28 fevereiro 2013

Sertão excludente

Sertão é uma região geográfica caracterizada pela presença de clima semi-árido, vegetação de caatinga, irregularidade de chuvas, solos secos e rios intermitentes ou temporários. O sertão nordestino compreende as áreas mais secas e distantes do litoral leste do Brasil, situadas nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Apenas no Ceará e no Rio Grande do Norte o sertão chega até o litoral. O chamado Polígono das Secas totaliza 936.933km2. Na linguagem popular, costuma-se chamar de sertão bravo as áreas mais secas da caatinga, e altos sertões as faixas de montanhas e colinas.

A relação entre o sertão e a civilização é sempre encarada como excludente. É um espaço visto como repositório de uma cultura folclórica, tradicional, base para o estabelecimento da cultura nacional. Para Euclides da Cunha e Monteiro lobato, a civilização devia, no entanto, ser levada ao sertão, resgatando essa cultura e essas populações que aí vivem

“Os Sertões” de Euclides da Cunha, publicado em 1906, é tido pelos críticos como o início da procura pelo verdadeiro país, pelo seu povo, tendo posto por terra a ilusão de nos proclamarmos uma nação européia e mostrando a importância de sermos americanos. Com ele, teríamos iniciado a busca da nossa origem, do nosso passado, da nossa gente, da nossa terra, dos nossos costumes e tradições. Teríamos ficado conhecendo, com ele, a influência do ambiente sobre o nosso caráter e a nossa raça em formação.

O sertão aparece como o lugar onde a nacionalidade se esconde, livre das influências estrangeiras. O sertão é muito mais que um recorte territorial preciso; é uma imagem-força que procura conjugar elementos geográficos, linguísticos, culturais, modos de vida, bem como fatos históricos de interiorização como as bandeiras, as entradas, a mineração, a garimpagem, o cangaço, o latifúndio, o messianismo, as pequenas cidades, as secas, os êxodos etc. O sertão surge como a colagem dessas imagens, sempre vistas como exóticas, distantes da civilização litorânea. É uma idéia que remete ao interior, à alma, à essência do país, onde estariam escondidas suas raízes.

Para Monteiro Lobato (Urupês é um bom exemplo), o verdadeiro Brasil, o que queria mostrar, era o Brasil do interior, não era o Brasil artificial, macaqueado do estrangeiro. Era o Brasil do campo, não o das grandes cidades. “O Brasil não era um São Paulo, enxerto do garfo italiano,. Nem o Rio artificial português. O Brasil está no interior, onde o sertanejo vestido de couro vasqueja nas coxilhas onde se domam potros. Está nas caatingas estorricadas pela seca...”

Enquanto muitos escritores continuavam preso à imagem tradicional de que o homem sábio se encontre na cidade ou no litoral, é só com Guimarães Rosa que o sertão vai irromper como discurso sábio na ficção brasileira. Rosa explora o sertão de maneira poética, comparando a paisagem seca e quase desértica aos sentimentos e às relações humanas. “O sertão é o sonho, o sertão é dentro da gente”, disse ele. Guimarães Rosa faz um verdadeiro tratado em sua obra Grande Serão: Veredas, mostrando a diversidade do sertão que vai de Minas Gerais a Bahia, passando pelo Centro-Oeste do país. João Cabral de Melo Neto, como Guimarães Rosa, pode ser visto como quem iniciou o processo de “desregionalização da região”, ou seja, fazendo emergir o caráter de construção discursiva, de invenção pela linguagem, do regional; fazendo emergir a percepção da região como formada por diversas camadas de imagens e enuciados, como fruto de visões e leituras diferenciadas, denunciando a textualidade que a construiu anteriormente.
OCUPAÇÃO - A colonização foi, antes de tudo, a aventura da conquista e ocupação do sertão. Para os colonizadores portugueses, as terras americanas significavam um imenso vazio a ser preenchido com seus interesses, concepções e valores. Eles conquistaram o sertão: formando cidades e vilas, plantando canaviais, extraindo metais preciosos ou criando gado. Impunham a autoridade do rei, difundiam a fé cristã e transformavam índios e negros africanos em escravos. Buscavam construir o Novo Mundo à semelhança do Velho Mundo, de onde vieram.

Durante todo o século 16 o domínio português restringiu-se a uma estreita faixa litorânea e pouco se interessou pela conquista do interior, pelo sertão seco. Afinal, não tinha notícias de nenhuma riquezas da região que tivesse valor para o comércio colonial. Foi somente em meados do século 17, especialmente durante o período da ocupação holandesa, que teve início de forma mais enfática a ocupação do sertão nordestino por meio da pecuária.
As sucessivas secas enfraqueceram o processo de ocupação do sertão. Os anos de bons invernos acabaram permitindo um renascimento agropastoril, o renascimento das cidades, o aumento do comércio e certa prosperidade econômica. Diversas vezes, nos períodos mais intensos de uma seca, comunidades indígenas foram obrigadas a se vender para os conquistadores em troca simplesmente de comida.

