29 fevereiro 2016

O Boca do Inferno está de volta



2016 é o ano de Gregório de Mattos que há 320 anos deixava de existir e passava para a História com seus poemas altamente satíricos.

A cantora baiana Marcela Bellas lançou no início deste 2016 nas redes sociais, o clipe de “Danadinha”, música com letra do poeta Gregório de Matos, melodia de Helson Hart e produção de Graco Vieira (Scambo e Bailinho de Quinta). Os versos satíricos do “Boca do Inferno” na canção abordam questões indígenas e viraram um “pagodão com cara de Novos Baianos”, segundo a artista, que decidiu gravar o poeta por achar que sua obra expressa muito a identidade baiana e são ainda atuais. "Danadinha" integrará o próximo disco da cantora, em comemoração aos seus 10 anos de carreira.

Danadinha

(Gregório de Matos/Helson Hart)
Há coisas como ver um paiaiá
Mui prezado de ser Caramuru
Descendente de sangue de tatu
Cujo torpe idioma é cobepá
A linha feminina é carimã
Moqueca, pititinga, caruru
Mingau de puba e vinho de caju
Pisado um pilão de pirajá
A masculina é um aricobé
Cuja filha cobé um branco paí
Dormiu no promotório de passé
O branco era um marau que veio aqui
Ela é uma Índia de Maré
Aricobé, cobé, paí
Dormiu no promotório de Passé
Cobepá, aricobé, cobé paí
É danadinha, danadinha…



Gregório de Matos e Guerra (1636/1696) nasceu, de família abastarda, em Salvador. Em 1651 foi para Portugal estudar no Colégio de Jesuítas, e, depois, seguiu a carreira jurídica e religiosa, um ano depois ingressou na Universidade de Coimbra. Depois de formado, casa-se com Micaela de Andrade e ocupa vários cargos na magistratura portuguesa. Enviúva e retorna para o Brasil, abatido e desiludido, com 1681. Em Salvador, leva uma vida desregrada, improvisando poemas acompanhado de viola e satirizando os poderosos. Despido da sua identidade clerical, como já havia feito com a de
magistrado, Gregório de Mattos vai desenvolver então a sua veia poética para o caminho da sátira, do erotismo, da pornografia, da poesia grotesca, lírica e sacra. Ele vai encordoar a sua lira e afiar a sátira.

Casa-se com Maria dos Povos e é banido para Angola. Mais tarde volta ao Brasil, mas, impedido de regressar a Salvador, vai para Recife, onde morre no ano seguinte. Há muitas dúvidas tanto sobre sua vida quanto sobre a autoria real de muitos dos poemas a ele atribuídos. Gregório jamais publicou um poema em vida. O que existe hoje são os códices, espécies de livrinhos manuscritos que traziam poesias atribuídas a Gregório.

Estes registros eram feitos por admiradores que copiavam, recopiavam e guardavam os poemas de Gregório para si ou copistas que distribuíam os versos do poeta como uma espécie de cordel ou folheto, tendo como base a tradição oral. Por isso, a obra do baiano é chamada de apógrafa (reprodução de um escrito original). Na época, a imprensa era proibida na Bahia e o único meio de imprimir era enviar o trabalho para Portugal. E quem naquela época publicara os impropérios do poeta maldito da Bahia?

Foi o historiador Francisco Adolfo Varnhagen, em 1850, que publicou um conjunto de 39 poemas no
Florilégio da Poesia Brasileira, editado em Lisboa. Daí em diante Gregório de Mattos passa a constar de várias antologias. Sua obra apógrafa publicada, em parte, por Alfredo do Valle Cabral (1882), Afrânio Peixoto (1923/1933) e James Amado (1968). Este último edita em sete volumes, reeditado em dois volumes em 1990 com o título de Obra Poética, contendo toda a parte erótica, pornográfica e grotesca, até então desconhecida e que Afrânio Peixoto havia censurado. James Amado reuniu os textos espalhados em diversos códices. O livro chegou a ser queimado em praça pública. A sua obra sobreviveu graças à memória coletiva dos seus admiradores baianos, que a registraram com inúmeras incorreções e prováveis alterações. Entre eles estão os pesquisadores Fernando Peres e Silvia la Regina.

Gregório fez poesia satírica, pela qual recebeu o epíteto de O Boca do Inferno; poesia lírica, dedicados a musas como Custódia, D.Ângela, Caterina e sua segunda esposa, Maria dos Povos; lírica reflexiva, que versa sobre a vaidade, a brevidade da vida, e outros temas caros à sensibilidade barroca; a lírica religiosa, marcada pelo sentimento de culpa típico do período da Contra-reforma; a poesia satírica com versos compostos contra os governantes da Bahia; e os eróticos-irônicos, as composições fesceninas, pornográficas.

A uma freira, que satirizando a delgada fisionomia do poeta, lhe chamou pica-flor.

Se Pica-flor me chamais,

Pica-flor aceito ser,
mas resta agora saber,
se no nome, que me dais,
meteis a flor, que guardais
no passarinho melhor!
se me dais este favor,
sendo só de mim o Pica,
e o mais vosso, claro fica,
que fico então Pica-flor.

E Gregório dizia: “O Amor é finalmente/um embaraço de pernas,/uma união de barrigas,/um breve tremor de artérias./Uma confusão de bocas/uma batalha de veias/um reboliço de ancas,/quem diz outra coisa, é besta”.

