28 outubro 2010

Cau Gomez recebe prêmio internacional em Istambul

É tarefa árdua descrever em poucas linhas o sentimento impregnante que fica ao pisar pela primeira vez em Istambul, na Turquia. Trata-se de uma grande e populosa cidade, dotada de construções milenares, onde as centenas de mesquitas com seus minaretes e os suntuosos palácios dos antigos sultões se destacam na paisagem e impressionam os curiosos ocidentais.


Istambul é a única metrópole do mundo que é dividida ao meio entre dois continentes: a Ásia, situada na parte Oriental, e a Europa, na porção Ocidental. Entre as duas margens está o Mar Bósforos; ao norte, o Mar Negro e, ao sul, o Mar de Mármara, antigo Mar Egeu.


Esta mistura de culturas a torna um local inusitado e singular no planeta, onde, por exemplo, os visitantes podem observar o choque entre o conservadorismo da religião muçulmana – que faz com que as mulheres cubram a cabeça e o corpo com véus e até burcas, rezando cinco vezes ao dia -, enquanto outras mulheres da parte ocidental ostentam piercings, tatuagens, minissaias, cabelos pintados, forte maquiagem e celulares da moda.

A força do turismo e a riqueza do local são refletidas no efervescente comércio, abarrotado de lojas e tendas por todo o lado, principalmente na região do Grande Baazar, que hipnotizam os visitantes de várias nacionalidades com milhares de tapetes, joias, couros, luminárias, lenços, espelhos, doces, chás e muitos outros souvenirs. Acostumados com o frenético fluxo de turistas do mundo todo, os vendedores turcos fazem de tudo para mostrar simpatia na disputa para conquistar os novos clientes, chegando a ensaiar frases de outros idiomas, como o espanhol, inglês, francês e até português.

E foi em meio a este cenário que cerca de 15 desenhistas de diversos países do mundo foram convidados para receber a importante premiação internacional na última terça-feira, 19, em Istambul, promovido pela Aydin Dogan Foundation. A Competição Internacional “Aydın Doğan International Cartoon Competition” realizada na Turquia é considerada o Oscar dos Cartoons no mundo. Do Brasil, o cartunista mineiro radicado em Salvador, chargista do Jornal A TARDE, Cau Gomez, e o gaúcho Moa Knorr, foram agraciados com o “AWARD OF SUCCESS”, composto por dois troféus, diploma e uma quantia em dinheiro cada, em uma pomposa e solene cerimônia, com a presença do Ministro da Cultura da Turquia e mais de 500 convidados. Foram premiados também artistas da Polônia, Romênia, Rússia, Ucrânia, República Tcheca, Irã e Turquia.

Cartum do artista Cau Gomez que foi premiado na Turquia

Eles foram selecionados por um rigoroso júri entre mais de 2.500 cartoons de 86 artistas de 73 países do mundo. Todos os trabalhos foram publicados em um álbum, distribuído entre os finalistas, e ficarão expostos em exibições pela Turquia na Aydin Dogan Culture and Art Gallery em Ankara, capital da Turquia, no Hotel Hilton de Istambul, no Pera Palas de Istambul, na Universidade de Belas Artes de Istambul, no Antalya’s IC Airport Hotel e nas cidades turcas de Erzurum, Gümüşhane, Edirne and Antalya. Depois, os trabalhos serão expostos nos seguintes países: Moldova, China, Chipre, Japão e Grécia. (Fonte: O Ferrão do Humor)

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929.

27 outubro 2010

Solidão, mal do século XXI?

"Eu sozinho sou mais forte/minh'alma mais atrevida/não fujo nunca da vida/nem tenho medo da morte//Eu sozinho de verdade/encontro em mim minha essência/não faço caso de ausência/e nem me incomoda a saudade//Eu sozinho em estado bruto/sou força que principia/sou gerador de energia/de mim mesmo absoluto//Eu sozinho sou imenso/não meço nunca o meu passo/não penso nunca o que faço/e faço tudo o que penso//Eu sozinho sou a Esfinge/pousado no meio do deserto/que finge que sabe o que é certo/e sabe que é certo que finge//Eu sozinho sou sereno/e diante da imensidão/de toda essa solidão/o mundo fica pequeno//Eu sozinho em meu caminho/sou eu, sou todos, sou tudo/e isso sem ter contudo/jamais ficado sozinho”. A composição é de Paulo César Pinheiro. Conviver o dia a dia com tanta gente e ao mesmo tempo se sentir solitário parece um paradoxo social contemporâneo. Mas são muitas as situações geradoras de solidão. Há solidão gerada pelo próprio poder, solidão decorrente da riqueza, solidão dos bem e mal casados, solidão imposta pelo trabalho atomizado, solidão da criança cujos pais são egoístas ou inafetos, solidão dos velhinhos rejeitados com suas memórias e, muitas vezes, abandonados nos asilos esquecidos dos familiares, solidão da loucura, dos internos, dos hospitais psiquiátricos, solidão dos enfermos hospitalizados ou dos desempregados.


Muitas pessoas solitárias justificam seu “desejo de privacidade” escolhendo “viver sozinhas porque gostam de liberdade”, “prefere viver sozinha do que mal acompanhadas”. A tendência individualista de nossa época reforça o temor de conviver com as diferenças humanas, afinal, morar junto implica, sobretudo, sermos tolerante, compreender o outro, termos que dividir espaços e coisas e aceitar conferir a todo momento que o outro não nos preenche.


