27 maio 2020

A natureza humana pela ótica de Calvin (3)


As aventuras de Calvin & Haroldo falam a todos nós, remetendo a experiências comuns a nossas vidas. Quem nunca achou a escola uma prisão? Quem nunca teve uma professora ou professor que só queria ver de longe, de preferência bem longe? Quantas vezes sentimos que nem nossos pais nos entendem, e quantos de nós não gostariam de ter um amigo absolutamente fiel e companheiro, mas igualmente capaz de ser nossa consciência como Haroldo?




No quadrinho, o sagaz garoto de 6 anos e seu tigre de pelúcia --que ganha vida na imaginação do menino-- entabulam diálogos divertidos e surreais. Em suas conversas inteligentes e bem-humoradas, debatem o jeito de ser dos humanos, enquanto expõem particularidades do mundo infantil e contradições do mundo adulto.



Bill Watterson, eternamente oposto aos estragos que o capitalismo e o merchandising provocam em qualquer criação original, proibiu expressamente a sua editora de vender os direitos para lançar no mercado uma panóplia de artigos baseados na série. Por este motivo, Watterson passou vários anos em guerra aberta com a Universal Press e existem mesmo algumas tiras que fazem referência a esse conflito de forma muito pouco dissimulada. No final, Watterson levou a melhor e não permitiu o lançamento de qualquer merchandising exceto alguns artigos únicos de edição limitada como postais e posteres originais.




Apesar desta proibição, hoje em dia não é nada difícil encontrar T-shirts estampadas, porta-chaves ou autocolantes para carros pirateados, com imagens de Calvin a dizer e a fazer coisas que nunca disse nem fez nos quadrinhos. A proibição imposta por Bill Watterson ao merchandising da série significa também que nunca irá haver uma série de desenhos animados, como aconteceu com Garfield e Charlie Brown. Poucos ilustradores conseguiram captar tão bem a imaginação de um garoto, e ainda assim desenvolver críticas à sociedade de forma tão sutil. E sem nunca se vender ao sistema, já que jamais liberou os direitos dos personagens para bonecos, camisetas e toda essa porcariada que gera muito dinheiro.




A obra foi multipremiada. Seu autor recebeu os principais prêmios dos quadrinhos, como o Harvey Award (oito edições), o prêmio Eisner (duas edições) e Reuben Award (duas edições), todos nos Estados Unidos, e o Angoulême International Comics Festival, na França, entre muitos outros.



Calvin era - e continuava sendo até pouco tempo atrás - a tira favorita de dez entre dez leitores de tiras. Em 1995, no entanto, Watterson declarou estar “cansado de acordar todos os dias pensando no que Calvin iria fazer” e anunciou sua aposentadoria da tira - muitos viram na atitude do quadrinhista uma resposta às pressões para comercializar os direitos do personagem em produtos de licensing, algo que ele sempre se recusou a fazer, mas o autor, avesso a entrevistas, nada confirmou. Quando Watterson anunciou o fim da tira, Calvin era publicado em 2,5 mil jornais apenas nos Estados Unidos e em centenas de outras publicações de mais 13 países, entre eles o Brasil. O autor recebia, com o personagem, cerca de US$ 1 milhão. Ainda hoje, as tiras de Calvin são republicadas por diversos jornais (inclusive brasileiros) e podem ser vistas e até mesmo adquiridas, em quadros, via Internet (www.calvinandhobbes.com).




Os cartunistas de antigamente se consideravam homens de jornal, simplesmente. Seu trabalho era ajudar o periódico a vender sempre mais, sem se preocupar com qualidade. Assim, repor um desenhista era muito mais fácil. A tira continuava, mas seu criador não tinha seu lugar garantido. A situação mudou e hoje em dia até mesmo os syndicates acham que apenas o autor pode dar à tira sua forma ideal. Por isso, atualmente, os quadrinhos são levados mais a sério do que em anos anteriores, tanto pelo público como pelos seus criadores e empresários do ramo de comunicação. (Texto publicado originalmente neste blog em 2012)

26 maio 2020

A natureza humana pela ótica de Calvin (2)


Inteligente, criativo e carismático, Calvin recebeu seu nome em homenagem a Calvino (filósofo e teólogo francês do século XVI que foi uma das figuras chaves na reforma protestante) e seu amigo tigre, Haroldo (Hobbes), foi batizado em referência a Thomas Hobbes, filósofo britânico do século XVII). Watterson teria escolhido estes nomes por acreditar que os dois foram os grandes responsáveis pelos conceitos religiosos e morais americanos, que muitas vezes são colocados em xeque nas tiras.