Os projetos de irrigação, a reforma agrária, os projetos de colonização, o apoio aos pequenos e médios produtores rurais, a diversificação de culturas e a lavoura seca não passaram de tentações malogradas de superação do atraso e da miséria do sertão seco. Sem esperança de mudar a história das suas cidades, os nordestinos buscaram em outras paragens a solução para a sobrevivência das suas famílias. Foi nos sertões que permaneceu inalterado o poder pessoal dos coronéis, petrificado durante o populismo e pela migração de milhões de nordestinos para o Sul.
No regime republicano a elite política nordestina aceitou uma posição subserviente diante do poder central. A redemocratização de 1945, mantendo no poder grupos políticos surgidos em 1930, não alterou a posição do Nordeste em relação ao governo central. Nessa republica populista o coronelismo viveu a sua época dourada, associando domínio politico com a utilização de vastos recursos públicos para fins privados. Foi o florescimento da indústria da seca. E até o momento nada se resolveu que a questão essencial para enfrentar e conviver com a seca. O latifúndio improdutivo e o monopólio da água pelos poderosos da região impediram qualquer transformação sócio-econômica.


Marcelo Camelo - Toque Dela (Álbum Completo Online): ------------------------------------------------------------------
Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras, 28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

27 fevereiro 2013

Dicionário registra as expressões sertanejas

Um dicionário com mais de 3.000 palavras apresenta a fala dos sertões, veredas, botecos e periferias. Trata-se do Dicionário Catrumano, dos pesquisadores Téo Azevedo (mineiro) e Assis Ângelo (paraibano), editado pela Letras & Letras. Catrumano, um dos verbetes do livro, quer dizer “homem sertanejo de grande valor”. O livro tem como matriz a fala do sertanejo, tanto das veredas de Minas como o dos cafundós da Paraíba.

O caráter interestadual ainda é ampliado com centenas de expressões típicas de botecos de cidades como São Paulo, onde os sertanejos, em seus momentos de banzo, reinventam a sintaxe. O jeito de falar diferente a mesma palavra, com mudança na sílaba tônica ou apenas a supressão de uma letra, também é registrado no dicionário. Uma das boas coisas do livro é recuperar palavras e expressões faladas hoje somente pelos nordestinos mais velhos.

EDIÇÕES - Antes da coleta da dupla Azevedo & Ângelo, outros estudiosos do folclore fizeram versões mais localizadas com expressões regionais de alguns estados. Em 1956 saia a segunda edição do “Dicionário de Vocábulos Brasileiros”, de Beaurepaire-Rohan. No ano seguinte era editado o “Novo Dicionário da Gïria Brasileira”, terceira edição, de Manuel Viotti. Ainda em 73, Florival Seraine editava o “Dicionário da Gíria Brasileira” e Tomé Cabral o seu “Dicionário de Termos e Expressões Populares”.

Na Bahia os pesquisadores que estudaram o assunto foram: Em 1977, Eriberto Trigueiros lançava “A Língua e o Folclore da Bahia do São Francisco”. No mesmo ano, Alexandre Passos publicava “A Gíria Baiana”. Nivaldo Lariú lançou em 1991, com sucesso, “Dicionário Baianês”. Como a língua de um país é feita pelo povo, eis aí o registro das expressões sertanejas. Divirta-se:

A
Abacaxi - Tarefa difícil de resolver, coisa ou pessoa desagradável.
Abafar - Tomar conta das coisas de alguém. Surpreender, encantar, esconder. Gatuno.
Abestalhado - Abobado, tolo.
Abrir o bico - Falar segredos.
Abusado - Metido, impertinente.
Aca - Cheiro de bode.
Acabado - Homem de saúde fraca, no fim da vida, arruinado.
Acabrunhado - Triste. Vergonhoso.
Acerto - Acordo, trato, contrato.
Acuado - Sem saída.
Afobado - Apressado. Sujeito trapalhão.
Afogar o ganso - Praticar o ato sexual.
Apoquentado - Nervoso
Aturar - Aguentar.
Azucrinar - Incomodar, aborrecer.


B
Bafafá - Bate-boca, confusão.
Bamba - Mole, pessoa inteligente, grande sambista.
Baque - Queda, surpresa.
Beata - Mulher rezadeira.
Bicota - Beijo.
Bitolado - Pessoa sem visão de futuro, limitada.
Bocó - Tolo, besta, boboca, pamonha.
Bode - Confusão, fuzuê.
Bodega - Pequena mercearia, venda, coisa sem valor, bar.
Bodum - Catinga de bode.
Bóia - Comida.
Bolacha - Bofetada, tapa.
Bolir - Mexer.
Brenha - Mato fechado, matagal.
Brocoio - Sujeito bobo, sem iniciativa, tolo.
Broto - Mulher jovem, moça na “flor da idade”.


C
Cabeçada - Erro, dá-se mal. Pancada com a cabeça.
Cabeçudo - Teimoso, marruá.
Cabrita - Menina, moça, provocante.
Cabrocha - Mulata jovem.
Cachimbo-apagado - Político decadente.
Cacimba - Pequeno poço de onde se retira água pra beber.
Caçuar - Rir de outra pessoa.
Calunga - Ajudante de caminhão.
Camarada - Indivíduo, companheiro, empregado rural.
Cambada - Grupo de malandros.
Cantoria - Reunião de cantadores.
Capanga - Pistoleiro.
Carneirada - Grupo de eleitores que vota por interesse pessoal. Diz-se “eleitor cabresto”.
Catinga - Fedor, mal cheiro.
Catrumano - Homem sertanejo de grande valor.
Cear - Jantar.
Cheia - Enchente, inundação.
Chuvisco - Chuva fina.
Curtido - Queimado de sol. Pessoa experiente. Couro beneficiado.