Há quem use a solidão como tempo de inspiração, análise e programação. É o recolhimento ao próprio íntimo. De vez em quando é preciso estar só. Ao sair da África até a Bahia o navegador Amyr Klink passou dias sozinho em sua pequena embarcação. Perguntaram-lhe se a solidão não teria sido seu maior obstáculo. Ele respondeu que nunca estivera só porque muitos torciam por ele e o que fazia lhe dava prazer. Quem age dessa forma não dá espaço para a solidão.


Há diferença entre viver sozinho “por opção” e o isolamento social obrigatório. No primeiro, a escolha é consciente e deliberada viver solitariamente, já que no segundo existe a imposição do destino ou das circunstâncias. O escritor, por exemplo, precisa estar sozinho para se concentrar e produzir seu texto. Também para ler, refletir, escrever, é preciso estar sozinho. Há diversas funções profissionais cujo isolamento social é condição sine que non para bem exercer a função. Ocupação é o antídoto para a solidão.


O filósofo Gaton Bachelard questiona: “Como se comporta sua solidão? Esta pergunta tem mil respostas. Em que recanto da alma, em que recanto do coração, em que lugar do espírito, um grande solitário está só, bem só? Só? Fechado ou consolado? Em que refúgio, em que cubículo, o poeta é realmente um solitário? E quando tudo muda também segundo o humor do céu e a cor dos devaneios, cada impressão de solidão de um grande solitário deve achar sua imagem (...) Um homem solitário, na glória de ser só, acredita às vezes pode dizer o que é a solidão. Mas a cada um cabe uma solidão (...) As causas da sua solidão não serão nunca as causas da minha”. E conclui: “A solidão não tem história”.


Viver no século 21, super estimulados por informações, contatos, internet, celular, ampliando a possibilidade de encontrarmos e sermos encontrados, que fica cada vez mais difícil de estarmos sós, com nós mesmos. A solidão é malvista, as pessoas que ficam mais sozinhas são consideradas excluídas, ou diferentes, excêntricas. Para o psicoterapeuta Flávio Gikovate, o mundo atravessa um momento histórico em que a pressão por uma vida acompanhada está deixando de existir. "Cada vez mais as pessoas estão se encaminhando para existências solitárias. Desaprendeu-se bastante a conviver a dois, por exemplo, e assume-se a opção de ficar solteiro. É um fenômeno social, a humanidade está se adaptando à solidão", analisa. "Basta olhar ao redor para comprovar isso. As pessoas andam sozinhas, dançam sozinhas. A mulher solitária de hoje não é mais uma solteirona trancada num quarto de pensão. Tudo está mudando.". Para ele, a capacidade de conviver bem com a solidão tem a ver, principalmente, com maturidade. "E só amadurecemos nos expondo a situações de dor. Isso aumenta nossa tolerância à frustração", explica.


O sucesso social é medido pela quantidade de vezes que alguém é visto e com quem. Mas dentro de nós há duas forças essenciais para nossa sobrevivência e bem-estar, que são poderosas e interdependentes: estar só e relacionar-se. O sono é uma forma natural de nos garantir isolamento, para repormos nossas forças e descansarmos já que a vida urbana nos proporciona poucas chances de ficarmos sós. Quando se está só há chances de avaliar como está a vida e como estão os relacionamentos. Isolamento nem sempre significa solidão. Há pessoas que precisam subir montanhas, outras a se embrenhar nos matos, ou simplesmente colocar seu walkman nos ouvidos. Para saber de quanto e de qual espaço você precisa, é bom passar um tempo sozinho, observando como se sente. A reclusão é importante para o processo criativo. É preciso abolir a ideia de que a solidão é negativa e de que pessoas sozinhas não podem viver bem. Agora é preciso distribuir seu tempo de forma adequada e positiva. Para os que vivem acompanhados, vale aprender a valorizar os momentos de quietude, de contemplação.


O que é solidão? Ausência de companhia, de pessoas à nossa volta? Estar longe das civilizações? Mais grave do que estar só é sentir-se só. Solidão, mais do que estar só, é a insatisfação da pessoa com a vida e consigo mesma. O filósofo alemão Martin Heidegger afirmou que estar só é a condição original de todo ser humano. Que cada um de nós é só no mundo. É como se o nascimento fosse uma espécie de lançamento da pessoa à sua própria sorte.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929.

26 outubro 2010

Identidade e memória cultural no cancioneiro de Dorival Caymmi

Uma cartografia poética da Bahia, assim é o livro Acontece que eu sou baiano: identidade e memória cultural no cancioneiro de Dorival Caymmi (Editora da Universidade do Estado da Bahia), do pesquisador Marielson Carvalho, resultado de uma dissertação de mestrado em Letras pela UFPB. No prefácio a professora e pesquisadora de Oralidade e Escritura da Universidade Federal da Bahia, Beliza Áurea de Arruda Mello destaca que o livro “discute como as canções de Dorival Caymmi tecem ´fios e rastros´ do ethos, das cores, dos sabores e dos sons da Bahia, transportando as pinturas impostas pela ordem dominante das instituições sociais. O autor faz uma seleção das 120 canções de Caymmi e explica como a identidade baiana foi desenhada a partir de uma poética imbricada ao cotidiano alicerçado nas culturas populares”

“O ponto fundamental deste livro – informa Beliza – incide em mostrar como as canções de Caymmi ajudam a entender os recorrentes processos de afirmação da marca identitária da Bahia com sua entrada na cena cultural nacional a partir dos anos 30. Acontece que eu sou baiano, título garimpado de uma canção de Caymmi, não poderia ser mais propício. É a entronização do sujeito baiano pontuando a diferença, a alteridade”.


