30 novembro 2015

Bateria no rock and roll (01)



A bateria é uma invenção do século XX. No começo dos anos 1900, bandas e orquestras tinham de dois a
três percussionistas cada. Um tocava o bombo, outro tocava a caixa, e o outro tocava os pratos, os blocos de madeira e fazia os efeitos sonoros.

Um bom exemplo disso eram as bandas de rua de New Orleans, nos Estados Unidos, que tocavam o estilo de Jazz conhecido como Dixieland, onde haviam pelo menos dois percussionistas, um tocando caixa e o outro tocando o bombo e os pratos, que ficavam fixos em cima do bombo, possibilitando tocá-los em pé ou caminhando.

A partir da invenção do pedal de bumbo, tornou-se possível que uma pessoa apenas fizesse o trabalho que antes, três pessoas faziam. O primeiro modelo prático de pedal de bumbo foi construído por William F. Ludwig em 1910.

Até 1920, os bateristas de jazz nos EUA, não se destacavam muito, limitando-se apenas a marcar o tempo da música. Aos poucos, alguns músicos foram se destacando, devido à técnica e sua maneira de se apresentar: Jo Jones e Gene Krupa.

Bem mais tarde, outro baterista tornou o instrumento bastante popular em todo o mundo, a partir do início dos anos 60. Era Ringo Star que devido à sua grande popularidade e, junto com diversos outros bateristas de grupos de rock, trouxeram cada vez mais um lugar de destaque para bateria.


Dessa forma, a criação da bateria, como um instrumento musical bastante recente (cerca de 100 anos de história), está intimamente ligada ao surgimento do Jazz, proveniente da tradição das bandas de rua (Marching Bands) norte-americanas, bem como o seu desenvolvimento está ligado à história e ao
desenvolvimento do Jazz e do Rock, respectivamente na primeira e segunda metade do século XX.

No Brasil, essa influência norte-americana sempre existiu no que diz respeito à bateria, seja pelo cinema, pelas gravações e shows de jazz, pelos equipamentos, ou pelos primeiros livros e métodos de bateria que mesmo com muita dificuldade, os bateristas brasileiros sempre procuraram ou desejaram ter acesso para satisfazer a busca por escassas informações disponíveis em nosso país.

Batida de ‘Amen brother’:

27 novembro 2015

Cronista do cotidiano, Cuíca de Santo Amaro


Entre as décadas de 40 e 60 um cronista do cotidiano se destacava em Salvador. Mestre de trovador e
repórter, Cuíca de Santo Amaro se celebrizou como um dos personagens mais importantes da história recente da cultura baiana. Seus versos virulentos assustavam poderosos e gente comum, e não havia segredo guardado a sete chaves que escapasse do seu faro para escândalo, que tornava público na cidade através de cordéis.

Amado por uns, odiado por outros, ele vestia um fraque bem passado, flor na lapela e chapéu-coco. Dessa forma ele desfilava pelas principais ruas de Salvador declamando seus versos de poeta trovador. Apesar de não ter estudado e não estar entre os melhores versificadores da literatura de cordel, Cuíca era a síntese do trovador-repórter popular. Ele forneceu um relato picante e interessante do seu tempo, um retrato folclórico-popular da vida baiana, através de centenas de folhetos, impressos semanalmente durante quase 25 anos. Muitos dos seus cordéis fazem denúncia contra abusos praticados contra o povo. Criticava não só políticos que julgava sem caráter, mas donos de estabelecimentos que cobravam preços altos e repartições que forneciam serviços públicos de má qualidade.

Participou do filme “A Grande Feira”, dirigido por Roberto Pires, representando ele mesmo, e inspirou o personagem Dedé Cospe Rima de “O Pagador de Promessas”, dirigido por Anselmo Duarte e baseado na obra homônima de Dias Gomes. Inspirou personagens do escritor Jorge Amado (A morte de Quincas Berro D´Água, Tereza Batista Cansada de Guerra e Pastores da Noite). Tudo reflexo do reconhecimento que conquistou, na vida do povo de sua terra.

