14 dezembro 2007

Música & Poesia

Salve as Folhas (Gerônimo / Ildásio Tavares)

Sem folha não tem sonho
Sem folha não tem vida
Sem folha não tem nada

Quem é você e o que faz por aqui
Eu guardo a luz das estrelas
A alma de cada folha
Sou Aroni


Cosi euê
Cosi orixá
Euê ô
Euê ô orixá

Sem folha não tem sonho
Sem folha não tem festa
Sem folha não tem vida
Sem folha não tem nada

Eu guardo a luz das estrelas
A alma de cada folha
Sou Aroni


Os lugares que você irá (Dr Seuss)

“Você se atreve a sair, você se atreve a entrar?
Quanto pode perder, quanto pode ganhar
Se você entrar naquela esquerda ou direita
Vai até a metade ou nem isso tenta
Você ficou tão confusa que começa a devagar
Pistas longas e com curvas
E você tem que acelerar
E andar muitos quilômetros em todo tipo de lugar futil
Até que chega com temor a um local ainda mais inútil
O lugar de espera pra gente apenas esperar
Por um trem que vai partir ou um ônibus que vai chegar
Ou o avião decolar ou a correspondência chegar
Ou a chuva passar ou o telefone tocar
Ou a neve tocar ao chão ou esperar pelo sim ou um não
Ou um colar de pérolas ou um olhar de relance
Ou uma peruca com cachos ou uma outra chance”

“Oh the Places you´ll Go” (Dr. Seuss) foi apresentado no filme de suspense “Um
Crime de Mestre”, dirigido por Gregory Hoblit, com Anthony Hopkins e Ryan Gosling.
FÉRIAS
Caros leitores, a partir de segunda-feira, dia 17, estarei de férias. Serão 15 dias. Volto no dia 02 de janeiro de 2008 com muito mais força, garra e vitalidade para escrever tudo que se passa nesse nosso mundo. Para vocês, boas festas, muita saúde e felicidade e um um 2008 cheio de esperança. Deixo aqui meus dois e-mails: gutecruz@bol.com.br ou andradeguto@ig.com.br. Tudo de bom para todos nós. Volto logo!

13 dezembro 2007

Walter Franco: entre gritos e sussurros (3)

Walter Franco, um dos maiores pesquisadores de nossa música popular, é responsável por experiências totalmente nova (vide “A Cabeça”, no FIC e “Muito Tudo” no Abertura, que causou polêmicas até hoje). Utilizando bastante o silencio, sua voz, um violão simples e um celo, ele dará continuidade aos seus trabalhos. “Por isso eu canto aqui, agora. Feito gente, feito fase como quem vai dormir e depois partir para outra” (Reportagem inicialmente publicada no jornal Tribuna da Bahia de 11 de março de 1976. Gutemberg Cruz).


O CICLO DO SIM

Na capa de Revólver (o título lembra um disco dos Beatles) Walter Franco vem só, na diagonal, atravessando uma rua de São Paulo. As mãos no bolso do paletó branco, tênis branco recorda John Lennon atravessando de madrugada a Abbey Road sozinho. Mas ele vem de frente, e a fila indiana de Abbey Road pode estar vindo, pode ser todo mundo quem quiser (Pode/pode ser/pode ser não/pode ser não é). Revolvendo tudo o que aprendeu dos Beatles a João Gilberto, Walter Franco mostra toda sua técnica em brincar com as palavras, trazendo a leveza hopnotizante característica de sua música.

Para o crítico Alberto Carlos de Carvalho este segundo LP é bem mais acessível que o primeiro em termos de comercialização, mas mesmo assim ainda não é um disco feito para se dançar ou para se ouvir conversando, lendo ou estudando. Tirando as crianças, que podem ouvir brincando. Revolver é o tipo de disco que, para se aproveitar ao máximo, deve ser ouvido sozinho e com head-phones.

Na contracapa, em braile (“o toque, o tátil”) há uma palavra: sim. “O que está escrito no centro da contracapa, diz Franco, é pra fazer sorrir um cego, ou fazer sorrir qualquer pessoa que enxerga, na ponta do dedo, no toque frágil”. Partas ouvir com o olho, com o tato.

Em depoimento à revista Rock, a História e a Glória, Walter Franco informou que foram necessárias 200 horas de estúdio (entre gravação e mixagem) para que o disco fosse finalmente aprovado e liberado por ele, que também foi o produtor. Aos mais desavisados pode parecer que 200 horas de estúdio seja um despropósito, um exagero. Ao se ouvir o disco, no entanto, fica claro que o resultado não só convence como justifica o tempo gasto em sua elaboração.


O crítico Heber Fonseca diz que “Revolver é a retomada de um trabalho que se renova e parte para a exploração de possibilidades inéditas, principalmente a partir do momento em que, sem nenhum pudor, somam-se alguns toques de rock com o objetivo de ampliar seu público e descobrir áreas novas de atuação”.

Franco, ao eletrificar a sua banda – basicamente a mesma do primeiro disco – reconhece que é possível atingir um público jovem que consome basicamente rock e chegar mesmo a ser executado no rádio”.... e é necessário ouvi-lo quando menos para se ter os pés na terra em meio a tantas idiotices sonoras que são impostas ao mercado por uma pressão de cima para baixo”.

ARMA PERIGOSA


“Feito Gente!”. Com essas palavras, faladas, começa o disco e depois delas a música: “Feito gente/feito fase/eu te mai/como pude/fui inteiro/fui metade/eu te amei/como pude”. O andamento, a contagem do ritmo é sempre igual, mas a pulsação muda, o tempo parece se distender, se acelerar, se contrair, se relaxar, feito fase.

Depois de Gal Costa ter incluído “Me Deixa Mudo”, em seu show “Cantar”, de Chico Buarque ter gravado essa mesma música, sua composição “Feito Gente” acabou se tornado faixa principal do disco e nome do aplaudido show de Wanderléa.

“Esse é um disco de corpo inteiro”, diz Walter. “Antes as pessoas só me viam em parte. Agora, se você junta as duas metades, você tem um corpo inteiro. Esse disco envolve tudo, todos os centros de energia, e é essa a ligação com o rock, que é dança, o corpo inteiro. E também São Paulo, uma cidade violenta onde eu sempre vivi, que pega e tritura tudo, revolve..... Revolver é mesmo a palavra exata para esse disco, esse momento. Revolver tudo o que eu ouvi, tudo o que eu sou. Revolver as pessoas. A eletricidade...é o estúdio...as contagens...já que estou num estúdio, então vamos entendê-lo, usá-lo como um canal, aproveitar tudo, revolver...”.

“O sorriso/do cachorro/ta/no rabo”, diz toda a letra de “Toque Frágil”.

Para Ana Maria Bahiana, crítica do jornal Opinião, Revolver “não é um disco fácil e não é um disco de massa, apesar dos fluídos rock e da garotada que, certamente comprar. Quem não estiver disposto a se sentir provocado, instigado, ou quem gostar só de idéias sólidas e definitivas, deve evitar Revolver. Pode ser uma arma perigosa. Em qualquer sentido”.

ENTRE GRITOS E SUSSURROS

No meio da urbe, segundo Walter Franco, há sempre uma tribo que tem um pouco mais de distância e talvez mais sofrimento. São os poetas, os vagabundos, os marginais, os que gritam com certa direção (podem errar o alvo, mas têm direção) e os sussurrantes. A música de Walter procura ter essa direção: entre gritos e sussurros ali está a experiência da cidade-monstro, da São Paulo avassaladora, de muita gente, muito barulho e uma seta; “Aqui também há música”. A voz de Franco caminha dos gritos aos sussurros, os instrumentos também, as letras das músicas têm essa ciclagem e as palavrinhas pulam entre harmonias na maioria das vezes muito simples.

As baladas, os rock-pesados e as brincadeiras são recheados por essa música simples, muito simples, que foi suficiente para polarizar o público nos festivais e chamar a atenção dos grandes intérpretes da música popular brasileira. Aqui e ali aprecem músicas de Walter em LPS de outros artistas. O dom dessa música está em recuperar nessas harmonias simples, nessas poucas posições que qualquer aprendiz de violão saberia reproduzir, toda a intensidade da vivência musical. Uma harmonia simples nunca foi sinal de limites estreitos para a criação musical, e isso Walter leva até às últimas consequências.

Enriquecendo o simples, Walter Franco passeia pelo mundo pop, imprime energia ao vocal, deixa as guitarras se soltarem e traz a música bem junto de seus lábios de onde saem as palavras bem colocadas de sua poesia.

“Ouvidos entupidos de repetições. Sem surpresa. Mesmos sons, mesmas idéias-geléias... Mas não tava tido perdido: quando menos esperávamos apareceu o necessário, o corrosivo, o acerto de contas, o balancete, o desequilíbrio, o pega, o quase, o sim e o não. Era preciso saber de tudo e de nada, alguém tinha de mostrar, aluem chamado Walter Franco mas que soubesse que podia ser Maria, João, Inês, Alberto, Ana ou Manuel” (Rogério Duprat).

Assim dito, Walter Franco surgiu como um cara que abriu algumas fronteiras sem ser inumano. Veio sereno, devagar, pouco dado a profetizações e respirando algumas experiências musicais paulistas: músico.

Discografia:

Ou Não (1973)
Revolver (1975)
Respire Fundo (1978)
Vela Aberta (1979)
Walter Franco (1982)
Tutano (2001)

12 dezembro 2007

Walter Franco: entre gritos e sussurros (2)

Walter Franco, um dos maiores pesquisadores de nossa música popular, é responsável por experiências totalmente nova (vide “A Cabeça”, no FIC e “Muito Tudo” no Abertura, que causou polêmicas até hoje). Utilizando bastante o silencio, sua voz, um violão simples e um celo, ele dará continuidade aos seus trabalhos. “Por isso eu canto aqui, agora. Feito gente, feito fase como quem vai dormir e depois partir para outra” (Reportagem inicialmente publicada no jornal Tribuna da Bahia de 11 de março de 1976. Gutemberg Cruz).


CICLO DO NÃO

Seu disco de estréia tinha uma capa branca, uma mosca num canto e um não escrito na contracapa. Os que haviam absorvido as vibrações negativas emanadas do Maracanãzinho nem sequer abriram o disco – na verdade, ele deve ser o LP menos vendido da fonografia brasileira. Segundo a gravadora só vendeu quinhentos exemplares. Quem ouviu, descobriu uma música nova, difícil às vezes, provocante sempre, resumindo e atualizando as lições de João Gilberto. Franco se refere a esse período como “o ciclo do não”.