Dividido em três partes, na primeira (identidade e memória cultural) o autor analisa o cantor das graças da Bahia: mediação e baianidade, seguida Da Bahia à Broadway: samba e brasilidade. Mais adiante aborda Getúlio Vargas e o Estado Novo: por uma identidade nacional. E encerra o primeiro capítulo com Dorival Caymmi e Carmen Miranda: a Bahia lhes dá régua e compasso.


Na segunda parte (Você já foi à Bahia: festividade e religiosidade) ele apresenta Batuques, rodas de samba e trios elétricos: a Bahia de todas as festas. Analisa os Afoxés no carnaval: os orixás comandam a festa. Aborda as Festas religiosas: santos e orixás no meio da rua. E termina “Entre espumas e sargaços: a festa do mar e da sereia”.


Lá vem a baiana: comida e sensualidade é o título do terceiro capítulo. Ele aborda o tempero do erotismo: a Bahia de todos os prazeres; As “cadeiras elétricas” da baiana: dança, corpo e sedução. Mulher, mãe de santo e mulata: raça e sexo à flor da pele, e a negra que sabe mexer: comilanças e banquetes à baiana. Trata-se da representação da mulher baiana associada ora à comida ora à dança. “Essa figura feminina é geralmente negra, bem-feita de corpo, quituteira de mão cheia, alegre e extrovertida, trabalhadora e excelente sambadeira” (p.40).


Ao analisar elementos da baianidade, o autor fez leituras sobre raça e etnicidade nos textos sobre crítica cultural de Stuart Hall além de dialogar com as ideias de Antonio Risério e outros especialistas como Roberto Albergaria e Milton Moura. Para o autor, “a falta de pressa para falar e compor pode servir de moldura para pintar a preguiça de Caymmi, mas no seu cancioneiro não há uma só música que exalte a preguiça ou que mostre um preguiçoso” (p.60).

“A entrada de Caymmi na cena cultural brasileira dos anos 30 aos 50 contribuiu para reafirmar a Bahia como repertório original e tradicional de símbolos nacionais reinventados pelo Estado Novo” (p.79). “Ainda é recorrente a história de que na Bahia há uma igreja para cada dia do ano, surgida provavelmente a partir de um comentário feito pelo príncipe Maximiliano de Habsburgo que, em visita à cidade em 1860, ficou impressionado com a grande concentração de templo. Esta narrativa oral deu samba. Caymmi ao reinscrevê-la em 365 igrejas, mostra o quanto as igrejas faziam parte de seu cotidiano (e dos soteropolitanos), principalmente pelo fato de ter morado no centro antigo de Salvador ou em bairros próximos (Saúde, Nazaré, Mouraria e Santo Antônio), onde torres eram os pontos mais altos de Salvador e o badalar constante de seus sinos reforçavam a imagem de uma cidade protegida por todos os santos” (p. 93)


Marielson Carvalho mostra como Caymmi é um “pescador” da memória coletiva . “Seu cancioneiro está cheio dessas certidões que revelam como a Bahia e ele mesmo estão vivos e prontos para renascer todas as vezes que uma música sua for ouvida ou tocada. Isto representa uma voz poética que dinamiza a memória tanto coletiva (como fonte de saber) quanto individual (como forma de enriquecê-la)” (p.176).


Um livro de extrema importância pois reflete a brasilidade de forma criteriosa, usando o literário para explicar aspectos da sociedade. Vale conferir.

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25 outubro 2010

Tudo flui com Heráclito

Hoje vamos mergulhar um pouco nas reflexões de Heráclito, considerado o mais importante dos pré-socráticos. É dele a frase de que tudo flui. Não entramos no mesmo rio duas vezes e o sol é novo a cada dia. É o filósofo do devir, a lei do universo, tudo nasce se transforma e se dissolve, e todo o juízo seria falso, ultrapassado. Desprezava a plebe, não participou da política e desprezou a religião, os antigos poetas e os filósofos de seu tempo. É o primeiro pré-socrático com um número razoável de pensamentos, que são um tanto confusos, e por isso tem o nome de Heráclito, o obscuro. São aforismos. Foi muito crítico.


Devido ao seu estilo baseado em charadas de difícil compreensão, era conhecido como o obscuro. Ele gostava de enigmas, paradoxos e jogos de palavras enigmáticas que ocultavam seus próprios significados. Ele levou o discurso filosófico de Tales, Anaximandro e Anaxímenes a posições decididamente mais avançadas e em grande parte novas.


Heráclito chamou a atenção para a perene mobilidade de todas as coisas. Segundo ele, nada permanece imóvel e nada permanece em estado de fixidez e estabilidade, mas tudo se move, tudo muda, tudo se transforma, sem cessar e sem exceção ("tudo flui"), recordando a futura e famosa afirmação de Lavoisier. Para ele, só o devir das coisas é permanente, no sentido de que as coisas não têm realidade senão justamente no perene devir. Para Heráclito, o devir é um contínuo conflito dos contrários que se alternam, é uma perene luta de um contra o outro, uma guerra perpétua. E como as coisas só têm realidade no perene devir, essa guerra se revela como o fundamento da realidade das coisas.