D
Danação - Alvoroço.
De-cumê - Qualquer comida.
Defumar - Forma de curtir carnes com fumaça.
Dengoso - Manhoso, carente.
Dependura - Comprar fiado, deixar uma conta “no prego”.
Desaforado - Danado.
Desbocada - Pessoa sem pudor que diz palavrão a toda hora.
Descambar - Sumir.
Descartar - Mudar de conversa.
Desembuchar - Desabafar, confessar. Fazer grandes revelações.
Desfeita - Desaforo.
Desforra - Vingança.
Dinherudo - Homem rico, com muito dinheiro.
Distambocado - Sujeito grosso, que fez grosseria.


E
Eito - Pedaço de terra onde se planta, roçado.
Embamburrado - Chateado.
Embromação - Conversa sem fim e descompromissada. Perda de tempo.
Embromar - Enrolar.
Emburrado - Zamgado, amuado.
Encafifado - Preocupado.
Encasquetar - Entezar, irritar.
Enfezado - Enraivecido.
Endurecer-o-cangote - Desobedecer.
Enfronhar - Entrar em algum lugar depresa e sorrateiro.
Emperiquitado - Bem-vestido.
Empestiar - Encher; espalhar com rapidez.
Ensopado - Molhado, encharcado.
Entrevado - Encolhido, torto.


F
Fichado - Indiciado em inquérito, ter passagem pela polícia.
Fifó - Lamparina.
Fogaréu - Incêndio.
Fole - Sanfona.
Folia - Festa popular.
Fome-Canina - Esfomeado.
Forjar - Falsificar.
Forrobodó - Baile popular. Briga, confusão.
Fuça - Rosto, cara.
Fuinha - Pessoa ordinária.
Fuleiro - Ruim, sem valor, ordinário.
Fuleragem - Ato ordinário.
Fulustreco - João-ninguém.
Fuzuê - Confusão.


G
Gamado - Apaixonado.
Gambá - Sujeito que não gosta de tomar banho.
Gastura - Mal-estar.
Giba - Corcunda.
Gira - Biruta.
Ginete - Vaqueiro.
Gogó - Garganta, goela.
Gororoba - Comida grosseira.
Grude - Amizade sólida entre duas pessoas.


I
Iaiá - Menina moça, antigamente.
Inchaço - Tumor.
Inhaca - Azar; cheiro de corpo.
Inteirado - A par, comunicado, informado.
Intrincado - Complicado.
Invocado - Cismado, emburrado, desconfiado.


J
Jabá - Charque, carne seca, carne-do-sertão.
Janota - Sujeito que anda vestido no rigor da moda.
Jeca - Matuto.
Jiboiar - Dormir depois do almoço.
Jirico - Trator pequeno, jegue.
Joça - Coisa sem valor; josta.


L
Lacraia - Sujeito ordinário; ferino; inseto.
Lalau - Ladrão.
Lambuzar - Sujar, emporcalhar.
Lascado- Em má situação, em dificuldade.
Latejar - Pulsar de forma dolorida.
Lazarino - Pessoa elegante, sempre bem-vestida, boa pinta; alto.
Lelé - Doido, tan-tan.
Lorota - Mentira.
Lote - Quantidade.
Luxar -


M
Macaca - Má-sorte.
Macambúzio - Jururú, triste.
Maciota - Moleza, esperteza.
Maldar - Suspeitar, pré-julgar.
Maloqueiro - Desocupado, vagabundo, arruaceiro.
Mandinga - Feitiçaria.
Mão-cheia - Liberal.
Marmelada - Desonestidade.
Mateiro - Homem do sertão.
Matutar - Pensar.
Matuto - Pessoa simples, nascida na zona rural.
Merenda - Lanche.
Mormaço - Tempo quente, calor.
Mixuruca - Porcaria; coisa pequena; insignificante.


N
Nhé-nhém-nhém - Conversa mole, vazia. Perda de tempo.
Nica - Moeda.
Noitão - Alta-noite.


O
Onça - Coisa que não presta.
Oferecido - Intrometido; solícito.
Oxente! - Corruptela da expressão “oh! gente”.


P
Palerma - Tolo, bobo.
Palpite - Pressentimento.
Pão-duro - Sovina.
Pangaré - Cavalo belho.
Papar - Comer.
Parangolé - Coisa do arco-da-velha, antiga. Coisa complicada.
Parrudo - Forte, musculoso.
Patacoada - Embromação.
Patavina - Coisa sem valor.
Peitar - Enfrentar.
Pena - Dó.
Pindura - Fiado. Estar sem dinheiro.
Pinóia - Coisa ordinária.


Q
Queimadeira - Azia.
Queixudo - Teimoso.
Quentão - Mistura de cachaça com gengibre.
Quente - Ligeiramente alcoolizado.
Quinhão - Porção.
Quinquilharia - Coisa velha.
Quizila - Bronca; azar; feitiço.


