31 maio 2012

Quadrinhos da vida real (04)




    COTIDIANO ASIÁTICO

Foi durante seu trabalho na Ásia que o canadense Guy Delisle deu uma grande guinada em sua carreira ao escrever, e posteriormente desenhar, seus primeiros cadernos de viagem em quadrinhos. Os álbuns Shenzen (2000), Pyongyang (2003) e Crônicas Birmanesas (2007) relatam suas experiências e aventuras de quando morou, respectivamente, na China, na Coreia do Norte e sudeste asiático. Shenzhen é um cativante relato de viagem em história em quadrinhos que traz as observações de Guy Delisle sobre a vida nessa fria cidade do sul da China, situada ao lado de Hong Kong, e isolada do resto do país por cercas elétricas e vigiada por guardas armados. Trabalhando para uma empresa europeia de animação que terceiriza o trabalho para estúdios asiáticos, o autor nos narra sua experiência de vida no trabalho, na relação com as pessoas e também nos mostra os costumes do país.

Shenzhen foi a primeira região da China a ser declarada Zona Econômica Especial, e é um dos locais onde grande parte da população chinesa almeja morar e trabalhar: em poucas décadas, a pequena vila de pescadores se transformou em uma megalópole de 14 milhões de habitantes. Este crescimento acelerado e dirigido, voltado exclusivamente para os negócios, tornou-a uma cidade fria e impessoal, o que é sentido na pele por Delisle. A solidão de expatriado é uma constante na vida do autor, que realiza experimentos e brincadeiras para tornar sua permanência de três meses na cidade um pouco mais suportável. O leitor vai desvendar um pouco de uma China desconhecida, que é observada e relatada com sensibilidade, ironia e humor por Guy Delisle.

Inicialmente, Guy encontrou dificuldades de publicar estes trabalhos, pois a maioria das editoras não queriam apostar nesta mistura de jornalismo com diário de viajante. Até que uma editora de quadrinhos independentes francesa, chamada L’Association, decidiu publicá-lo. Shenzhen passou despercebido pela crítica e pelos leitores, mas a ousadia e qualidade de Pyongyang foram um verdadeiro sucesso e alavancou a carreira do autor.

Casado com Nadège que trabalha como médica e administradora para os Médicos Sem Fronteiras – uma ONG que oferece tratamento médico para pessoas necessitadas nos lugares mais inóspitos do mundo. Ela é a esposa perfeita para um homem que sabe como poucos registrar a vida cotidiana em países onde a liberdade pessoal nem sempre é uma opção viável. Em 2005, o casal e seu filho Louis mudaram-se para Myanmar (antiga Birmânia) onde viveram por 14 meses. Desta nova experiência de vida nasceu o álbum Crônicas Birmanescas. Seus trabalhos já foram traduzidos para muitas línguas, incluindo inglês, espanhol, alemão, italiano, polonês e português. No Brasil, foram lançadas pela Zarabatana Books.

O governo, do ex-presidente americano George W. Bush, considerava a Coreia do Norte como parte do “Eixo do Mal”, ao lado de países, como o Irã e a Síria. Em contrapartida, também é um dos lugares mais pobres do mundo, por causa de uma série de desastre naturais e de sua política ditatorial extremista. Com a abertura do país para investimentos estrangeiros, Guy Delisle viajou para sua capital, Pyongyang, onde trabalhou por dois meses como supervisor de um estúdio de animação francês. A empresa terceirizou a parte braçal e repetitiva dos desenhos animados para a SEK, a produtora estatal de filmes. Guy levou para Pyongyang, além dos itens necessários para entrar no país foram: um exemplar do livro 1984 de George Orwell (que ele considera uma leitura apropriada para enquanto estiver naquele estado totalitário) e alguns CDs do Aphex Twin e de reggae.

O desenho simples e a narrativa direta dão fluência à história, que nos leva aos absurdos do cotidiano na capital norte coreana. Ali, os estrangeiros ficam sob vigilância constante. No caso de Deslile, um guia o acompanha a partir do desembarque. Assim, nunca pode circular sozinho. A atmosfera é sufocante, pois em todos os lugares há o culto à figura de Kim Il-Sung, presidente por mais de 40 anos. Hoje em dia, o chefe de Estado é seu filho, Kim Jong II.

Pyongyang é um diário da viagem em quadrinhos. E como todo diário - ou pelo menos na sua versão estereotipada - possui um misto de experiências, impressões e detalhes. Mas este diário, especialmente, apresenta também um panorama social, sob a ótica estrangeira, é certo, mas respaldado por dados objetivos e observações cotidianas. Por exemplo, Delisle nota, ao longo do tempo, que embora estrangeiros como ele sejam raros nas ruas, eles são praticamente ignorados. Mais que isso, quando não estão acompanhados por um guia, como mandam autoridades oficiais, parecem ser igualmente despercebidos. Junto de sua observação, o autor empenha-se em apontar possíveis causas. Neste caso, ele as encontra no hábito de espionagem difundido na sociedade pelo Estado, como modo de garantir a manutenção do regime comunista. Os norte-coreanos, assim, evitam envolver-se com qualquer possível ameaça à sua integridade cidadã, o que explicaria a atitude omissa em lugares públicos.

Os quadrinhos dão aos relatos reforço particular. A expressividade dos desenhos entoa coerência à obra. Delisle narra a partir do momento em que é recebido no aeroporto por seu guia e um motorista. Recebe de antemão um "livreto com recomendações", onde encontra certas normas de conduta exigidas em território norte-coreano. As restrições vão desde o trânsito urbano - que deve ser invariavelmente acompanhado por um guia - a revistas pornográficas, por sua vez, interditadas.

Hábitos incomuns ao autor geram nele cada vez maior afastamento com o lugar em que está. Hospedado em um dos três hotéis para turistas da cidade, aos poucos ele descobre facetas novas do regime e da sociedade. O que no começo parece ser curiosidade vai se configurando em certo estranhamento. Não há cafés, não há internet; a eletricidade é escassa, as pessoas, reclusas. "Pyongyang: uma cidade fantasma em um país eremita", define Delisle. A graphic-novel, como é chamado o gênero pelo mercado editorial do ramo, no fim das contas, promove uma aproximação maior entre autor e leitor que de ambos com os norte-coreanos. Oferece, inegavelmente, um material significativo sobre um país que tangencia, mas não se insere nas relações internacionais globalizadas. Com a dinâmica própria de uma animação, Delisle faz uma nem sempre sociologicamente comprometida incursão a Pyongyang.

O livro é uma espécie de diário da estadia de Guy em território norte-coreano, onde o canadense foi trabalhar por dois meses como supervisor de um estúdio de animação local. O relato é sincero e usa o bom humor para conseguir entender diferenças culturais gigantescas e a dura realidade de uma ditadura de mão de ferro que há décadas controla o país. As linhas, que misturam a simplicidade e a fidelidade fotográfica, funcionam como cartas de um infiltrado, que a cada dia tenta entender mais sobre o local onde reside temporariamente. Realidade e ficção se misturam, num texto solitário, acompanhado apenas de seu fiel companheiro guia/tradutor, uma figura engraçada e triste de quem

A perspectiva de Delisle é a nossa perspectiva ocidental. Ele não consegue compreender como as pessoas parecem realmente acreditar nos slogans do governo e na “santidade” de Kim Jong-Il. Na descrição de Delisle, há o medo e a opressão constantes, além de toda uma espécie de fanatismo que cerca a figura do líder. Nos diversos lugares visitados, Delisle não encontra mendigos nem deficientes nas ruas. Segundo ele, “todos parecem estar ocupados o tempo todo”. A maneira como uma mulher coreana, técnica de animação, canta as músicas em homenagem a Kim Jong-Il (que não são poucas) lembra o fervor com que certos evangélicos cantam seus hinos.