Em um de seus poemas, escreveu: “Ilha de Itaparica, alvas areias/Alegres praias, frescas, deleitosas;/Ricos polvos, lagostas deliciosas,/Farta de putas, rica de baleias”. Sua irreverência tinha como característica a não segregação. Atinge tanto ricos, como brancos, colonos ou mulatos, chegando ao erotismo e à pornografia. Há, porém, uma mistura de poesia grotesca e sacra. Embora a violência da poesia satírica tenha sido a mais conhecida, Gregório de Mattos era igualmente hábil ao construir sonetos religiosos, amorosos ou encomiásticos.

Para o professor da Universidade do Porto, Francisco Topa, não há nessa versatilidade incrogruência alguma. Isso porque, assim como a obra de Quevedo (mestre de Gregório) e de outros representantes da obra barroca, a antítese é um dos signos mais fortes. “O Boca do Inferno possui uma voz própria, que sabe se exprimir em registros e formas
variadas, que domina os motivos e o estilo da poesia da época sem cair no lugar-comum ou na repetição, e que nos dá um testemunho importante dos tempos e dos lugares em que viveu”, analisa na obra “O Mapa do Labirinto”. O pesquisador português descobriu 107 poemas inéditos e verificou que dos 291 poemas atribuídos a Mattos, 218 são efetivamente seus, 14 são provavelmente seus – mas oferecem algumas dúvidas – e 59 são de outros autores. O balanço final da produção de Gregório de Mattos é um total de 959 poemas de 23 categorias formais.

Para encerrar, o poeta leva o nome de uma organização governamental em Salvador (Fundação Gregório de Mattos), um teatro situado na Praça Castro Alves e é nome de rua na Fazenda Coutos.

26 fevereiro 2016

Quero ficar em seu corpo feito tatuagem (5)



Tatuar o corpo significa introduzir pigmentos na derme. Quando isso acontece, a presença dessecorpo estranho (o pigmento) é logo sentida pelo organismo. Daí o organismo tende a expulsá-la e o resultado é que, em vez de tatuagem, o que fica é uma cicatriz. Segundo os médicos, não existe tratamento 100% eficaz para a remoção de tatuagens quando se deseja ou necessita retirá-las. "As marcas permanecem sempre, mesmo quando é o organismo quem as rejeita", ressalta.


Os profissionais da medicina afirmam que para retirar as tatuagens são necessários métodos de abrasão (pequenas cirurgias) ou laser. Entretanto, a resposta depende da cor dos pigmentos da tatuagem e do processo utilizado para fazê-la. "Em geral, sempre fica alguma seqüela como cicatriz ou mancha. Alem do mais, as cirurgias são caras e demandam equipamentos específicos, muitas vezes não disponíveis", completa. E lembra que não existe método que possa ser considerado mais ou menos eficaz. "O resultado vai depender da característica do paciente. Cada caso deve ser estudado com cuidado e o profissional que realizará o procedimento irá decidir qual o melhor caminho de recomposição da pele".

Todos os vestígios nos levam a crer que a prática de marcar o corpo é tão antiga quanto à própria humanidade. Não se sabe ao certo quando a prática começou, um dos registros mais antigos foi detectado no famoso Homem do gelo, múmia com aproximadamente 5,3 mil de anos descoberta em 1991 nos Alpes.

Algumas linhas azuis marcadas em seu corpo podem ser o mais antigo vestígio de tatuagem jáencontrado ou cicatrizes de algum tratamento medicinal adotado pelos povos da Idade da Pedra. as múmias egípcias femininas, como a Amunet, que teria vivido entre 2160 e 1994 a.C. apresentam traços e pontos escritos na região do abdome, indicando assim que a tatuagem, no Egito Antigo, poderia ter relação com cultos à fertilidade.


Além do uso em rituais, a tatuagem serviria também como identificação de grupos sociais, marcação de prisioneiros, ornamentação e até como camuflagem. Com o cristianismo a técnica caiu em desuso no Ocidente e foi proibida.

Tal tradição somente foi descoberta em 1769, quando o navegador inglês James Cook realizou uma expedição à Polinésia e registrou o costume em seu diário de bordo:homens e mulheres pintam o corpo. Na língua deles, chamam isso de tatau. Injetam pigmento preto sob a pele de tal modo que o traço se torna indelével. Após cem anos, Charles Darwin afirmaria que nação alguma desconhecia a arte da tatuagem, de fato a maioria dos povos do planeta praticavam ou havia praticado algum tipo de tatuagem.

Em 1891, surge à máquina elétrica de tatuar, com isso o hábito se espalhou ainda mais pela Europa e pelos Estados Unidos. Até o final do século XX, a pele desenhada, até então era quase uma exclusividade de marinheiros e presidiários, atualmente é uma das modas mais duradouras entre os jovens pertencentes as mais diferentes classes sociais.

Em Salvador, os tatuadores da península itapagipana fundaram em 1993 a Associação Movimento Unificado dos Tatuadores Itapaginanos (Amuti) realizando exposições para tentar a adesão de mais tatuadores do estado. O mais famoso tatuador da Bahia foi um maranhense criado no Rio de Janeiro, Luis Carlos Carvalho Souza, o Binga. Começou fazendo tatuagem nele mesmo quando era adolescente. Os amigos começaram a requisitá-lo e a demanda aumentou tanto que ele passou a cobrar por cada tatoo que imprimia no corpo da galera. Virou negócio e ele estudou, tomou cursos, participou de encontros para intercambiar conhecimentos com feras de fama internacional e abriu um atelier na Barra. Outro importante tatuador da cidade foi Salustio Anthony´s, o Urubu, muito conhecido por todos q            ue frequentavam a praia da Terceira Ponte em Jaguaribe ou o Terceiro Piso do Shopping Barra.