R
Rajada - Vento forte.
Ranzinza - Irritado, zangado, teimoso.
Rapapé - Tipo de rasteira, escorregão.
Remediar - Dar jeito a uma situação, consertar.
Rês - Boi (ou vaca).
Resmungar - Reclamar.
Retalho - Pedaço, sobra de feira.
Retirada - Ir-se embora.
Rezador - Benzedor, curador.
Rodear - Acercar-se, aproximar-se.


S
Sambado - Usado.
Santa - Donzela, pessoa sonsa, fingida.
Sapecar - Atirar algo em alguém.
Sequidão - Grande estiagem, seca.
Sina - Destino.
Solavanco - Empurrão.
Sopapo - Tapa, murro.
Surrupiar - Furtar.
Suceder - Acontecer.
Surrada - Roupa velha.
Sustança - Força, saúde.


T
Tacada - De uma só vez, pancada.
Taco - Pedaço.
Taipa - Parede de barro e varas amarradas com cipós.
Tampa-de-binga - Homem de pequena estatura.
Tapado - Grosso; pessoa a quem falta inteligência.
Tia - Moça velha.
Tinindo - O mesmo que "novinho em folha". Bom, ótimo.
Tocaia - Emboscada.
Toró - Chuva forte.
Tramoia - Plano desonesto.


U
Unha-de-fome - Avarento.
Untar - Molhar, ensopar.
Urticaria - Coceira intermitente.
Urucubaca - Azar.
Uzurado - Ganancioso.


V
Vadiar - Brincar, divertir-se.
Vaquejar - Tanger o gado.
Vara-Pau - Homem muito alto.
Varado - Esganado, esfomeado.
Veaco - Pessoa que não paga dívida.
Vera - Verdade.
Venda - Bodega.
Vistoso - Bonito.


X
Xepa - Comida de gente pobre; gororoba.
Xereta - Pessoa intrometida, curiosa.
Xilindró - Cadeia, prisão.
Xodó - Namoro.


Z
Zangado - Estar com raiva.
Zanzar - Vagar.
Zebedeu - João-ninguém.
Zé-Povinho - Ralé.
Zonzo - Tonto.
Zuada - Barulho.
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26 fevereiro 2013

Canudos, o outro lado da guerra: lição de coragem, fé e beleza

A cidade de Canudos é famosa. Sua história correu o mundo devido a Guerra de Canudos. Mas, o município, situado no Nordeste da Bahia, formado por mais de 13 mil habitantes e que tem como lema “O sertanejo é antes de tudo um forte”, é mais do que a infame guerra que aconteceu em seu solo árido. Apesar da Guerra de Canudos (1896 a 1897) ser o grande apelo turístico desta cidade ainda tão jovem, emancipada do município de Euclides da Cunha no dia 26 de fevereiro de 1986, e que completa este ano 28 anos de independência política, Canudos é uma lição de coragem, fé e beleza, numa terra onde a aridez reina imperiosa.

No entanto, a Canudos que a Bahia e o Brasil conhece atualmente, é a terceira da região. A primeira Canudos surgiu como uma pequena aldeia nos arredores da Fazenda Canudos, no século XVIII. Com a chegada de Antônio Conselheiro e seus seguidores, em 1893, o lugar foi rebatizado para Belo Monte, e passou a crescer vertiginosamente. Calcula-se que no seu auge em 1897 contasse com 25 mil habitantes, sendo destruída pelo Exército durante a guerra. Já a segunda Canudos surgiu por volta de 1910, sobre as ruínas de Belo Monte. Seus primeiros habitantes eram sobreviventes da guerra.

NASCIDO 3 VEZES - Depois de uma visita do presidente Getúlio Vargas, em 1940, decidiu-se construir um açude no local. Em 1950, com o início das obras da barragem que inundaria o vilarejo, os habitantes começaram a ir embora. Muitos se mudaram para Cocorobó, uma antiga fazenda que ficava aos pés da barragem a ser construída. Com o fim das obras, a segunda Canudos desapareceu sob as águas do açude de Cocorobó em 1969. O vilarejo de Cocorobó tornou-se município em 1985 e, apesar de ficar a 20 km do local original, foi rebatizada de Canudos, tornando-se assim a terceira (e atual) cidade com este nome.

Entre 1994 e 2000, as ruínas da segunda Canudos puderam ser vistas no interior do açude, nas épocas de seca. Canudos está inserida no Polígono das Secas. No entanto, suas terras são banhadas pelo rio Vaza-Barris. A origem do nome da cidade é curioso: os primeiros moradores da localidade eram fumantes inveterados de cachimbos feito com longos canudos. Daí o nome do município. Tendo como padroeiro Santo Antônio, a cidade
fica a 410 km de Salvador.

ÁGUA DOCE & PEIXE-FRITO - Além de conhecer o Parque Estadual de Canudos, o qual guarda toda a história da Guerra de Canudos, o visitante também deve conferir o Jorrinho, uma área de lazer muito interessante, localizada nas proximidades do rio Vaza-Barris, onde os banhistas se refrescam do calor do sertão baiano. Outro lugar em Canudos em que o turista pode apreciar a paisagem exuberante, dar um mergulho no açude, dançar uma seresta e saborear um delicioso peixe-frito na hora, é a Prainha.