Apesar de todos estes fatores, a obra apresenta uma visão bastante positiva sobre a população do país, que apesar de sofrer bastante, sobrevive com bastante simplicidade e solidariedade. A narrativa é sempre carregada de um tom irônico e bastante crítico, mesmo quando o assunto são os costumes da população.  Depois de publicar este álbum, o autor nunca mais poderá entrar na Coreia do Norte. Sua narrativa em primeira pessoa, tornando o diálogo com o leitor muito próximo de uma conversa. Dá impressão de que fomos com ele nesta viagem, como que escondidos na bagagem… mas sem o risco de sermos descobertos. Destaque para a incrível visita que Guy faz a um templo budista e aos comentários de seu vizinho Maung Aye, sempre tentando alertá-lo sobre os falsos monges oportunistas. Também fascinou Guy a prisão domiciliar de Aung San Suu Kyi, a ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 1991. Os nativos não podem passar nem perto da rua em que mora a ex-líder popular e nem mesmo pronunciam seu nome chamando-a apenas de “A Dama”.

Pela ótica de Deslile, a Coreia do Norte é um grande delírio, a materialização da distopia idealizada por George Orwell. No entanto, Deslile em nenhum momento se despe de seu ponto de vista de rapaz ocidental. Tudo é medido pelos valores importantes à ele. Assim, o fato das pessoas não conhecerem Bob Marley na Coreia do Norte torna-se mais um absurdo desconfortável. Ele não se permite tentar entender o que realmente passa pela cabeça dos poucos coreanos com que entra em contato. O idioma e a própria atitude desses coreanos não ajuda muito. (Curiosamente, é justamente o fato do estúdio estatal coreano apresentar mão de obra barata para a produção das sequências de animação que torna a Coreia uma opção atraente para os estúdios ocidentais. Isto é, Delisle critica o regime, mas não vê nenhum problema em se aproveitar da mão de obra fornecida por esse regime...) Guy Delisle, criado numa cultura onde liberdade e democracia são palavras ligadas a valores fundamentais, julga outra cultura de acordo com seu próprio referencial. O que o leitor precisa questionar os quadrinhos que abordam essa temática do “olhar sobre o outro”.

A obra é apenas a visão de uma pessoa de fora daquela cultura, e não a expressão fiel da realidade. Sabemos que nesses países questões de opressão e brutalidade são corriqueiros, mas não podemos ter uma visão única de que nós, ocidentais, somos os certos e justos e os outros são coitados vítimas de homens maus. As coisas são bem mais complicadas do que isso. Guy Delisle era estrangeiro que passou um tempo em um país e contou sua experiência. Por outro lado, Marjane Satrapi (Persépolis), nasceu e cresceu dentro do universo de relações que descreveu, e portanto apresentou uma outra perspectiva.

Mas Delisle não tem a pretensão de fazer um relato com o rigor de um historiador ou a criticidade de um jornalista. Ele simplesmente coloca no papel tudo o que acontece no seu dia-dia. Nisto consiste muito do interesse que a sua obra desperta no público e, ao mesmo tempo, uma certa fragilidade e superficialidade que seu estilo de narrativa apresenta. O fato de empresas francesas e canadenses realizarem a produção de animações na China ou Coreia devido aos baixíssimos salários dos artistas, por exemplo, não recebe nenhuma menção de Guy. Mas, não é esse o principal problema do autor. O mais complicado é que Delisle produz um trabalho extremamente auto-referenciado que às vezes se torna repetitivo e enfadonho. Diferente do trabalho de Marjane Satrapi, por exemplo, que apesar de auto-biográfico, consegue manter a densidade de uma grande obra literária. Falta a Guy este olhar mais crítico e atento. Menos preso às aparências e à superfície das coisas.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

30 maio 2012

Quadrinhos da vida real (03)




    TRONDHEIM E BOILET

O francês Lewis Trondheim passeia por inúmeros gêneros e estilos. De simples HQ sem palavras sobre a vida de uma mosca até uma análise das teorias de criação, evolução e fim de mundo. Mais do que uma banda desenhada em registro mudo, trata-se de uma obra que sugere ao leitor novas percepções visuais através dos olhos de uma mosca. Trondheim afirma-se aqui como contador de sequências, acrescentando-lhes o delírio, montando dispositivos próximos do absurdo. Como se o menos fosse mais. E bastasse. Lewis Trondheim nasceu em França, em 1964. Dedicou-se desde cedo à HQ como amador e em 1990 participa na fundação de L’Association. Nesse mesmo ano, Psychanalyse, o seu primeiro álbum, é publicado.

Mais tarde, colabora com importantes editoras, nomeadamente a prestigiada Dargaud. Depois de uma entrada modesta no mundo da história em quadrinhos, Trondheim aperfeiçoa o grafismo e revela-se narrador exímio de um universo muito próprio onde mistura o cinismo e a sátira, sendo já considerado um dos ícones da HQ de autor do nosso século. O que mais caracteriza Trondheim é o seu estilo gráfico: evoluindo ao longo dos álbuns, os seus desenhos, que podem parecer rudimentares ou mesmo desajeitados à primeira vista, são duma espontaneidade e vivacidade raras. Quanto aos cenários de Trondheim, a ironia e a ligeira absurdidade que os contamina não fazem mais que chamar a atenção para os nossos defeitos que fazem de nós seres tão humanos.

O álbum Célébritiz traz a história de um sujeito comum que compra em um brechó um casaco de segunda mão que tem escondida no bolso, uma caixa de pastilhas. Quando o cara experimenta as pastilhas, faz uma descoberta sensacional: Essas pastilhas permitem a uma pessoa se tornar uma celebridade instantânea por um curto período de tempo, retornando, após o final do efeito, a um anonimato tão completo quanto repentino. Mas de onde surgiram essas pastilhas? E, mais importante, como usá-las para poder sair de sua vidinha mediocre? Segue-se a demolição do culto às celebridades. Trondheim faz uma incisiva crítica à maneira como a fama eleva a gênios qualquer figura medíocre e, basicamente, a permite operar fora da regras normais da sociedade. Mas além de uma crítica é também uma história dividida em pequenos "episódios" de umas poucas páginas (foi serializada em algum lugar antes da publicação em álbum), mas com uma trama bem amarrada e recheada de personagens interessantes (destaque para Yuri, o violento, marombado e acéfalo astro russo de filmes de ação). Tudo isso, claro, com o humor desopilante que fez a fama de Trondheim.

A mistura das culturas ocidental e oriental marca a obra do premiado francês Frédéric Boilet. Cansado da velha fórmula de HQ européia, em cores, 46 páginas de formato grande, o autor adotou o modelo dos orientais que, desde os anos 40 fazem mangás de uma forma mais livre, priorizando a história, a narrativa do dia a dia, podendo ultrapassar as 46 páginas limites. Boilet é dono de um traço refinado, longe de estereótipos dos quadrinhos japoneses, e cria suas histórias a partir de uma fusão entre o lápis, o nanquim e a fotografia. “O olhar flui melhor de um quadro ao outro, o que dá um aspecto cinematográfico à obra”, explicou Boilet que cria suas HQ a partir de filmagens. Enquanto o cinema faz desenhos conhecidos storyboards para depois gerar imagens em movimento, Boilet faz justamente o contrário: constrói seus esboços a partir de uma câmara filmadora para então criar suas tirinhas.

