Gregório de Mattos Guerra (1633-1696), o Boca do Inferno, também ironizou verbalmente a nobreza contemporânea. O poeta talvez tenha inaugurado o portrait-chartge entre nós com os retratos verbais deformados das autoridades da época, a exemplo daquele do Governador Antonio Luís de Câmara Countinho, caricaturado com seu “nariz de embono/com tal sacada,/que entra na escada/duas horas primeiro que seu dono”. Lulu Parola foi outro importante crítico de nossa sociedade.
O século XIX viu nascer as revistas humorísticas, estimuladas pelos avanços nas técnicas de imprensa e reprodução que possibilitaram o aumento nas tiragens e o consequente aumento do público leitor. Esta associação entre humor e imprensa, especialmente destacada nos países europeus, também ocorreu nos principais centros urbanos brasileiros, embora tenha sido um pouco mais tardia, já que os processos de modernização da imprensa no Brasil foram mais lentos e concentraram-se nas três últimas décadas do século XIX.
Reprimida em determinados momentos políticos, indesejada como elementos de sátira, a caricatura, o desenho de humor surgido com a chegada da Família Real já revelava grandes artistas. O humor gráfico sempre teve força na vida baiana, ao dar as mais variadas interpretações à nossa realidade. Desde que a imprensa foi instalada no Brasil, a caricatura, que antes era divulgada em pranchas (semelhantes aos atuais posters), constituiu-se num elemento importante nas disputas sociais e políticas.
A importância do desenho humorístico na imprensa, seja como documento histórico, como fonte de informação social e política, como fenômeno estético e como forma de expressão artística e literária, é inegável. O humor gráfico exige de seu criador um mínimo de destreza de traço e um mínimo de julgamento estético. Exige muita síntese, tanto de traços, por causa do impacto visual que deve provocar, quanto de significado, que tem que ser necessariamente claro para que a mensagem passe a todos os leitores.
Os caricaturistas e chargistas são responsáveis pelas entrelinhas da história oficial impressa, traçadas no dia a dia com a atualidade de um editorial e a potência de uma bomba. Uma parte importante do pensamento brasileiro está no traço desses humoristas. Afinal, a caricatura, a charge, o desenho de humor, mesmo sendo uma área frequentemente esquecida, são sempre um indício seguro do pensamento e cultura de uma época. O desenho de humor é uma parte narrativa e descritiva da arte do nosso tempo. Ele é necessário para a crítica social, para fixar os novos hábitos e costumes e para demonstrar com vigor mais imediato as novas ideias.
A pouca importância dada à obra gráfica vem do preconceito que muitos estudiosos de arte alimentam em relação ao desenho e à gravura, pois esses estudiosos só valorizam obras de parede, em vistosas molduras a óleo. As obras gráficas, muitas delas de autênticos valores sociais e culturais, ficam no esquecimento total. O que muitos não sabem é que a maioria dos grandes nomes da pintura realizou-se primeiro no desenho, na gravura.
A crítica jocosa, assumida pelo povo, não se faz esperar, expressa desde a Colônia no teatro, nas festividades populares, nos festejos de Judas, nos bumba meu boi, representações figurada e vida da caricatura burlesca de nossos governantes e costumes. E o “País do Carnaval” se delineou traduzido nos inúmeros clubes carnavalescos que vestiam nas ruas seus préstitos repletos de simbologia, anunciando significativamente a arte da caricatura. Completando a latência da veia cômica da Bahia, vicejou a anedota (uma caricatura oral), a caricatura “daqueles que não sabem desenhar”.
A tradição da representação humorística já vinha do jornalismo satírico da Regência e dos folhetins cômicos do Segundo Reinado e ganha maior força e se aprofunda com o desenvolvimento da imprensa e com a proliferação das revistas ilustradas e do reclame publicitário no inicio da República. Surgem em seguida as revistas fartamente ilustradas. E a expansão da caricatura e das páginas de humor esteve na razão direta de mudança editoriais e iniciativas gráficas pioneiras. Nas duas primeiras décadas do século XX também a publicidade, o teatro de revista e as primeiras produções cinematográficas pareciam estreitamente vinculadas.
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