No meio das evoluções iogues e pacíficas de Walter Franco houve o Festival de Abertura. Cara limpa, olhar calmo, violão e “Muito Tudo”, singela, quase um sopro. Mas na platéia, de novo os urros e vaias concordes. “Aí eu já acho que foi uma coisa. Ninguém estava vaiando Muito Tudo. Eles estavam vaiando a mim, ou melhor, estavam vaiando uma imagem que eles tinham feito de mim. É aquela coisa de cada pessoa ter um curta metragenzinho dentro da cabeça, projetando naquela hora”.

E, ao retornar ao palco para bisar seu número, premiado com o terceiro lugar, a ininterrupta gritaria da enfurecida platéia que superlotou o constrangedoramente solene Teatro Municipal de São Paulo levou Franco a encaixar, na melodia de sua composição, o abominável refrão farofeiro, desclassificado nas eliminatórias. Como o clamor não cessasse, ele se sentou no chão e, tendo como parceiros o maestro Júlio Medaglia e o flautista Tony Osanah, dedicou-se a um animado e absurdo jogo de crepe. Não conseguiu cantar, mas levou seu prêmio.

Com sua fala lenta, suave, quase tímida, Walter Franco afirmou a Veja (setembro de 1975): “As coisas mais simples são as mais profundas – e vice-versa. Uma delas, uma das poucas certezas que tenho, é a de que os homens se dividem, desde tempos não registrados pela História, em grupos e tribos. E existe uma, a tribo dos que caminham à frente da manada, dos que amam, dos que têm fé neles mesmos e em suas pequenas, infinitas descobertas. Essa tribo sempre foi necessária – e odiada. É a minha. Diminuta, composta de gente que pretende a harmonia, o belo, e que se nutre de amplos espaços, que os outros só ocuparão muito tempo depois”.

O maestro Júlio Medaglia diz que “num país carente de música instrumental, Franco é quixote como o suíço-baiano Walter Smetak ou Hermeto Paschoal. É o não-músico mais musical do país. Numa terra de rouxinóis como esta, estou mais interessado na música impopular brasileira, nos cantadores do interior da Bahia. E em Walter Franco. Um maldito que espalha sua filosofia através da música, mesmo que ninguém o siga”.

Walter Franco é filho do falecido deputado socialista Cid Franco, “um político-poeta ou um poeta político”, como amorosamente define o filho, acostumado desde menino a ver em sua casa os escritores Mário e Oswald de Andrade e o poeta Manuel Bandeira. E os ídolos de Franco, quem são? “John Lennon, o vanguardista-erudito, o americano John Cage e João Gilberto – a santíssima trindade dos joões”.

11 dezembro 2007

Walter Franco: entre gritos e sussurros (1)

Walter Franco, um dos maiores pesquisadores de nossa música popular, é responsável por experiências totalmente nova (vide “A Cabeça”, no FIC e “Muito Tudo” no Abertura, que causou polêmicas até hoje). Utilizando bastante o silencio, sua voz, um violão simples e um celo, ele dará continuidade aos seus trabalhos. “Por isso eu canto aqui, agora. Feito gente, feito fase como quem vai dormir e depois partir para outra” (Reportagem inicialmente publicada no jornal Tribuna da Bahia de 11 de março de 1976. Gutemberg Cruz).

Antes de mais nada, o trabalho do músico Walter Franco, do poeta, intérprete e compositor que este paulista faz é de vanguarda. Ou mais além: meta-vanguarda, uma vanguarda da vanguarda. Franco é um músico que até agora se manteve equilibrado entre o rótulo de maldito – oriundo da dificuldade de comercialização de seu nome, de sua arte – e o respeito contrito de um entusiasmada e restritíssima legião de admiradores.

Walter, como observou muito bem o jornalista José Miguel Wisnick, “tem um cuidado ritual com as palavras”. Elas são seu utensílio básico, sua matéria prima, sua ferramenta de trabalho. Ele não desperdiça nenhum som. Nem quando compõe, nem quando fala. “A palavra tem que ser exata. Foi João Gilberto que nos ensinou isso. A palavra tem de ser suave e firme e exata como um golpe de karatê”.

ROTULO DE MALDITO

Ele vem de uma experiência quase traumática com a indústria de discos: seu primeiro LP, lançado nos anos 70, teve uma passagem pelas lojas absolutamente misteriosa. Quase nenhuma tinha, e as que tinham escondiam o produto quase com vergonha. Até o rótulo de maldito se ajusta na perfeição.

Sua estréia, no FIC, de 1972, com a paranóica “Cabeça” foi uma apoteose de vaias, só suplantada por sua aparição no Festival Abertura, de 1975, onde urros apoteóticos o impediram de apresentar “Muito Tudo”. Para completar o quadro da maldição, Walter vinha formado em 1973, pelo menos em São Paulo, aquilo que os americanos e ingleses chamam de “cult following”: é uma espécie de guru para um exclusivo e crescente grupo de apreciadores, quase iniciados, de um modo geral pessoas ligadas ao movimento da poesia concreta.

A maior parte do público só conheceu Walter no Festival Internacional da Canção de 1972, com a hipnótica “Cabeça” (“Que que tem nessa cabeça, irmão/sabe que ela pode/ou não/ou não?”). Walter franco sentado num banco, cabelos nos ombros, barba, olhos brilhantes, repetindo numa língua entre a fala e o canto o “que que tem nessa cabeça irmão?”.

Com eco, sem eco, em distorção, free-back. Em volta, a platéia vaiando num coro uníssono, quase apoteótico. “Foi um momento de grande violência. Eu sabia que estava confundindo as pessoas lançando o sim e o não numa contagem muito rápida. As pessoas reagiam jogando de volta uma carga negativa fortíssima, mesmo quando eu repetia uma palavra positiva como irmão”.

Rejeitado pelas gravadoras durante muito tempo, sob as alegações de que seu trabalho era pouco comercial, Walter Franco não aceitou fazer concessões e não se abalou com as vaias que caíram sobre ele e sua “Cabeça” no FIC. Naquele dia, ele ouviu do compositor argentino Astor Paiazzola, o maior nome do tango moderno; “Isso não é apenas uma musica, é uma revolução”. Depois do Festival, já contratado pela Continental, ele fez seu primeiro LP, produzido por Rogério Duprat e considerado um dos melhores de 1973.

10 dezembro 2007

Uma invenção poética do homem: a palavra

“Uma palavra morre
Quando falada
Alguém dizia.
Eu digo que ela nasce
Exatamente
Nesse dia”.

Com este curto poema a poetisa oitocentista Emily Dickinson atravessou o espaço e o tempo, pois o mistério da palavra é o mistério do pensamento, por ser aquela a sua expressão física. O pensamento cruza o espaço e o tempo e pode sobreviver, como espírito, como chama. A singular sensibilidade da grande artista transcendeu a brevidade de sua vida e alcançou lugar de destaque no mundo das letras. Já se disse que vivemos num oceano de palavras (Stuart Chase), mas assim como um peixe na água não temos consciência disso. É preciso, no entanto, que saibamos utilizar bem as palavras porque elas não custam nada, mas podem nos ajudar a obter muito.

“Metade das palavras que usamos não tem nenhum significado, e da outra metade cada homem entende cada palavra segundo os moldes de seu próprio capricho e imaginação”, escreveu o polonês Joseph Conrad para seu amigo Cunninghame Graham. O romancista Conrad percebeu na linguagem a fraqueza das palavras e da realidade que exprimem. Ele tinha plena consciência das limitações da língua. E uma das grandes conquistas de Conrad foi usar as palavras de modo a revelar as fraquezas que elas próprias encerram. Ainda mais notável, aprendeu a fazê-lo numa língua (inglês) que não era a sua. “O Agente Secreto” é um de seus melhores romances.

“A palavra, primeira invenção poética do homem – dizia Victor Chklóvski, crítico de literatura e de artes plásticas, contemporâneo de Maiakovski. As palavras haviam perdido sua forma poética para se reduzir à expressão utilitária que permite a comunicação direta, era preciso ressuscitá-la. A imagem do cinema seria um meio de ressuscitar a palavra, e a palavra ressuscitada, um meio de reinventar a imagem cinematográfica. Para Chklóvski a literatura do começo do século XX imitava o cinema para preparar a ressurreição da palavra, instante em que, ultrapassado o posto pelo naturalismo, menos preocupada em descrever cenas e paisagens, a literatura passasse a se dedicar por inteiro ao material que lhe era próprio, a palavra; nos poemas futuristas, mais desenhados que escritos na página, palavra para ser vista como imagem, Chklóvski identifica um exemplo da influência da fotografia e o cinema; diz que as imagens nos ensinam a tirar o objeto da cadeia natural do dia-a-dia para transformá-lo num objeto artístico – o cinema, desse modo, apropriando-se das coisas assim como Marcel Duchamp estava fazendo com seus Ready-Made”.

O texto acima está no livro do crítico, ensaísta e professor José Carlos Avellar (O Chão da Palavra – cinema e literatura no Brasil. Rocco) diz mais: Na década de 20, Mikhail Bakhtin acrescenta – A palavra, ela mesma, deve ser vista como uma expressão em movimento. Quem fala não vai buscar a palavra num dicionário, pega a palavra em conversas do cotidiano. Mas quem escreve, dirá mais tarde Pasolini, sim, vai ao dicionário buscar a palavra como um objeto guardado num cofre, para utiliza-la de modo particular e adiante devolve-la ao dicionário acrescida deste seu novo sentido. E quem escreve poesia, acrescenta Manoel de Barros, reescreve o dicionário: trabalha como quem lava roupa no tanque, dando porrada nas palavras, errando a língua, porque as palavras em estado de dicionário não trazem poesia em si.

Toda palavra traz a marca de uma profissão, de um gênero, de uma corrente, partido, indivíduo, geração ou época. Toda palavra, sim é uma semente – diz o pai em ”Lavoura Arcaica”, o livro de Radrian Nassar (1975) e o filme de Luiz Fernando Carvalho (2001) – entre as coisas humanas que podem nos assombrar, vem a força do vento em primeiro lugar; precede o uso das mãos, está no fundamento de toda prática. Toda palavra é alterada quando salta de um grupo social para outro, de uma época para outra. Algumas resistem à mudança e, mesmo quando tomadas por um outro grupo ou época, continuam a serviço do contexto em que foram criadas. Não uma expressão neutra, um sistema normativo de formas abstratas, mas uma opinião concreta e contraditória sobre o mundo, toda palavra é uma semente, traz vida, energia, e pode trazer inclusive uma carga explosiva no seu bojo: corremos graves riscos quando falamos, diz o filho em Lavoura Arcaica.