Contando histórias cotidianas, o mangá se aproxima do cinema francês dos anos 60. Essa semelhança levou Boilet a criar o movimento Nouvelle Manga. O traço realista em preto-e-branco reflete sua proposta. Assim como o nouvelle vague, o nouvelle manga prioriza a narrativa dos relacionamentos tal como eles são no dia a dia: com naturalidade, sem retoques ou truques. “A nouvelle manga oriental se diferencia da GQ européia porque transmite sensações, faz o leitor salivar, envolvendo-o na história”, disse Boilet. Para ele, as HQs eróticas ma Europa atraem um público predominantemente masculino por se limitar a retratar mulheres nuas em diversas posições, sem nenhuma ou pouca preocupação com a trama. Mas no Japão, metade do público é masculino, e a outra metade feminino, justamente por construir uma narrativa do cotidiano.

Boilet queria escrever sobre um francês que vai pela primeira vez ao Japão sem falar japonês. Ele passou seis semanas em solo nipônico e contou o que viveu em Love Hotel (1993). Algum tempo depois, fez outra “viagem antropológica! E passou um ano e meio em Tóquio e outros seis meses em Quioto. Dessa vez, Boilet escreveu sobre um francês que estava se adaptando à cultura oriental. Essa é a trama de Tóquio é meu Jardim (1999) e acabou se casando com a musa inspiradora dessa HQ. Os laços com o Japão se estruturaram e, no ano seguinte, ele se mudou definitivamente para Tóquio. Mais tarde lança O Espinafre de Yukiko, ganhador do prêmio de Angoulême em 2004.

Em entrevista Boilet afirmou que estava com vontade de sair pelo mundo fazendo quadrinhos-reportagem. “O Japão era o lugar certo para começar. Pela dificuldade de acesso, por não falar a língua e não conhecer praticamente nada do país, me coloquei o desafio: se conseguir fazer quadrinhos lá vou conseguir fazer em qualquer lugar do mundo!” Sobre sua obra, o autor diz que “Meu interesse sempre foi falar do cotidiano, de todos os elementos de uma relação entre um homem e uma mulher. Sedução, primeiro encontro, separação. Não há sentido em contar uma história de amor que termina quando a luz do quarto é apagada.” E mais, sobre a cultura japonesa relata que “por não viverem numa sociedade judaica nem cristã, os japoneses não ensinam suas crianças para que se sintam culpadas com relação ao desejo sexual. O sexo é considerado um jogo. No lugar da culpa, o que eles têm é uma noção de vergonha. Se alguém te olha com olhar desaprovador, aí você sabe que aquilo é ruim. Mas, no quarto, quando os dois estão com as portas fechadas, não existe essa pressão.”

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

29 maio 2012

Quadrinhos da vida real (02)



O ANGUSTIANTE MUTARELLI


Ele é importante por representar a resistência dos quadrinhos de autor, adulto, fugindo das soluções bem-sucedidas do humor e da pornografia. Ele transita entre diferentes caminhos artísticos. Quadrinista, dramaturgo, escritor e ator, Lourenço Mutarelli entende a vida, contanto que haja verdade, vale tudo. “Você pode buscar outras formas de se expressar, mas vindas do mesmo lugar. O que importa é ser verdadeiro”.

Ele começou a se exprimir desenhando. Cursou a Faculdade de Belas Artes de São Paulo porque queria pintar quadros, mas sentia a necessidade das letras; Sempre que desenhava acabava escrevendo algo no canto da página,. E vice-versa: se escreve algumas palavras, faz um rabisco no papel. “Essa mistura de texto e imagem reforça a necessidade de me expressar e é por isso que preferi me dedicar aos quadrinhos”.

A produção própria começou com fanzines que ele mesmo distribuía. Os primeiros dois títulos em quadrinhos, Over-12 (1988) e Solúvel (1989), tiveram 500 exemplares impressos pela extinta Pro-C Editora, de Francisco Marcatti.

O paulistano Lourenço Mutarelli marcou seu início nos anos 80, sobrevivendo a um incipiente mercado independente e mantendo em sua obra a mesma dignidade até hoje. Na sua premiada obra “Transubstanciação” (1991), o poeta Thiago sofre um angustiante estado de alteração mental. Não sabe exatamente se está sonhando ou se as coisas estão realmente acontecendo. O chão balança embaixo dos pés, como num terremoto. Em seus delírios, resolve conversar com o Todo Poderoso. O diálogo entre os dois é antológico.

Apaixonado pelo cinema, pintura, literatura e quadrinhos, Mutarelli foi um atento observador dos filmes de Tarkovski, dos quadrinhos de Philip Druillet (futurista) e Will Eisner, das pinturas de Bosch e Brueghel, da literatura de Beckett e Gertrud Stein. Lembrando ainda do norueguês Edward Munch, pioneiro do expressionismo, mestre do sufoco. “O Grito” é uma de suas obras mais conhecidas. O surrealismo escabroso de seus traços fica por conta de uma personalidade depressiva, agravada por uma Síndrome de Pânico que enfrentou em 1990 com pesadas doses de psicotrópicos.

O território das histórias de Lourenço está numa região oculta do cérebro – o inconsciente. “O Cheiro do Ralo” trata de um universo bizarro e de um personagem que compra e vende objetos usados. A história de um comerciante vil, torpe, que se redime por amor a um derrière. Antes de “Transubstanciação” (que chegou a vender 13 mil exemplares) ele publicou “Os Desgraçados” e “Eu Te Amo Lucimar”. No álbum “A Confluência da Forquilha” ele mostra um artista que não consegue unir palavra e imagem, minando a cada raciocínio sua habilidade de perceber o mundo.  Narra a história do pintor Matheus, que faz sempre o mesmo quadro (o retrato do poeta francês Baudelaire) e vê seu mundo desmoronar quando sua mulher vende todas as suas obras idênticas para comprar comida para a família. Ansioso por ganhar dinheiro, ele se envolve com Moloc, que lhe impõe um pensamento lógico e lhe tira a inspiração artística.

O traço, expressivo, consegue amarrar a atenção do leitor sem se distanciar do texto denso e poético. Cínico e de humor negro cortante, o álbum traz o incômodo dos malditos, dos que estão sempre à margem, subterrâneo, espreitando a vida na superfície. Denso, cruel, infernal. Seus personagens são claustrofóbicos. “Sequelas” saiu em 1998.

Ele mesmo escreve, desenha, arte-finaliza e coloca as letras em seus álbuns. Seu trabalho é como terapia. “Tem gente que acha que desenhar é uma bênção. Para mim, é uma maldição. Eu não consigo parar. Eu faço quadrinhos porque preciso”, disse em uma de suas entrevistas. No início ninguém queria editar seus trabalhos porque os considerava muito diferente do que era publicado. “Eu consigo classificar minhas histórias como psicológicas. Elas são, talvez, uma mistura de gótico com estados de alma”.

Sobre seu trabalho, escreveu Lucimar Ribeiro Mutarelli: “Magnetizado pelo cinema alemão (principalmente Herzog) e por um filme em especial, As três coroas do marinheiro, de Raul Ruiz (realizado em co-produção Chile e França), contaminado pela literatura de Kafka e Dostoievski e embriagado pela música de Carlos Gardel, Lourenço Mutarelli gerou um grande número de heróis atípicos das histórias em quadrinhos. Personagens que parecem viver em uma dimensão muito próxima à nossa, envolvidos pela depressão urbana quando são capturados para viverem momentos cruciais (e muitas vezes terminais) de suas vidas”.

E continua: “O artista, que viveu sérias crises de síndrome do pânico, usa suas histórias em quadrinhos como a melhor forma de comunicação que encontrou com o mundo externo. Foi desenhando que descobriu que as outras pessoas podiam entender o que sentia e como via a vida ao seu redor. A expressividade do preto do nanquim sobre a folha branca do papel (técnica preferida por ele) ampliou o realismo fantástico e sofrido de seus personagens.(...) De uma certa forma, Lourenço Mutarelli personifica, em seus heróis, retratos da sociedade contemporânea: o trágico e burlesco, movido a decepções, fracassos e muita insegurança de um mundo ficcional (ficcional?) totalmente desprovido de elementos éticos e morais. Cada leitura possibilita o descobrimento de novas particularidades dos heróis”.

