27 fevereiro 2009

Poesia, poesia, poesia para melhor o dia-a-dia

Pescador de sonhos
Sou um pescador de sonhos, um viajante dos sentidos, o amor veleja minha vida, solidão está perdida. Me entrego a todo instante, no prazer de ler, escrever, escreviver. Tudo além de mim, o mar nas ondas desse mar sem fim. Acho que estou apaixonado, sinos tocam em minha mente, coisas que para muitos, estou doente. Mas o que fazer, quando na vida o amor flechou você. É deixar o barco navegar, aproveitando o sol nascer de cada dia, beleza pura de se ver. Podes crer. Agora é tentar com tudo isso, sobreviver. O meu percurso nesse universo é feito de textos e versos, fragmentos, discernimento, aconselhamentos e outros elementos. Tudo misturado, entrelaçados, nesse caminho de grande saber, pois tudo pode acontecer, e até mesmo esquecer, que a vida passa por um fio, um rápido assobio e aí, ninguém vai dar um pio. É isso. O mundo é dos que sonham e toda a lenda é pura verdade.

Iguais e diferentes


Somos todos iguais e, ao mesmo tempo, diferentes
alguns fazem poesia, outros lamentos
e muitos poucos fazem coisas surpreendentes.
Diferimos uns dos outros pela estatura,
pela pele clara, morena ou mesmo escura
e até mesmo pela magreza ou por muita gordura.
E o sentimento de amor chega para todos
uns bem mais, outros muito pouco
mas quando chega deixa qualquer um torto.
Mas quando se ama faz qualquer loucura
uns para o bem, outros pela tessitura
é a imperfeição do amor mesmo com candura.

Decifro


Decifro o seu cheiro
em um silencio de fevereiro
os dedos aflitos de minha saudade
sobre o peito que se completa de pelos.
Decifro o seu olhar
em uma volta que o relógio dar
não ousar escolher o esquecimento
esqueço de mim seu olhar atento.
Decifrei o seu toque
nos dedos ocultos de meu bosque
e na paisagem imprópria e indecente
acorda as estrelas afastadas, indiferente.
Decifrei o seu paladar
degustando minha saliva de amar
abrindo todas as comportas fechadas
de meus poros, deixando-me acreditar.
Decifrei a sua audição
nos compassos de seu corpo, no seu coração
no som de seu molejo, no trajeto de seu ensejo
no primeiro olhar, primeiro beijo, primeiro toque, traição.


Sol na pele


Ela trazia a chama nos cabelos
e o vento no corpo inteiro.
Ela trazia o calor do sol na pele
e o gosto de sal exalando célere.
Ela trazia o brilho da luz no olhar,
manhãs iluminadas num simples piscar.
Ela trazia o cheiro perfumado no beijar
e o gosto doce e molhado de amar.
Seu sussurro na noite não chega a som,
mas, toca na minha pele uma brisa vã.
Há uma atmosfera no ar que me acalma,
e onde nossos corpos se agasalha.
E a noite vai passando docemente
nos lençóis da nossa cama lentamente.
E tudo dela fala: o cheiro, a cor, a brasa,
corpos saciados e só a boca se cala.
Ela sorri e faz gesto largo,
o quarto brilha e reluz, somos luz.
Agora está em mim e não se perde,
confidência suave e me aquece.
Parece um sonho sereno e disperso,
se for é sereno e não desperto.

Tatuagem


Quero tatuar na minha pele
todas as formas de seu corpo
que minha visão excita
meu paladar agita
meu tato transmita
minha audição incita
e meu cheiro infiltra.
Tudo isso circulando em corpo
como energia nos limites entre a cabeça e os pés
maremotos, incêndios, tempestade
quero estar agora no por do sol de fim de tarde.
De um céu transmutado de vermelho em abismo alaranjado
inflamado no caráter dionisíaco de sua nudez
e a minha flacidez se infla, se retesa em flecha
entre as formas arredondadas de seu corpo febril
e rios de energia escorrem entre montes-seios
até o vale-púbis sobre o branco colchão
e os corpos fundidos em corrosões
ondas de energias fagulham filosofia
é a vida, é a vida, é a vida
num êxtase de sensação desmedida.

26 fevereiro 2009

Reflexão em tempo de cólera

O ser humano bebe e fuma demais, consome sem critério, dirige rápido demais, assiste muita tevê e lê pouco, dorme tarde e acorda cansado e quase não reza. Multiplica seus bens, mas reduz seus valores. Fala demais, odeia frequentemente e raramente ama. Aprendeu a fazer tudo apressadamente, mas não aprendeu a esperar. Participa de várias reuniões, mas as relações são vazias. Se alimenta de fast-food e de digestão lenta. Armazena informações no computador, mas se comunica menos.

O ser humano faz muitas coisas maiores, mas pouquíssimas melhores. Foi à Lua, mas tem dificuldade de encontrar com o vizinho. Conquistou o espaço, mas não o próprio. Aprendeu a sobreviver, mas não a viver. Adicionou amor à sua vida e não vida ao seu amor. Luta para limpar o ar, mas polui a alma. Planeja mais e realiza menos. Torna-se homem grande, mas de caráter pequeno.
O ser humano passa mais tempo no computador enviando e-mail, mas não tem tempo para um diálogo ou um simples abraço amigo. O avanço da ciência e tecnologia retrocedeu a busca de valores como ética, justiça, honestidade e solidariedade.
O encantamento com o corpo está forjando a outra linguagem da identidade. São as chamadas bio-identidades. A cultura hoje em dia não quer que você tenha uma forma definitiva. É exigido que você se mude o tempo todo, que você se mude enquanto consumidor de tecnologia médica e consumidor de modelos identitários. Quando você tem qualquer coisa que você acha que é algo que lhe torna fixo eles gritam “não crie hábitos”, “seja transgressor”, “se reinaugure todo o dia”, “se mude sempre”. Ninguém agüenta essa carga.
Na era de poucos valores, moral descartável, pílulas mágicas, acesso rápido e lenta reflexão, de música pouco conceitual, de tevê fútil e livro inútil, de nada que faz pensar, apenas transar, existem ainda aqueles humanos (poucos) que sabe que a vida não é tudo que se quer, mas amar tudo que se tem.
A vida é feita de jogo, de encenação, de astúcia, de ousadia e, principalmente, dos 'insignificantes' acontecimentos de cada dia. É preciso uma religação entre o indivíduo contemporâneo e seus ambientes social e natural e o estar-junto. Assim o comunicar é tocar, falar, fundir-se com o outro, pôr-se em relação, festejar, soltar-se, entregar-se a um vitalismo estruturador do social. Comunicar é viver na marcha de cada dia a pluralidade de pessoas de que cada um é constituído.
É preciso ver nas margens o essencial do que faz sociedade e descobrir a cultura brasileira — com todas as suas misturas, barroca, mestiça, e contradições. É preciso se despir dos preconceitos, das tradições e hierarquias para descobrir o que se faz e o que se pensa nessa outra escala do social esquecida, invisível. A visibilidade hoje é puramente estrutural.
Comunicar é passar de identificação em identificação, fora da noção de identidade imutável, na busca do prazer, da sinergia, da sintonia, da comunhão, da conjunção social, do estar-junto que permite viver intensamente o “fantástico do cotidiano”.
É preciso fazer parte daquilo de que fala. Deseja mostrar (não demonstrar), descrever (não prescrever), valorizar (não julgar), compreender (não necessariamente explicar), comunicar (não imperativamente informar), conectar-se.
É preciso estabelecer um dever-ser. Situação de religação que favorece as conexões, correspondências, interfaces, cruzamentos, conexidade tátil. Correspondências, conexão, religação, conexidade tátil: comunicação.
Abrace um amigo (a) ao lado e ouça o que ele (a) tem a dizer. Falar é bom, mas ouvir é bem melhor. Aperte a mão do vizinho com vontade e lhe deseje um bom dia de coração. Leia mais, olhe em volta e reflita os valores. Haja com razão e lute por uma sociedade mais fraterna, honesta, justa e pacífica. Faça a sua parte. Passe mais tempo com a pessoa que ama e beije bastante. Amar cura tudo.