A Prainha que há muito tempo já é frequentada por banhistas, agora está mais atrativa, já que barracas foram instaladas no local. Estas barracas dispõem de música e as mais variadas bebidas e comidas típicas. Por ali também se apresentam grupos musicais. Um delicioso mergulho no açude de água doce e sem poluição é praticamente irrecusável. À noite, ainda se pode divertir nos bares e praças da cidade, com tranquilidade e segurança comuns de uma cidade pacata do interior.

O resgate cultural e histórico faz parte do projeto A Caminho dos Sertões de Canudos, realizado por historiadores baianos. Poetas, cantadores, vaqueiros, escritores e grupos folclóricos e musicais se engajaram em eventos realizados em diversos municípios da região envolvidos no projeto. O projeto começou a ser posto em prática em 2007. Usando a tecnologia do GPS (sistema de posicionamento global), os historiadores tiveram como ponto de partida fazer o traçado dos caminhos das tropas deslocadas para combater Antônio Conselheiro. A partir daí, buscaram referências da história, cultura e turismo. O objetivo é concretizar um programa de turismo sustentável, com fundamentação histórica e cultural. Nele, estão incluídos o Parque Estadual e o Memorial Antônio Conselheiro, utilizados pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
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25 fevereiro 2013

Etsedron, o avesso da condição nordestina

Na década de 1970 surgia a Arte Ambiental (Land Art) onde os objetos de arte estavam integrado essencialmente a vida cotidiana. No Brasil, nomes como Frans Krajcber e o Grupo Etsedron se pautaram por intervenções nas paisagens. O Projeto Etsedron - nordeste escrito de trás para a frente - agregava artes plásticas, música, dança, fotografia, literatura e cinema. Edson da Luz, seu idealizador, trabalhando em colaboração com vários outros artistas, escritores e intelectuais - entre eles Marcio Meirelles, Matilde Matos, Lia Robato, Clyde Morgan e Almandrade - buscava produzir obras que, integrando-se à natureza e à realidade social do povo brasileiro, estimulassem os vínculos entre arte e vida.

O projeto provocou polêmica no meio artístico, elogiado por uns e criticado por muitos. Apesar disso, um de seus projetos chegou a receber o maior prêmio da Bienal Nacional de São Paulo de 1973. O grupo buscava a legitimação da identidade cultural sertaneja, que acreditava menosprezada pelo circuito oficial de arte, submisso aos modelos europeu e norte-americano. Afastava-se da folclorização, ainda que, para isso, mergulhasse profundamente nas especificidades do ambiente regional.

E antes que conceitos como globalização entrassem em voga, o grupo já lidava com a dicotomia global-local, propondo interações que resultaram em imagens sociais pertinentes ao nosso contexto social, contrapondo-se às soluções estéticas importadas e desconectadas da realidade brasileira, que eram e são predominantes.

Suas obras ou projetos ambientais eram concebidos durante o convívio com as comunidades, através do qual rompia-se a barreira que separa a arte da vida, ao mesmo tempo, desmistificando a “obra de arte” como bem de consumo para uma elite burguesa. O grupo retratava, nos moldes de um Guimarães Rosa, um Brasil sertanejo, pobre e agreste, distante da imagem litorânea, paradisíaca e estereotipada. O resultado de tal empreitada era a criação de figuras orgânicas antropomórficas compostas por cipós, palhas, couro, cabaças, sementes, buchas, raízes e outros elementos naturais oriundos do local escolhido. Tudo era feito coletivamente e apresentado em ambientações acompanhadas por música e dança.

Esses projetos provocaram enorme repercussão à época, participando de Bienais em São Paulo e confrontando museus e autoridades que compunham o circuito oficial de arte. O grupo acabou pagando caro por sua atitude provocativa: depois de dez anos de atividade, acabou dissolvendo-se melancolicamente por falta de apoio.

No dia 14 de fevereiro de 1979 o Correio da Bahia publicou em sua capa do Caderno de Cultura (na época era editor desse caderno): “Denúncia: deterioração do Etsedron no MAMB”, onde o artista baiano Edson da Luz contava as dificuldades e lutas que enfrentou e enfrenta para continuar existindo. Ele denunciava os artistas que faziam arte por diletantismo e que viajavam para a Europa só para trazer estilos e ideias importadas.

o início o grupo ficou conhecido pelo lançamento do Espantalho (1971), denuncia do nosso comportamento alienado e da falta de caráter do brasileiro. O material era todo o lixo do Complexo Industrial de Camaçari. Depois começou a burilar o cipó e não parou mais. Foi exibido em várias cidades, mas a Bahia continuava fechando as portas para esse movimento. Na época uma série de reportagens foi publicada pelo Correio reforçando a força do movimento artístico.

O foco principal era mostrar o Nordeste rural, ao interior, seguir pela contra mão da cultura oficial. Como proposta inicial de ruptura e confronto, partiram para uma crítica à sociedade de consumo e, por extensão, à própria Pop Art, a corrente estética então no auge, que percebiam como difusora de signos da cultura de massa e em particular da cultura norte-americana.

Formado inicialmente por alunos do curso regular e dos cursos livres da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, o Etsedron teve ao longo de sua trajetória inúmeros integrantes e simpatizantes que orbitavam em torno de um núcleo central encabeçado pelo artista plástico Edison da Luz, onde também figuravam nomes como Matilde Matos, Palmiro Cruz, Chico Diabo, Joel Estácio, entre outros.