Para o cineasta Joaquim Cardia Ghirotti, “A estética de Lourenço Mutarelli é a estética do grotesco. Suas formas são disformes, seus personagens, perturbados, doentes, sofridos. Predominam as sombras, o escatológico, a morte, os inimagináveis processos pelo qual o corpo passa após o fim de suas funções vitais. A perda, a deformação, o desespero, o limite, o fim, a angústia, o pesadelo infernal de se viver em dor. Estes são temas abordados constantemente através da obra de Mutarelli.
Suas histórias, desenhadas predominantemente em preto e branco, nos remetem a um universo onírico, de escuridão, deformação, mutação e morte. Um universo enevoado, uma espécie de pesadelo perene, eterno e real, que é a realidade”.

A partir de 1999 surge a trilogia do detetive Diomedes – “A Soma de Tudo. Parte 1”, “A Soma de Tudo. Parte 2”. Teve ainda os romances “Jesus Kid” e “O Cheiro do Ralo”. Este último virou filme roteirizado por Marçal Aquino sob a direção de Heitor Dhalia e tem o ator Selton Mello como protagonista. Mutarelli participa do filme. Assim o artista gráfico está envolvido profundamente com a literatura e o teatro, além do prazer de interpretar.

A ideia central da tragicomédia O Cheiro do Ralo surgiu porque Mutarelli andava sempre mal vestido, seguido pelos seguranças e, como não sabe negociar nada, vivia tomando prejuízos. Resolveu criar um personagem que fosse o seu oposto, soubesse vender, humilhar, negociar. Na época ele trabalhava num quarto de empregada e tinha um banheiro com um cheiro insuportável. Assim, começou a imaginar o efeito que aquilo podia ter sobre o personagem. O comerciante frio e cruel se aproveita da fragilidade de pessoas que o procuram para ganhar uns trocados com a venda de alguma joia a família ou de um pertence muito querido. O próprio Mutarelli aparece no filme como o segurança da loja.

E é esse universo sombrio, doentio, mais psicológico que está fazendo com que a obra de Mutarelli seja ampliada em outras linguagens. Vale a pena conhecer o trabalho do artista. Mas se prepare para entrar no mundo das sombras, do interior das pessoas.  Mesmo já tendo publicado nove álbuns de quadrinhos e cinco livros (“O teatro de sombras”, “O cheiro do ralo”, “Jesus Kid”, “O natimorto” e “A arte de produzir efeito sem causa”), Mutarelli pleno de experiências no cinema, no teatro e na literatura, o autor — que começou a carreira como cenarista de desenhos animados nos estúdios de Mauricio de Sousa, o pai da Turma da Mônica — voltou a desenhar compulsivamente em moleskines. E é em um destes cadernos que ele prepara sua volta às HQs com “Quando meu pai se encontrou com um ET fazia um dia quente”, a ser lançada este ano pela Companhia das Letras.
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28 maio 2012

Quadrinhos da vida real (01)


No rastro de pioneiros como Will Eisner, Robert Crumb, Moebius, Phillipe Druillet, Jean-Claude Forest que uma nova geração de artistas estendeu os limites dos quadrinhos, obrigando roteiristas, desenhistas e leitores a repensarem seus conceitos do que é uma HQ e do que é possível se fazer através desse meio de expressão artística. Em várias partes do mundo, uma infinidade de autores surgiu com uma maneira nova de se produzir quadrinhos. O americano Art Spiegelman, precursor do gênero, já havia retratado os horrores da Segunda Guerra no formato de HQ em "Maus", baseado em entrevistas com seu pai, um sobrevivente do Holocausto. O primor de sua história de memórias em quadrinhos recebeu o prêmio Pulitzer em 1992. Quem consolidou o gênero de jornalismo em quadrinhos, no entanto, foi Joe Sacco, narrador-personagem de uma série de livros em que retrata sua própria experiência em territórios marcados por guerras. Entre os alternativos estão os brasileiros Lourenço Mutarelli, Allan Sieber e Gilmar Rodrigues, o frances Lewis Trondhein, o canadense Guy Delisle, e muitos outros.

A esses, você pode somar outros incontáveis trabalhos, casos da obra do fotógrafo Didier Lefèvre, dos relatos autobiográficos da iraniana Marjane Satrapi, do movimento nouvelle manga de Frédéric Boilet e as cenas do cotidiano feitas pelos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá. Ainda que muito material de qualidade continue inédito no Brasil, alguns dos mais representativos títulos e autores das histórias em quadrinhos alternativos têm ganhado edições nacionais. Charles Burm, Craig Thompson, Dash Shaw, Chris Ware são apenas alguns dos nomes que podem ser facilmente encontrados nas seções reservadas aos quadrinhos nas livrarias brasileiras.

A retratação da realidade assume diferentes formas narrativas no mercado dos quadrinhos, mas apenas uma é jornalística. Na monografia Quadro a quadro: Reflexões sobre o jornalismo em quadrinhos, o jornalista Flávio Pinto Valle Belo separa o joio do trigo no mercado underground ao definir três tipos de quadrinhos da realidade: as narrativas de testemunho, do olhar e as jornalísticas.

Narrativas de testemunho - São relatos autobiográficos com elementos ficcionais, como Gen - Pés Descalços (os efeitos da bomba atômica no Japão), À Sombra das Torres Ausentes (o atentado de 11 de setembro), de Art Spiegelman, e Persépolis, de Marjane Satrapi (a Revolução Islâmica de 1979 aos anos 90).

Narrativas do olhar - Relatos construídos com a experiência do outro. O narrador é destituído de autoridade, e se vê obrigado a adotar uma estratégia textual que o legitime, como em Maus (Prêmio Pulitzer de jornalismo em 1992), que conta a vida sob o nazismo de Vladek Spiegelman, pai do próprio autor, Art Spiegelman; o livro de crônicas O Último Dia no Vietnã, que Will Eisner fez em 2000, e Fax from Sarajevo, de Joe Kubert, que em 1996 relatou a Guerra da Bósnia com base no relato de Ervin Rustemagic, enviado por fax, sua única forma de contato com o mundo ao ficar sitiado pelas tropas sérvias em Sarajevo.

Narrativas jornalísticas - Um olhar de um narrador-repórter sobre a ação do outro. Isso exige estratégias textuais que deem credibilidade ao relato. Só essa categoria seria de fato jornalismo gráfico, um novo formato de linguagem de apresentação de relatos do cotidiano.

Maus, de Art Spiegelman (1991), Palestina, de Joe Sacco (1993), Persépolis, de Marjane Satrapi (2007), O Fotógrafo, de Emmanuel Guibert, Frédéric Lemercier e Didier Lefévre (2003). Todas essas histórias em quadrinhos eram parte memória, parte revisão histórica. Parte narrativa gráfica, parte um híbrido de desenho, fotografia e colagem. Todas com um fundo profundamente humanista e com um pano de fundo de reexame da História.

Vale ressaltar que, apesar do termo jornalismo em quadrinhos ser recente, Ângelo Agostini já fazia reportagens em HQ no século XIX. Em 1869 o artista criou As Aventuras de Nhô Quim, primeira história em quadrinhos seriada com um personagem fixo do Brasil. As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte, considerado o marco inicial do quadrinho brasileiro. A história tratava da viagem que o matuto Nho Quim fazia de Minas Gerais até a corte do Rio de Janeiro, um percurso autenticamente nacional As histórias do personagem não poupava crítica aos problemas sociais do país. Nhô Quim foi uma das primeiras armas para atacar a aristocracia da época. Ele era um caipira rico e atrapalhado enviado à Corte pela família. As histórias do personagem não poupavam críticas aos problemas sociais do País e alfinetavam de comerciantes a artistas. A história mostrava o conflito entre a cultura rural e urbana.