Todas as coisas têm nome? Se têm, como podem os homens guardar tantas palavras? Como podem conviver com os perigos da palavra? A questão que Graciliano Ramos desenha em “Vidas Secas” através das dúvidas de dois meninos. O mais velho de sinhá Vitória gostava da palavra inferno, assim como Macabea, a nordestina de “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector, gostava da palavra parafuso. E o crítico José Carlos Avellar revela: “Ao passar os olhos pela literatura (eureka!), o cinema descobriu que a imagem não é a flor da pele: é também texto. Ele não ilustra o que pensamos com palavras: ele pensa de outra maneira”.

O livro de Avellar seduz o leitor ao estabelecer um histórico flerte entre cinema e literatura, feito de aproximações, espelhamentos, parcerias, desafios, negações, afastamentos e reconciliações. A idéia do cinema tão logo se concretizou na tela iluminou a literatura. Renovou a escrita, estimulou a invenção de novas histórias e de novos modos de narrar que, por sua vez, adiante, iluminaram a escrita cinematográfica, estimularam que ela se fizesse assim como se faz, em constante reinvenção.

07 dezembro 2007

Música & Poesia

A Via Lactea (Legião Urbana)


Quando tudo está perdido
Sempre existe um caminho
Quando tudo está perdido
Sempre existe uma luz
Mas não me diga isso

Hoje a tristeza não é passageira
Hoje fiquei com febre a tarde inteira
E quando chegar a noite
Cada estrela parecerá uma lágrima

Queria ser como os outros
E rir das desgraças da vida
Ou fingir estar sempre bem
Ver a leveza das coisas com humor

Mais não me diga isso!
É só hoje e isso passa...
Só me deixe aqui quieto
Isso passa.

Amanhã é outro dia
Não é?

Eu nem sei por quê me sinto assim
Vem de repente um anjo triste perto de mim
E essa febre que não passa
E meu sorriso sem graça
Não me dê atenção
Mais obrigado por pensar em mim.

Quando tudo está perdido
Sempre existe uma luz
Quando tudo está perdido
Sempre existe um caminho
Quando tudo está perdido
Eu me sinto tão sozinho
Quando tudo está perdido
Não quero mais ser quem eu sou.

Mais não me diga isso!
Não me dê atenção!
E obrigado por pensar em mim..



Numeral 34 (Armando Freitas Filho)

Existo por escrito.
Não há espelho
Que me fixe por inteiro.
O que fica, lá fora
É a fala em falso
Que não é clara nestas linhas.
Apuro.
Em preto-e-branco, pois as cores
Desistiram, não porque a luz piscou.
Ela agora é sumária, mas bastante:
luz natural, da janela, sublinhando
com força, os recortes duros
da mão repetida, amarrada
pelos mesmos reflexos.

45

A linha preta do pensamento
- trêmula, feita à mão –
pauta, de cima a baixo
o amarfanhado espaço
do amanhecer.

Não se escreve nada no campo
deste dia longo, parado
de raro mar, árvore estrita
de passagem repetente, de palavras
despida.

Não se escreve nada na máquina
deste dia estatístico, indiferenciado
que se produz em série
embora o gráfico se sobressalte, aqui e ali.

06 dezembro 2007

Reforma, urgente, na religião


Há 490 anos foi deflagrada uma reforma religiosa por causa da compra e venda de indulgências, uma espécie de letra de câmbio papel. Quem pagava ia para o céu. Malandragem religiosa. Os abusos cometidos pela Igreja Católica e uma mudança na visão do mundo, fruto do pensamento renascentista foram as principais causas do processo de reformas religiosas que teve início no século XVI. A Igreja Católica vinha, desde o final da Idade Média, perdendo sua identidade. Gastos com luxo e preocupações materiais estavam tirando o objetivo católico dos trilhos. Muitos elementos do clero estavam desrespeitando as regras religiosas, principalmente o que diz respeito ao celibato. Padres que mal sabiam rezar uma missa e comandar os rituais deixavam a população insatisfeita.

A burguesia comercial, em plena expansão no século XVI, estava cada vez mais inconformada, pois os clérigos católicos estavam condenando seu trabalho. O lucro e os juros, típicos de um capitalismo emergente, eram vistos como práticas condenáveis pelos religiosos. Por outro lado, o papa arrecadava dinheiro para a construção da basílica de São Pedro em Roma, com a venda das indulgências (venda do perdão). No campo político, os reis estavam descontentes com o papa, pois este interferia muito nos comandos que eram próprios da realeza.

O novo pensamento renascentista também fazia oposição aos preceitos da Igreja. O homem renascentista, começava a ler mais e formar uma opinião cada vez mais crítica. Trabalhadores urbanos, com mais acesso a livros, começaram a discutir e a pensar sobre as coisas do mundo. Um pensamento baseado na ciência e na busca da verdade através de experiências e da razão.

O monge alemão Martinho Lutero foi um dos primeiros a contestar fortemente os dogmas da Igreja Católica. Afixou na porta da Igreja de Wittenberg as 95 teses que criticavam vários pontos da doutrina católica. As 95 teses de Martinho Lutero condenava a venda de indulgências e propunha a fundação do luteranismo ( religião luterana ). De acordo com Lutero, a salvação do homem ocorria pelos atos praticados em vida e pela fé. Embora tenha sido contrário ao comércio, teve grande apoio dos reis e príncipes da época.Em suas teses, condenou o culto à imagens e revogou o celibato.

Um elemento comum às igrejas que surgem da Reforma Protestante é esta centralização na salvação do indivíduo. Bernard Cottret: "A reforma cristã, em toda a sua diversidade, aparece centrada na teologia da salvação. A salvação, no cristianismo, é forçosamente algo de individual, diz mais respeito ao indivíduo do que à comunidade". Este aforismo de Lutero do ano 1531 caracteriza bem a importância da história pessoal de cada um para a causa reformadora. Lutero não é nenhum fundador de um império, ele é um monge em busca da sua salvação. Como Pierre Chaunu mostrou de forma extraordinária, "não se trata de uma questão da Igreja mas de uma questão da salvação".

Em 1517, Martinho Lutero, revoltado com a desmoralização da Igreja Católica, fixa na porta da sua igreja as 95 Teses onde criticava ferozmente a Igreja Papal, tendo o Papa Leão X ordenado a sua retratação em 1520, sob pena de ser considerado herege. Lutero, porém, queimou em praça pública a ordem Papal, sendo excomungado em 1521.
Todo esse processo, aparentemente de cunho religioso, trazia embutido em seu bojo, a clara insatisfação dos nobres (principalmente alemães) e dos camponeses, desejosos (os dois segmentos da sociedade) de escaparem (os nobres ambicionando apoderarem-se das terras da Igreja e, com isso, ampliarem seus poderes abalados com a decadência do Feudalismo e os camponeses, da miséria em que viviam) do poder que a Igreja impunha sobre eles.

Em 1555, o imperador alemão Carlos V que defendia o interesse da Igreja Católica, concede aos príncipes alemães o direito de escolher sua religião, através do acordo assinado e chamado de “Paz de Algsburgo”. Nessa época a Igreja detinha 1/3 (um terço) das terras francesas e mais de 40% (quarenta por cento) das terras férteis alemãs. E os camponeses? Eles, juntamente com o seu líder Thomas Muntzer (seguidor de Lutero, de estilo radical, que reivindicava a divisão das terras da Igreja entre os pobres), foi criticado por Lutero por apoiar o movimento dos camponeses (conhecidos por anabatistas), tendo revidado chamando Lutero de “Doutor Mentiroso” – rompendo assim com o monge – sofreu juntamente com os anabatistas violenta repressão por parte da nobreza (com o total apoio de Lutero), tendo como resultado final à morte de mais de cem mil camponeses - dentre eles – Thomaz Muntzer, que morreu decapitado. Coisas de religião. É preciso, hoje, fazer uma nova reforma.


05 dezembro 2007

Sertão/mar

“O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”. A profecia atribuída a Antônio Conselheiro e popularizada na música “Sobradinho”, de Sá e Guarabira, já se materializou. Em Sobradinho, a barragem cumpriu a profecia. O mar virou sertão. A estiagem fez reaparecer ruínas da antiga cidade baiana de Remanso, inundada pelo reservatório no final dos anos 70, e alterou a vida de famílias nômades que se mudam de acordo com a vazão do Rio São Francisco.

“O homem chega já desfaz a natureza
Tira gente põe represa, diz que tudo vai mudar
O São Francisco lá pra cima da Bahia
Diz que dia menos dia, vai subir bem devagar
E passo a passo, vai cumprindo a profecia
Do beato que dizia que o sertão ia alagar
O sertão vai virar mar
Dói no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão
O sertão vai virar mar
Dói no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão
Adeus Remanso, Casanova, Sentisé
Adeus Pilão Arcado veio o rio te engolir
Debaixo d'água lá se vai a vida inteira
Por cima da cachoeira, o Gaiola vai subir
Vai ter barragem no Satu do Sobradinho
O povo vai se embora com medo de se afogar
O sertão vai virar mar
Dói no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão
Vai virar mar
Dói no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão
Adeus Remanso, Casanova, Sentisé
Adeus Pilão Arcado veio o rio te engolir
Debaixo d'água lá se vai a vida inteira
Por cima da cachoeira, o Gaiola vai subir
Vai ter barragem no Satu do Sobradinho
O povo vai se embora com medo de se afogar
O sertão vai virar mar
Dói no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão
Vai virar mar
Dói no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão
Remanso, Casanova, Sentisé
Pilão Arcado, Sobradinho, adeus, adeus
Remanso, Casanova, Sentisé
Sobradinho, adeus, adeus
Remanso, Casanova, Sentisé
Sobradinho, adeus, adeus”.