Os dois são melhores amigos e adoram pregar peças nos outros. Com uma imaginação sem limites e um vocabulário sofisticado para um garoto, Calvin ironiza - mais que isso, é sarcástico em relação aos - costumes, crenças, morais, instituições e relacionamentos tipicamente americanos. Se Calvin é sarcástico e muitas vezes cruel, Haroldo, por outro lado, é irônico e altamente filosófico, o que d’um contraponto à história - mas não impede que os dois briguem em suas reuniões de clubinho para decidir quem tem mais poder, o “supremo ditador para toda a vida” Calvin ou o “primeiro tigre” Haroldo.





Calvin adora dar dor-de-cabeça a seus pais, que têm bastante trabalho para educá-lo. O pai eventualmente “se vinga” dando explicações nada claras sobre fenômenos naturais ou brincando com assuntos “sérios” como o presente de Natal que não virá, ou ainda levando o garoto para viagens de camping e atividades “que constroem o caráter”, o que dá ainda mais dor-de-cabeça à pobre mãe. Calvin adora ainda pregar peças e deixar enojada a coleguinha de escola e vizinha Suzie Derkins.



E, por falar em escola, o garoto deixa louco a professora, senhorita Wormwood (batizada em homenagem a um demônio aprendiz de um conto de C.S. Lewis), graças à sua farta imaginação e criatividade imensurável que ele raramente aplica aos estudos - e também por causa de perguntas capiciosas em relação ao sistema de ensino americano.



Ainda na escola, Calvin sofre com o gorilão Moe, o típico valentão do colégio. Depois de uma tira em que Calvin é gozado pelo professor de Educação Física por ser demasiado fraco para entrar na equipe de basebol e não saber seguir as regras da equipe, Calvin decide criar o seu próprio desporto, onde a única regra é nunca repetir a mesma regra duas vezes. Assim nasceu o Calvinbol, um desporto fictício (não segundo Watterson, que ainda por cima já recebeu inúmeras cartas a perguntar como se joga) que fez inúmeras aparições na série.



O desenhista Bill Watterson sempre usou a tira como um espelho de si mesmo. Por exemplo, uma vez a mãe de Calvin vai fazer compras no supermercado e passa por aquelas situações bem comuns: mal atendimento, filas intermináveis etc. No final, a moça do caixa diz: “Tenha um bom dia!” e ela responde: “Tarde demais!”. Com certeza esta situação já deve ter acontecido com o próprio Watterson. A piada se escreveu sozinha.



Calvin e seu fiel tigre Haroldo (que só ganha vida quando os dois estão a sós), em uma série dominical de página inteira, discute a respeito do lixo deixado por algum imbecil em pleno bosque. "Aposto que as civilizações futuras vão saber mais do que gostaríamos sobre nós", ele comenta desapontado com uma sociedade que polui, estoca armas nucleares e emporcalham tudo. Haroldo comenta que tem orgulho de não ser humano, e no final Calvin concorda. Watterson, o mago, critica sem dó as mazelas da sociedade, mas com uma finesse, uma leveza e um bom humor inigualáveis.




A completa falta de sintonia entre Calvin e os pais é que faz as tirinhas e histórias maiores serem tão divertidas. Mesmo quando Calvin se dá mal em uma de suas armações, a lição que tiramos daí nada tem de didática ou maçante. Watterson, sempre ele, consegue sempre nos maravilhar e fazer rir. (Texto publicado originalmente neste blog em 2012)


25 maio 2020

A natureza humana pela ótica de Calvin (1)


Entre 1985 a 1995 o norte americano Bill Watterson publicou uma série estrelado por Calvin, um garoto hiperativo de seis anos de idade, com imaginação fértil, e Hobbes, seu tigre de pelúcia com nome de filósofo inglês que foi rebatizado como Haroldo aqui no Brasil. A série, publicada em mais de 2000 jornais do mundo inteiro, mostra as fantasias mirabolantes de Calvin e constituem frequentemente uma fuga à cruel realidade do mundo moderno para a personagem, e uma oportunidade de explorar a natureza humana para Bill Watterson. Em seu trabalho Bill fazia tudo: escrevia, desenhava, arte-finalizava e coloria. Ele não tinha assistentes ou ajudantes, além da mulher que apenas dava dicas sobre o texto ou o desenho.