Para o filósofo, o mundo estava em constante mudança, “em fluxo”, e a estabilidade aparente era uma ilusão. Foi ele quem insistiu, num dito celebre, que não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio. Ele estendeu essa idéia desde a Natureza até o comportamento humano, sempre enfatizando a importância da tensão e complementariedade entre opostos como a força motriz por trás do dinamismo do mundo à nossa volta. “Princípio e fim, na circunferência de um círculo, são idênticos”. Para ele, o equilíbrio é atingido através da necessária complementariedade entre os opostos, a qual ele chamou de Logos, como o arco, que deve ser envergado para trás, de modo a poder arremessar a flecha para a frente.


Ele foi i primeiro filósofo, o pioneiro em tratar espiritual e internamente de fenômenos da natureza exterior. Assim nasceu a psicologia. Há 2,5 mil anos, ele antecipou as descobertas da fisiologia cerebral e das redes de computadores. Ele vê a alma como um espelho da natureza e chama essa complexa estrutura de logos, e a caracteriza como o fogo vital e eterno: “Todas as coisas são transformadas em fogo, e o fogo se transforma em todas as coisas, assim como o ouro é trocado por todas as mercadorias e todas as mercadorias são trocadas por ouro”. Ou seja, todas as coisas podem ser reduzidas ao fogo primordial, que concentra tudo num só. “O todo está em cada um; cada um faz parte do todo”. Assim, a força básica era o fogo, devido ao seu poder de transformas as coisas, de pô-las em movimento.

Para Heráclito, reina a unidade na diversidade e diversidade na unidade. O movimento, o vir-a-ser e o deixar-de-ser, constitui uma unidade. Ao mesmo tempo que algo torna-se outra coisa, esse algo se mantêm o mesmo. “Tudo se desfaz e se reagrupa, se aproxima e continua. Nada é sólido”. Na ordem natural das coisas, tudo flui, tudo cresce e morre. Sobre o processo de transformação, deixe-se levar pelas ondas dos seus pensamentos e ouça a composição de Lulu Santos e Nélson Motta, “Como uma onda”: “Nada do que foi será/De novo do jeito que já foi/um dia/Tudo passa, tudo sempre/passará/A vida vem em ondas,/como um mar/Num indo e vindo/infinito//Tudo que se vê não é/Igual ao que a gente viu a/um segundo/tudo muda o tempo todo no/mundo//Não adianta fugir/Nem mentir pra si mesmo/agora/Há tanta vida lá fora/Aqui dentro/ sempre/Como uma onda no mar/Como uma onda no mar/Como uma onda no mar”.


Chama a atenção, além da pluralidade, para os opostos. Tanto o bem como o mal são necessários ao todo. Deus se manifesta na natureza, abrange o todo e é crivado de opostos. O logos é o princípio cósmico, elemento primordial, e a razão do real, a inteligência. A verdade se encontra no devir, não no ser. Com sentidos poderosos, poderíamos vê-lo. O pensamento humano participa e é parte do pensamento universal. O fogo é eterno, um dia tudo se tornará fogo. A felicidade não está nos prazeres do corpo. A morte é tudo que vemos despertos, e tudo o que vemos dormindo é sono. Existe a harmonia visível e a invisível. A alma não tem limites, pois seu logos é profundo e aumenta gradativamente. O pensar é comum a todos. A terra cria tudo, e tudo volta para ela.


O ser não é mais que o não ser. O fogo condensa-se, e apagado vira água. Ele encontrou fogo na alma humana, comparou-a com uma chama que se apaga na morte. Identificou o infinito na natureza, não apenas o matemático, mas o que constitui a essência das coisas. Pois todas as coisas têm uma essência, e o fluxo da alma é tão fundo que não tem fim. O universo de Heráclito era eterno, e em constante estado de fluxo.

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22 outubro 2010

Música & Poesia

A Tragédia da Cor (Wado e Realismo Fantástico)


Aê, my brother Sandro,

A vida não tá fácil

Eu que não tenho cor

Ando de trajes negros


Você bem sabe em que ponta

A corda sempre arrebenta


Mas ninguém sabe da dor

Da tragédia da cor

Negra


São sobreviventes, arestas, anomalias, fato

Fruto da exclusão social neoliberal


Eu escutei um tiro

A bala saiu da ponta

Da caneta do ministro

Do deputado, do senador

Que nunca que nunca abre mão

Da sua corrupção diária, rotineira


Aê, my brother Sérgio,

A vida não tá fácil

Eu que não tenho cor

Ando de trajes negros


Você bem sabe em que ponta

A corda sempre arrebenta


Não se percebe a doutrina de violência e ódio

Nas torcidas organizadas de futebol



A Palavra (Pablo Neruda)


... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ... Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ... Agarro-as no voo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as ... Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda ... Tudo está na palavra ... Uma ideia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pelos, têm tudo o que ,se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes ... São antiquíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada ... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos ... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras*, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca. mais,se viu no mundo ... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.

*Butifarra: espécie de chouriço ou linguiça feita principalmente na Catalunha, Valência e Baleares. (N. da T.)

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21 outubro 2010

Essa turma tem o que falar

O desenhista baiano Luis Augusto não pára. Fala, Menino! As tiras em quadrinhos é o seu mais novo lançamento que está nas livrarias da cidade, publicado pela Editora Manole, de São Paulo.