O relatório da ONU sobre mudanças climáticas concluiu que o aquecimento global provocará, num futuro próximo, dentre tantos danos, a transformação do sertão nordestino em deserto. O documento, resultado de uma semana de debates entre 400 especialistas de mais de 100 países sobre 28 mil dados científicos copilados de todo o planeta, foi amenizado por cientistas de nações altamente poluentes, como Estados Unidos, China e Rússia. O futuro pode ser bem mais cinzento. Como no mundo tudo se interliga, há uma interdependência de sistemas e biomas, o derretimento das geleiras nas montanhas e nos pólos faz os oceanos subirem, ameaçando a vulnerável costa nordestina. Cidades litorâneas à margem do Rio São Francisco, mas próxima do Atlântico — poderão simplesmente desaparecer, numa previsão mais sombria. Pequenos países-ilhas do Pacífico já estão sofrendo esse tipo de ameaça.

Subindo, o mar avança sobre os leitos dos rios. No São Francisco, onde essa pressão oceânica já é perceptível, a água salgada poderia facilmente chegar à área de captação de adutoras, como a que abastece Aracaju e que é responsável por mais de 50% da água doce que chega às torneiras da capital. Uma equação de difícil solução: mais calor e menos água potável. Os cientistas concluíram que mais de 1 bilhão de pessoas poderão sofrer com a falta de água em um futuro próximo. E, como a corda sempre arrebenta do lado mais fraco, as populações mais pobres do mundo serão as mais afetadas pelo aquecimento global. Passando de zona semi-árida a zona árida, no Nordeste as conseqüências dessa mudança afetarão a alimentação, sanidade e saúde da população local. Resultado da falta de água potável, má alimentação e sanidade precária ou inexistente, uma simples diarréia.

“O sertão vai virar mar, dói no coração, o medo que algum dia o mar também vire sertão”, diz a canção popular. Na Bahia, a previsão já virou realidade. A Chapada Diamantina, região que fica no centro geográfico da Bahia e faz o divisor de águas das bacias dos rios de Contas, Paraguaçu e São Francisco, já foi mar há milênios. Hoje é um paraíso encravado no sertão baiano.

O povo, cujas crenças e medos se abastecem numa cultura universal, que recua milênios no tempo, tem razão para temer. Afinal, o mar já virou sertão uma vez, porque o sertão não poderia virar mar? Quando os dinossauros dominavam a Terra, há 100 milhões de anos, o norte do Brasil era uma região de mares rasos, cheios de peixes, onde enormes répteis voadores, os pterossauros, voavam em círculos, mergulhando nas ondas em busca da pescaria farta. Esses mares secaram quando a Terra esfriou, e o nível dos oceanos recuou. Hoje os corpos fossilizados daqueles peixes e répteis voadores são retirados da formação Santana, na Paraíba, e vendidos como “souvenir” para os turistas.

O oposto já aconteceu, e regiões costeiras foram engolidas pela fúria do oceano. Todo mundo conhece a história da Atlântida, o continente que afundou no mar, narrada por Platão no Timeu. Os atlantes eram um povo belo e orgulhoso, donos de uma cultura e uma civilização sofisticada. Mas cometeram o erro de tentar extrair energia do fundo dos oceanos, perturbando o reinado de Posseidon. E o deus dos mares se ergueu com seu tridente, e o maremoto engoliu Atlântida, seus palácios e seu povo altivo, numa única noite. Uma lenda? Nem tanto. Pesquisas no mar Mediterrâneo mostram sinais de uma catástrofe que destruiu inúmeros portos e cidades costeiras da Grécia Antiga, dando origem à lenda da Atlântida.
“A seca seca a terra,
seca a gente,
seca a vida.
Seca a morte que tem sede de viver
para matar a sorte de quem subvive
brincando de sobreviver.
Nefastos coronéis sugam suor e sangue
dessa gente que nem sabe assinar o nome,
dessa gente que morre de fome
para alimentar a gula do poder.
O nordeste?..
O nordeste é um latifúndio

onde latem fundo as desigualdades,
onde a miséria dita as ordens
e o analfabetismo é seu feitor,
na democracia do chicote
o cabresto marca o X do eleitor
para escolher seu carrasco e sua dor,
esse feudo fede a morte:
é o corpo faminto
que cai indigente
em meio a lavoura que o tempo secou,
é o vômito arrogante
do coronel prepotente
que se autodeificou.
É o descaso
que leva ao ocaso
um povo escravo da dor
é a dor que alimenta a morte
que mata a vida, assassinando a sorte.
Mas o nordestino é forte!
Faz de esperança o seu farnel.
Pega seu pau de arara,
vai pedir a "Padin Ciço"

que traga à terra um pouco de céu.
Canta e reza,
para espantar seus males,
quebrar maus olhares,
pedir água a Deus.
Lembra o Mestre Vitalino
que com a beleza de um menino
fez no barro o caxixi.
E o capitão Virgulino
que do cangaço foi ladino
foi um mito,
foi um rei.
De canudos ecoou um grito!
Era o profeta conselheiro
dizendo ao povo brasileiro:
"o sertão vai virar mar",
quando a seca deixar de ser
um objeto no mercado da política,
quando a miséria não mais alimentar o poder,
quando o desmando enfartar o peito do coronelismo,
quando o analfabetismo calar e o povo disser não,
quando o chicote quebrar,
quando o cabresto partir...
o sertão vai virar mar". (Sertão mar, de Antonio Pereira-Apon)


O sertão não está em nossa volta, mas também dentro da gente, nunca deixando de ser, um grande sertão. E na topografia do sertão, dominam os tabuleiros, as chapadas que se prolongam em chapadões, a encostas onde a unidade já se pressente, é o resfriado, e a parte baixa é a vereda, o caminho estreito, trilha que pode ter sido o curso fluvial pequeno, um rio que corre para o mar. E quem olha para o mar pode constatar que ele não se repete, suas ondas vão e vem, vão e vem, vão e vem e assim para sempre. Basta olhar, há diferença na repetição, nunca uma onda é igual a outra. O real não está nem no mar nem no sertão. O caminho que traçamos para chegar até ele e no caminho por que voltamos para contá-lo. O real está na travessia. O sertão está em toda parte. O sertão é obra de arte. O sertão é marte. O sertão é arte. O sertão é tão, tão, tão.

04 dezembro 2007

Agressão aos sentimentos éticos do brasileiro

“A frustração maior da sociedade consciente é com a impunidade da corrupção nas atividades públicas, que se tornou, nos últimos tempos, uma acintosa agressão aos sentimentos éticos do brasileiro. Desta imoralidade alastrada e deste exemplo derivam as violências das ruas, as negociatas nas empresas, as especulações aventureiras nos mercados, a degradação dos comportamentos, desde a derrubada da floresta amazônica até o tráfico de drogas”. A opinião é do consultor-geral da República e ex-ministro da Justiça, Saulo Ramos numa entrevista ao jornal Folha de S.Paulo (20/08/2007). Para ele, o sentimento ético do brasileiro tem sido agredido. Em seu livro de memórias, “Código da Vida”, ele narra detalhes da vida política do país. Para o economista e professor da UFBa, Armando Avena, “combater a corrupção com vigor e rigor faz bem à economia e é fundamental, não só para garantir o padrão ético de uma sociedade, mas também para elevar seu crescimento econômico”.

A Comissão pela Efetividade da Justiça da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lidera campanha nacional contra a corrupção e tem, entre outros temas, a prioridade para a tramitação de processos envolvendo crimes contra a administração pública. “Temos de acabar de vez com a impressão do brasileiro de que o País é um mar de corrupção, com a polícia prendendo e o juiz absorvendo quando o caso envolve político ou gente rica”, diz o presidente da entidade, Roberto Siegmann. Uma série de projetos de lei está tramitando nas duas casas do Congresso Nacional com o propósito de dar agilidade e eficácia à Justiça. Os congressistas avaliam que o excesso de recursos na Justiça encoraja o corrupto e deixa a sociedade desalentada ao ver crime sem castigo. Por essa razão, propostas além do pacote de reforma do Código de Processo Penal buscam também recuperar recursos desviados e combater o foro privilegiado para autoridades. Em 18 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) instaurou 130 processos criminais contra autoridades. Um terço dos réus foi denunciado por roubar dinheiro público, mas nenhum condenado.

“Combater a corrupção com vigor e rigor faz bem à economia”

O documento “Juízes contra a Corrupção”, da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), prega que o Judiciário não tem conseguido produzir decisões definitivas e em tempo razoável, além de cumprir o papel educativo de implantar a ética na sociedade. As decisões judiciais têm caráter impositivo moral para a sociedade, mas o Judiciário acaba favorecendo pessoas que não têm compromisso com a ética. “A população tem hoje uma visão de que não adianta ir ao Judiciário porque as decisões são demoradas ou não chegam a se concretizar, como no caso de quem tem foro privilegiado”, diz Roberto Siegmann, da AMB.

Há ação punitiva diante de um roubo de alimento e mobilização contra um bárbaro assassinato, mas a sociedade precisa reagir mais contra o enriquecimento ilícito de grandes empresários, de gestores públicos e políticos às custas do dinheiro público. Antes nem poderíamos imaginar altas figuras do judiciário, de tribunais de contas, do legislativo e do setor empresarial investigadas, processadas e presas. As instituições de controle como Controladores, Tribunais de Contas, Ministério Público, entre outros, estão se fortalecendo, atuando. É preciso a fiscalização pela sociedade, a transparência dos atos e das contas públicas.

Antes da Revolução Puritana na Inglaterra (século XVII), o rei dizia que não tinha obrigação de prestar contas a ninguém. Estava acima da lei. O poder ficava concentrado em suas mãos. Sem atuação dos ministros e do Parlamento, o que havia era imensa corrupção na corte. A revolução exigiu que o parlamento funcionasse e fosse respeitado. Esse movimento prosperou em todo o mundo em defesa da prestação de contas públicas. Na Bahia a Revolta dos Alfaiates foi um movimento de caráter emancipacionista (século XVIII), surgiram outros. Os movimentos foram esmagados por Portugal. Afinal, as idéias democráticas européias era um escândalo. E assim, desde D.João VI existe a concentração d poder. Sempre foi difícil trazer de volta aos Estados e municípios o dinheiro que foi parar nos cofres da União.