Com base em um escândalo que explodiu em Salvador em 1956 Cuíca anunciou em cordel: “A Bahia que era,/orgulho dos brasileiros,/antigamente gabava,/por todos os estrangeiros,/transformou-se por encanto,/em antro de marreteiros./Marreteiros granfinotes,/os quais vivem engravatados,/na arte da roubalheira,/já são eles inveterados,/mas não pela polícia,/dificilmente fechados./Porque muitas vezes,/são homens de posição,/que dão bronca no comércio,/depois ganham na questão,/ainda chamam a polícia,/para a sua proteção”.


Quando os jornais esqueciam um escândalo Cuíca entrava em ação. E uma das suas formas de atuação era que ele recebia dinheiro para elogiar, recebiam daqueles que queriam ser poupados (não sofrer na língua do poeta), dos que queriam desmoralizar alguém ou dos leitores que compravam suas revistinhas para saber da vida alheia e dos últimos acontecimentos. Pescadores que chegavam nos saveiros à Rampa do Mercado, baianas, marinheiros, todos ficavam sabendo do que acontecia na cidade, no país e no mundo através dos versos de Cuíca.

Ele contava com detalhes o último crime sensacional, o aumento do preço da carne seca e da farinha, o incidente dos bêbados e a última façanha dos cangaceiros. Ele era bem informado dos acontecimentos, sobretudo aqueles abafados pela polícia, jornais e rádios. Cuíca contava com a ajuda de muitas pessoas que o procurava para fazer denúncias. Cuíca se considerava um defensor e porta-voz dos mais pobres e investia com toda rudeza contra os responsáveis pelos péssimos serviços
prestados ao povo de Salvador, denunciado negociatas, cambalachos, manobras altistas e câmbio negro de produtos alimentícios.

Cuíca nasceu em Salvador em 19 de março de 1907. Ele ia muito a cidade de Santo Amaro da Purificação namorar e tocar violão. Foi lá, inclusive, que conheceu a mulher, Maria do Carmo Sampaio. A intimidade com os versos começou com a profissão de propagandista. Ele anunciava em versos as mais diferentes atividades comerciais da cidade. Vestido de cartola e fraque, gritava a quem passava pela Baixa dos Sapateiros uma grande liquidação ou um novo filme na cidade. Dessa forma, ele aprendeu com maestria a chamar a atenção do público.


O trovador morreu no dia 23 de janeiro de 1964, aos 56 anos. Por mais de 20 anos foi o cronista de Salvador, autor de mais de 400 folhetos de cordel, até hoje ele é um tipo maldito, mas atual. Sua função social foi importante, mas ele teve suas próprias regras éticas. Quem melhor difundiu sua função social foi Jorge Amado: “Não pense o visitante que ele seja apenas um tipo de rua, figura popular e risível. É bem mais que isso. É a voz do povo trabalhando que, não encontrando ressonância nos poetas modernos, e tendo sede de poesia, cria seu bardo pobre e semi-analfabeto. Os poetas estão nos bares inventando sonetos de rimas milionárias ou quebrando a cabeça em ritmos novos para poemas exotéricos. Só Cuíca de Santo Amaro canta para o povo pobre. Quando o forasteiro passar por ele talvez a figura e a voz do trovador mereçam apenas um sorriso dos seus lábios civilizados. Mas, que importa? O povo não sorri do poeta. Ri e sofre com ele, combate e tem esperança!”.

26 novembro 2015

Besouro, o homem mais valente do Recôncavo


A história dos grandes capoeiras vive até nossos dias, na imaginação popular e cantigas que narram suas
façanhas. Em Salvador por volta de 1920 a polícia perseguia não só as rodas de capoeira, mas também o samba e o candomblé. Nessa mesma época surge em Santo Amaro, Besouro Mangangá ou Besouro Cordão de Ouro, que foi um dos maiores capoeiristas da Bahia e um dos mais admirados e citados em canções nas rodas de capoeira. Manoel Henrique Pereira, homem negro e pobre, nascido no fim do século XIX, numa época em que ser praticante de atividades ligadas à herança africana era considerado um crime, se tornou a figura mais respeitada no universo da capoeira. Sua fama cruzou os limites do Recôncavo, chegou à capital baiana, ao restante do país e alcançou os quatro cantos do mundo.