Tudo começou nas salas de aula, do contato com tantas crianças, daquela algazarra gostosa do dia-a-dia na escola, do zum zum zum juvenil. Parecia que ele estava dentro de um gibi que tanto gosta de ler junto com os livros desde garotinho. Assim Luis Augusto teve a idéia de criar uma história em quadrinhos cujo foco é o universo infantil em toda a sua diversidade, abordando questões como diferenças físicas e sociais, paixão, ciúme, traquinagem, entre outras. E tudo com espaço para alegria, fantasia, sonho, dor, tristeza e a luta para continuar a viver. O que Luis Augusto faz é mostrar a criança primeiro como cidadã, como ser presente e atuante, seus direitos, deveres e responsabilidade com muito senso de humor. E haja humor em cada tirinha!.


O primeiro as saltar do papel para os quadrinhos e depois os livros infantis e até desenho animado foi Lucas, um garotinho que não sabe falar. O menino que já carregava a responsabilidade de representar a mudez social da infância sem perder a doçura agradou a todos. Lucas é apaixonado pelo esporte: joga futebol, anda de skate com o amigo Pedro Souza e adora viajar nas palavras. Ah!, ele também gosta de sonhar, olhar para as estrelas e tentar imaginar quantas delas estão olhando para ele... Além de frequentar a escola, de fugir da Carolina (e se Lucas não fala, Carolina fala pelos dois, diz o que pensa e fala sem pensar), nosso garoto acompanha o dever de casa dos gêmeos (Vitor e Gabriel) e ganha uns trocados tomando conta do Luis Fernando, o filho do vizinho.

Um outro garoto prodígio é Leandro, o melhor amigo do Lucas. Ele tem uma enorme capacidade de ser criança, sonhar e acreditar nos seus sonhos. Sonhar é bom... Ele é judeu, frequenta a sinagoga e deixa o rabino com os cabelos ainda mais branco. Assim é Leandro, uma criança doce que brinca sem pressa de crescer, e ele está sempre de olhos arregalados, admirado com o novo, e tudo é novo para ele.


Quem gosta de barulho deve conhecer Winnie, irmã mais nova do Martin. Ela é bem diferente do irmão mauricinho. Enquanto Martin passa horas na frente do computador, Winnie treina para sua vida política, fazendo discursos para suas bonecas ou meso passeatas no playground. Tem ainda a romântica Mirela, a sonhadora Lívia, o filósofo Rafael que confessa sua paixão pela Natália, a vaidosa que vive organizando desfiles e apresentações de moda.


A turma conta com Félix, sempre achando que existe algo de ruim atrás de tudo de bom que lhe acontece; Diogo, menino de rua que tem tanto medo das pessoas quanto as pessoas tem dele; Ícaro que apareceu nos sonhos de Lucas e é um grande mistério da turma, e muitos outros. São diversas crianças que fazem parte do Fala Menino!, exemplo de dignidade humana, de vida. Os traços são firmes com personagens bem delineados e roteiros precisos e profundos. Assim é o trabalho do professor, arquiteto, desenhista e escritor Luis Augusto que já espalha sua criação para todos os estados brasileiros. Confira essa nova publicação com a seleção de suas melhores tiras. Leia, reflita, divirta-se e entenda: você já faz parte desa turma.

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20 outubro 2010

O mal está em alta (2)

Na dramaturgia brasileira, Nélson Rodrigues escreveu para o programa de “Perdoa-me por me Traíres” (tragédia carioca lançada em 1957): “Para salvar a platéia, é preciso encher o palco de assassinos, de adúlteros, de insanos e, em suma, de uma rajada de monstros. São os nossos monstros, dos quais eventualmente nos libertamos, para depois recriá-los”. Esse raciocínio justificou o êxito da minissérie “Engraçadinha”, de autoria do dramaturgo exibida na TV.


Os portadores do mal como os personagens do tipo Iago (o vil antagonista de Othelo) e Ricardo III, ou Macbeth e Lady Macbeth, de Shakespeare seduzem as platéias do mundo inteiro. Qual a explicação para o fascínio que exercem os vilões? “O belo só tem um tipo; o feio tem mil”, explicou Victor Hugo no prefácio de “Cromwell”. Assim, a beleza tende a uma certa monotonia, à falta de sal, enquanto a feiura, que pode também ser associada a vícios morais, cativa pela multiplicidade de formas. Hermógenes, o vilão de “Grande Sertão: Veredas” é um dos tipos mais marcantes da obra-prima de Guimarães Rosa, deixando muitas vezes o romance Riobaldo-Diadorim em segundo plano.


Do teatro para os quadrinhos. Nos anos 80 os vilões ganharam projeção nas histórias em quadrinhos. “A Piada Mortal”, de Moore e Bolland, é um show do Coringa, e “Born Again”, a série do Demolidor escrita por Miller, é o palco do Rei do Crime. Elektra, personagem coadjuvante das aventuras do Demolidor, depois de ser treinada como uma ninja moderna, vira uma verdadeira máquina de matar a serviço de quem paga mais.


Os ingleses Pat Mills e Kevin O´Neal criaram Marshall Law, o caçador de heróis. É uma das maiores chacinas dos quadrinhos, com muita ironia e violência. A era de justiceiromania chegava ao fim e tinha início os violentos e bizarros anos 90. A realidade nua e crua bate à porta dos quadrinhos adultos. Howard Chaykin transformou um travesti no personagem principal da polêmica série “Black Kiss”. Grant Morrison trabalha com personagens absurdos e engraçados: Shade the Changing Man que aborda a loucura.