“A Justiça é a porta de entrada para a inclusão

A persistente corrupção, o enfraquecimento do pacto federativo, a invencível impunidade, o desprestígio do Judiciário e os ralos que impedem o funcionamento eficaz do Congresso Nacional tem saída no aperfeiçoamento da democracia nacional na opinião do filósofo e professor titular de ética e filosofia política da Unicamp, Roberto Romano. Uma entrevista ao jornal A Tarde (17/06/2007) ele afirmou: “A mudança precisa começar na sociedade. Que modelo de sociedade é esse que aceita prisão especial para quem possui diploma universitário? Temos aqui uma sociedade altamente elitizada. O acesso à renda é desigual e o acesso à Justiça desigual. A mulher que roubou um pente não tem condições de contratar um advogado (...) Nessa sociedade, é aceito que existam pessoas acima da lei. Quando existe aceitação de que ricos e famosos podem ficar impunes, é mais difícil passar para a cobrança e punição. Além disso, há ricos e famosos que só desfrutam dessa condição porque meteram a mão no dinheiro público”.

A Justiça é a porta de entrada para a inclusão. Se os brasileiros não têm a certeza de que vão ser atendidos, eles acabam desapontados e ficam também desacreditados”. A opinião é da cientista política e doutora em Ciência Política da USP, Maria Teresa Sadek. Pesquisando há 14 anos o Poder Judiciário, ela traçou um perfil detalhado da Justiça brasileira e reconhece a lentidão como um dos maiores problemas do Judiciário. “É preciso ampliar o acesso à população que procura por direitos. Uma justiça que tarda é uma justiça que falha. Se for perguntado a um juiz se a Justiça vai mal hoje, diferentemente de dez anos atrás, a maior parte vai dizer que sim e por causa da legislação. Eles nunca se vêem como a razão do problema”, afirmou numa entrevista ao jornal A Tarde (21/08/2006) e continua: “Ser réu compensa, quando se tem uma Justiça tão deficiente quanto a brasileira. A imagem negativa do Judiciário interfere em tudo. A descrença na estrutura pública passa, inclusive, pela Justiça”. “Pela pesquisa de 2005, o gasto do Judiciário por habitante é alto, a remuneração dos juízes é alta, o número de funcionários é alto. E porque a população diz que não funciona? Porque o índice de congestionamento é alto também”.

“A descrença na estrutura pública passa, inclusive, pela Justiça”.

03 dezembro 2007

Evolução dos meios de comunicação

Há 42 anos ele suscitou controvérsia quando disse que os avanços das telecomunicações e a informatização iriam transformar o mundo numa Aldeia Global. Hoje a comunidade global de milhões de pessoas ligadas à Internet prova que Marshall McLuhan estava na pista certa. Agora a nova geração antenada está revendo suas teorias. Vamos fazer uma rápida viagem pelo mundo das comunicações com o lançamento do telefone (século 19), nascimento da televisão, do computador e o surgimento da multimídia.

Vamos começar com o telégrafo óptico em 1792. Os irmãos Chappe, na França, inventam um telégrafo rudimentar, capaz de enviar sinais visuais codificados à distância de 12 quilômetros. Em 1838 Samuel Morse, nos EUA, desenvolve o telégrafo elétrico e o código Morse. Em 1876 Alexander Graham Bell registra a patente do telefone e funda a Bell Telephone Company. Em 1877 Thomas Edison, nos EUA, inventa o primeiro aparelho capaz de registrar e reproduzir sons. Em 1895 o francês Louis Lumiére apresenta o primeiro filme de cinema no Grand Café, em Paris. E em 1896 o físico italiano Guglielmo Marconi transmite as primeiras mensagens por ondas hertzianas a uma distância de várias dezenas de metros. Surge o telégrafo sem fio e finda o século 19.

O Século 20 apresenta várias descobertas. De 1900 até 1950 vamos conhecer o rádio (1915), o cinema falado (1927 com O Cantor de Jazz), a proibição das primeiras imagens televisadas (1926), o surgimento do gravador (1935), da calculadora (1943), o bug (panes no computador – 1945), o computador rudimentar conhecido como Eniac (sigla de Integrador e Computador Numérico Eletrônico – 1946) e o surgimento do transistor (1947).

De 1950 até 1975 outras invenções. A empresa norte americana IBM vende seus computadores de série 650 a preço razoável (1953), a norte-americana Earl Masterson lança a impressora Uniprinter (1954), surge o transistor de silício (1954). Em 1955 a IBM desenvolve a primeira versão de um banco de dados informatizado, o Sabre. O jornal japonês Asahi Shimbum usa a transmissão a longa distância por fax pela primeira vez em 1956. Nesse mesmo ano surge o videocassete nos EUA. Em 1958 os norte-americanos conseguem um raio de luz capaz de transmitir grandes quantidades de informações e batizam o invento de Laser. Nessa época a Bell Company (EUA) cria o Dataphone, que permite a dois computadores se comunicar usando linhas telefônicas tradicionais. Surge também o chip. Em 1960 surge o minicomputador e também o primeiro jogo de batalha espacial simulada (jogos de computador). Em 1962 o Telstar transmite sinais de telecomunicações entre Estados Unidos e Europa. Em 1963 surge o videodisco e em 1965 coloca em órbita o primeiro satélite de uso comercial. E é em 1969 que o Ministério da Defesa dos EUA coloca em operação a rede precursora da Internet. Em 1970 a Intel cria o microprocessador. E em 1973 é concebido o disquete para uso em computador de menor porte. Em 1975 vem o lápis elétrico (programa para processamento de texto) e o Basic (programa para o primeiro microcomputador).

E só em 1977 que surge o primeiro microcomputador a conseguir sucesso de venda ao público, o Apple 2. Al Gore cunha o termo auto-estrada da informação em 1978. E em 1979 chega o primeiro serviço on line (compuserve). Em 1980 é a vez do Walkman, o padrão de fax, do Cable News Network (CNM, primeiro canal a cobrar notícias do mundo todo). A IBM encomenda o MS-DOS (sistema que controla as funções básicas de um computador) e depois lança o PC (Personal Computer). Em 1982 é a vez do compact disc (CD) e em 1983 o telefone celular. Só em 1984 que chega o CD-Rom e o primeiro videogame. Surge também a pequena e eficiente Macintosh e em 1985 Bill Gates se torna o mais jovem self-made bilionário. Mas em 1988 chega o terrível vírus que afeta terminais na Internet. E em 1989 o Time Inc e Warner Bros anuncia sua fusão e surge a World Wide Web, a teia de aranhas global para facilitar o acesso à internet.


É a partir de 1990 que os japoneses lançam no mercado o primeiro televisor de alta definição. A Apple lança equipamento com as funções de computador, receptor de TV e leitor de CR-Rom-Macintosh TV em 1993 e a Intel lança o processador mais veloz para micros PC, o Pentium. Em 1994 surge o sistema computadorizado capaz de entender e gravar na memória um texto ditado. Surge também a rede de serviço da Time Warner. Em 1995 a Microsoft lança a nova versão da Windows 95.

Agora temos o correio eletrônico (e-mails), os blogs e uma nova cultura de comunicação. Mas essa viagem pela nova superestrada da informação pode ser perigoso para sua liberdade. Os hackers pode invadir seu computador e codificar sua correspondência e tudo que está armazenado. Tem ainda as quadrilhas de pornografia infantil que operam na rede, ou os grupos terroristas que usam os meios de comunicação on livre para planejar suas piores façanhas contra a sociedade. É preciso estar atento a tudo isso. As tecnologias de comunicação estão abertas a todos (a princípio), resta usar com responsabilidade.

30 novembro 2007

Cronologia dos seriados (2)

1965/1968 – PERDIDOS NO ESPAÇO – A Terra em 1997 está superpovoada e os Robinson são escolhidos entre milhões de outras famílias para colonizar Alpha-Centauro. A bordo do Júpiter II, papai John (Guy Willians, ex-Zorro) mantém a disciplina com mão de ferro; mamãe Maureen (June Lockhart) e as filhas Judy e Penny, além do major Donald West, formam a família. Mas os melhores episódios estão com o trio: Will Robinson (Billy Mummy), o filho mais novo; o clandestino doutor Zachary Smith (Jonathan Harris) e o super robô (recheado pelo ator Bob May).

1965/1969 – AGENTE 86 – O mais desastrado agente secreto do Control, o 86 é Maxwell Smart (Don Adams). Ele acabou se casando com sua colega “99” (Bárbara Feldon), com quem teve um filho, entre um tiroteio e outro, com agentes da Kaos.

1966/1973 – MISSÃO IMPOSSÍVEL – A série romantizava as “operações sujas” da CIA. No começo, sempre o mesmo, o chefe Jim Phelps (Peter Graves) entrava em um lugar reservado e escutava uma fita que se destruía cinco segundos após sua audição.

1966/1967 – O TÚNEL DO TEMPO – Tony Newman (James Darren) e Doug Phillips (Robert Colbert) eram cientistas trabalhando no Tic Toc Base, um laboratório subterrâneo localizado em algum lugar do Deserto do Arizona. Seu objetivo: construir uma máquina do tempo. Mas o governo americano planeja acabar com o projeto e Tony toma a iniciativa de entrar no túnel. Doug vai salva-lo e ambos ficam perdidos pela história do mundo, incapazes de voltar ao presente.


1966/1968 – BATMAN – Sátira ao herói de quadrinhos. Batman (Adam West) e Robin (Burt Ward) enfrentam diversos vilões. Durante as cenas de ação, a câmera se inclinava pelos cantos do estúdio, enquanto onomatopéias (Scrack! Pou!) enchiam a tela a cada pancadaria. Aparecer como vilão convidado virou uma espécie de símbolo de status em Hollywood: Pingüim (Burguess Meredith), Coringa (César Romero), Minerva (Zsa Zsa Gabor), dentre outros.

1966/1969 – JORNADA NAS ESTRELAS – USS Enterprise em busca de novas vidas, novos mundos, novas civilizações. A vedete era doutor Spock (Leonard Nimoy), meio-terrestre, meio-vulcano, e suas orelhas pontudas.

1967/1968 – OS INVASORES – Cruzando uma estrada deserta, o arquiteto David Vincent (Roy Thinnes) depara com um disco voador, pioneiro de uma grande invasão. Ninguém acredita nele, já que os invasores assumem aparência humana.

1967 – MANNIX – Um detetive – Joe Mannix – a serviço da tecnocrática Intertec, na pele do ator Michael Connors.