Capoeirista corajoso num tempo em que não havia a divisão entre os estilos angola e regional, muito menos escolas de ensino da arte-luta, Besouro Cordão de Ouro – como também era conhecido – conseguiu a façanha de hoje ser um herói tanto para os seguidores do mestre Bimba (criador da regional), quanto para os discípulos do mestre Pastinha (líder máximo da capoeira angola). Mais impressionante ainda: teve menos de 30 anos de vida para construir toda essa fama, antes de ser assassinado em 1924.

Hoje, não há nome mais cantado nas rodas de capoeira. Besouro inspirou a música “Lapinha”, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, vencedora do Festival de Música da TV Record, na voz da cantora Elis Regina. Serviu de fonte também para um dos capítulos do livro “Mar Morto”, de Jorge Amado, e para os filmes “Besouro Capoeirista”, com o ator baiano Mário Gusmão, e “Besouro” do cineasta João Daniel Tikhomiroff . A mesma coragem e valentia lembradas nas canções, que o transformaram num herói, fizeram com que, em vida, tivesse fama de arruaceiro e fosse perseguido pela polícia em inúmeras ocasiões.

Justiceiro para uns, arruaceiro para outros, o exímio capoeirista virou lenda com a alcunha de Besouro Mangangá. Ele foi uma espécie de Lampião da capoeira, e sua valentia correu mundo. Saveirista, vaqueiro, amansador de burro brabo, chegou a ser soldado do Exército. Sua personalidade permanece envolta em mistério, fortalecendo ainda mais o mito em torno de seu nome. Sua certidão de nascimento nunca foi encontrada, nem documentos de identidade. Também não há qualquer imagem – seja fotografia ou pintura – dele. Besouro não deixou filhos conhecidos nem mulher. Houve até quem desconfiasse de sua existência.

Ele nasceu no antigo quilombo Urupy, localizado entre Santo Amaro e o distrito Oliveira dos Campinhos, filho de João Matos Pereira e Maria Auta Pereira. Reza a história que quando ele nasceu, também estavam lá (e do seu lado nunca saíram), os protetores da capoeira: os orixás Ogum e Oxossi. Aos 13 anos ganhou o mundo quando saiu de casa para trabalhar e começou a escrever seu nome na história através de suas aventuras.

Aprendeu com um tio africano e ex-escravo os mistérios da capoeira, do jogo, das facas e das boas orações. O capoeirista era tão respeitado que costumava sair às ruas avisando aos comerciantes que fechassem as portas, pois tinha acabado de decretar feriado. Também era comum vê-lo presenteando um de seus compadres com penas de pavão, arrancadas dos chapéus dos valentões de Santo Amaro. Seu forte era a agilidade, destreza, manha, rapidez de raciocínio, a calma e a surpresa. Muitas crianças, mesmo a contragosto dos pais, se apaixonavam por aquele homem do povo e seus movimentos perfeitos.

Seu jeito crônico de brigar, cheio de malandragem e sorrisos de provocação irritava a polícia. Suas fugas espetaculares ajudaram a criar o apelido: Mangangá também é o nome popular de um espécie de besouro típico do sertão, conhecido como Abelha Mangangá, apesar de ser extremamente maior que as demais especies de abelha e ser de coloração preta e cuja mordedura produz calafrios e febre. Já o apelido Cordão de Ouro teria surgido muito tempo depois, quando passou a haver a gradação de capoeiristas através da cor do cordão. O cordão de ouro sereia superior a qualquer outro nível de capoeira.

Nas rodas de capoeira do Trapiche de Baixo (até hoje o bairro mais pobre de Santo Amaro) e nas festas populares, o jovem Besouro começou a se destacar. O seu forte era a agilidade, a rapidez de raciocínio, a calma e a surpresa, além de ter o corpo fechado com fortes mandingas e rezas. Paulo Barroquinha, Boca de Siri, Noca de Jacó, Doze Homens e Canário Pardo, todos moradores do local, foram os seus companheiros nas memoráveis rodas de Capoeira que hipnotizavam quem quer que passasse. Rodas de capoeira como aquelas só são vistas de tempos em tempos e, talvez, mesmo assim, nunca se vejam outras iguais.

Besouro se saía tão bem das situações de perigo que as pessoas acreditavam que ele possuía poderes sobrenaturais. Muitos falavam que ele tinha o corpo fechado. O próprio apelido vinha dessa crença: quando ele se encontrava numa situação difícil, diante dos inimigos numerosos demais, Manoel se transformava em besouro e saía voando. Besouro vivia num mundo em que, para sobreviver, era preciso ter malícia dentro e fora da roda da capoeira.