Os ventos da mudança vieram da Europa. Em 1962 o “herói dos mil disfarces”, Diabolik não tinha o menor pudor de se valer dos crimes para roubar e saquear. Ele é um anti-herói, um assassino frio, ladrão e calculista, capaz de proezas incríveis para furtar jóias, dinheiro e bens preciosos. Em seguida surgiram Sadik, Kriminal e Satanik na mesma linha do mascarado italiano. No início dos anos 80 o personagem que fez furor nos quadrinhos foi o raivoso, apaixonado e cibernético Ranxerox, criação dos italianos Tamburini e Liberatore. As histórias do monstro cibernético se passavam numa Roma futurista, onde ele descia a porrada em qualquer um que ameaçasse Lubna, sua amante toxicômana, linda no esplendor dos seus doze aninhos. Assim, os vilões gozam de um bom status entre os leitores. Há uma nova geração de roteiristas que têm colocado os bandidos em primeiro plano. E os leitores apóiam. Sinal dos novos tempos.

“Crise Infinita”, minissérie em sete edições publicada pela DC Comics (aqui no Brasil pela Panini) é uma continuação de "Crise nas Infinitas Terras", a primeira dessas megassagas. No enredo o mundo parece acabar em volta dos heróis, e em várias frentes. Os vilões se uniram para apagar a mente deles, o espaço sideral entra em colapso, o plano mágico se fragmenta. Uma série de seres eletrônicos superpoderosos e mortais, os OMACs, saem para acabar com cada um dos heróis. O trio central, Batman, Super-Homem e Mulher Maravilha, perde a confiança um no outro.


Para os psicanalistas, o que se identifica como o mal é o que nem sempre segue normas e regras, e todo mundo, inconscientemente, tem a vontade de quebrar regras. Muitos cientistas sociais constataram que o Brasil sempre viveu uma realidade de atração pelo mal. O psiquiatra baiano César Romero é de opinião que “todos nós temos um lado vilão, só que a gente não coloca para fora e segura, por questões sociais, normas, éticas. Quando alguém expressa isso por nós há um certo alívio. É como se você se expressasse através daquela pessoa e isso diminui a ansiedade e a culpa do nosso lado vilão. Todos nós temos um lado muito positivo e outro negativo. O importante é saber domar esse lado negativo”.


Mas de um modo geral, o maniqueísmo é uma forma de pensar simplista em que o mundo é visto como que dividido em dois: o do Bem e o do Mal. A simplificação é uma forma primária do pensamento que reduz os fenômenos humanos a uma relação de causa e efeito, certo e errado, isso ou aquilo, é ou não é. A simplificação é entendida como forma deficiente de pensar, nasce da intolerância ou desconhecimento em relação a verdade do outro e da pressa de entender e reagir ao que lhe apresenta como complexo.


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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929.

19 outubro 2010

O mal está em alta (1)

Com forte presença no cinema atual, na TV, no teatro, nas histórias em quadrinhos e na literatura, o mal volta a se destacar. Enquanto os heróis (conhecidos antigamente como mocinhos) seguem um rígido e monótono código de disciplina, os vilões (antes, bandidos), violentos e espertos se adaptaram aos novos tempos e estão ganhando cada vez mais a simpatia do público. Os vilões são realmente irresistíveis. Principalmente quando o seu charme é superior ao dos heróis. Um bom exemplo, o filme “Street Fighters. A Última Batalha” com o vilão carismático: o General M. Bison, de Raul Julia. O ator mostra como é bom ser mau ao roubar o filme do mocinho Jean-Claude Van Damme. “O Diabo Veste Prada”, exibido ano passado, mostra como doses certeiras de maldade passeia por lugares luxuosos e intrigantes: é melhor ser malvada que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe, é a máxima da atualidade.

Para muitos críticos, o vilão clássico desapareceu do cinema nos últimos 40 anos, para dar lugar a personagens ambíguos. O ator Gerard Depardieu teve uma experiência n a pele ao desenvolver uma máquina que permite entrar no cérebro de um perigoso psicopata. Mas acaba descobrindo que sua vida está em perigo quando sua própria mente e corpo são transferidos, durante a experiência, para o criminoso. O filme é “Memórias do Mal”, de François Dupeyron. Outro filme, “O Poder da Sedução”, de John Dahl onde a atriz Linda Fiorentino fez o personagem de uma mulher fatal, sem pudor e sexy que dá o golpe no marido, seduz um interiorano e faz com que ele tome parte num crime. Tudo isso usando a mais antiga arma feminina de que se tem notícia.


E o Coringa de Jack Nicholson que roubou o filme do Homem Morcego? No terceiro episódio, Batman vem acompanhado de Robin para enfrentar dois vilões: o príncipe dos enigmas, Charada e o Duas Caras. Jimmy Carrey e Tommy Lee Jones dão um banho de interpretação e movimentam “Batman Eternamente”. Já a atriz Kathleen Turner é uma dona de casa prefeita na comédia “Mamãe é de Morte”, apenas gosta de assassinar pessoas. O cineasta John Waters, brincando, destruiu todos os valores politicamente corretos da classe média e realizou uma obra-prima do humor. Outro exemplo de malignidade é “Kika”, de Pedro Almodóvar. O cineasta cutuca fundo as convenções sociais, sempre de maneira “politicamente incorreta”, com Victoria Abril no papel principal.