1968/1969 – TERRA DE GIGANTES – Num vôo suborbital de Nova Iorque a Londres, o avião Spinthrift é tragado por uma turbulência solar e é forçado a aterrissar. Os sete americanos que estavam a bordo descobrem que estão num mundo estranho, muito parecido com a Terra, só que com habitantes 12 vezes maiores. Os náufragos espaciais tentam consertar sua nave para voltarem para casa, mas são constantemente ameaçados por crianças, animais e insetos gigantes.

1968/1979 – HAVAÍ 5-0 – Steve McGarrett (Jack Lord) chefiava o 5-0, uma equipe de tiras especializados na luta contra o submundo do crime havaiano. Foi o seriado policial de maior duração, com 220 episódios filmados em locação nas ilhas havaianas.

1968 – THUNDERBIRDS – O melhor dos filmes de marionetes, muito realista e com um design futurista bastante convincente. Narra os apertos da organização Salvamento Internacional, destinada a remediar catástrofes ao redor do mundo.

1969 – MARCUS WELBY – Robert Young (ex-Papai Sabe Tudo) se regenerou do alcoolismo, interpretando um médico maduro e sóbrio.

Além desses, há a série brasileira VIGILANTE RODOVIÁRIO, em 26 capítulos, estrelada por Carlos Miranda, a partir de 1961; CAPITÃO 7, na pele de Percy Ayres; o primeiro super-herói oriental da tevê, NACIONAL KID, e mais ULTRA SEVEN, JEANNIE É UM GÊNIO, IVANHOÉ, O SANTO, CISCO KID, O HOMEM DE VIRGÍNIA, A NOVIÇA VOADORA, FAMÍLIA BUSCAPÉ, KUNG FU, QUINTA DIMENSÃO, JAMES WEST, OS MOONKEES, FALCÃO NEGRO, ALÉM DA IMAGINAÇÃO, CIDADE NUA, OS INTOCÁVEIS, JUSTIÇA EM DOBRO, MOD SQUAD, FLIPPER, HULK, MIAMI VICE, O HOMEM DA MÁFIA, JASPION, CHANGEMAN, A GATA E O RATO, FLASH O HOMEM RELÂMPAGO..... a lista é imensa.

29 novembro 2007

Cronologia dos seriados (1)

1949/1965 – ZORRO – Único sobrevivente de um destacamento atacado por bandoleiros, é salvo pelo índio Tonto. Ele veste a máscara e jura vingar os companheiros. Seu grito de guerra é “aiôôô, Silver!”.

1951/1964 – ROY ROGERS – Western contemporâneo. O rei dos cowboys e sua companheira Dale Evans cuidam do Double Bar Ranch, de Mineral City.

1951/1958 – I LOVE LUCY – Pequeno clássico da comédia americana. Teatro filmado com apenas dois cenários nova-iorquinos: o apartamento de Rick Ricardo (o cubano Desi Arnaz) e o Clube Tropicana, onde ele é o “band-leader”. Arnaz e Lucille Ball eram casados também na vida real. No Brasil, a série inspirou o Alô Doçura, com John Herbert e Eva Wilma.

1953 – SUPERMAN – As aventuras do homem de aço, depois de estrear nos quadrinhos de 1938 e no rádio em 1940, teve de esperar 13 nos antes de voar na televisão. Um estranho visitante de outro planeta veio à Terra com poderes e habilidades superiores às dos mortais, disfarçado como Clark Kent, humilde repórter de um grande jornal diário. No papel, George Reeves.

1954/1964 – RIN TIN TIN – O clarim tocava e a 101ª Companhia de Cavalaria perfilava orgulhosa no Forte Apache. “Olhar à direiiita!”, e todos olhavam, inclusive o fantástico pastor alemão. Ele atacava quantos índios houvesse com apenas uma ordem do pequeno cabo Rusty (Lee Ascker): “Aiôôô, Rintin!”. Série típica de órfão e seu bicho de estimação.

1954/1967 – PAPAI SABE TUDO – Comédia de situação sobre a família americana. A autoridade paterna se impõe com luvas de pelícia, enquanto a subserviência materna não tira as luvas na hora de lavar os pratos. Papai é Jim Anderson (Robert Young) e mamãe é Margareth (Jane Waytt), com seus três filhos. Toda noite, ao chegar em casa, colocava os chinelos e cuidava dos problemas cotidianos de sua família, resolvendo tudo com um largo sorriso e alguns conselhos sensatos.

1954/1972 – LASSIE – O maior de todos os seriados sobre animais. Foram 12 anos de produção em cinco séries e uma continuidade em desenhos animados Hanna Barbera. Lassie começou como uma personagem de uma coleção de livros para mocinhas e fez carreira no cinema estreando ao lado de Elizabeth Taylor.

1957/1959 – ZORRO – Bem-sucedido seriado produzido pela Walt Disney. Na Califórnia de 1820, Zorro (identidade secreta de Don Diego de La Veja) combate Monastero, o cruel interventor espanhol. Guy Williams era o herói, espalhando a marca do Z por portas, paredes e barrigas, especialmente a do balofo Sargento Garcia (Henry Calvin).

1957/1961 – BAT MASTERSON – As aventuras de Willian Bartley (Gene Barry), elegante agente da lei, sempre acompanhado de sua bengala e seu chapéu coco.

1957/1963 – O PALADINO DO OESTE – Antigo oficial do Exército vende sua experiência a pessoas que precisam de proteção. Na pele do paladino, o ator Richard Boone.

1957/1962 – MAVERICK – Sátira ao chamado código do oeste. Bret (James Garner) e Bart Maverick (Jack Kelly) são jogadores em viagem pela fronteira, que usam métodos pouco convencionais.

1958 – AVENTURA SUBMARINA – Mike Nelson (Lloyd Bridges), ex-homem-rã da U.S.Navy, viaja pelas profundezas do Pacífic.
1958/1961 – PETER GUNN – Ele é um investigador do velho estilo que faz do bar Mother´s de Los Angeles sua base de operações. No papel de Peter, Craig Stevens.

1959 – Os TRÊS PATETAS – As desventuras de Moe Howard, Larry Fine e Curly Howard, três desajeitados enfrentando os obstáculos que a vida oferece. Garantia de boas risadas.

1959/1973 – BONANZA – Sentimentalismo pela rudeza do velho oeste. Cada um dos filhos de Ben Cartwright (Lone Greene) nasceu de uma mãe diferente, morta em condições trágicas. Adam (Pernell Roberts) era o galã. Little Joe (Michael Landon), o garotão, enquanto o gordo Hoss (Dan Blocker) se encarregava de atrair as simpatias.

1960/1964 – ROTA 66 – Logo após a morte de seus pais, Tod Stiles (Martin Milner) e seu ex-empregado Buzz Murdock (George Mahares) embarcaram num Chevrolet para viver aventuras ao longo da rota 66.

1961/1966 – DOUTOR KILDARE – Os problemas médicos neste seriado são resolvidos com a presença de Kildare (Richard Chamberlain), que mostrava um ar de moço bom.
1961/1966 – BEM CASEY – Estreou cinco dias depois de Kildare. Casey (Vincent Edwards) não era tão frágil quanto o rival.

1962/1967 – COMBATE – O sargento Chip Saunders (Vic Morrow) chefia a Cia K de infantaria desde o desembarque na Normandia até a vitória final.

1963/1967 – O FUGITIVO – O doutor Richard Kimbale (David Jansen), médico de Indiana, briga com sua esposa e resolve dar um passeio pelo lago. Na volta, encontra sua mulher morta e o assassino fugindo de casa. É preso e condenado à morte. A caminho da penitenciária estadual, o trem que o leva descarrila e Kimbale foge para ser perseguido por dezenas de episódios.

1963/1965 – FIREBALL XL-5 – Inaugurou a era dos seriados de marionetes eletrônicos. Em Space City, base da Patrulha Galática, o Capitão Steve Zodiac e sua companheira Vênus defendem o Sistema Solar Unido contra forças de outras galáxias.

1964/1969 – DANIEL BOONE – As aventuras do grande herói americano que viveu na região da Carolina do Norte, Tennessee e Kentucky antes e durante a Guerra Revolucionária. Boone (Fess Parker) se encontra com índios em suas expedições pioneiras que podem ser amigáveis ou hostis.

1964/1968 – VIAGEM AO FUNDO DO MAR – As proezas dos oficiais e marujos do Seaview, um submarino atômico com nariz de vidro que viajava pelos setes mares, lutando contra vilões humanos ou alienígenas. O submarino foi obra do almirante aposentado Harruman Nelson (Richard Basehart).

1964/1968 – O AGENTE DA UNCLE - O mais planejado aproveitamento pela tevê do mito James Bond, recém-explodido. O par central personificava a “détente” nas figuras do americano Napoleon Solo (Robert Vaughn) e do soviético Illya Kuriakin (David McCallum).

1964/1972 – A FEITICEIRA – Sucesso no Brasil. James Stevens (Dick York, depois de Dick Sargent), publicitário de largas ambições, casa-se com a bela Samantha (Elizabeth Montgomery) e descobre depois que ela pertence a uma velha linhagem de feiticeiros.

1964/1968 – OS MONSTROS – Afiada sátira ao gênero família. Herman (Fred Gwynne) é o pai, um pastiche de Frankenstein com dois metros e vinte e um zíper no pescoço. O resto da família é de vampiros: Lily (Yvone de Carlo), o vovô (All Lewis) e o filho Eddie (Butch Patrick).

28 novembro 2007

Um revival de paixões (2)

INFLUÊNCIA – A influência dos pulps logo sucumbiu à proliferação de um novo meio, os quadrinhos de aventuras que começaram adaptando heróis da literatura de massa, Tarzan e Buck Rogers, e logo passaram a se expressar em sua própria linguagem, dando origem aos heróis Dick Tracy, Batman, Terry e os Piratas e tantos outros. No fim dos anos 20, e por todos os anos 30, começava uma época explosiva nos quadrinhos – a era de ouro. De cômicos, as histórias em quadrinhos passaram por muitos temas como aventuras nas selvas, no Oriente e até no espaço. E surgiram Tarzan, Jim das Selvas, Agente X-9, Buck Rogers, Flash Gordon, Brick Bradford e outros. Assim houve uma assimilação de muitas dessas histórias pelo cinema, particularmente pelos seriados que se dirigiam a um público infanto-juvenil.