Nhô Quim era um anarquista por vocação. Desajustado da vida cortesã, metia-se em confusões com toda espécie de gente: comerciantes, imigrantes, artistas, prostitutas, políticos e autoridades. Ele perdia tudo pelo caminho (chapéu, trem, roupas) e quase foi passado para trás por dois encartolados vigaristas que lhe empurraram falsas ações bancárias.  Esse ítalo-brasileiro foi um crítico feroz, que usou a pena como arma para instigar e mostrar à sociedade seus problemas e falhas, contudo, fez de belíssima e inovadora forma. Essa inovação se faz presente especialmente nos quadrinhos. Ao publicar as aventuras de Nhô Quim e de Zé Caipora, Agostini traz os principais elementos visuais da narrativa quadrinizada, mas incomuns para o século XIX.

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25 maio 2012

Uma palavra que ainda não foi escrita


“Agora vou contar um segredo para vocês sobre as palavras. Por favor, não espalhem, não contem pra mais ninguém porque só as palavras e os autores sabem disso: palavras podem ficar invisíveis aos olhos de alguns e perfeitamente visíveis aos olhos de outros. Ao mesmo tempo”.

Todas as palavras têm significado e servem para formar uma frase, certo? Nem sempre. Em Uma Palavra que Ainda Não Foi Escrita  (Lilian Lovisi, Editora Casarão do Verbo, 48 págs., R$ 33) a protagonista quer descobrir quem é e em qual lugar se encaixa melhor. Assim, parte em grande aventura para encontrá-lo.

O livro, de 48 páginas, publicado pela Editora Casarão do Verbo, nos conta a história de uma palavra que passa por uma biblioteca, um jornal, um teatro e até mesmo pela boca de uma criança. Conversa com outras palavras de “Reinações de Narizinho”, se sente ultrajada por um crítico (que “não passa de um antipático crítico de cinema que não se dá bem com a esposa, não brinca com os filhos e nem leva o cachorro para passear”), sai correndo de um ensaio no palco e se vê grudada num chiclete de um menino que estava indo, com os seus irmãos, aprontar uma boa bagunça.

No livro de Lilian, há uma história de pertencimento e adequação - com muita leveza e humor. Vamos acompanhando a sina daquela que nem sabemos exatamente quem é, mas somos solidários a ela e queremos também descobrir, afinal de contas, quem é a narradora!

Filhos adolescentes questionam tudo. O mundo, seus pais, suas vidas, sua própria personalidade. E talvez por isso possam se identificar com o livro “Uma Palavra que Ainda Não Foi Escrita”, de Lilian Lovisi é para ler com toda a família em volta. Quando a identidade da protagonista é revelada há surpresa geral. Vale a pena conferir!

“Sonho é solução pra dia acordado, é conserto de mundo que anda errado”

Asa da palavra


Voltado para o público infanto-juvenil, Asa da Palavra, de Adriano Bitarães Netto (Mazza Edições) aborda, através de uma narrativa poética, as tentativas frustradas de um garoto que tenta reproduzir as atitudes, a linguagem e a religiosidade de seu pai. Por mais que tente negar a si mesmo para ser quem o pai espera que ele seja, o protagonista proporciona consecutivas decepções para a família.

O tema é a denúncia contra a intolerância religiosa. O desejo do narrador bate de frente com o do pai, de quem as palavras saíam em linha reta direto pro alvo. Mas as palavras do filho queriam dar voltas, não tinham alvo, elas tinham asas e queriam era voar.

Através dessa temática, o livro discute de modo sutil e delicado, a imposição dos valores paternos, sociais, religiosos e culturais sobre a formação identitária das crianças e dos jovens. Até que ponto os valores considerados “bons”, “corretos” e “dignos” pelos pais são condizentes com os desejos e a realidade dos filhos? Asa da palavra ressalta como o embate de valores gerado pelos conflitos de gerações pode ser discutido de modo sensível, sem desrespeitar credos, épocas e concepções morais.

Vale a pena abrir o livro e deixar as palavras correrem pela casa com lirismo e força poética as inquietações e angústias desse menino diante do mundo que o rodeia.


E ondas são asas. Asas de ar e água. Asas de espaço e tempo. Asas de esperança e desencantamento. Asas de palavra e silêncio.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

24 maio 2012

Lenda ou realidade? Cidade perdida da Bahia



A cidade perdida da Bahia, concebida através do manuscrito 512 (KRUSE, Herman. O manuscripto 512 e a viagem à procura da povoação abandonada. São Paulo, janeiro de 1940. Rio de Janeiro, Departamento do Patrimônio Histórico, Arquivo Nacional, p. 20), esteve impregnada de elementos culturais setecentistas, como detalhes arquitetônicos, pórticos, pirâmides, estátuas, praças e principalmente, vestígios epigráficos. Sua interpretação pelos acadêmicos oitocentistas deve ser entendida por meio de teorias arqueológicas vinculadas com esse momento, a exemplo do difusionismo e das recentes descobertas de ruínas maias na América Central.

Em 1841 o explorador Benigno de Carvalho recolheu inúmeras descrições orais dessa cidade perdida (CUNHA, Benigno José de Carvalho e. "Carta escripta ao primeiro secretario perpétuo do Instituto, Sincorá, 20 de agosto de 1842". In Revista do IHGB, tomo IV, nº 15, p. 401, outubro de 1842). A partir daí a aceitação da antiga existência da geração perdida, uma civilização muito avançada, mas desaparecida sem deixar quase nenhum vestígio. A cidade perdida serve de referencial ético, social e civilizatório para o império. Tanto a Atlântida, o Eldorado, o lago Eupana e Parimé, como a cidade perdida da Bahia, foram buscados por propósitos diferentes, sejam motivos de ordem econômica, colonialista, científica, cada um dentro do contexto social de sua época.

Assim, as ruínas da Bahia, ao final do império, foram eliminadas do campo acadêmico, relegadas a uma condição de miragem provocada por antigos pesquisadores. Porém., toda elaboração simbólica nunca morre definitivamente, sendo transformada em uma nova narrativa, ocasionando sua sobrevivência para o novo século. Assim, para a ciência oficial a cidade perdida da Bahia tornou-se uma aberração fantástica, por sua vez, estrangeiros e amadores brasileiros promoveram dezenas de expedições em sua busca, no início do século XX até nossos dias.

O escravo Francisco de Orobós afirmou ao incansável Benigno de Carvalho que esteve no quilombo quando jovem, vindo a ser cativo na idade adulta. Mas desejoso da alforria, Francisco comentou ao explorador que havia três o número de quilombos existentes ao redor da cidade perdida. A expedição fez um levantamento topográfico da Bahia, mas em meados de 1846 o general Andréa, com aprovação da assembleia provincial da Bahia, retirou as ordenações e o auxílio financeiro ao expedicionário. Benigno permaneceu em campo, na região do Sincorá até 1848 (ROCHA, Lindolfo. Zona desconhecida no interior da Bahia. Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, Salvador, vol. 34, p. 143, 1908). 

Surgiram boatos de que teria ficado louco, escutando sinos e outros sons. Escreveu para o bispo Romualdo Seixas, solicitando faculdades espirituais para beneficiar os habitantes da nova cidade a ser descoberta, onde em breve entraria (CUNHA, Benigno José de Carvalho e. "Correspondência. Offício do sr. Cônego Benigno ao exm. presidente da Bahia, o sr. tenente general Andréa, sobre a cidade abandonada que ha três annos procura no sertão d'essa provincia, Carrapato, 23 de janeiro de 1845". In Revista do IHGB, tomo VII, nº 25, p. 104, 1845). Benigno retornou a Salvador, vindo a falecer nesta cidade em 1849.