19 fevereiro 2009

Preconceito, o autoritarismo social (2)

Há uma espécie de preconceito espontâneo em relação a tudo que é diferente ou desconhecido. É preciso "des-preconceituar", mesmo aquilo que pareça estranho ou esquisito ao "modus vivendi" oficial. É um erro achar que a religiosidade, o folclore e toda a cultura popular não devem mudar e que precisam ser protegidas e conservadas em seu estado original e puro. Pensando bem, a cultura do pobre é sua vida. A cultura e a religiosidade popular são dinâmicas e mudam constantemente. O protagonista da mudança é o próprio povo livre, consciente e resistente.

Preconceito é uma postura ou idéia pré-concebida, uma atitude de alienação a tudo aquilo que foge dos “padrões” de uma sociedade. As principais formas são: preconceito racial, social e sexual. O preconceito racial é caracterizado pela convicção da existência de indivíduos com características físicas hereditárias, determinados traços de caráter e inteligência e manifestações culturais superiores a outros pertencentes a etnias diferentes. O preconceito racial, ou racismo, é uma violação aos direitos humanos, visto que fora utilizado para justificar a escravidão, o domínio de alguns povos sobre outros e as atrocidades que ocorreram ao longo da história.

Nas sociedades, o preconceito é desenvolvido a partir da busca, por parte das pessoas preconceituosas, em tentar localizar naquelas vítimas do preconceito o que lhes “faltam” para serem semelhantes à grande maioria. Podemos citar o exemplo da civilização grega, onde o bárbaro (estrangeiro) era o que "transgredia" toda a lei e costumes da época. Atualmente, um exemplo claro de discriminação e preconceito social é a existência de favelas e condomínios fechados tão próximos fisicamente e tão longes socialmente. Outra forma de preconceito muito comum é o sexual, o qual é baseado na discriminação devido à orientação sexual de cada indivíduo.
O povo judeu, tradicionalmente perseguido na Europa do Leste, sofreu o anti-semitismo nazista, com um saldo de 6 milhões de mortes trágicas. Eis alguns preconceitos étnicos: “Todo cigano é ladrão”; "o judeu é perverso"; "os índios em geral são improdutivos e preguiçosos"; "todo negro é adepto de feitiçaria". Outros preconceitos: a mulher no volante e o velho vagaroso são ridicularizados e acabam excluídos.

Qualquer que seja a natureza do preconceito, há sempre alguém que se aproveita dele para seu próprio bem. Há também a crença da “inferioridade natural” da mulher, que corresponde à “superioridade natural” do homem. Considerado o “sexo frágil”, são muitos os estereótipos que se conhecem a respeito da mulher. O preconceito leva à discriminação, à marginalização e à violência, uma vez que é baseado unicamente nas aparências e na empatia.
Em um trabalho para o Departamento de Sociologia da UPB, “O preconceito contra os baianos”, Antonio Sérgio Alfredo Guimarães escreveu: “O preconceito contra os baianos, paraíbas e nordestinos é dos mais fortes e persistentes no Brasil contemporâneo, só rivalizado pelo preconceito racial. O estereótipo do baiano como o imigrante pobre, ignorante, servil, preguiçoso, beócio, sem espírito empreendedor, sem chances de se tornar alguém, pode nos levar a considerar que tal estereótipo se deve a sua condição de imigrante no sudeste do Brasil, sendo portanto produto do pós-guerra, quando as migrações internas no Brasil substituíram as migrações internacionais em termos de prover de mão-de-obra a nascente indústria do sudeste, principalmente São Paulo. Só em parte isso é verdade. E é tão mais verdade para os termos paraíba, no Rio de Janeiro, e nordestino, em São Paulo, que para baiano”.

“A verdade inteira começa ainda no Brasil Colônia, quando a Bahia era a capital brasileira e os baianos, seus habitantes, se arrogavam a ser os únicos habitantes civilizados da Terra de Santa Cruz. Nos conta Gilberto Freyre que, em reação a tal pretensão, baiano passou a denotar no Sul, principalmente no Rio Grande, um janota palavroso, maneiroso e efeminado, típico dos homens urbanos, especialmente do Norte. Leiamos o mestre: ´E o baiano da cidade, isto é, de Salvador, acabou por sua vez fazendo de sua condição de homem da capital do Brasil – por muitos anos a cidade por excelência do palanquim e de negros que gritavam para todo homem de sapato que descesse do navio ou nau: “Qué cadeira, sinhô?”- motivo de supervalorização de origem ou de situação regional. Era como se fosse Salvador a única região civilizada, urbana, polida, do Brasil; e o mais, mato rústico. A essa supervalorização de origem ou situação urbana ou metropolitana, o gaúcho reagiu a seu modo, desdenhando de quanto brasileiro do Norte se mostrasse incapaz de montar a cavalo com a destreza dos homens do extremo Sul; e associando essa incapacidade à condição de baiano. Ser baiano era ignorar a arte máscula da cavalaria. Era ser excessivamente civilizado: quase efeminado. Quase mulher. Quase sinhá. Era só saber viajar de palanquim, de rede, de cadeira, aos ombros dos escravos negros. De modo que baiano tornou-se, no Brasil, termo ao mesmo tempo de valorização e de desvalorização do indivíduo por circunstâncias regionais de origem e de formação social. E o mesmo se verificou com gaúcho.”(Freyre 1936: 369).

“Baiano, portanto, enquanto metonímia de gente do Norte, ou Nordeste, como passou a ser conhecida a região a partir dos 60 do século XX, era já uma criação do século XVIII, ao menos para os gaúchos. Mas não tinha, certamente, o caráter incontroversamente pejorativo que ganhou nesse século. Era, como nos diz Freyre, um termo de valorização e desvalorização, ao mesmo tempo, provavelmente mais de valorização que seu contrário, pois todos sabemos como, na sociedade de corte, eram malvistos os homens do interior”.

18 fevereiro 2009

Preconceito, o autoritarismo social (1)

O preconceito (pré-juízo) é uma forma de autoritarismo social de uma sociedade doente. Normalmente o preconceito é causado pela ignorância, isto é, o não conhecimento do outro que é diferente. O preconceito leva à discriminação, à marginalização e à violência. Estas atitudes vem acompanhadas por teorias justificativas. O racismo e o etnocentrismo defendem e praticam a superioridade de povos e raças. Trata-se de um conjunto de atitudes sem fundamento na experiência prática. São julgamentos dirigidos a pessoas que pertencem a grupos raciais, políticos, linguísticos, nacionais, religiosos, sociais, entre outros.

A civilização greco-romana rotulava de “bárbaros” todos os que estivessem fora dela, e seus herdeiros utilizam o termo “selvagem” com o mesmo sentido. E precisamente os “selvagens” manifestam características semelhantes. Os povos que sofreram o triste episódio do colonialismo foram saqueados, espoliados e muitas vezes extintos. Os civilizados europeus que se apossavam das riquezas e do trabalho desses povos indefesos justificavam seus atos pela “inegável inferioridade do homem de cor, sua natural indolência, e pela nobre missão de lhes transmitir os mais elevados valores do Ocidente”.

Os antropólogos chamam de etnocentrismo o conjunto de preconceitos e hostilidades sentidos por um grupo social ou elemento estranho – são “eles”. Nos EUA, a organização com laivos nazistas Ku Klux Klan tratou de manter vivo o ódio racial e estimulou todos os preconceitos. Na República da África do Sul, país de maioria negra dominada por uma minoria branca, o governo instituiu a singular política do Apartheid. Segundo elas, as comunidades branco e negra não deve misturar-ser, em hipótese alguma, e isso se justifica pelo desejo “louvável” de preservar a integridade das duas culturas.
Os preconceitos são adquiridos. Crianças, por exemplo, vão assimilando os preconceitos dos pais. A escola tem papel fundamental no sentido de reforçar ou neutralizar as idéias preconceituosas adquiridas em casa.
Quando o cantor e compositor Michael Jackson que teve a pele negra e ficou mulato em Thriller, clareou mais em Bad e apareceu completamente branco em Dangerous, o mal-estar que isso causou na mídia foi assustador. O cantor e compositor Arnaldo Antunes em seu artigo no Folha de S.Paulo (Riquezas são diferenças, 07/01/92) escreveu: “Brancos sempre puderam parecer mulatos, bronzear-se ao sol ou em lâmpadas específicas para esse fim, fazer permanente para endurecer os cabelos. Tudo isso visto com naturalidade e simpatia (...) Até mesmo aquela caricatura do Al Johnson era vista com graça. Agora, o negro Michael Jackson entregar seu corpo à transcendência da barreira racial desperta revolta, reações de protesto e aversão” (...).