Bill sempre quis manter total controle sobre Calvin & Haroldo mas só quando a tira completou cinco anos que a empresa resolveu negociar um acordo. Com todas as suas exigências feitas e aprovadas, Watterson conseguiu o que queria. Liberdade total e nenhuma buginganga estamparia seus personagens. Não deixar o merchandising dominar seu trabalho, não aceitar a pressão do syndicate ou tentar mudar as regras do jogo foram momentos estafantes que acabaram por prejudicar tudo. Ao tentar o controle sobre seus personagens, ele percebeu que os leitores na verdade são os que ditam o que devem ou não acontecer. O autor passa a sofrer a ditadura do público, que começa a decidir quem aparece na tira, que tipo de piada é mais legal, etc. E não conseguiu mais trabalhar como quer. Então, a única saída foi parar.




O autor abandonou a criação que o tornou famoso em 1995, embora as tiras continuem em publicação em vários jornais.



O próprio Watterson escreveu sobre as mudanças que vem ocorrendo nas HQs:



“Desde o começo, os quadrinhos foram considerados como um produto comercial que existia para o fim de aumentar o público dos jornais. Os cartunistas se consideravam jornalistas, não artistas. O seu trabalho, pura e simplesmente, era ajudar a vender jornais.



Desde aquele tempo:






• Sindicatos transformaram os quadrinhos num grande negócio. No começo, os cartunistas eram contratados por jornais individuais para produzir quadrinhos exclusivamente para aquele jornal. Hoje, os cartunistas trabalham para sindicatos que vendem suas tiras para jornais em todo o mundo. Isso quer dizer que uma tira hoje precisa de um apelo muito amplo. Enquanto os primeiros cartunistas experimentavam, começando e parando tiras à medida que seus interesses mudavam e descobrindo o que agradava ao público local no caminho, a sindicalização encorajou a produção calculada de tiras para espelhar tendências e capitalizar nos interesses específicos de grupos demográficos desejáveis. Comercializar tiras em grande escala encoraja os quadrinhos a serem conservadores, facilmente categorizáveis, e imitadores de sucessos anteriores. Os quadrinhos ganharam públicos imensos e se tornaram muito lucrativos dessa maneira, mas a algum custo da exuberância primitiva dos quadrinhos.




• Agora há muito menos competição entre jornais. Cada cidade grande costumava ter vários jornais lutando pelos leitores,e uma tira apreciada poderia ajudar dramaticamente a circulação de um jornal. Tiras populares iam para o jornal que pagasse mais, e os outros jornais iriam correr para comprar outras tiras que poderiam ajudá-los a competir. Hoje, a maioria das cidades tem apenas um jornal, e o jornal sobrevivente pode ter qualquer tira que quiser. Ele irá obviamente comprar as tiras mais populares, e sem outros jornais para pegarem as outras tiras, as tiras grandes ficam enormes, e as tiras pequenas jogam cadeiras musicais e desaparecem. Há pouco espaço hoje em dia para um tira “cult” peculiar com público pequeno porém devotado. Há menos vagas para novas tiras, menos oportunidades para tiras marginais sobreviverem, e há menos tempo para uma tira achar o seu público.