Outros exploradores continuaram a busca. O major Manoel Rodrigues de Oliveira contestou a localização proposta por Benigno (região do Sincorá) e apresentou indícios encontrados no interior da província: duas regiões – entre a vila de Belmonte (entre os rios Paraguaçu e Una, centro sul da Bahia) e a outra em Provisão (sudoeste baiano, próximo à cidade de Camamu). 

Na primeira foram localizados vestígios de móveis antigos, louças, balaústres, ferramentas, vidros, e na segunda, forcas, machados e espadas de ferro. Além de moeda de ouro. (FREITAS, Antonio de Paula. A cidade abandonada do interior da Bahia. Revista da Sociedade de Geographia do Rio de janeiro, tomo IV, n. 4, 1888, p. 156);(OLIVEIRA, Manoel Rodrigues de. "Novos indícios da existência de uma antiga povoação abandonada no interior da provincia da Bahia, 2 de julho de 1848". In Revista do IHGB, tomo X, segundo trimestre, p. 367, 1848)
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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

23 maio 2012

Música & sexo, uma relação muito estreita (13)

Grito de revolta (4)


O movimento glam inspirou um afro-americano chamado George Clinton a criar a banda glam-funk psicodélica Parliament Funkadelic, que por sua vez ampliou os limites criativos surrealistas do hip hop de hoje. Com o tempo o glam foi se transformando em punk rock. E o pivô de transição era uma gangue de jovens músicos urbanos de rua que se vestiam de mulheres. Os New York Dolls que não tocavam seus instrumentos muito bem, mas o som que eles faziam era eficiente e com entusiasmo. De Nova York para a Inglaterra foi um salto e a banda Sex Pistols vomitou uma série de rocks participando de vários escândalos públicos. Uma multidão de bandas punks inglesas surgiu no rastro do Sex Pistols, e milhares de jovens usando roupas rasgadas decoradas com slogans bizarros e ameaçadores, pontiagudos cortes de cabelo moicano, tatuagens e alfinetes de segurança ocuparam as ruas. O punk se transformou em uma identidade global que significou muitas coisas diferentes para muitas pessoas. Podia ser uma moda, ou um estilo musical. Por outro lado, o que o punk moldou foi uma postura Faça Você Mesmo (Do It Yourself - DIY). Em vez de ficar sentado idolatrando astros do rock ou gurus que supriam as pessoas com doses de uma outra viagem grátis.

Ainda em 1971 Lou Reed grava “Walk on the Wild Side” sobre travestis e a barra-pesada em Nova Iorque. Caetano Veloso lança Transa. O título do disco era a gíria da época para sexo. Em 1973 o grupo Secos & Molhados causa polêmica e faz sucesso graças a Ney Matogrosso, figura andrógina totalmente inédita. Foi uma carreira breve e fulminante. É lançado também o Lp “Todos os Olhos”, de Tom Zé, cuja capa polêmica mostra uma bola de gude num lugar nada convencional: no ânus. Na época de plena ditadura militar várias músicas do compositor havia sido censuradas. Seu amigo Décio Pignatari propôs colocar um ânus na capa. Em foco fechado e com uma bola de gude no traseiro, o resultado foi exposto nas vitrines das lojas e a censura nem imaginou do que se tratava.

The Rock Horror Picture Show (1974) mistura glam, sexo e pesadelo nas telas, virando cult movie da noite para o dia. Os Sex Pistols começaram a escandalizar o mundo ocidental com o visual punk direto da butique Sex, ponto de encontro da banda. “Jóia” (1975) disco de Caetano traz na capa o cantor, Dedé Veloso e o filho Moreno, nus. A censura proibiu a capa e fez com que ela fosse trocada. Em 1979 Rita Lee grava “Mania de Você” inaugurando uma fase sensual, que a partir daí incluiria “banho de espuma” e falaria em “de quatro no ato”.

Nos anos 80 o duplo sentido de “Rock das Aranhas”, de Raul Seixas, é vetado pela censura e proibido de tocar no rádio. A banda punk baiana Camisa de Vênus causa controvérsia por causa do nome. Luiz Caldas populariza a lambada com a música “Fricote”. Jello Biafra, líder do grupo punk Dead Kennedys, é acusado de promover e vender material pornográfico para menores, graças à arte do Lp “Frankenchrist” (com vários pênis voadores desenhados). Outra capa de disco é censurada: “Lovesexy” em que Prince aparece pelado, intensificando a campanha para censurar a indústria musical nos EUA. “I Want Your Sex”, de George Michael, encontra resistência nas rádios americanas. O grupo Ultraje a Rigor grava “Sexo!”. Fausto Fawcett inaugura a era das “calcinhas exocet” no hit “Kátia Flávia. Louraça belzebu, Godiva do Irajá”. E Tina Turner exalava estrogênio e progesterona na canção “What’s love got to do with it?” música com sexo, sexo com música. Tem ainda a bela “Sexual Healing” onde Marvin Gaye diz que está quente como um forno e precisa de amor. “Baby, vamos em frente essa noite /Baby, estou pegando fogo  preciso de um pouco de amor  E baby, não consigo esperar muito mais  está ficando cada vez mais forte  e quando me sinto assim  preciso que o sexo me cure  eu quero que o sexo me cure”.

A década de 90 confirma a presença da dominatrix Madonna. Mais do que dançar, cantar e representar, Madonna sabe como poucos vender sua imagem. Em 1992, o ano do sexo seguro, do voyeurismo e da masturbação ela colocou no mercado seu disco “Erótica” com todas as variantes da house music. A cantora embarcava de vez na dance music e emplacou o erotismo da era “safe sex”. Além de falar de sexo com incursões por estilos como o disco e o rap no álbum “Erótica”, a cantora lançou o livro “Sex” com poses provocadas por seus devaneios eróticos, muitas delas com homens e mulheres, usando insólitos objetos como coleiras de cães ou arreios. Madonna levava a pornô-chique para a música. Desde que despontou no cenário musical nos anos 80 a popstar resistiu ao tempo pela sua habilidade de se reinventar e lidar com seus negócios. Sempre escreveu e compôs suas músicas e nunca foi controlada por empresários. Foi a própria Madonna que criou seu personagem. Isso é o que faz a grande diferença e permite a sua longevidade..


Referências:

BLANNING, Tim. O Triunfo da Música: a ascensão dos compositores, dos músicos e de sua arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

ESSINGER, Silvio. Batidão. Uma História do Funk. Rio de Janeiro: Editora Record, 2005.

FAOUR, Rodrigo. História sexual da MPB: a evolução do amor e do sexo na canção brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2006.

GOFFMAN, Ken & Dan Joy. Contracultura através dos tempos: do mito de Prometeu à cultura digital. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007. 

HOLLANDA, Chico Buarque de. Literatura Comentada. Seleção de textos, notas, estudo biográfico, histórico e crítico, exercícios por Adélia Bezerra de Meneses Boll. São Paulo: Abril Educação, 1980.

JULIANO, Carolina. Esses moços, pobres moços. Fim de Semana. Eu& nº79. Valor. São Paulo: 1,2,3 e 4/11/2001.

LUCCHESI, Ivo & Dieguez, Gilda Korff. Caetano. Por que não?: uma viagem entre a aurora e a sombra. Rio de Janeiro: Leviatã Publicações, 1993.

MELLO, Mariana & Lemos, José Augusto. Segura o funk!. Superinteressante. São Paulo: abril de 2001. Páginas 72 a 76.

MELO, Murilo Fiúza de. Arquivo do Rio mostra como era a censura. O Estado de S.Paulo. São Paulo: Arte e Lazer. 29 de agosto de 2001.