Em 1929 Tarzan inaugurava nos quadrinhos a moderna linguagem dessa arte, desenhado por Harold Foster. No mesmo ano é lançado Tarzan o Tigre, série em 10 episódios, dirigida por Henry McRae. A lista de adaptação dos quadrinhos é interminável. A combinação de ator, dublê e modelo, utilizada para criar a ilusão de vôo na montagem de Capitão Marvel (1941) e a transformação do ator em desenho animado durante os supervoos de Super Homem (1948), são exemplos imbatíveis do charme “camp” dos velhos seriados.

Havia, ainda, heróis animais, como Rin Tin Tin, Lassie e Rex, “o rei dos cavalos selvagens”. Entretanto, não existiam mocinhos negros ou orientais (estes sempre apareciam como vilões e aqueles, como submissos). No roteiro, a eterna luta contra o mal era invariavelmente vencida pelas forças do bem – mas só no capítulo final. A inocência dos mocinhos era notável, e os vilões com desejos de dominar o mundo. Pouco diálogo, muita ação e nada de romance (afinal, havia na época um forte código de ética). Armas de raio, robôs e civilizações perdidas. Lutas, perseguições e explosões espetaculares. Esse era o segredo dos clássicos seriados. Se a tevê liquidou o gênero, nos anos 60, o vídeo (e logo depois o DVD), por ironia,foi bem capaz de resgata-lo e, ainda por cima, elevar sua condição de refugo da indústria cultural à qualidade de fetiche.

GERAÇÃO – Cada geração tem os seus seriados favoritos. Porque o seriado era uma fase da vida. Os mais velhos lembram alguns desses. Os mais jovens vão falar em Flash Gordon, Jim das Selvas, Zorro, O Caveira, Rei da Polícia Montada, Sombra, Capitão Marvel, Batman até os últimos seriados serem rodados nos EUA, em 1956. Atores mais gloriosos de Hollywood viveram toda a sorte de perigos nessas histórias como John Wayne, Boris Karloff, Bela Lugosi, Mickey Rooney, Tom Tylet, Tom Mix, Buck Rogers, Gene Autry. Mas os estudiosos dos seriados dizem que o rei deste ciclo de cinema foi Larry “Buster” Crabe, o Flash Gordon e o Buck Rogers das telas.

A partir de meados dos anos 50, a galeria desses super-heróis e arquivilões começou a abandonar as telas dos cinemas. Primeiro, eles foram relegados aos cinemas de bairros (os conhecidos “cines-poeira”) e os cinemas do centro esqueceram as matinês com os seriados. Depois, passaram a viver só nas cidades menores, onde não havia chegado a televisão. Nos anos 50, a TV mata os seriados e as novelas de aventuras das rádios – como O Anjo ou Gerônimo, o Herói do Sertão. A garotada deixou de ir aos cinemas para ver estas séries, nos domingos, porque a tevê passa todos os dias. Agora, em vez de seriados cinematográficos, milhões de pessoas querem saber o que vi acontecer com os personagens favoritos da telenovela.

Os primeiros seriados para televisão surgiram em 1949 e sofreram enorme influência da histeria macartista que marcou a década de 50. Espiões, marcianos e índios, no fundo todos refletiam a mesma coisa: a obsessão pelo “perigo vermelho”. No fim dos anos 50, e começo dos 60, os seriados televisivos atingiram sua linguagem própria e produziram quantidades imensas de capítulos. A partir de 1965, as séries são precedidas de amplas pesquisas de opinião pública e um caso típico é O Agente da UNCLE. A ideologia expansionista que justificou a guerra do Vietnã está presente nas séries como Perdidos no Espaço e Túnel do Tempo. A paixão por seriados de tevê teve até um fanzine, “...E No Próximo Episódio...”. A publicação paulista, bimestral, teve, entre os seus colaboradores, alguns dubladores dos filmes. Hoje temos diversos sites sobre o assunto.

27 novembro 2007

Um revival de paixões (1)

As aventuras da antiga e nova Jornada nas Estrelas trombam no espaço, cultivando fãs ardorosos. Mas a mania não viaja apenas com os tripulantes da Enterprise, Batman e Robin (a dupla pop dos anos 60), Perdidos no Espaço, A Feiticeira, Agente 86, Terra de Gigantes explodem nas telas de tevê num revival de muitas paixões.

Quem tem mais de 50 anos vai recordar. Quem tem menos, vai saber o que eram as matinês de domingo... Aquele tempo em que a garotada ia ao cinema para gritar e brigar pelos seus ídolos – Buck Rogers, Búfalo Bil, O Sombra, Zorro, Flash Gordon – e odiar os arquivilões, os cientistas loucos que queriam subjugar o planeta. A maioria vestia a melhor roupa para enfrentar as cadeiras de madeira. Muitos levavam pilhas de gibi e de figurinhas de álbuns para trocar na porta do cinema. Chegavam antes da sessão para comprar ou trocar.

A tevê não existia, e o cinema era a grande opção de diversão da garotada. Os seriados, a maior atração. Agora, através do lançamento em DVD de muitos deles, ou mesmo reprisados na tevê, as novas gerações começam a travar contato com a lenda das matinês de sábado e domingo. Desde o início os seriados foram sinônimos de aventuras e perigo. O seriado era uma emoção em cada quadro, e cada um dos 12 ou 13 episódios terminava numa situação terrível, da qual jamais o mocinho ou a mocinha poderiam escapar. Amarrada nos trilhos pelo vilão, a mocinha está para ser atropelada pelo trem em disparada. O público prende a respiração. Conseguirá escapar? A resposta, porém, só será conhecida na semana seguinte, na continuação do seriado.

PÚBLICO – O público entendia tudo: uma certa forma de olhar do personagem já mostrava se ele era bom ou mau. Cada gesto do ator em cena correspondia a uma linguagem que o público compreendia em seu mais sutil sentido. Assim, o seriado foi um dos mais importantes elementos na criação de várias gerações de cinemaníacos. O seriado cinematográfico é a conjugação de várias técnicas: dos romances em série publicados nos jornais, em forma de folhetins; das narrativas em quadrinhos que assimilam muito do espírito de aventuras das revistas ilustradas e de certos romances, e da evolução da linguagem do próprio cinema.

Os primeiros seriados eram para adultos. Só a partir da década de 30, e até começo dos anos 50, que se tornaram um gênero dirigido às crianças, projetados só nas sessões matinais ou vespertinas dos domingos. Nick Carter foi um dos primeiros heróis que começaram a aparecer nas telas em 1908, numa produção francesa, era um detetive americano. Com ele foram feitos seis filmes, de 30 minutos cada um, projetados na França à razão de um mês - e com um sucesso impressionante.

As proezas de Nick inventaram um novo gênero no cinema. Lançada a moda, logo surgiam, de semana para semana, heróis idênticos perseguidos pelos maléficos vilões. Estes filmes cumpriam um papel necessário: levar o público ao cinema. O público ia para ver o que aconteceria, exatamente como os leitores dos folhetins corriam para comprar o jornal e seguir a história favorita. No início, acontecia uma curiosa fusão de gêneros. Os jornais continuavam publicando, em forma de folhetim, as histórias dos principais filmes. As técnicas não se negam; completam-se, enquanto a linguagem do cinema conquista autonomia.

POPULARES – O vilão-herói dos pulps franceses, Fantomas (1913), teve suas aventuras transformadas em seriado. Os pulps eram livretos populares, em que heróis destemidos e detetives mascarados enfrentavam o crime e o perigo em situações fantásticas. Em suas páginas, publicadas desde o século passado, estava a fórmula básica dos filmes seriados. Além da estrutura, o pulp também emprestou personagens como o inspetor Blake, astro do primeiro seriado falado, The Ace of Scotland Yard (1929), e O Sombra (1940).

O primeiro seriado autêntico chamava-se The Adventures of Kathlyn (1913) e era estrelado por Kathlyan Williams, “a garota sem medo” que por 13 episódios enfrentava uma variedade de perigos bizarros na Índia. O seriado mais popular do cinema mudo, por sua vez, foi Os Perigos de Paulina (1914), estrelado por Pearl White. A bela Pearl White era a verdadeira rainha dos primeiros seriados. Numa série em 20 episódios, as aventuras desta moça milionária, sendo perseguida por vilões inescrupulosos, devido à sua herança, seriam publicadas, na época, pelos jornais da cadeia Hearst, na França, pelo célebre Le Matin.

Nos seriados criados na Alemanha, o que se via, de forma quase obsessiva, era o problema da vontade de poder, de homens que sonham em dominar o planeta. Basta conferir em Homunculus der Fuher, de 1915, dirigido por Otto Rieppert, filme de seis episódios que conta a história de El Golen, ser artificial gerado no laboratório de um cientista para conseguir o domínio do mundo. Ou As Aranhas, de Fritz Lang que narra as façanhas de uma organização de supercriminosos que também tentam dominar o mundo. Este é igualmente o objetivo de Doutor Mabuse, do mesmo diretor, filmado inicialmente em série – e depois em longa-metragem, considerado um clássico do cinema.

26 novembro 2007

Uma mania planetária: nostalgia dos seriados

O folhetim, narrativa seriada publicada em jornais e revistas, consolidou uma fórmula de consumo para uma sociedade industrial que se constituía ao longo do século 19. A estrutura em capítulos já era padrão em romances, na medida em que nela se acentua a temporalidade, com a entrega de segredos ao leitor de forma regular, se consolida uma fidelidade à base de manipulação da tensão e da atenção.

O cinema vai adotar a fórmula seriada para conquistar e manter o público ainda nas primeiras décadas do século 20. A fórmula dos seriados no cinema, popular nos anos 30 e 40, também encontrou no rádio um veículo popular e de fácil acesso às massas consumidoras de histórias simples e contagiantes. Nos EUA, nos anos 30, o formato radiofônico, conhecido como “soap opera” (ópera de sabão, como referência irônica aos excessos dramáticos nessas histórias da vida cotidiana), era transmitido diariamente e seu público predominantemente era de donas-de-casa.

Da literatura folhetinesca para o cinema e o rádio foi um passo, em seguida, a tevê. O surgimento da fórmula dos seriados na tevê aconteceu em meados dos anos 40, nos EUA, com quatro redes principais dominando o novo veículo: ABC, CBS, NBC e DuMont. O predomínio do teleteatro e o valor publicitário agregado a uma suposta clientela com maior poder de consumo dava o tom. Encenação era ao vivo e num espaço confinado com cenário praticamente fixo. Com a entrada do videotaipe, em 1957, trouxe o desenvolvimento de roteiros cada vez mais específicos para o meio, condições técnicas mais sofisticadas e mis possibilidades narrativas. Dessa forma a atriz Lucille Ball deu origem direta ao formato de sitcom (abreviatura para a comédia de situações), gênero fundador dos seriados de TV, com a trama de “I Love Lucy”, adaptada de um programa de rádio bastante popular.