“É que Michael Jackson é um Macunaíma ao avesso. Se o anti-herói de Mário de Andrade faz de si a parábola da gênese das diferenças raciais no espaço ficcional, Michael Jackson representa, em carne e osso, a abolição dessas fronteiras. Mas parece que, mais de cem anos depois, o Brasil ainda não está preparado para aceitar a Abolição”.

Os negros que estão condenando a mutação de Michael Jackson, insinuando ser ela fruto de inveja de uma suposta condição dos brancos, acabam na verdade chegando a um veredito semelhante ao do racismo branco que diz: `Como esse negro se atreve a usar a minha cor em sua pele?`. Michael Jackson continua cantando com o mesmo swing de quando tinha a pele preta, e dançando cada vez mais lindamente aquela dança que influenciou milhares de negros no mundo inteiro. Ele ostenta a pele clara como quem diz ´eu posso´. E canta: ´I´m not going to spend my life being a color´. E faz de seu corpo a prova de que a questão racial vai muito além da cor da pele. O corpo é para usar. O corpo é para ser usado. Michael Jackson está colocando seu corpo a serviço de um tempo em que a pessoa valha antes das raças, e o planeta antes das nações. Não se trata de extinguir as diferenças, mas de fundar radicalmente a possibilidade de trânsito entre elas. A miscigenação que se fez aqui (nesse país onde todos somos um pouco mulatos ou mamelucos), diacronicamente, durante séculos, faz-se sincronicamente nele. Michael Jackson é preto e é branco. Não fala em nome de uma raça ou casta, mas encarna em si a diferença. Não é mais americano porque é do mundo todo (...). O incômodo está justamente nesse exercício de liberdade. Ele não precisa explicar nada. As respostas estão em todas na sua cara. Ou naquelas caras tão diferente se transformando umas nas outras, no clip de Back or White”.

17 fevereiro 2009

Quero ficar em seu corpo feito tatuagem (5)

Tatuar o corpo significa introduzir pigmentos na derme. Quando isso acontece, a presença desse corpo estranho (o pigmento) é logo sentida pelo organismo. Daí o organismo tende a expulsá-la e o resultado é que, em vez de tatuagem, o que fica é uma cicatriz. Segundo os médicos, não existe tratamento 100% eficaz para a remoção de tatuagens quando se deseja ou necessita retirá-las. "As marcas permanecem sempre, mesmo quando é o organismo quem as rejeita", ressalta.

Os profissionais da medicina afirmam que para retirar as tatuagens são necessários métodos de abrasão (pequenas cirurgias) ou laser. Entretanto, a resposta depende da cor dos pigmentos da tatuagem e do processo utilizado para fazê-la. "Em geral, sempre fica alguma seqüela como cicatriz ou mancha. Alem do mais, as cirurgias são caras e demandam equipamentos específicos, muitas vezes não disponíveis", completa. E lembra que não existe método que possa ser considerado mais ou menos eficaz. "O resultado vai depender da característica do paciente. Cada caso deve ser estudado com cuidado e o profissional que realizará o procedimento irá decidir qual o melhor caminho de recomposição da pele".
Todos os vestígios nos levam a crer que a prática de marcar o corpo é tão antiga quanto à própria humanidade. Não se sabe ao certo quando a prática começou, um dos registros mais antigos foi detectado no famoso Homem do gelo, múmia com aproximadamente 5,3 mil de anos descoberta em 1991 nos Alpes.
Algumas linhas azuis marcadas em seu corpo podem ser o mais antigo vestígio de tatuagem já encontrado ou cicatrizes de algum tratamento medicinal adotado pelos povos da Idade da Pedra. Já as múmias egípcias femininas, como a Amunet, que teria vivido entre 2160 e 1994 a.C. apresentam traços e pontos escritos na região do abdome, indicando assim que a tatuagem, no Egito Antigo, poderia ter relação com cultos à fertilidade.
Além do uso em rituais, a tatuagem serviria também como identificação de grupos sociais, marcação de prisioneiros, ornamentação e até como camuflagem. Com o cristianismo a técnica caiu em desuso no Ocidente e foi proibida.
Tal tradição somente foi descoberta em 1769, quando o navegador inglês James Cook realizou uma expedição à Polinésia e registrou o costume em seu diário de bordo: “homens e mulheres pintam o corpo. Na língua deles, chamam isso de tatau. Injetam pigmento preto sob a pele de tal modo que o traço se torna indelével”. Após cem anos, Charles Darwin afirmaria que nação alguma desconhecia a arte da tatuagem, de fato a maioria dos povos do planeta praticavam ou havia praticado algum tipo de tatuagem.
Em 1891, surge à máquina elétrica de tatuar, com isso o hábito se espalhou ainda mais pela Europa e pelos Estados Unidos. Até o final do século XX, a pele desenhada, até então era quase uma exclusividade de marinheiros e presidiários, atualmente é uma das modas mais duradouras entre os jovens pertencentes as mais diferentes classes sociais.
Em Salvador, os tatuadores da península itapagipana fundaram em 1993 a Associação Movimento Unificado dos Tatuadores Itapaginanos (Amuti) realizando exposições para tentar a adesão de mais tatuadores do estado. O mais famoso tatuador da Bahia foi um maranhense criado no Rio de Janeiro, Luis Carlos Carvalho Souza, o Binga. Começou fazendo tatuagem nele mesmo quando era adolescente. Os amigos começaram a requisitá-lo e a demanda aumentou tanto que ele passou a cobrar por cada tatoo que imprimia no corpo da galera. Virou negócio e ele estudou, tomou cursos, participou de encontros para intercambiar conhecimentos com feras de fama internacional e abriu um atelier na Barra. Outro importante tatuador da cidade foi Salustio Anthony´s, o Urubu, muito conhecido por todos que frequentavam a praia da Terceira Ponte em Jaguaribe ou o Terceiro Piso do Shopping Barra.

16 fevereiro 2009

Quero ficar em seu corpo feito tatuagem (4)

A tatuagem é uma das formas de modificação do corpo mais conhecidas e cultuadas do mundo inteiro, difundida em diversas culturas. De forma simplificada, a tatuagem ou tattoo é um desenho permanente feito na pele humana, e é tecnicamente uma aplicação subcutânea obtida através de introdução de pigmentos por agulhas, um procedimento que durante muitos séculos foi irreversível, mas que atualmente pode ser retirada. A motivação para os colecionadores dessa arte é ser uma obra de valor eterno.

Há diversas provas arqueológicas que afirmam que tatuagens foram feitas no Egito entre 4000 e 2000 a.C. e também por nativos da Polinésia, Filipinas, Indonésia e Nova Zelândia. Tatuavam-se em rituais ligados a religião. No oriente em países como China e Japão, a tatuagem estava vinculada às divindades configuradas no símbolo. Os líbios tatuavam-se para a deusa Neit, os egípcios para Atargatis e na Síria para deuses diversos.