As brigas eram sucessivas e por muitas vezes Besouro tomou partido dos fracos contra os proprietários de fazendas, engenhos e policiais. Certa vez estava sem trabalho e foi a Usina Colônia, hoje Santa Elisa. Deram-lhe trabalho. Trabalhou uma semana. Quando foi no dia do pagamento ele sabia que o patrão tinha o hábito de chamar o trabalhador uma vez, e na segunda dizia: "quebrou para São Caetano", que quer dizer: não recebe mais; e se reclamasse era chicoteado e ficava preso no tronco de madeira e depois mandado embora. No dia do pagamento, deixou que o patrão o chamasse duas vezes sem responder. O patrão disse o seu quebrou para São Caetano. Todos receberam o dinheiro menos Besouro. Besouro invadiu então a casa do homem, pegou-lhe pelo cavanhaque e obrigou que pagassem seu dinheiro. Besouro tomou o dinheiro e foi embora.

Besouro fez história e virou lenda. Um homem que é tido por alguns como arruaceiro, criminoso ousado, fora-da-lei e, ao mesmo tempo, é considerado por outros um justiceiro, protetor dos oprimidos. Apesar de violento, não se tem notícia de que ele tenha matado alguém. Os casos de suas façanhas são contados por pessoas antigas, algumas conviveram com ele, outras que ouviram falar de sua rebeldia. Ele vivia num mundo em que para sobreviver era preciso ter malícia dentro e fora da roda de capoeira.

Para alguns, Besouro desejava apenas justiça. Ele era o elemento negro injustiçado pela cultura dominante
que necessitava existir pela formulação de um novo código e, ao mesmo tempo, de um novo conceito de justiça. Foi em meio a essa cultura dominante, de nobres e senhores de escravos, que o hábil capoeirista conseguiu se sobressair. Besouro morreu muito jovem, assassinado antes de completar 30 anos. O homem mais valente do Recôncavo baiano foi golpeado traiçoeiramente com uma faca de ticum (preparada especialmente para abrir seu corpo fechado pela mandinga) por um de seus colegas. Até hoje, Besouro é símbolo da capoeira em todo o território baiano, sobretudo pela sua bravura e lealdade com que sempre comportou com relação aos fracos e perseguidos pelos fazendeiros e policiais.

“Quem é você que acaba de chegar//Eu sou Besouro Preto/Besouro de Mangangá/Eu vim lá de SantoAmaro/Vim aqui só pra jogar/Quem é você que acaba de chegar/Quem é você que acaba de chegar//Eu sou Besouro Preto/Besouro de Mangangá/Ando com corpo fechado/Carrego meu patuá/Quem é você que acaba de chegar/Quem é você que acaba de chegar//Me chamam Besouro Preto/Besouro de Mangangá/Bala de rifle não me pega/Que dirá faca de matar/Quem é você que acaba de chegar/Quem é você que acaba de chegar//Aqui em Maracangalha/Você não vai escapar/Contra faca de tucum/Ninguém pode se salvar/Quem é você que acaba de chegar/Quem é você que acaba de chegar”

No dia 08 de julho de 1924 Besouro se despedia da vida de valentão com apenas 28 anos. Foi em Maracangalha quando foi golpeado com uma faca de ticum, à traição, por um de seus colegas. Somente uma arma de mandioca poderia ferir mortalmente quem tem o corpo fechado. Sua história foi construída em menos de três décadas mas até hoje alimenta a fantasia do povo de Santo Amaro, onde nasceu. Nas palavras inspiradas de Jorge Amado, “Besouro brilha no céu, é uma estrela”.

25 novembro 2015

Lucas, o escravo que aterrorizou Feira de Santana


Taxado de bandido por alguns e ao mesmo tempo herói e vítima do sistema de escravidão ainda existente no
Brasil na primeira metade do século XIX, o filho de escravos Lucas da Feira tem despertado calorosos debates em Feira de Santana. Diante das discussões, professores e alunos resolveram incluir os debates no meio acadêmico da UEFS. Os debates foram muito produtivos, não somente pelo surgimento de inquietações na área de pesquisa, como também pela possibilidade de estabelecer um diálogo com a escola básica. Para muitos estudiosos, Lucas da Feira é um “personagem silenciado”. A prova disso é que, ao contrário de outras personalidades, a exemplo de Maria Quitéria, seu nome não ganhou destaque na cidade. Pesquisas feitas pelo Padre Galvão indicavam que o nome Lucas, durante muito tempo, era negado pelas famílias ao fazer o registro das crianças.