MENESES, Adélia Bezerra de. Figura do Feminino na Canção de Chico Buarque. São Paulo: Ateliê e Boitempo Editorial, 2000.

MENESES, Adélia Bezerra de. Desenho Mágico: poesia e política em Chico Buarque. São Paulo: Ateliê Editorial (2ª edição), 2000.

MUGGIATI, Roberto. Rock, o Grito e o Mito: a música pop como forma de comunicação e contracultura. Petrópolis: Editora Vozes (3ª edição), 1981.

MUSICA E SEXO. Revista Music Television nº6, ano 1, agosto de 2001. Páginas 16 a 23. São Paulo: ZMA3 Assessoria, Editora e Serviços Fonográficos Ltda.

OLIVEN, Ruben George. A mulher faz e desfaz o homem. Ciência Hoje nº37. Rio de Janeiro: Novembro de 1987. Páginas 54 a 62.

RIBEIRO, Lúcio. Miss Imoral. A pornô-pop Peaches fala do electro-punk e compara as cenas das cidades europeias. Folha de S.Paulo. Ilustrada. São Paulo: 27 de fevereiro de 2003. Página 8.

SAITO, Bruno Yutaka. Electro choque. Miss Kittin, a musa do novo electro, comanda a invasão do estilo no Brasil. Folha de S.Paulo. Ilustrada. São Paulo: 6 de novembro de 2002. Página 3.

SERRA, Ordep. Rumores de Festa: o sagrado e o profano na Bahia. Salvador: EDUFBA, 1999.

SEVERIANO, Jairo. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (vol.1:1901-1957)/Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. São Paulo: Editora 34, 1997 (Coleção Ouvido Musical)

SEXO & LINGUAGEM. Revista Língua Especial. Editora Segmento. São Paulo: Junho de 2006.

SHUKER, ROY. Vocabulário de música pop. São Paulo: Editora Hedra Ltda, 1999.

VELOSO, Caetano. Letra só; Sobre as letras/Caetano Veloso; organização Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

WISNIK, Guilherme. Caetano Veloso. São Paulo: Publifolha, 2005 (Folha Explica)

É Sacanagem. O som do sexo nas pistas. Volume 01. Edição 2, dezembro de 2003, páginas 36 a 38. São Paulo: Editora Abril.

Funk em Questão. Bravo. São Paulo: Edição nº90. Março de 2005.

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22 maio 2012

Música & sexo, uma relação muito estreita (12)



Grito de revolta (3)





No final dos anos 60, 400 mil jovens vão ao Festival de Woodstock onde tocam Jimi Hendrix, The Who, Joe Cocker, Santana, Joan Baez, entre outros. São vários dias de amor livre, droga e música. O livro “Groupie”, escrito por uma fã de rock, revela quanto sexo rola entre fãs e artistas fora do palco.

Nos anos 70 uma nova cultura roqueira, chamada de glitter ou glam, foi a primeira rebelião contracultural contra o conformismo hippie e as expectativas de correção política. O glam rock era parcialmente baseado no estilo de rock pré-hippie da subcultura Mod dândi inglesa de meados dos anos 60, e músicos glam como David Bowie e Marc Molan (T.Rex) abandonaram as longas jams musicais populares entre os músicos hippies em benefício da música pop efervescente e bem construída de três-a-quatro-minutos que fazia lembrar aquele período.

O crescimento da cultura gay estava em alta. A cultura do glam rock estava alicerçada na consanguinidade entre a Art Factory de Andy Warhol (habitada por drag queens, amigos drogados e outros freaks) e o Velvet Underground (a experimental banda de rock que Warhol financiou em 1966/67).

Em 1971 surge o grupo New York Dolls, primeira banda drag queen do rock. No ano seguinte explode o glam rock com David Bowie e Marc Bolan despertando o desejo bissexual. Glam Rock, também chamado de glitter rock foi um estilo/gênero musical relacionado com uma subcultura do início dos anos 70, especialmente no Reino Unido. Caracterizou-se por um forte apelo visual. A música estava atrelada ao desempenho cênico. Os elementos de androginia e bissexualidade faziam parte da imagem e do apelo do glam rock. Bowie escolheu seu nome por representar uma faca que corta dos dois lados.

Para o professor Tim Blanning, o avanço ocorrido no mundo em relação ao homossexualismo seria impensável sem a participação dos músicos, outra demonstração do poder libertador de sua arte. E conclui: “Para o bem ou para o mal, a música tem sido transformada no mundo moderno – e tem ajudado a transformar esse mundo” (2011, p.343).

A ambiguidade sexual é fundamental para muitas formas de música popular, que frequentemente subverteram a sexualidade dominante (construída em torno da oposição masculino/feminino). Alguns artistas representam, subvertem e praticam abertamente várias sexualidades. Outras se estabelecem, ocasionalmente com muita autoconsciência, como objetos do desejo heterossexual ou como ícones de diferentes sexualidades (“fora dos padrões”), inclusive seus contribuintes.

Alguns gêneros e artistas estão relacionados a sexualidades ou comunidades específicas. Por exemplo, a música disco geralmente celebra o prazer físico, e é vinculada á comunidade gay e às cenas club, enquanto o heavy metal foi tradicionalmente associado à masculinidade explícita. As letras de muitas canções pop do atual cenário musical tratam do desejo, da ânsia e da luxúria; algumas abordam outras orientações e práticas sexuais.

Outras canções funcionam em um nível satírico, brincalhão. Discute-se se esses textos são “lidos” de modo literal por seus ouvintes, público e fãs, ou se as alusões ou leituras preferenciais dos artistas que estão embutidas no texto são reconhecidas, sem falar de sua assimilação dentro dos valores e significados pessoais e sociais.

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21 maio 2012

Música & sexo, uma relação muito estreita (11)

Grito de revolta (2)

Enquanto os Beatles preservaram sua integridade trilhando um caminho neoromântico, os Rolling Stones aumentaram a sensualidade de suas apresentações.  Mick Jagger cantou “I just wanna make love to you” (Eu só quero fazer amor com você) e “Let´s spend the night together” (Que tal passarmos a noite juntos?). Uma mensagem reforçada pela linguagem corporal igualmente inequívoca.

Para o professor de história moderna na Universidade de Cambridge, Tim Blanning, “os Rolling Stones tiveram a sorte de entrar em cena justamente quando duas tendências sociais poderosíssimas começaram a convergir com uma tremenda sinergia: a revolução sexual e o choque de gerações. O grupo se beneficiou dessa combinação – além de dar um impulso adicional de poder inquestionável, embora inquantificável. Para os adolescentes em busca da liberação sexual como parte da rejeição da cultura dos pais, bandas de rock como os Rolling Stones se tornaram ídolos muitos atraentes. Na cultura popular do passado, o sexo havia sido edulcorado em baladas melosas ou insinuado discretamente (a câmera passando de um beijo para um trem entrando no túnel). Agora estava a vista, sem rodeios, cada vez mais explícito” (BLANNING, Tim, O Triunfo da Música, 2011, p.331).