Um dos nomes mais respeitados na indústria cinematográfica, o veterano Gene Hackman vive Herod, o senhor absoluto de uma cidade chamada Redemption no filme de Sam Raimi, “Rápida e Mortal”, onde duela com Sharon Stone. Hackman diz que “já fiz papéis de vilão,.mas este não é tão completamente mau. O desafio para mim foi tentar faze-lo parecer humano, o que o deixou ainda mais malvado, sob muitos aspectos. Você pode interpretar um monstro mas, se não colocar um traço humano, será só um esforço para atuar bem. Quando você decide colocar humanidade no personagem para convencer o público de que realmente pode haver gente assim, então acho que é um trabalho de artista”.


Os norte-americanos têm verdadeira fascinação por criminosos. Basta observar a lista de filmes e livros sobre serial killers (assassinos em série). Um bom exemplo desse fascínio é a obra de Oliver Stone, “Assassinos por Natureza”, onde um casal de serial killers enfileira 52 vítimas em três meses de estrada, vira celebridade graças à mídia. Isso sem falar no culto a Freddy Krueger, o demônio de garras de aço, ou Jason Vorhees da série Sexta-Feira, Leatherface, o assassino da serra-elétrica, entre outros. Até mesmo Macauley Culkin, tido como a criança número um da América teve seu dia de demônio. Quem vê a cara do anjinho não imagina o perigo do capeta que mora dentro do menino no filme “O Anjo Malvado”. O filme de Joseph Rubem mostra basicamente o quão cruel uma criança pode ser, contrariando a crença popular na ingenuidade infantil.

A TV traz altos índices de malignidade. Os atores Beatriz Segall e Antonio Fagundes permanecem na memória dos brasileiros como a Odete Roittman de “Vale Tudo” e o Felipe Barreto de “O Dono do Mundo”, duas novelas de sucesso. “O mal seduz porque ousa e rompe barreiras”, avalia Fagundes. “Sem a sedução, o mal decididamente não funciona”, confirma Beatriz. Diabólico ao encarnar Felipe Barreto, Antônio Fagundes acha que a maldade seduz porque rompe os limites, “como vemos desde a Bíblia. O Filho Pródigo não foi assim? Ele foi embora, gastou dinheiro com prostitutas, rompeu com tudo, mas voltou e tudo superou”.


A arquivilã de “Vale Tudo” Odete Roitman fascina o público. Beatriz Segall tem uma interpretação para a personagem criada por Gilberto Braga: “Foi ele quem denunciou, pela primeira vez, a corrupção em alta escala, quem abriu os olhos do público e o alertou antes que estourasse os escândalos do PC e Collor, ou da Máfia do Orçamento”. A mesma “Vale Tudo” foi marcada por outro grande personagem mau: a Maria de Fátima, de Glória Pires. A atriz diz que ela é a sua megera inesquecível: “É muito mais divertido fazer vilões porque eles não têm o comportamento que o público exige. Mas o importante é que a Maria de Fátima era uma personagem muito bem estruturada”. Com a experiência de quem é o maior vilão do cinema nacional, o ator José Lewgoy tem uma teoria muito simples para o amor do público pelos maus: “Os mocinhos não têm graça nenhuma, só são bonitinhos. Os vilões têm mais charme”.

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18 outubro 2010

O que há por trás das listras?

A roupa toda listrada já foi coisa de presidiário ou mafioso. Hoje é sinônimo de gente bem informada e cosmopolita . Na Idade Média, roupas listradas tinham conotação negativa e eram associadas a quem estava à margem da sociedade - prostitutas, serventes, criminosos. Nas pinturas medievais, o próprio diabo aparecia vestindo listras. Mas, nos dois últimos séculos, o padrão ganhou um significado positivo e de liberdade - principalmente por causa das bandeiras da França e dos Estados Unidos. É possível que os americanos tenham escolhido um tecido listrado (símbolo da escravidão) para exprimir a idéia do servo que rompe suas correntes e, assim, inverter o código das listras, sinal de privação de liberdades, estas se tornam, com a revolução americana, sinal de liberdade conquistada. Assim vestir-se em listras pode ser um meio de proclamar a adesão ao movimento das liberdades.

Dependendo do tipo físico, certas roupas são proibitivas. Pessoas obesas não devem usar roupas listradas na horizontal. Isso aumenta ainda mais seu tamanho, assim como as pessoas muito magras, não devem usar roupas com listras verticais, pois ficarão ainda mais magras. É fundamental usar roupas que sejam harmoniosas com as formas do corpo.


Há uma milenar fama dos tecidos listrados como "coisa do demo". Um ensaio do historiador e paleógrafo francês Michel Pastoureau, intitulado O Pano do Diabo faz uma viagem no tempo em busca de desvendar o significado das listras nas vestimentas da sociedade ocidental . Qual o motivo da roupa dos presidiários ter sido listrada, assim como a dos loucos e doentes contagiosos. Seria uma forma de diferenciar os que estavam à margem da sociedade?. As listras de alguma forma também foram relacionadas ao mar, nas roupas dos marinheiros e nos trajes para banhos de mar. O esporte, em geral, também se apoderou delas, seja nos uniformes ou em símbolos de marcas famosas.