A Igreja Católica na Idade Média baniu a tatuagem da Europa (em 787, ela foi proibida pelo Papa), com o argumento de que era “coisa do demônio”, assim procedendo com a intenção de ocultar antigas culturas e costumes,introduzindo a sua doutrina de uma forma quase ditatorial. Qualquer cicatriz, má formação ou desenho na pele não era visto com bons olhos. No século XVIII, porém, a tatuagem se tornou bastante popular entre os marinheiros, particularmente aqueles que navegaram os mares do sul.
O termo tatuagem, pelo francês tatouage e, por sua vez, do inglês tattoo, tem sua origem em línguas polinésias (taitiano) na palavra tatau, e supõe-se que todos os povos circunvizinhos ao Oceano Pacífico possuíam a tradição da tatuagem além das dos Mares do Sul. Os tatuadores sempre recomendam o recobrimento do local da tatuagem recém-feita com plástico de embalar alimentos, pelo menos três dias. Deve-se lavar a região com sabonete neutro durante o banho, para retirar o excesso de pomada do curativo anterior. E ainda aplicar sempre uma nova fina camada.
É muito importante não deixar a tatuagem exposta ao sol, não ir à praia, piscinas, saunas durante a cicatrização, aproximadamente durante trinta dias. Existem medicamentos comprovadamente muito bem aceitos pela pele que auxiliam na cicatrização. Mas deve-se seguir à risca as recomendações do profissional que aplicou a tatuagem, pois a maior parte dos incidentes desagradáveis ocorrem durante o processo de cicatrização
Não existe um perfil definido ou uma justificativa para o uso de tatuagens e piercings. O que se sabe é que esses dois adornos do corpo conquistam a simpatia de um número crescente de pessoas, transformando-se, muitas vezes, na marca registrada de quem os usa. A atitude de tatuar o corpo ou de espalhar brincos em partes não convencionais pode até revelar uma personalidade destacada com um toque de rebeldia, determinação e jovialidade e, talvez , seja buscando isso mesmo que cada vez mais pessoas estão aderindo.
Segundo a psicóloga Sônia Cury, o fato de tatuar o corpo pode significar o desejo de traduzir alguma coisa que a pessoa não sabe expressar em palavras, um desejo oculto. Entretanto, essa também pode ser uma atitude sem segundas intenções, ditada apenas pelo modismo ou por um apelo estético.
O mesmo acontece com o uso do piercing. "É como escolher um corte de cabelo, ou decidir usar roupas de determinado estilo. Para a maioria das pessoas não há um significado expresso no ato de fazer piercing ou tatuagem", explica. Sônia acredita que o desejo de protestar ou simplesmente de se mostrar rebelde usando piercing ou tatuagem não se justifica mais dentro da sociedade permissiva em que vivemos. "O uso já está banalizado e as pessoas não precisam mais disso para provar coisa alguma", completa.

13 fevereiro 2009

Um vulcão, uma explosão, um tesão?

Numa rede de descanso (tem coisa mais baiana do que uma rede?), ouvindo os sambas de roda do Recôncavo na Rádio Educadora que lembro da menina sapeca de pé no chão e a cabeça nas nuvens. Uma guerreira, com certeza. Batalhadora, consciente, verdadeira, ativa, um girassol neste deserto. Com sua visualidade negro-africana, ela respira vida. Com uma tatuagem nas costas, sob o sol e a brisa da praia da Boca do Rio, ela desfila admirada por todos, solvendo o sorvete que tanto gosta.

Os caminhos nunca foram abertos serenamente para ela. Dificuldades e armadilhas foram superadas para aquela menina pobre que veio de Catolandia para seguir naquilo que acredita. E sob o fogo cruzado dos medos e ansiedades ela continua sem se corromper. Navega sob o peso do mundo. E foi de uma terra quente que ela deixou seus familiares em busca da carreira que tanto almejava. Partiu em direção a Salvador deixando para trás as luzes de rua da cidadezinha. E foi parar na Boca do Rio.
Cathy parece um desenho do Di Cavalcanti. Nasceu para ser admirada pelo resto do mundo. Morena cor de framboesa, ela lembra a cor daquele céu que vai mudando com o passar do tempo, parecendo estar pegando fogo, rubros de fogueira. Quente e ardente que deslumbrava como aurora da natureza. Talvez, por isso, gosta de sorvete. E o da Ribeira lhe cativou. Delicia-se com vários sabores enquanto os nativos admiram a morena toda prosa, fogosa, baiana legítima.
Essa morena ama a liberdade. Ama andar aos risos e riscos pelas praças e passeios da cidade. De Itapoan ao Rio Vermelho, da Ladeira da Barra ao Porto rumo ao Farol. Tudo lhe ilumina. Observadora, gosta de cortar caminho pela Ribeira num desejo irrepreensível de rua, de circular livremente, de conhecer pessoas.
Detesta hipocrisia, o que pensa fala assim, na lata. E haja palavras, sons, ruídos. A menina é brava. Namorado com ela tem que ter atitude, virtude, integridade, senão a validade é logo vencida. (“É só isso/não tem mais jeito/acabou, boa sorte”, como canta Vanessa da Mata). Essa garota aguerrida, garota tesão, garota festeira, tudo estirado numa esteira de um sol de verão. E haja sol para o belo corpo, escultural, fascinante, colossal. Será tudo um sonho ou isso é apenas um texto formal? Nada é o que parece ser. Tudo pode ser fantasia, um olhar sutil de viajar, um recorte da realidade, uma observação mais atenta de uma figura querida, barulhenta. De um doce amargo na gustação, de um olhar e de uma benção, de um cheiro caseiro, de um toque caligráfico em seu corpo, de um beijo no coração.
Ah palavras! Sempre ao nosso redor, sós, em busca de uma explicação. Mas para que explicar o que é visto se tudo é recoberto de um cisco, uma poeira no chão. Se tudo vai e vem como onda e desaparece na imensidão. E seu sorriso brejeiro ilumina essa doce solidão. E nada melhor do que recordar nesse sábado quente, com uma trilha sonora diferente. Esse doce sabor de recordação. Você parece saída de uma música de Alceu Valença (“Morena Tropicana”) de uma poema de Drummond em noite quente de verão ou mesmo no texto de Clarice Lispector em plena solidão. Você existe ou é imaginação?
Você é assim, essa mistura de arte abstrata, figurativa, surrealista e pop. É uma Bossa Nova incorporada na Jovem Guarda e mesclada no Tropicalismo. E assim como um sorvete de manga vou solvendo essa delícia em tom confessional, não é paixão, não é delírio nem mesmo o sonho de cair num abismo depois do perigo. É apenas uma recordação que sai feito um jato de vulcão. Talvez a viagem que mais parece com você seja isso, um vulcão. E vou parando aqui porque não pára de chover idéias em meu pensamento, um dilúvio de contentamento uma certeza de união, feito um céu negro carregado de estrelas. Sim, agora eu sei que você é a senhora dos raios e das ventanias, a guerreira Oiá-Iansã.
E assim, aonde ela passa ilumina a vida ao seu redor, espalha perfumes, conquista outras cores, amores e ganha nova música. É só abrir olhos e ouvidos para perceber tudo isso. Se perguntar pela vida, ela responde, sim.
CATHY
Há um fluxo intenso entre você e eu
aquela química, energia eficaz, me convenceu
Não há explicação nem o que falar
apenas é verdade, autenticidade no seu olhar
E o que dizer de sua escrita?
Palavras fortes, libertas, que grita!

Há em você toda essa doçura e selvageria
uma mistura barroca, afro baiana
que encanta, mas vai além do clichê
e o efeito em todo mundo não se explica, por quê?
E não adianta querer se perder em seu labirinto
tem que ter ética, transparência, força e instinto
nada de sair correndo sem senso e sem juízo
você é bela, guerreira, majestosa e com sorriso.

Mas bobo é aquele que só fica no visual
o que poucos sabem é que você é profundo astral
uma criança saída lá de Barreiras
e não venha com conversa fiada, besteira
você dá um chega prá lá, deixa de asneira.
Você é d´Oxum e é bom navegar
com a mente, o corpo, o sal e o mar
A sensação é de carícia, de satisfação
de amor, delícia, pura integração
pode ser no litoral, no campo ou no sertão
em qualquer ponto é uma questão de construção.
E na sua vida sofrida, precisa mudar todo dia
perseguir os sonhos e ver o futuro por cima do muro
mas o que a satisfaz é encarar a vida de frente
repleta de desertos, lutas e firmamentos
e no “acúmulo de azuis” de sua cor negra
o que transparece é uma mulher de múltipla faceta.
Cathy é:
Cativa
Autêntica
Tesão
Harmônica
Yansã.

