequentei reuniões organizadas pelo grupo e li a respeito do assunto. Depois, lentamente, agreguei enfeites femininos à indumentária masculina - brincos, colares, unhas pintadas. Hoje, dependendo da ocasião, me visto como mulher dos pés à cabeça, mesmo em lugares públicos, onde acabo passando despercebido. Outras vezes, ponho somente uma bijuteria, um esmalte. De início, meus filhos, minha namorada e meus amigos chiaram. Agora, já se acostumaram. Ou quase”.


Sobre esse comportamento Laerte foi incisivo: “É uma tentativa de fechar esse pequeno furacão dentro de alguns compartimentos: sexualidade, parafilíacos. É muito grande. Vamos baixar esse balão. Por quê? Porque ele está numa área que ninguém entende, gênero. Existe, é a grande lição que a gente explica para as crianças; Você é menino, portanto seu caminho é esse, você é menina, seu caminho é aquele. Não é só questão de vestimenta, mas de uso do corpo. A minha irmã é fisioculturista, além disso é bióloga, socióloga. Ela me diz que as meninas são estimuladas desde cedo a não forçar seus corpos, porque elas vão ficar feias. Isso é uma violência contra o uso do corpo na medida em que os meninos estão se soltando, se expandido, se expressando fisicamente. Eles estão sendo ensinados que eles podem fazer isso e as meninas estão sendo ensinadas que não é adequado. O reflexo disso no uso do corpo no adulto é evidente. Não é só uma questão de roupa, de expressão da sua vontade. As pessoas estranham que tem pouca mulher na política e fazendo charge, cartum, humor de um modo geral. Isso tudo tem um motivo. Elas estão sendo ensinadas desde pequenas. Não tem nenhum motivo real que impeça elas de fazer qualquer coisa que um homem faz”.

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