Para ele, o rock “tirou o sexo do armário da classe média de meia idade, trazendo-o para o centro de uma cultura jovem, que é, de forma consciente e agressiva, hedonista e amoral” (p.332, 2001).
“De todas as mídias de massa, o rock é a mais explicitamente voltada à expressão sexual. Isso reflete sua função como forma cultural jovem: o rock trata do problema da puberdade, aborda e explicita as tensões psicológicas e físicas da adolescência, acompanha o momento quando meninos e meninas aprendem seu repertório de comportamento sexual público”. A afirmação é dos sociólogos Simon Frith e Angela McRobbie (Rock and sexuality, em On record: Rock, pop and the written word, org. Simon Frith e Andrew Goodwin (Londres, 1990, p.371)

No plano da imagem, o músico de rock assumiu e divulgou o modelo unissex, derrubando o estereótipo masculino tradicional e adotando seu lado feminino. A ambiguidade é ostentada como rebeldia sarcástica. No grupo de Alice Cooper (Alice é homem), todos os componentes (homem) se apresentavam travestidos, com cílios postiços e mini-saias. Ele explica sua ambiguidade sexual deliberada: “As pessoas ficam muito surpresas quando entram em contato conosco e verificam que somos homens de verdade. É muito simples. Todo mundo é parte homem, parte mulher, e você tem que aceitar as duas partes se quiser que a cuca funcionem bem. É a lei natural. As pessoas que se sentem ameaçadas por nós realmente não estudaram a fundo sua própria sexualidade. Mas, depois de nos verem, sempre levam alguma coisa para ruminar em casa”.

Na linguagem de Jung, é o homem assumindo a anima, o componente feminino da sua personalidade. O uso de cabelos compridos pelos jovens da década de 60 se deveu principalmente à imagem criada pelos cantores de rock, e o mesmo vale para a revolução nas roupas. O modelo unissex é promovido, sobretudo, no plano cenográfico. Mas também não faltam, nas letras de rock, as citações de natureza sexual. O próprio nome rock’n’roll é expressão quase direta do ato sexual, originando-se de um velho blues que diz “meu homem me embala com um balanço legal (My daddy he rocks me with a steady rolll). O establishment reage ao rock como reagia trinta anos antes ao jazz, cujo nome veio da palavra “jass”, expressão de gíria carregada de conotações copulatórias,. O jazz teria surgido em 1900 no “bairro da luz vermelha”. Storyville, ou seja os bordéis de Nova Orleãs que um sociólogo descreveu como “uns quarenta ou cinqüenta quarteirões de sexo e música”. A associação entre música e sexualidade é uma constante.

A atriz e cantora anglo-francesa Jane Birkin ficou famosa nos anos 60 e 70 como protagonistas de papéis eróticos. A canção “Je t’Aime Moi Non Plus”, composta pelo seu então marido Serge Gainsbourg, chegou a ser proibida em 1969 no Brasil. No filme de Michelangelo Antonioni, “Blow-Up-Depois Daquele Beijo” ela rolava no chão e mostrava os seios. Em “A Bela Intrigante” ela passa o filme de Jacques Rivette praticamente nua. Teve ainda “Se Dom Juan Fosse Mulher”, “Slogan”, “O Muro das Maravilhas”, “A Piscina” e “Excesso e Punição”. Este último sobre um pintor pornográfico.
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18 maio 2012

Música & sexo, uma relação muito estreita (10)

Grito de revolta (1)




E o que quer e o que pode um novo ritmo mudar no silencioso mas efervescente anos 50? Transformar. O rock surgiu como o grito de revolta de uma nova geração. O rock’n’roll foi o gênero de música popular que surgiu quando as canções do rhythm’n’blues negro começaram a ser difundidas pelas emissoras de rádio em busca de maior audiência, predominantemente branca, e quando os artistas brancos começaram a regravar canções do rhythm’n’blues negro. O rhythm’n’blues, a country music norte-americana e o boogie-woogie (estilo percussivo e rítmico dos pianistas negros) dos anos de 1940 e 1950 constituem o rock’n’roll dos primeiros tempos.

O próprio nome rock´n´roll tinha uma conotação sexual explícita. A cantora de blues Trixie Smith cantou em uma gravação de 1922 “My man rocks no with one steady roll”, enquanto Ferdinand Morton (1885-1941) se auto-apelidou Jelly Roll (um doce cilíndrico e comprido que na gíria do blues designava o pênis) para apregoar sua destreza sexual.

A juventude de classe média branca, colocando-se como oprimida em relação à sociedade estabelecida de seus pais, assume a cultura negra como bandeira. Da conjunção explosiva de duas correntes sonoras – o rhytm and blues negro e a música dos brancos rurais, o country & western formou o estilo chamado rock’n’roll que irá subverter a partir da década de 50 os hábitos de consumo musical e da própria cultura americana. Um editorial da revista Billboard (1954) condena as canções de rhythm & blues com duplo sentido. O estilo é considerado sexualmente sugestivo e deflagra uma campanha para proibir a proliferação de jukeboxes em “cidades decentes”. A polícia confisca jukeboxes em Memphis, onde um certo Elvis começa a se tornar conhecido.

A idolatria por Elvis, cognominado The Pélvis, atingiu tais proporções no início dos anos 50 que a televisão – veículo até então numa posição marcadamente reacionária diante da nova música – se viu forçada a contratá-lo, em 1956, para o famoso show de Ed Sullivan. Mas Sullivan impôs uma condição: que Elvis só fosse focalizado pelas câmaras da cintura para cima, pois a ginga dos seus quadris era considerada “obscena”. O excesso de sensualidade foi uma das primeiras acusações lançadas contra o rock’n’roll. Seu caráter primitivo de dança, herdado da música fortemente ritmada do negro norte-americano, era enfatizado até na letra de alguns sucessos, como na canção-manifesto de Chuck Berry, “Rock and Roll Music”. Em 1962 o bispo de Nova Iorque proíbe alunos de escolas católicas de dançar o twist, uma das primeiras danças a “liberar” de vez o quadril dos americanos, que até então não tinham ideia do que era um bom rebolado.

No rock’n’roll de Elvis a balança pendeu para o dionisíaco, daí o predomínio da dança. De Bob Dylan aos Beatles restabeleceram o equilíbrio apolíneo/dionisíaco: o ritmo continuou pulsando interiormente, vigoroso como nunca, mas e por isso mesmo tornando desnecessária a expansão física na forma de dança. Bastava ao ouvinte marcar apenas um compasso mental. “Políticos eróticos é o que somos”, dizia Jim Morrison, do conjunto The Doors, processado em 1968 por ter levado ao pé da letra esta sua declaração de princípios, simulando masturbar-se diante de um público juvenil da Flórida. Janis Joplin prometia “compor uma canção que descreva o que é fazer amor com 25 mil pessoas e depois voltar sozinha para casa”. Ela encarava um concerto de rock como “um ato sexual” e dizia: “Eu canto com minha voz, com o corpo, com o sexo – eu canto toda”. Em “Light My Fire” The Doors repete insistentemente “venha, garota, acenda meu fogo”.

Ao descrever sua música, Ray Charles parece também falar de sexo: “Soul é o modo de entrar numa canção e fazer a canção entrar na gente. Fazer dela uma parte de nós mesmos, mas uma parte real, concreta, quase tangível”. Mick Jagger descreve o que ele experimenta durante um concerto: “A gente sente a adrenalina subindo pelo corpo. É uma coisa muito sexual e a energia parece transbordar daqueles públicos imensos e trepidantes de Nova Iorque, Chicago ou da Califórnia”. Quando canta – e Jagger é dos cantores brancos que mais se aproximam do grito do blues – ele executa também uma dança toda sua que já foi chamada de grito do ventre.

Um dos maiores sucessos do grupo Rolling Stones, a música que marcou seu estilo, se chamou (I Can’t Get No) Satisfaction, comentário cáustico sobre a impotência do homem moderno. Em 1965 as rádios dos EUA banem a música Satisfaction. No ano seguinte seria a vez da polícia tentar cancelar um show de James Brown alegando que a dança do cantor é obscena. Nos concertos, Mick Jagger, costumava rebolar com a malícia de um travesti e manipulava o microfone fálico com mil insinuações. Jim Morrison e Janis Joplin também não faziam por menos em suas apresentações públicas e Jimi Hendrix violentava a guitarra num ato de amor e ódio, tocando-a com os dentes, entre as pernas, acariciando-a como se fosse uma mulher.

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