12 fevereiro 2009

Quero ficar em seu corpo feito tatuagem (3)

Apesar de toda sua história, o conceito de origem independente se adequa a tatuagem, pois ela foi inventada várias vezes, em diferentes momentos e partes do Mundo, em todos os continentes, com maior ou menor variação de propósitos, técnicas e resultados. Os tipos de tatuagens:

Tradicional (tatuagem de marinheiro): São aqueles desenhos tradicionais, como uma âncora ou uma gaivota, aliás, os marinheiros foram os grandes divulgadores da tatuagem pelo mundo.
Sumi: técnica oriental que utiliza bambu au invés de agulha. Geralmente os desenhos são ricos em detalhes.
Realista: desenhos que imitam o mundo real, como mulheres, pássaros e personalidades.
Estilizada: como o próprio nome já diz, são desenhos estilizados.
Alto relevo: muito difundida entre os índios. A pele é dissecada formando desenhos com uma infinidade de cores, praticada principalmente por aborígenes, de origem africana.
Belfaro Pigmentação: a maquiagem definitiva, como delineador, batom, etc.
Celta: desenhos de origem celta com figuras entrelaçadas. Pode ser preta ou colorida.
Tribal: desenhos em preto ou coloridos com motivos tribais. Podem ser desenhos de tribos norte-americanas, haidas, maias, incas, astecas, geométricas ou abstratas.
Oriental: trabalhos grandes, geralmente de corpo inteiro, como um painel. Os desenhos são com motivos orientais, como samurais, gueixas e dragões.
Psicodélicas: trabalhos supercoloridos com desenhos totalmente senseless.
Religiosas: trabalhos com personagens bíblicos, como um santo, uma cruz, etc.
Bold line: desenhos das histórias em quadrinhos com traços bem largos e cores berrantes.
Branding: tatuagem marcada a ferro e fogo.
Como São Feitas
As tatuagens são feitas com pigmentos importados de origem mineral, principalmente, e com agulhas específicas para tatuar, sempre descartáveis e nunca reutilizadas (mesmo que seja na própria pessoa).
As máquinas elétricas, preferencialmente, devem ter a ponteira de aço inox cirúrgico e/ou descartáveis, devem ser limpas por ultra som e esterilizadas com estufa a uma temperatura igual ou superior à 170 º C por um período de pelo menos 3 horas. Os aparelhos de barbear utilizados para depilar o local da tatuagem não devem ser reaproveitados. O tatuador deve usar luvas e máscara para procedimentos, para evitar uma possível infecção ou até a contaminação por doenças como hepatite, AIDS, tuberculose, esporos patogênicos, bactérias e fungos. A limpeza do ambiente é fundamental afim de se evitar a contaminação cruzada. A arte é conseqüência de tudo que o tatuador aprendeu durante anos, este, deve ter pelo menos, a experiência de 5 anos.

11 fevereiro 2009

Quero ficar em seu corpo feito tatuagem (2)

A tatuagem é uma tradição milenar e desde os tempos antes de Cristo que o homem gosta de pintar o corpo para fazer parte de determinado bando, grupo social ou tribo. Os primitivos se tatuavam para marcar os fatos da vida biológica: nascimento, puberdade, reprodução e morte. Depois, para relatar os fatos da vida social: virar guerreiro, sacerdote ou rei; casar-se, celebrar a vida, identificar os prisioneiros, pedir proteção ao imponderável, garantir a vida do espírito durante e depois do corpo.

Muitos povos acreditavam que os desenhos davam proteção mágica contra doenças ou má sorte. Outros usavam (e ainda usam) a tatuagem para identificar o nível ou status do portador, ou o fato de que ele pertence a um determinado grupo (é o caso, por exemplo, da gangue de motociclistas Hell´s Angeles, nos Estados Unidos).
Existem restrições religiosas à prática da tatuagem (“Você não fará qualquer corte na sua carne por causa dos mortos ou tatuará qualquer marca sobre você. Levítico 19: 28). Com o advento do cristianismo ela foi proibida na Europa, mas persistiu em outras partes do mundo. Foi redescoberta pelos europeus na época das grandes navegações, quando eles entraram em contato com os índios americanos e com os polinésios. Marinheiros europeus (e mais tarde norte-americanos) começaram a se tatuar, e surgiram casas especializadas em portos de todo o mundo.
Em fins do século XVIII, quando a Europa chegou à Polinésia, alí, diante de uma sociedade sensual, o homem branco redescobriu o gosto de marcar o corpo. A tatuagem do Taiti, das Ilhas Samoa e de outros recantos do Pacífico e da Oceania seduziu um sem-número de marinheiros, que aos poucos fora,m retornando à Europa inteiramente tatuados. Os brancos adaptaram as técnicas primitivas, inseriram temas ocidentais, e já em meados do século XIX o mundo havia se transformado num vasto empreendimento tatuado.
A arte de desenhar e colorir o corpo com agulha e pigmentos variados foi introduzida na Europa em 1770 pelo capitão Cook. Os apaixonados pela tatuagem dizem que, em 1945, três homens tatuados mudaram o mundo: Churchill, que tinha uma âncora no branco direito, Stalin, com uma caveira no peito, e Roosevelt, com o brasão da família no bíceps.
No século XIX os prisioneiros que eram soltos nos Estados Unidos e os desertores do Exército britânico eram identificados por tatuagens. Mais tarde, prisioneiros na Sibéria ou em campos de concentração nazistas também eram marcados.
Na era Cristã, na clandestinidade, sob o jugo do poder pagão, os primeiros cristãos se reconheciam por uma série de sinais tatuados, com cruzes, as letras IHS, o peixe, as letras gregas. Na era moderna, a tatuagem passou por vários anos de marginalidade. Ela retorna a ser questão de relevância em nossa sociedade quando surge em artistas de música, cinema, e em pessoas comuns.
Deixando de ser um símbolo de marginalidade, e sim uma forma de expressão individual de arte e estética do corpo, a tatuagem não é mais tosca como as de cadeias, e sim um desenho de traços mais finos e cores variadas. E assim, a elite (pertencente à indústria das finanças, dos bens de consumo, das telecomunicações, da informática e do entretenimento) começou a colorir a pele. De executivos da Nike, empresários da Fiat, atletas, artistas de cinema e da música pop, estilistas e topo models são os novos porta-estandartes da tatuagens. De Gérard Depardieu a George Michael, de Julia Roberts a Britt Eklabd, de Sean Penn a Sean Connery, de Jodi Watley a Carré Otis, de Thierry Mugler a Jean Paul Gaultier, de Kim Basinger a Madonna, de Johnny Depp a Melanie Griffith. No Brasil temos Monique Evans, Beth Prado, Guilherme Karam, Evandro Mesquita, Supla, Marina, Alexandre Frota, Bruno Gagliasso, Deborsh Secco, Kelly Key e muitos outros
No Brasil, o precursor da tatuagem moderna foi um cidadão dinamarquês chamado Knud Harald Lucky Gregersen, conhecido popularmente como Lucky, ou Mr. Tattoo. Chegando por aqui em 1959, Lucky se estabeleceu em Santos, São Paulo, utilizando seu talento e suas técnicas de desenhista e pintor profissional. Lucky teve uma participação real no mundo da tatuagem brasileira. Os tatuadores chegam a dizer que por mais imperfeita que seja a tatuagem de Lucky, ela vale muito, pois foi graças ao dinamarquês que o Brasil entrou no mapa da tatuagem moderna. Lucky foi notícia em vários jornais, e em 1975 o jornal O Globo o considerou o único tatuador profissional da América do Sul, sendo sua morte noticiada no jornal A Tribuna de Santos do dia 18 de dezembro de 1983. Por um bom tempo Lucky continuou sendo o único, até que começaram a aparecer, aos poucos, os seus seguidores, que herdaram dele as técnicas e a arte de fazer tatuagem.