(...) é preciso parar. Parar e pensar. Mudar e construir. Construir mergulhando – com sinceridade e sem demagogia ou falso ufanismo – na nossa realidade cultural. Nos nossos problemas pessoais, políticos, econômicos. No nosso folclore tão odiado; incompreendido, desconhecido e mal amado. É preciso esquecer o fascínio. O delírio também. É preciso ter a coragem da humildade e ver o que somos. A arte brasileira só será respeitada e admirada lá fora e por nós mesmos quando ela for uma extensão natural do que somos. Caso contrário, ainda vão continuar sorrindo de nossos trabalhos, de nosso número sempre maior de artistas expondo o arremedo (subproduto) da arte do mundo” (KRÜSE, Olney. XIII Bienal Internacional de São Paulo, 1975. p. 56. Catálogo de exposição).

O Etsedron fazendo jus à sua proposta inicial de ir até o “avesso” da condição nordestina, não apenas tangenciou os melindres acadêmicos e artísticos, assim como também colocou em xeque a percepção oficial que o Brasil tinha de si mesmo, provocando celeumas nas Bienais paulistas, principais cenários das artes plásticas no país.

O Etsedron deve ser compreendido enquanto um fenômeno coletivo e geracional. Partilhava de uma atitude rebelde encontrada também em outros grupos de jovens artistas da época que viram na série de correntes que emergiram no pós-guerra – happening, conceitualismo, land art, optical art, performance, entre outras – questões como autoria, unidade, originalidade e autenticidade da obra de arte serem problematizadas assim como todas as regras da sociedade. Operando na mesma frequência que o Etsedron, tivemos na Alemanha o grupo Fluxus, na França, os Situacionistas, que elevaram o tom político a ponto de influir na revolta estudantil de maio de 1968. Na Holanda, o Movimento PROVOS (abreviatura de provocador) e na Itália, a Arte Povera. Hoje, quatro décadas depois, obras como as desenvolvidas pelo Etsedron continuam em foco, lutando cada vez mais para sair da invisibilidade social que a cultura oficial dita regras.

No dia 26 de novembro de 2012 o brilhante jornalista Chico Castro Jr publicou na capa do Caderno 2 do jornal A Tarde uma reportagem “Outros tons de luz” sobre o artista visual Edson da Luz, do lendário movimento Etesedron. Para o jornalista, a Bahia “que nunca lidou bem com os filhos mais rebeldes (…) aversos a onipresente política do tapinha nas costas”. Edson é “praticamente desconhecido do grande público, permanece, aos 72 anos, como um dos segredos mais bem guardados de nossas artes visuiais'.

“A Bahia (…) é o trampolim do atraso”, declarou o artista que mesmo invisível em nossa sociedade, pretende criar ainda este ano o Instituto Etsedron. A ideia é importante para o nosso Estado, mas não espere nada das autoridades pois até hoje o Museu Glauber Rocha, o de Frans Krajcberg e muitos outros estão em outras cidades fora da Bahia. Afinal, a Bahia continua “eternamente imersa em sua auto ilusão de paraíso cordial”.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras, 28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

22 fevereiro 2013

Tráfico de africanos no cotidiano baiano

Um panorama da história da escravidão entre diversas sociedades. Este é o panorama traçado pelo livro Terror e Aventura – Tráfico de Africanos e Cotidiano na Bahia (Corrupio, 124 pags), escrito pela antropóloga Goli Guerreiro em parceria com Elizabeth Rodrigues e ilustrado por Athos Sampaio. Desta vez os acontecimentos não são escritos pela visão dos dominadores, e sim pelos protagonistas da história. Em seis capítulos a obra aborda desde os primórdios da escravidão na história da humanidade até a abolição no Brasil.

Acordei de um longo sono, a intensa luz quase me cega
É preciso revelar o que se nega
Se a vida é uma escola toda escola tem seu quadro
Quadro negro, formato quadrado
Nele reescrevo a minha história, faço um diário
Na minha lista negra só tem revolucionário
Marias guerreiras das periferias você tem que ver
Os guerreiros do passado e os atuais do MST
Os homossexuais que resistem com dignidade
Crioulos e indígenas que adentram as faculdades
Se o escuro é feio minha poesia é imunda
Das nuvens mais negras cai água límpida e fecunda
E por falar em água, me vem na lembrança
O quadro negro na verdade tem a cor da esperança
Que caia um temporal sem pedir licença


A Lei 10.639, de 2003 que tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Afro Brasileira nas escolas agora tem uma ferramenta importante. A obra apresenta a contribuição do povo negro na formação político sócio econômica do Brasil. Poemas de Castro Alves, textos do sacerdote Mestre Didi, do historiador Ubiratan Castro e do rapper Jorge Hilton, da banda Simples Rap´ortagem estão no livro e mostra visões múltiplas sobre o tema. A Corrupio que tem uma marca de qualidade no mercado está de parabéns pelo lançamento, assim como as autoras, Goli e Elizabeth e o excelente trabalho do ilustrador Athos Sampaio. Um livro que merece ser lido e relido.