As Sagradas Escrituras já não as recomendavam. Está no Levítico: "Não levarás sobre ti uma veste que seja feita de dois." Dois tons, bem entendido. A fama, portanto, não é antiga, é antiqüíssima. Os muçulmanos sempre usaram mantos listrados. Por esse motivo intriga a Igreja, avessa a qualquer parentesco com hábitos orientais. Os tecidos listrados eram usados - em vestimentas, cintos, fitas, capuzes e barretes - por judeus, heréticos, bufões, saltimbancos, carrascos, prostitutas, leprosos e outros excluídos da sociedade daquele tempo. Caim, Judas, Dalila e Salomé também haviam feito das listras um involuntário emblema de sua desonra.


Na obra, Pastoureau focaliza mais de 800 anos de história da humanidade, através das listras e de seus múltiplos significados. Na Idade Média, as listras eram reservadas aos loucos, aos leprosos, aos doentes contagiosos, aos banidos da sociedade. As listras foram olhadas com desprezo, isolando dos outros quem as vestia. Em uma cultura em que o visível tem uma importância primordial, todos sabem ler o sentido dessas barras. Prostitutas e saltimbancos na época medieval usavam roupas listradas reforçando o status marginal da estampa – representações do diabo eram frequentemente ilustradas com listras.


Até o século XV, as listras tinham caráter depreciativo e serviam para designar loucos, doentes contagiosos e banidos. Depois uma ambígua reviravolta passa a associar o listrado ao servilismo e também à proteção – aparecendo em roupas de criados, protegidos dos nobres. No século XIX, uma função higiênica e medicinal distingue os costumes listrados: roupas de banho, de crianças, pijamas – usos do vestiário que denotam assepsia, ao menos aparente. A reputação do pano listrado só mudaria substancialmente do final do século XVIII em diante, depois de representar, na França, a vitória do bem (burguês) contra o mal (aristocrático), o triunfo da marginalidade, e, no Novo Mundo, a implantação da democracia moderna.

No início do século passado, chegaram à moda com Gerald Murphy, eleito o homem mais elegante da classe de Yale em 1912. Ele teria sido o primeiro a usar listras, nos salões aristocráticos da Riviera francesa: a camiseta tradicional dos marinheiros. Nos anos 30 o pintor Pablo Picasso ajudou a celebrizar as listras nas rodas intelectuais, divulgando o look em suas temporadas de verão na França e na Espanha. Também nos anos 30, a grande costureira francesa Coco Chanel ajudou a celebrizar as listras entre o público feminino. Negativas nos uniformes dos campos de concentração nazistas e dos presidiários do cinema e dos quadrinhos, as listras expandiram-se positivamente por outros corpos: de crianças, banhistas, marujos e esportistas, seus mais benignos usuários. A semiologia das listras é infinita e encontrou no estudioso Pastoureau um trabalho de ampla visão.


As listras apareceram em figurinos de filmes que marcaram a história do cinema e fazem parte dos ciclos da moda, dos temas náuticos à alfaiataria risca-de-giz. Basta conhecer as roupas de Coco Chanel nos anos 20, ou as camisetas de marinheiro do estilista Jean Paul Gaultier . Nas histórias em quadrinhos os ladrões ou malfeitores ainda apresentam vestidos de listras berrantes e horizontais. Os personagens de Filochard na série Les Pieds Nickelés, os Irmãos Metralhas da Disney, os gêmeos Dupondt de Tintin, ou o Coringa, a outra moeda do Batman, entre outros. Até a figura da zebra, metáfora mais que repisada, tem caráter de exceção à regra, e os peixes que apresentam listras são os mais procurados porque são raros.

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15 outubro 2010

Música & Poesia

A Tragédia da Cor (Wado e Realismo Fantástico)


Aê, my brother Sandro,

A vida não tá fácil

Eu que não tenho cor

Ando de trajes negros


Você bem sabe em que ponta

A corda sempre arrebenta


Mas ninguém sabe da dor

Da tragédia da cor

Negra


São sobreviventes, arestas, anomalias, fato

Fruto da exclusão social neoliberal


Eu escutei um tiro

A bala saiu da ponta

Da caneta do ministro

Do deputado, do senador

Que nunca que nunca abre mão

Da sua corrupção diária, rotineira


Aê, my brother Sérgio,

A vida não tá fácil

Eu que não tenho cor

Ando de trajes negros


Você bem sabe em que ponta

A corda sempre arrebenta


Não se percebe a doutrina de violência e ódio

Nas torcidas organizadas de futebol


Cântico negro (José Régio)


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces

Estendendo-me os braços, e seguros

De que seria bom que eu os ouvisse

Quando me dizem: "vem por aqui!"

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)

E cruzo os braços,

E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:

Criar desumanidades!

Não acompanhar ninguém.

— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade

Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde

Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde

Por que me repetis: "vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,

Redemoinhar aos ventos,

Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,

A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi

Só para desflorar florestas virgens,

E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!

O mais que faço não vale nada.


Como, pois, sereis vós

Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem

Para eu derrubar os meus obstáculos?...

Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,

E vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,

Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,

Tendes jardins, tendes canteiros,

Tendes pátria, tendes tetos,

E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...

Eu tenho a minha Loucura !

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,

E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;

Mas eu, que nunca principio nem acabo,

Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,

Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: "vem por aqui"!

A minha vida é um vendaval que se soltou,

É uma onda que se alevantou,

É um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,

Não sei para onde vou

Sei que não vou por aí!

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