10 fevereiro 2009

Quero ficar em seu corpo feito tatuagem (1)

Quero ficar no teu corpo feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem
Quando a noite vem
E também pra me perpetuar em tua escrava
Que você pega, esfrega, nega
Mas não lava
Quero brincar no teu corpo feito bailarina
Que logo se alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem
E nos músculos exaustos do teu braço
Repousar frouxa, murcha, farta
Morta de cansaço
Quero pesar feito cruz nas tuas coisas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem
Quer ser a cicatriz risonha e corrosiva
Marcada a frio, a ferro e fogo
Em carne viva
Corações de mãe
Arpões, sereias e serpentes
Que te rabiscam o corpo todo
Mas não sentes. (Tatuagem, de Chico Buarque e Ruy Guerra, 1973)

Dragões, caravelas e sereias até pouco tempo podiam apenas ser vistos no corpo de marinheiros e surfistas, que usavam esse tipo de recurso quase como uma identidade. O hábito de se tatuar parecia estar totalmente associado ao mar. Era sinônimo de rebeldia e coragem. Atualmente essa imagem mudou. E a tatuagem está novamente na moda. E em terra firme o número de pessoas que adere à nova febre é impressionante, principalmente jovens e mulheres. A tatuagem conquistou novos espaços, tornou-se urbana e ganhou formas diferentes, mais exóticas. Elas são maiores, os desenhos mais variados, quase como os grafites que vemos pelos muros das grandes cidades
A arte de tatuar o corpo é milenar. Desde os tempos dos faraós, antes de Cristo, por toda a antiguidade existem traços da tatuagem. Por essa época ela se restringia a adornar o corpo de guerreiros nos mais diferentes cantos do planeta e era encontrada tanto em vikings quanto em samurais. Sabe-se que os primeiros a adortarem, as tatuagens na história recente e fazerem dela sua marca registrada foram os marinheiros (até o Popeye das histórias em quadrinhos tem uma âncora tatuada no muque), mas ela também foi usada para marcar prisioneiros judeus nos campos de concentração nazista. Para iluminar esse lado escuro da tatuagem os surfistas adotaram visuais multicoloridos até chegar ao rock and roll, via motoqueiros.
São inúmeros os grupos que buscam nela sua marca. Os punks, skin heads e roqueiros têm uma atração especial pelos desenhos macabros. Eles têm caveiras, monstros, aranhas com teias enormes espalhados por todo o corpo. A idéia é chocar, representar da forma mais clara possível a podridão da sociedade e toda a revolta que eles sentem. “Tattoo you”, diz a capa de um dos discos dos Rolling Stones. Milhares de jovens através do mundo seguiram a ordem de seus ídolos, nos anos 70, e cobriram parte do corpo com diversos desenhos.
Ainda hoje a tatuagem é bastante discriminada e as pessoas que as possuem são vítimas de todos os tipos de preconceitos. Tradicionalmente associada à marginalidade, a tatuagem já não se encaixa neste estereótipo. Que o digam os milhares de jovens do mundo inteiro que expressam em seus corpos passagens marcantes da vida, feitas para exibição ou auto-afirmação.

09 fevereiro 2009

Centenário de Carmen Miranda

“Taí/Eu fiz tudo pra você gostar de mim/Ó, meu bem/Não faz assim comigo, não/Você tem/Você tem/Que me dar seu coração” (Taí, de Joubert de Carvalho)

Fevereiro é época de festa, alegria, carnaval, e centenário de Carmen Miranda. A pequena notável de quadris redondos, movendo-se ao som de uma batucada sensual e sua brejeirice natural está completando cem anos de nascimento. No dia 09 de fevereiro de 1909 na pequena Marco de Canaveses, Portugal nascia Maria do Carmo Miranda da Cunha. Pouco depois de seu nascimento, seu pai emigrou para o Brasil, onde se instalou no Rio de Janeiro. Em 1910, sua mãe seguiu o marido, acompanhada da filha mais velha, Olinda, e de Carmen, que tinha menos de um ano de idade. Carmen nunca voltou à sua terra natal, o que não impediu que a câmara do concelho de Marco de Canaveses desse seu nome ao museu municipal.
“No tabuleiro da baiana tem/Vatapá, caruru, mungunzá, tem umbu/Pra Ioiô/Se eu pedir você me dá/
O seu coração, seu amor/De Iaiá” (No tabuleiro da baiana, de Ary Barroso)

"Carmem Miranda foi uma das primeiras expressões internacionais do Brasil, sempre com o seu personagem característico travestido de turbante de frutas tropicais, balangandãs, tamancos altíssimos e um jeito de cantar gesticulando e revirando os olhos. Apesar de ter nascido em Portugal, em 1909, veio para o Brasil aos dois anos de idade, e sempre assumiu um lado brasileiro de ser", disse Tânia.
“Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí/Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu parati/Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão/E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão” (Camisa listrada, de Assis Valente)
A artista fez gravações antológicas, amplamente reproduzidas até hoje, mesmo depois de 54 anos de sua morte, como "Taí", de Joubert de Carvalho; "Camisa Listrada", de Valente; "No tabuleiro da baiana" e "Na baixada do sapateiro", de Barroso; "O que é que a baiana tem?", de Dorival Caymmi, dentre outras. Atuou também em 13 filmes, nos Estados Unidos.
“O Que é que a baiana tem?/O Que é que a baiana tem?//Tem torço de seda, tem!/Tem brincos de ouro tem!/Corrente de ouro tem!/Tem pano-da-costa, tem!/Sandália enfeitada, tem!/Tem graça como ninguém/Como ela requebra bem!//Quando você se requebrar/Caia por cima de mim/Caia por cima de mim/Caia por cima de mim//O Que é que a baiana tem?/O Que é que a baiana tem?/O Que é que a baiana tem?/O Que é que a baiana tem?//Tem torço de seda, tem!/Tem brincos de ouro tem!/Corrente de ouro tem!/Tem pano-da-costa, tem!/Sandália enfeitada, tem!/Só vai no Bonfim quem tem/(O Que é que a baiana tem?)/Só vai no Bonfim quem tem/Só vai no Bonfim quem tem//Um rosário de ouro, uma bolota assim/Quem não tem balagandãs não vai no Bonfim/(Oi, não vai no Bonfim)/(Oi, não vai no Bonfim)” (O que é que a baiana tem?, de Dorival Caymmi)

Para homenagear o maior ícone pop do Brasil a Sony/BMG vai lançar um CD duplo com os sucessos da artista. E na São Paulo Fashion Week (18 a 23 de fevereiro) os fãs da Pequena Notável podem conferir a exposição Carmen Miranda para sempre.
Carmen Miranda é até hoje a cantora brasileira que mais fez sucesso no exterior. Dona de um estilo absolutamente único e particular, tanto na maneira de cantar como na performance de palco, teve uma vida de mito, cheia de glórias e dramas. Ela morreu em agosto de 1955, mas continuou sendo sempre lembrada por meio de shows e discos de homenagens, filmes, documentários sobre sua vida.

06 fevereiro 2009

Música & Poesia

Dos Prazeres, Das Canções (Péricles Cavalcanti)

Eu sou aquele
Que o tempo não mudou
Embora outro, eu sou o mesmo
Eu sou um mero sucessor
A minha estirpe
Sempre esteve ao seu dispor
Me dê ouvidos que eu lhe digo quem eu sou

Sou Herivelto, sou Caymmi
Eu sou Sinhô
Eu sou Valente, eu sou Batista
Eu sou Noel, eu sou Heitor
Dos prazeres, das canções
Eu sou doutor
Nos sentimentos de alegria e
de dor, dô, dô o que você quiser

Tô, tô, tô
Pro que der e vier


Poética I e Poética II (Vinicius de Moraes)

Poética I

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

Poética II

Com as lágrimas do tempo
E a cal do meu dia
Eu fiz o cimento
Da minha poesia.

E na perspectiva
Da vida futura
Ergui em carne viva
Sua arquitetura.

Não sei bem se é casa
Se é torre ou se é templo:
(Um templo sem Deus.)

Mas é grande e clara
Pertence ao seu tempo
– Entrai, irmãos meus!

Palavra pintada (2)

Em seu primeiro livro publicado no Brasil (A Palavra Pintada, L&PM, 1987), o jornalista Tom Wolfe retraça o curso errático da pintura moderna, desde a revolução cubista (uma revolução contra o conteúdo literário na arte) até o presente, quando, inconscientemente, a pintura se tornou uma paródia de si mesma, obcecadamente devotada a seguir a palavra dos críticos-gurus, cujas teorias altamente conflitantes entre si acabaram transformando a pintura em algo tão literário, acadêmico e maneirista quanto a pintura de salão, contra a qual inicialmente ela se rebelara.