E faça desabar essas velhas crenças
Visões estúpidas, espalhadas pelo mundo
Que associou a cor preta a tudo que é imundo
O negro discrimina o próprio negro sim
Se aquele que apontas como negro não se acha assim
Cresceu aprendendo que ser negro é feio
Se é tudo de ruim quem é que quer andar no meio?
Quem escreveu a história do negro nesse país?
Basta ver a cor do giz
Os Reis Faraós do Egito hoje mumificados
Se tirassem suas faixas pudessem ser ressuscitados
Saberia dizer a cor da pele deles sem engano?
Quer uma pista: Egito é um país africano
Não adianta sabermos que não existe raça
Se o conceito predomina e representa ameaça
O hip-hop não nega a mestiçagem, porém
Sabe que ela não trouxe igualdade pra ninguém
Tá vendo o que a herança racista ofereceu?
Se existia escravidão entre africanos antes dos europeus
Era com sentido diferente do que se viu
Não eram vendidos, não tinha caráter mercantil
As tribos guerreavam o grupo perdedor assume
Rendição por questão de honra, de costume
Se há uma cor do pecado ela chegou de mansinho
Espalhando discórdia e ambição pelo caminho
Sua ciência e religião assim disseram com toda calma
É inferior! Pode escravizar que não tem alma
A cor da paz cometeu holocausto aos judeus
Barbárie na inquisição em nome de Deus
Nas Américas, índios foram dizimados
Mas quem sobreviveu está criando um novo quadro
Se na prova der branco na memória
Vamos denegrir a sua mente com a nossa história
A luz do sol ofusca a visão
E a beleza da lua só é possível com a escuridão



Tráfico de africanos e cotidiano na Bahia é parte de um amplo projeto da Editora Corrupio, destinado à educação de crianças e jovens, e vem suprir a necessidade urgente de uma bibliografia adequada para atender escolas e professores no cumprimento da Lei 10.639 – que determina o ensino da História e Cultura da África, nas escolas do país.

A luta pelas cotas não anula a luta pela melhora
Da qualidade de ensino público, tu ignora
Pelo contrário, quanto mais negros na academia
Muito mais força pra se lutar por um novo dia
Racismo, o que mais me causa espanto
Não se encara como problema do branco
Mas entre esses, há os que lutam pelo seu fim
ah se todo branco fosse assim”
Branquitude, pouco se ouve falar
O que explica o privilégio que sua etnia pode conquistar?
Pra quem nasceu em berço de ouro é difícil entender
Que não é só porque seus pais fizeram por merecer
Foram anos de exploração no passado pra que um dia
A sociedade fosse estruturada a favor de uma minoria
Há os que não admitem cotas julgando serem injustas
Outros julgando serem esmolas, tudo isso me assusta
Pergunto quanto custa superar o engano?
Quanto custa ignorar os direitos humanos?
Muita coisa bonita garante a Constituição
Se esquecida ou ignorada precisa de afirmação
Pretos e brancos são iguais, e daí? Se a norma
Nem no cemitério são tratados da mesma forma
Entenda agora o que são ações afirmativas
Medidas pontuais, alternativas
Medidas passageiras que vem afirmar
Pra sociedade, que há, desigualdades, a reparar
“A escravidão é um tema delicado e tivemos cuidado especial para falar com jovens”, explica Goli Guerreiro. O tema complexo ganha abordagem instigante na introdução, com a apresentação de dois argumentos. Um deles é a ideia de que a escravidão existiu em várias civilizações, “mas com características muito diferentes”, como especificam Goli e Elizabeth. O outro pensamento provocador anunciado na introdução diz respeito à crença de que a escravidão racial tem origens ocidentais. “Este tipo de escravidão que atingiu povos negros surgiu no século 9, no mundo árabe. A noção de escravidão racial não é uma invenção do Ocidente”, afirma Goli Guerreiro.


Dos que vivem abaixo da linha da pobreza
70% são negros, que beleza!
Do total de universitários brasileiros
97% são brancos e herdeiros
De uma política que patrocinou para embranquecer a raça
A vinda de 4 milhões de estrangeiros, o tempo passa!
Tudo isso, em 30 anos irmão
Foi o que se trouxe de negros, em 3 séculos de escravidão
Patrocínio com recurso público, o negativo
Para os escravos libertos nenhum tipo de incentivo
Nos mataram, exploraram e depois largaram a toa
Sem emprego, casa, comida, só disseram: vai, voa!
Sem asas e quem sobreviveu tá por um triz
Amontoados nas favelas de todo país
Quantos brancos moram lá? Cê conta no dedos
Agora entenda porque cotas para negros
Refrão
Eu quero bonecas, anjos, apresentadores pretos e pretas
Empresários, juízes, modelos, doutores pretos e pretas
Se querer é uma faceta
Eu quero, desejo, uma elite preta
Uma coisa é pedir outra é conquistar respeito
O fruto de uma conquista dá-se o nome de direito
Olhe pra minha cor, olhe pra nossa luta
Nem esmola nem favor se desigual é a disputa
Entre quem sempre teve privilégio de estudar
Com ensino de qualidade em escola particular
E querer comparar com ensino público e a situação
Tele-aula, aceleração
Vestibular pra faculdade pública o esquema é raro
Com cotas ou não só entra quem tem preparo
Não serão as cotas que terão o privilégio de inaugurar
A presenças de alunos educados pra manguear
Vestibular das particulares tomou a frente, foi mais ligeiro
Frequentemente só basta ter dinheiro
Quem concorrer pelas cotas vai se deparar legal
Com uma concorrência enorme mas não desleal
Desleal é a condição que o jovem negro encara
Fusca para ele, Ferrari para os de pele clara
Competirem com as mesmas regras, maldade
É isso que eles chamam de igualdade
Engraçada essa gente da estética
Ter instrução em excesso nunca foi sinal de ética
O mundo negro que era praticamente invisível na linha editorial brasileira (ou quando aparecia era simplesmente estereotipado) agora tem sua visibilidade destacada, importante para a reescrita da história das culturas africanas e afro-brasileiras em pauta no novo processo educacional do Brasil. O trabalho foi realizado por especialistas:

