Nhô Quim era um anarquista por vocação. Desajustado da vida cortesã, metia-se em confusões com toda espécie de gente: comerciantes, imigrantes, artistas, prostitutas, políticos e autoridades. Ele perdia tudo pelo caminho (chapéu, trem, roupas) e quase enganado por dois encartolados vigaristas que lhe empurraram falsas ações bancárias. As aventuras desenvolvem o velho tema do capira embasbacado e atarantado com as novidades da cidade. Nhô Quim é o filho de um fazendeiro de Minas, que vai conhecer a Corte, deixando atrás, inconsolável, a sinhazinha sua noiva. A história é construída por uma série de muitas gags que se sucedem em episódios quase autônomos, que servem mais para caracterizar, pela iteração de trapalhadas em que se envolve a personagem, do que para desenvolver um enredo (CAGNIN, 1996, p.6)
O Nhô Quim começou a ser publicado em 30 de janeiro de 1869, foi interrompido em 1872. Tem ao todo 14 capítulos, 9 desenhados pelo próprio Angelo Agostini que o criou, e outros 5 por Faria, Candido de Aragonês Faria, que continuou a história, dois anos depois, conservando o mesmo traço e graça do mestre. E é Cagnin quem afirma: “Pode-se dizer, com grande grau de certeza, que Nhô Quim (e por expensão o Zé Caipora, que lhe deu continuidade) teria sido a primeira novela-folhetim em quadrinhos de que se tem notícia, e, como afirmou Herman Lima, a primeira de longa duração. Ou, como preferimos dizer hoje, a primeira graphic novel” (CAGNIN, 1996, p.8)
Agostini fez nove páginas duplas, interrompendo sua publicação em 8 de janeiro de 1870, sem concluir as peripécias em que Nhô Quim estava metido. Dois anos depois, Cândido Aragones de Faria desenhou outras cinco páginas, imitando o estilo de Agostini, mas também suspendeu seu trabalho em outubro de 1872, deixando mais um episódio sem concluir.
Nhô, aferética de sinhô, era o tratamento que os escravos davam aos senhores brancos. Nessa série, Agostini destacou-se pelo uso de recursos metalinguísticos ou de enquadramento inovadores para a época. Entre cada um dos episódios da série, o autor introduziu uma espécie de gancho, que deixava pressupor a continuidade no número seguinte do jornal. Essa modalidade narrativa funcionava muito bem como estratégia de marketing e como elemento de manutenção de uma clientela cativa de leitores, como já havia descoberto os autores de folhetim alguns séculos antes e como descobririam os syndicates norte-americanos vários anos depois.
A segunda personagem fixa criada por Agostini, Zé Caipora (e a primeira heroína, a índia Inaiá), praticamente mantém a mesma temática de Nhô Quim. Personagem que precede o Jeca, Pedro Malazartes, Macunaíma e outros famosos da galeria de ladinos brasileiros. Seu tipo físico é do caboclo de pés descalços, barriga proeminente. As Aventuras de Zé Caipora ganharam as páginas da Revista Ilustrada em 1883. Interrompidas várias vezes, 35 capítulos foram republicados na revista Don Quixote, outros tantos inéditos sairiam em O Malho, até 15 de dezembro de 1906, quando as peripécias de Zé Caipora desapareceram para sempre.
Assim, Zé Caipora foi distribuídos em 75 capítulos ao longo de 24 anos (1883-1906). Os 24 capítulos iniciais foram publicados na Revista Illustrada, de 1883 a 1886. No Don Quixote, Agostini reedita os 24 capítulos anteriores e lhe acrescenta outros 11, indo até o nº35 inclusive. E, finalmente, n´O Malho, em apenas dois anos, enriquece as aventuras com nada menos que 40 capítulos, do 36 ao 75, quando, então, a história se interrompe, em novembro de 1906, restando inacabada.
Com esta criação, o nome de Agostini garantiu definitivamente um lugar de honra na história dos quadrinhos modernos. Para Cardoso (2002), o sucesso do personagem deve-se a dois fatores principais: “o traço realista e a temática de aventuras, que deram dimensão e conteúdo psicológico à narrativa” (2002, p.24). Caipora era uma palavra comum na segunda metade do século XIX, associada a pessoas fracassadas ou com pouca sorte.
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