Segundo Wolfe (um dos fundadores do new journalism) por volta de 1900, o cenário do artista – o espaço em que ele busca a honra, a glória, o conforto, o sucesso – mudara duas vezes. Na Europa do século XVII o artista era, literal e psicologicamente, o hóspede da aristocracia e da corte real (exceto na Holanda); belas artes e arte palaciana eram ma coisa só. No século XVIII o cenário transportou-se para os salons, nas casas da burguesia abastada e da nobreza, onde os membros da elite social amantes da Cultura se reuniam regularmente com artistas e escritores seletos. O artista ainda era o Cavalheiro e não o Gênio. Depois da Revolução Francesa, os artistas começaram a abandonar os salons e se filar aos cénales, que eram fraternidades de almas afins que se reuniam em algum lugar como o Café Guerbois, ao invés de fazê-lo numa casa de cidade; em torno de alguma figura romântica, de um artista, e não de um grã-fino. O que mantinha os cénales coesos era aquele alegre espírito de luta que todos chegamos a conhecer e a amar: choquem a classe média.
Inicialmente o Modernismo fora uma reação ao realismo do século XIX, uma abstração, um diagrama do realismo. Em suma, a nova ordem no mundo da arte era: primeiro você encontra a Palavra, depois você vê. Os artistas não pareciam ter a menor idéia de como a Teoria estava se tornando básica. Uma geração inteira de artistas devotou a carreira a buscar a Palavra (e a internalizá-la) e à tarefa extraordinária de se despojar do que porventura possuíssem der imaginação e técnica que não fosse coerente com a Palavra.
O professor, crítico, ensaísta e poeta Affonso Romano de Sant´Anna em uma palestra na Fundação Iberê Camargo disse: “Parece-me que hás dois tipos de artistas basicamente. Há o artista que eu chamo de artista sintomático e há o artista que eu chamo de artista autêntico, o artista maior. O que é o artista sintomático? Como na medicina ou na semiologia, o sintoma é aquilo que aparece visivelmente de uma enfermidade. Se uma coisa no meu organismo não aceita poeira ou mofo, eu tenho diversos sintomas disso. Então, se eu estou com uma mancha na pele, não é necessariamente a minha pele que está doente. Aquilo é apenas a denúncia de um outro problema do meu organismo, o telão de uma imagem que está vindo de outro lugar”.
“O artista sintomático é um sujeito que está no ambiente dele, na época dele, e reproduz o discurso que está sendo pronunciado nesse caos da pós-modernidade – o discurso do individualismo, do niilismo, da falta de perspectivas, da falta de história, do viver o instante, da falta de projeto. Ele sabe que a sociedade é assim e a reproduz acriticamente. É como se ele fosse uma antena que de repente captou um raio. Tinha uma coisa no ar, e ele a captou. Só que o raio o fulminou. O transformou em cinzas”.
“Ao passo que o artista autêntico, quando capta o raio, transforma aquele raio porque ele é uma usina de energia. Ele percebe aquela coisa e a reelabora, transformando-a em obra de arte. E essa obra de arte em luz, que transforma o que seria destruição em construção, que transforma o que seria Tânatos e morte, em vida. Isso é uma obra de arte”.
O declínio do projeto moderno da arte de vanguarda começou quando os gestos de ruptura dos artistas que não conseguiram converter-se em atos tornaram-se ritos. Assim, suas rupturas transformaram-se em convenção, ou como disse Octávio Paz, “a tradição da ruptura”. E a produção artísticas das vanguardas foram submetidas as formas mais frívolas da ritualidade – os vernissages, as entregas de prêmios e as consagrações acadêmicas. As tendências pós-modernas das artes plásticas, do happening às performances e à arte corporal acentuam esse sentido ritual e hermético. E apesar da dessacralização da arte e do mundo artístico, dos novos canais abertos para outros públicos, os experimentalistas acentuam sua transgressividade.

05 fevereiro 2009

Palavra Pintada (1)

Três conteúdos fundamentais do século XX vieram do século XIX: O marxismo, a psicanálise e a arte moderna. O marxismo trouxe uma renovação na ordem do pensamento e na ordem prática política e econômica ao propor que havia um movimento de ascensão das massas que chegariam ao poder até que se estabelecesse uma sociedade dialética, no futuro, muito próxima da utopia. A psicanálise propõe que o inconsciente (até então mal conhecido) fosse o gerador, o estruturador de uma energia simbólica. Essa e outra série de conceitos transformou o comportamento individual e social. Nos anos 60, essas idéias passaram a ser revista. Os psicanalistas começaram a discordar de Freud até surgiu a antipsiquiatria. O marxismo entrou em processo de revisão.
O século XIX desmontou e misturou os significados e as formas da arte como nunca se fizera antes. Deixados longe passadas sacralidades, a arte se aproxima da filosofia. E opta pela emoção, pela intuição e fugacidade do instante. Mas separa-se como nunca razão de emoção, enfatizando esta cisão sobre todas as outras separações/compartimentações acadêmicas.
O modernismo mostrou que tanto quanto na política, na arte o racionalismo podia também se transformar num fim absoluto. Durante o transcorrer do período a arte vai, aos poucos, buscando cada vez mais o novo, a ruptura com os antigos padrões. Modernos versus antigos é a grande briga, que se configura até o surgimento, no começo do século XX, da idéia de vanguarda. Para os Tempos Modernos (anos 20/30), vanguarda em arte tem um sentido racionalista, quase científico. É, principalmente, transformação formal, espiritual, conceitual ou qualquer nome que se queira dar.
Assim, a questão racionalismo versus emoção atravessou as últimas décadas artistas do século XX. Posições intransigentes foram tomadas a favor dos construtivistas, concretistas, racionalistas, entre outros, ou dos artistas gestuais do expressionismo abstratos.
ESCOLAS ESTÉTICAS
No século 20 foram criadas mais escolas estéticas do que em toda a história da arte. As obras – no dizer do escritor satírico americano Tom Wolfe-, precisarem de legendas para ser entendidas. No livro A Palavra Pintada, Wolfe se referia principalmente à escola conhecida como expressionismo abstrato, na qual um crítico, Clement Greenberg, não se limitava a analisar as obras. Ele chegou a influir diretamente na pintura do principal representante do movimento, Jackson Pollock, para que ela confirmasse suas teorias.
A ironia que Tom Wolfe trata dos teóricos da arte moderna é fina e com fundamento, ou seja, ele não faz críticas raivosas contra a teoria da arte moderna. Simplesmente mostra como se conduziu os movimento avant garde do começo do século XX até o início dos anos 70, a começar pelo deslocamento de Paris para Nova York o centro mundial da Arte. Assim, Tom Wolfe analisando a arte nos Estados Unidos nos anos 70 em seu livro A Palavra Pintada, observou que a pintura havia se transformado em texto escrito, ou que o conceito verbal, como se diz em economia, era “valor agregado” à obra.
A idéia de Wolfe poderia ser aplicada a várias outras escolas artísticas, como o dadaísmo do início do século XX. Para entender como uma roda de bicicleta enfiada num banco (como a que Marcel Duchamp colocou num museu em 1912) pode transformar-se numa escultura é preciso saber que não se trata apenas de uma roda de bicicleta, mas de um questionamento da própria idéia de arte. Ou seja, é preciso uma legenda. Surrealismo, cubismo, futurismo, suprematismo – o século estava cheio de "ismos" e terminou, paradoxalmente, com um retorno da pintura a suas raízes realistas. Na era da indústria cultural, as artes plásticas viveram ainda um período em que o valor dos quadros, transformados em objetos de especulação, disparou. O pico ocorreu nos anos 80, quando milionários japoneses entraram no mercado e puxaram para cima o preço de várias obras. O recorde foi atingido por uma pintura do século passado, Retrato do Dr. Gachet, de Vincent van Gogh, vendida por 82,5 milhões de dólares em 1990.

04 fevereiro 2009

Grafite: dos muros às galerias (2)

Protegidas pelo anonimato, as pessoas fazem das portas e paredes do banheiros públicos um espaço livre para suas fantasias. Das marcas deste prazer solitário, não escapam nem mesmo os sanitários femininos. O Muro de Berlim (um sobrevivente em concreto da Segunda Guerra e testemunha eloquente da guerra fria que a sucedeu) tinha duas faces completamente diversas. Do lado Oriental, estava sempre limpo e de pintura intacta. Do outro Ocidental, desenhos e frases se sucediam, ora de forma articulada ora desordenadamente, espalhando-se por longos trechos.