Goli Guerreiro é pós-doutora em antropologia pela UFBA, onde realizou pesquisa sobre culturas negras no mundo atlântico e desenvolveu a ideia de terceira diáspora. Ela também edita o blog www.terceiradiaspora.blogspot.com. Baiana de Salvador, é viajante e fotógrafa amadora, registra cenas do cotidiano em cidades atlânticas sobre as quais escreve e realiza mostras audiovisuais. Dedica-se à antropologia urbana desde 1987. Mestre e doutora pela USP, pesquisou a juventude identificada com o rock produzido no Brasil; publicou o livro Retratos de uma tribo urbana – rock brasileiro. O doutorado foi base para o seu segundo livro A trama dos tambores – a música afro-pop de Salvador. Atualmente é consultora editorial e curadora da Coleção Cidades da Bahia da Editora Corrupio.

Elizabeth Rodrigues é mestre em antropologia pela UFBA, coautora do livro Ogum, rei de muitas faces e outras histórias dos orixás, da Cia das Letras (2000) e coautora do livro Tutu no Murundu da Companhia das Letrinhas, a ser lançado em fevereiro de 2013. Autora de diversos contos publicados no Caderno Infantil da Folha de S. Paulo e do jornal A Tarde e da editora Publifolha e etc. Foi co-roteirista no documentário Marujada do programa Bahia Singular e Plural da TVE, Bahia, Irdeb em 2001.


Será mesmo a suposta elevação intelectual
Que garantirá a formação, de um bom profissional?
Não subestime a inteligência dos excluído desse milênio
A faculdade do crime só tem gênio
A elite é quem decide em âmbito nacional
Se nossa inteligência será usada para o bem ou para o mal
Tanto tempo buscando debate ninguém se importou
A cota de tolerância do meu povo já se esgotou
A Simples Rap´ortagem revela para o Brasil
Com cotas ou não vestibular é funil
Com cotas ou não vestibular é peneira
Quem concorrer pelas cotas mas não for bom vai levar rasteira
Que vença o melhor...chega a ser hilário
A prova é uma só os concorrentes que são vários
Quem se afirmou, como provar se é negro ou não?
De uma vez por toda pra se resolver a questão
O cassetete da PM tem dispositivo de elite
Nunca erra quem é negro, acredite!
Refrão
Cuidado quando alguém te incita
A ir a um show onde só tem gente bonita
Olhe sempre com reservas, pra mim o que interessa
É saber que gente bonita é essa
Analise os termos que deixaram pra gente
Entre pardo e mulato qual o mais indecente?
Qual o menos prejudicial?
Ter a identidade de mula ou de pardal
Mas pêra aê, veja que pirraça
Pardal não é aquele passarinho que não tem raça?
Que perambula pelas praças, dizem sem valor
Pássaro sem vocação pra cantor
Vira-lata, a mula é um animal
Mão de obra barata, estéril, irracional
Só serve para o trabalho mas não para produzir
E aí cumpade, tu se encaixa mesmo aqui?
Nem parda, nem mulata eu me defino politicamente
Sou negra, ou se quiser afro-descendente
Cuidado, que eu tô em pele de cordeiro
Do tipo que da coice, afro-brasileiro
Deveria ser executado com um tiro de bazuca
O criador do personagem “negra maluca”
Eu sou sério demais? Não vá se preocupar
Herdei da minha gente o talento pra contrariar
Contrariando, tu vai sim me ver sorrindo
Mas o hip-hop superou o discurso do “negro é lindo!”
A quem interessa? Eu digo a quem pensou
Que eu seria só mais um com vocação pra tambor
Se respeito é bom, não me leve a mal
Eis um empresário, uma pedagoga e um cientista social
Da Universidade Federal da Bahia
Detalhe, quem diria, na terra do “é só alegria!”
Se denegrir é tornar negro irmão
Vamos denegrir a faculdade de comunicação
De direito, medicina e muito mais
Vamos denegrir os órgãos oficiais
Refrão
A manchete da Simples Rap´ortagem estampa
Um novo quadro negro se levanta
Há muito a ser contado sobre os nossos ancestrais
Não deixar passar em branco, tarefa nossa rapaz
Se ligue, a muito a ser feito
O importante nego é fazer do nosso jeito” (Quadro Negro, de Jorge Hilton)
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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras, 28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)