A história de Lucas da Feira e a luta pela reafirmação de um lugar para esta personalidade na história de Feira de Santana. Lucas de Feira foi um insólito personagem de sua época. Fugitivo negro cometeu crimes atrozes durante o Brasil Colônia e entrou para o folclore da região sertaneja. Sua vida foi cantada nos versos do poema ABC de Lucas, de Souza Velho, que narra a vida do escravo sob o ponto de vista dos senhores.

Considerado precursor de Lampião, o negro Lucas da Feira foi o terror do sertão baiano durante vinte anos. Lucas foi o assombro, o pesadelo dos sertanejos. As façanhas desse personagem perduram até hoje na tradição oral dos feirenses. O cearense Leonardo Mota no livro “No Tempo de Lampião”, publicado pelo livreiro-editor A. J. de Castilho, em 1921, recolheu na Bahia vários depoimentos sobre Lucas da Feira.  Outras informações dão conta de que ele veio de uma linhagem nobre e, se tivesse nascido na África seria considerado rei. “Como hoje é uma figura muito badalada por causa dos movimentos reivindicatórios afrodescendentes, é possível que estejam comparando Lucas a Zumbi. Esse sim tinha antecedentes reais”, comenta o estudioso Franklin Machado, da Universidade Estadual de Feira de Santana.

Fruto de anos de pesquisa do roteirista Marcos Franco e de entrevistas realizadas em conjunto com o também roteirista Marcelo Lima, com pesquisadores e líderes de associações de bairros feirenses, resgata a história do escravo rebelde Lucas da Feira no álbum em quadrinhos Lucas da Vila de Sant´Anna da Feira


“Lucas da Feira, em nossa visão, foi um indivíduo aguerrido que tinha a criminalidade como ofício, posição marginal que cabia bem a um ser humano considerado inferior pela sociedade em que vivia. Nesse sentido, achamos excessivamente moralista tachá-lo de psicopata e lhe atribuir uma aura maligna. Ao mesmo tempo, sua coragem para rejeitar a sub-missão imposta desde a nascença não o torna herói de ninguém a não ser, talvez, de si mesmo. Tornar-se um assassino cruel foi opção dotada de forte capacidade de se erguer e reagir ante as adversidades, ante de tudo uma maneira de se permitir o impensável para um escravo: possuir autoestima para cuidar de si e da própria vida. De qualquer modo, sendo ele considerado algoz ou vítima, a sua influência na cultura feirense é algo inquestionável, como forte valorizador, sobretudo, da cultura afro-brasileira”, continua os roteiristas e pesquisador Marcos e Marcelo no prefácio.

Para a realização da obra, os roteiristas pesquisaram em alguns livros e dissertações de mestrado que encontraram. O material é pouco, mas não desanimou a dupla que ouviu muitos moradores sobre essa personagem. As fontes constam no final do álbum, assim como glossário, referências e o estudo das personagens. É bem provável que o leitor nunca tenha ouvido falar de Lucas da Feira, figura histórica do interior baiano. A obra ilumina esse desconhecimento. Isso ajuda a dar maior credibilidade à história que, mesmo fictícia, ancora-se em elementos reais. Os diálogos coloquiais e os desenhos de Hélcio Rogério ajudam a ambientar a região. A começar pela capa que foge do padrão com muita criatividade. Há um recorte do rosto da personagem, impactante. O uso do tom, excelente. Os desenhos registram todos os aspectos, ambientes da época. O traço de Hélcio é forte, personalístico e dinâmico. Há um detalhamento essencial para a realização desse álbum que merece ser lido por todos. A equipe (Marcos Franco, Marcelo Lima – roteiro e pesquisa, Helcio Rogerio – desenho; Caio SA Telles – capa; Jefferson Loureiro – letras; Patricia Martins – fotos dos autores e Adauto Silva – terceira capa) está de parabéns.   Um trabalho que pode ser publicado para fora do país.