Na década de 60 os seriados de ficção científica eram os mais cultuados. Estimulado pelo sucesso de “O Mundo Perdido”, Irwin Allen lançou “Vigem ao Fundo do Mar” (1964/68). Em seguida ele produziu “Perdidos no Espaço”, “O Túnel do Tempo” e “Terra de Gigantes”. Outros seriados de sucesso: “A Feiticeira”, idealizado pelo produtor William Asher e sua mulher, a atriz Elizabeth Montgomery para a rede ABC. A concorrente NBC cria “Jeannie é um Gênio” (produzido por Sidney Sheldon).

O ano de 1970 marca a estréia de Mary Tyler Moore Show, o primeiro sitcom dedicado a uma personagem principal feminina, solteira e independente e suas peripécias diárias no mundo do trabalho. A década de 80 se transforma na época das séries realistas: Hill Street Blues, Twin Pearks. As longo dos anos 90, sexo, rogas, amoralismo de toda ordem são levados para dentro dos lares em horário nobre: Law & Order, Er, Friends,. Sex and the City, The West Wing, Família Soprano. A partir do ano 2001 são exibidos A Sete Palmos, 24 Horas, Lost e muitos outros virão para preencher o imaginário do público. Hoje, as pessoas do mundo inteiro discutem na Internet o que aconteceu no último episódio de Lost, tentando decifrar os mistérios da ilha e compram DVD´s da temporada completa de sua série preferida. Este envolvimento proporcionado pelas tramas e personagens das séries americanas de TV é um dos assuntos do livro do jornalista, crítico de cinema, professor Cássio Starling Carlos: “Em Tempo Real – Lost, 24 Horas, Sex and the City e o Impacto das Novas Séries de TV”, publicado pela Editora Alameda. Ótimo livro. Amanhã começaremos uma série sobre o assunto. O tema seriado já havia publicado em uma reportagem de setembro de 1991 no jornal A Tarde. Não percam...

23 novembro 2007

Entre música e poesia, harmonia (2)

Há um antigo dilema entre poesia e letra de canção. Enquato a maioria das canções fala de amor, a poesia atual aborda uma faixa bem mais ampla de assuntos. Os poetas contemporâneos opta pelo verso livre e pelas formas abertas, as letras continuam se valendo de metro, rima, estrofe, refrão, ferramentas a que a poesia hoje mal recorre, ou utiliza em circunstâncias especiais. O articulador da Folha de S.Paulo, Nelson Archer já abordou com maestria o tema. Para ele, depois de João Cabral, a produção nacional perdeu popularidade e isso coincidiu com duas décadas e meia de apogeu da MPB (1960/85), quando a inteligência local achou um jeito de converter uma arte considerada menor no veículo dos principais debates da época. “A poesia escrita eclipou-se parcialmente entre nós à medida que a cantada chegava ao centro do palco”, escreveu. Assim, o reconhecimento das realizações de duas outras gerações de letrista foi adiado.
Tanto a música como a poesia são artes que se organizam no tempo, diferentemente da pintura e escultura que o fazem no espaço, e o cinema e o teatro que o fazem nos dois. A prosa (o romance e o conto) também se organiza no tempo. As duas são registradas por meio da escrita, mas devem ser executadas como som (exceto e poesia concreta, cuja revolução foi assimilar formas expressivas das artes plásticas). O registro da música se dá pela partitura. Essa registra o ritmo e a melodia. O ritmo diz respeito à acentuação das notas por compasso. A melodia diz respeito à seqüência de notas tocadas, como dó, ré, mi e fá, por exemplo. São esses elementos básicos que se encontram descritos numa partitura. Na música moderna, o ritmo pode ser irregular, e a melodia ter grandes variações.

Na poesia, o ritmo também está registrado, não por notas, mas por sílabas átonas e tônicas. E como na música, a regularidade do poema também é construída por eles. E como o compasso da música, a poesia também tem uma unidade: o verso. E nela, as pausas também têm seus símbolos: ponto, vírgula e ponto e vírgula, que também diferem em duração. A escolha das palavras é necessariamente uma escolha de sílabas, que por sua vez, carrega em si a escolha de vogais e consoantes: fonemas. Assim, na música, a melodia e o ritmo são registrados, enquanto o timbre e o andamento fazem-se na execução, dependendo do intérprete, do instrumento, e assim por diante. Na poesia, o ritmo e o timbre são registrados, enquanto a melodia e o andamento fazem-se na execução, dependendo também do intérprete.

Para Paul Valéry, a prosa e poesia, “servem-se das mesmas palavras, da mesma sintaxe, das mesmas formas e dos mesmos sons ou timbres, mas coordenados e excitados, distinguindo-se, portanto, através da diferença de certas ligações feitas e desfeitas em nosso organismo psíquico e nervoso, enquanto os elementos desse modo de funcionamento são idênticos”. “A prosa utiliza-se da linguagem útil, isto é, a linguagem que serve para o homem atingir seus objetivos; ou seja, para ser compreendida; quando isso ocorre, ela transforma-se em algo totalmente diferente. Entretanto, no poema, é feito expressamente para reviver e vir a ser indefinidamente o que acabou de ser, ou seja, reconhece-se por esta propriedade: ela tende a fazer reproduzir em sua forma: ela nos excita e reconstituí-la identicamente”. Sendo assim, poema utiliza-se da linguagem como um fim em si mesma, procurando exprimir um ideal, um estado de alma:

“A tarefa do poeta – diz Valéry - é nos dar a sensação de união íntima entre a palavra e o espírito, o que resulta no maravilhoso, na magia, agindo em nós como um acorde musical. A impressão produzida depende da ressonância, do ritmo, do número dessas sílabas, mas resulta da simples aproximação dos significados”. Fernando Pessoa, em Ricardo Reis, diz que a poesia é "música que se faz com idéias”, enquanto Mallarmé afirma que "se faz com palavras, não com idéias". Para Antonio, “a poesia se faz com palavras-idéias e com idéias-palavras. O que Mallarmé quer excluir é a tese de que a idéia separada da palavra seja suficiente para fazer poesia”.

Procura da Poesia (Carlos Drummond de Andrade)

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

22 novembro 2007

Entre música e poesia, harmonia (1)

Desde os magníficos trechos poéticos da Bíblia, do lirismo erótico de Safo, dos textos gregos e latinos, a poesia sempre se fez presente. E a música era instrumental. Durante um longo período, a música ocidental foi homofônica. Existia uma única linha melódica ou voz, sendo que o restante da música era composto de harmonia que sustentava essa linha melódica. Geralmente, a melodia principal era em um tom mais elevado e identificava a peça. A música religiosa do século IV não necessitava de um acompanhamento musical. Uma única voz cantava a melodia simples em latim. No século VI, o Papa Gregório I decidiu governar também a feitura das músicas. Como resultado, surgiu o canto gregoriano, que era cantado em uníssono.

Foi na Idade Média que houve a descoberta que os vários sons podiam ser feitos ao mesmo tempo, sem que um cancelasse o outro, ou em resultar em mero ruído, e, assim, nasceu a polifonia Coincidiu que a polifonia surgiu com a construção das grandes catedrais góticas e o nascimento da harmonia, que culminaram com a Renascença e o início das ciências modernas e da matemática. O interior de uma antiga igreja de arquitetura romana com teto alto e em volutas, paredes paralelas e uma longa arcada, espaço ideal para as procissões, mas também para as reverberações do canto gregoriano. Já no interior de uma catedral gótica, com seus ângulos, corredores, estátuas, escadarias, nichos e complexas fugas em pedra, um canto gregoriano seria partido, fragmentado.
Na Idade Média os trovadores surgiram para cantar o amor cortês. Eram cantigas com letras resistentes à leitura mais sensível e rigorosa. Depois a música colou-se à pele das palavras numa relação intensa e apaixonada. É quando acontece a síntese entre música e poesia. Muitos versos soam banais quando lidos sem acompanhamento musical. Mas quando aparece junto ao suporte sonoro, emociona. Faça um este com as músicas que você costuma ouvir com freqüência, retire o suporte musical e tente ler a composição em voz alta. Muitas dessas composições não convencem sem seu lado musical.

Mas quando a pele da palavra se encaixa nos acordes dos sons e decifra seus códigos, se aprofunda nos sentimentos humanos e nos muitos compassos da música, o resultado é exitoso. Paixão para os ouvidos, carícias para a mente. E nessa relação intensa onde a voz ilumina a corda instrumental em que se equilibra a vida, uma vida musical do universo estético equilibrado e não apenas um simulacro da expressão artística que se ouve nos atuais ritmos populares (pagode, axé...)

Música e letra de qualidade acaricia a pele de verdade, invade todos os infindáveis poros, por cima ou por baixo dos acordes. Busca com avidez os segredos da língua, uma menina ao som do seu bel prazer, deixando feliz todo e qualquer ser. Afinal, a palavra pele é uma tinta que não se expele.

“A nossa poesia é uma só/eu não vejo razão para separar/todo o conhecimento que está cá/foi trazido dentro de um só mocó/e ao chegar aqui abriram o nó/e foi como se ela saísse do ovo/a poesia recebeu sangue novo/elementos deveras salutares/os nomes dos poetas populares/deveriam estar na boca do povo//Os livros que vieram para cá/O Lunário e a Missão Abreviada/A donzela Teodora e a fábula/obrigaram o sertão a estudar/de repente começaram a rimar/a criar um sistema todo novo/o diabo deixou de ser um estorvo/e o boi ocupou outros lugares/os nomes dos poetas populares/deveriam estar na boca do povo//No contexto de uma sala de aula/não estarem esses nomes me dá pena/a escola devia ensinar/pro aluno não se achar um bobo/sem saber que os nomes eu louvo/cão vates de muita qualidades./O aluno devia bater palma/saber de cada um o nome todo/se sentir satisfeito e orgulhoso/e falar deles para os de menor idade/os nomes dos poetas populares” (Poesia de Antonio Vieira)

Hoje, a partir das 18h na Livraria Civilização Brasileira do Shoppping Barra (2º piso), Ruy Espinheira Filho estará autografando seu livro "Um Rio Corre na Lua".