No final dos anos 60 os estudantes descobriram as propriedades do Muro como meio eficiente de comunicação visual. Entretanto, foram os anos 70 que iniciaram a tatuagem de cada centímetro das paredes cinzas e, dessa arte transitória, superposta, anônima – nesse quando executada por mestres – e de propriedade de todos, surgiu uma nova realidade. O símbolo da vontade blindada passou a ser o símbolo da possibilidade de reação. Os anos 80 consagraram uma estética própria da arte do muro, feita de desenhos com giz, máscaras, estêncil, pinturas com pincel, broxa, rola ou spray; trabalhos com relevo ou mosaico.
Quando da demolição do Muro (novembro de 1989), estes garranchos figuraram nas páginas dos principais órgãos de imprensa mundial, como a significar a própria liberdade de expressão. Pichação, portanto, é protesto e crítica. Não é mais apenas o ato de escrever com pichi, aliás algo raro hoje. Ao contrário, ´pichar é criticar, pichação é a crítica expressa na parede. Por isso, há quem diferencie pichação e grafite, opondo os artistas grafiteiros e seus desenhos aos rabiscos dos pichadores anônimos. Grafite seria arte, pichação, sujeira; Como quer que seja, têm algo em comum: são sempre, uma certa transgressão e, por isso, só existem em sociedades razoavelmente abertas.
A linguagem da contestação, expressa através de pichações pelos muros teve seu auge em Salvador na década de 80. Entre nós, o fenômeno dos graffiti jamais atingiu as dimensões que teve em Nova Iorque ou Paris. Afinal, nossa terra tem palmeiras, nossas vidas tem mais muros; nossos muros, menos letras, nossas letras, maus escuros.
O artista Miguel Cordeiro por exemplo criou um personagem e,m nossos muros, o Faustino. Em 1979 quando ele começou a rabiscar paredes, havia toda uma efervescência do grafite: Mancha, Min, Zezin, Faustino vive Julio Iglesias, Faustino usa calça Topeka, usa escovinha pata pata. O grupo Baldeação (Chico Muniz fez parte) utilizou o muro como um novo veículo para a poesia. Com o grafite, um novo universo estético transcendeu objetivamente a cotidianeidade dos trabalhos domésticos e instaurou o princípio do prazer.
O grafite começou como manifestação espontânea, geralmente de grupos marginalizados. O que importava na origem do grafite não era o estilo ou a beleza, mas a força que o traço podia alcançar ao ser inserido num lugar que não lhe era destinado. Assimilado pela publicidade, meios de comunicação e campanhas políticas em geral, o grafite perdeu parte do seu caráter marginal e passou a ser encarado como mais uma griffe na imensa poluição visual que veste a cidade. Os autores assinavam Mancha, Raio, Sombra, personagens dos quadrinhos. Personagens malditos, bandidos, deixados à margem. E esses grafiteiros escolheram esses nomes porque se identificavam.

O artista plástico Joelino Filho, um anárquico que pichou os muros usando um tipo de público. Ele retratava o momento histórico. Sua terapia era extravasar suas idéias nos muros. A linguagem dos quadrinhos se identifica com a linguagem do grafite porque é uma linguagem, rápida, moderna para o final do século XX.
“O grafitar que se difunde de forma intensa nos centros urbanos é uma forma de expressão artística e humana. É impossível dissociá-la do princípio da liberdade de expressão. Tem como suporte para sua realização não somente o muro, mas a cidade como um todo. Postes, calçadas e viadutos são preenchidos por enigmáticas imagens, muitas vezes repetidas à exaustão, características herdadas da pop art”, revela Celso Gitahy, e conclui:
“Mas graffiti e pichação são a mesma coisa? Não. São posturas diferentes, com resultados plásticos diferentes. O graffiti aceita dialogar com a cidade de forma interativa, tanto que, ao deixar o número do telefone assinalado, fica cara a cara com o proprietário do espaço. Talvez, um dia, todo centro urbano, apesar de caótico, possa se tornar uma grande galeria de arte a céu aberto”.

03 fevereiro 2009

Grafite: dos muros às galerias (1)

No início, o grafite era apenas um prazer, um deboche, uma aventura. Mas depois afinou o traço e passou dos muros às galerias. No início dos anos 70 o metrô de Nova Iorque foi tomado de assalto por figuras e pichações. Essa mesma moda também deslumbrou os moradores de Berlim Ocidental com diversos desenhos. A Europa e os Estados Unidos foram inundados pela chamada Street Art. Foi-se o tempo do grafite restrito às ruas. A linguagem do spray conquistou galerias e museus, enfrentando o desafio de manter a vibração e a atmosfera transgressora dos desenhos feitos em espaços ao ar livre.

Por ser um fenômeno essencialmente urbano o grafite aterrizou no Brasil e ganhou impulso em São Paulo. A princípio eram desenhos curiosos e frases tímidas. Mas aos poucos a timidez passou e a cidade foi sendo invadida por ferozes garranchos que trouxeram para os muros devaneios antes restritos aos banheiros masculinos. Mas nem tudo que está no muro é grafite, como tampouco pode ser chamado indiscriminadamente de pichação. Os dois movimentos começaram juntos e foram confundidos, mas são diferentes na essência. Apesar de usarem o mesmo cenário, as ruas, não têm o mesmo significado e sequer os mesmos autores. Pichação é qualquer frase largada meio de improviso pelos muros. É propaganda política ou uma simples mensagem do tipo “Te amo Maria”. Já os grafites são desenhos ou mesmo apenas frases, mas feitas com cuidado, engenho e substância. Assim, um simples trocadilho como “Amar eternamente. Amar é ter na mente. Amar éter na mente” se torna um grafite pela espirituosidade de seu criador.

Grafite é diferente de pichação.

Segundo Celso Gitahy em seu livro O Que é Grafiti (Editora Brasiliense), tanto o graffiti como a pichação usam o mesmo suporte – a cidade – e o mesmo material (tintas). Assim como o graffiti, a pichação interfere no espaço, subverte valores, é espontânea, gratuita, efêmera. Uma das diferenças entre o graffiti e a pichação é que o primeiro advém das artes plásticas e o segundo da escrita, ou seja, o graffiti privilegia a imagem; a pichação, a palavra e/ou a letra. Para o escritor Norman Mailer, o fenômeno do graffite é uma rebelião tribal contra a opressora civilização industrial.

Interferir, apropriar, intervir são verbos intimamente ligados à arte do grafite. Em 1076 o artista Alex Vallauri dava seus primeiros passos no grafite. Em 1985 ele participa da 18 Bienal de São Paulo com sua Casa da Rainha do Frango Assado. Daí por diante os grafiteiros passaram a dividir o tempo entre intervenções nas ruas, exposições em galerias e até mesmo grafites por encomenda. O movimento foi exportado de São Paulo para outros estados.

O grupo Tupinãodá participou, na época, do Projeto Pinta no Rio, da Rioarte, idéia do cartunista Lapi que convidou artistas plásticos para colorir os muros da cidade. Em Salvador, Renato da Silveira e Nildão juntos desde o início dos anos 80e seus grafites, sempre bem-humorados, acabaram sendo reunidos no livro Quem Não Risca Não Petisca. Em Recife, a prefeitura abriu espaço para os grafiteiros e até doou tintas. Nildão foi grafiteiro que saiu dos quadrinhos, fez arte nos muros, coordenou o espaço cultural Rana, depois virou designer.

Keith Haring e Jean Michel Basquiat, graffiteiros do metrô nova iorquino, tornaram-se conhecidos no mundo inteiro. Keith Haring levou o graffiti para o convívio de galerias, museus e bienais. Na França, Alemanha, Itália e Londres o picture-graffitii já se espalhava em todos os cantos. No Brasil as letras coloridas junto com desenhos elaborados, partindo de várias técnicas, também começaram a se destacar. Os desenhos traduziam o universo hip hop em suas mais variadas nuances, como figuras humanas dançando, pensando, cantando...em movimento.


Para muitos, grafite é arte e pichação não. Grafite embeleza, pichação não. Enquanto grafite é elaborado, aplicado, bem, feito, a pichação é um gesto transgressor, impõe, na paisagem urbana, uma vibração insubordinada, uma urgência interna e visceral. Dizer que grafite é arte superior é visão preconceituoso. Basta lembrar que arte nem sempre é limpinha, ordenada. Muitas vezes é um caos artístico.