• A televisão substituiu jornais como a fonte de informações da maioria das pessoas. Os custos de produção dos jornais subiram, a circulação não subiu, e algumas das grandes contas de publicidade abandonaram os jornais. Um tira de jornal poderia uma vez ter atraído leitores de um jornal para outro, mas os quadrinhos não atraem pessoas da televisão. Os quadrinhos ajudam menos os jornais do que costumavam, então os jornais olham para a página de quadrinhos como mais um lugar para cortar custos. Eles espremem mais tiras em menos espaços, forçando os cartunistas a escreverem e desenharem de maneira mais simples para continuarem legíveis. Com menos palavras e desenhos mais grosseiros, os quadrinhos se tornam menos imaginativos e menos divertidos, A ironia disto é que os jornais estão desesperados para atraírem leitores criados no impacto visual da televisão. Os jornais gastaram muito dinheiro para melhorarem a diagramação e acrescentaram mapas, gráficos e fotografias coloridas, enquanto os quadrinhos – o único componente gráfico nos jornais – tipicamente definham numa única página de pequenas caixas preto e branco organizadas numa grade tediosa. Ao imporem de maneira pouco imaginativa formatos padronizados e reduzidos a todos os quadrinhos, os jornais dão aos quadrinhos espaço suficiente em custos, não espaço graficamente eficaz.





Por causa de todos esses desenvolvimentos, a relação tradicional entre cartunista, sindicato e jornal tem sido forçada. À medida que as circunstâncias mudam, cada parte tenta proteger os seus próprios interesses. Os jornais estão cortando custos ao cortarem espaço e tiras. Sindicatos respondem se diversificando para licenciamento e editoras. Os principais cartunistas estão exigindo controle sobre o seu trabalho, e alguns estão deixando totalmente o ramo. Com menos objetivos e necessidades comuns, há menos confiança e cooperação.



Como um cartunista que fez a sua parcela de agravar a situação, me parece que bons quadrinhos são do interesse de leitores, jornais, sindicatos e cartunistas. Porém, as melhores tiras do passado teriam dificuldades nos jornais hoje. A esotérica porém brilhante Krazy, mal comercializável no seu tempo, teria problemas para encontrar um editor disposto a defender sua visão única hoje. Seria improvável que tiras de aventura como Terry e os Piratas arrastassem leitores para suas aventuras exóticas, agora que a linda ilustração é sufocada pelas caixinhas disponíveis para tiras. Popeye usava até vinte quadros no domingo para criar sua energia furiosa, uma impossibilidade total nos espaços de um quarto de página de domingo de hoje. Tiras contínuas estilo “novela” quase desapareceram, incapazes de manterem seus enredos atraentes com a redução de diálogo necessária em quadros pequenos. Os quadrinhos estão perdendo a sua variedade.



Sessenta anos atrás, as melhores tiras não eram só desenhadas de forma divertida, elas eram lindas para se olhar. Eu não consigo pensar numa única tira hoje que chegue perto daquele padrão de competência técnica. Agora nós temos tiras de piadas com desenhos simples em abundância, e nada mais. Nós perdemos uma parte essencial do que torna os quadrinhos divertidos para se ler. Enquanto desenhos animados e gibis estão se tornando sofisticados, mais bem produzidos, e mais populares do que nunca, as tiras de jornais estão enfraquecidas.



Eu ouvi ser argumentado que os leitores de hoje não têm mais paciência para histórias complicadas e arte rica nos quadrinhos. Pesquisas de popularidade são citadas para mostrar que os quadrinhos estão indo bem do jeito que são. Eu discordo e acho que é um erro subestimar o apetite dos leitores pela qualidade. Os quadrinhos podem ser muito mais do que são atualmente. Tiras melhores poderiam atrair públicos maiores, e isso ajudaria os jornais. O potencial dos quadrinhos – como vendedores de jornais, e como uma forma de arte – é grande se os cartunistas se desafiarem a criar trabalhos extraordinários e se o ramo trabalhar para criar um ambiente de apoio para ele”. (Fonte: 10 Anos de Calvin & Haroldo - Volume 1 - Editora Best News) (Texto publicado originalmente neste blog em 2012)

20 maio 2020

140 anos de morte da primeira enfermeira do Brasil


Há 140 anos, morria Ana Néri (13/10/1814 – 20/05/1880), a heroína brasileira que prestou serviços voluntários nos hospitais militares de Assunção, Corrientes e Humaitá, durante a Guerra do Paraguai. Nascida em Vila da Cachoeira do Paraguaçu, na Bahia, Ana Justina Ferreira se casou aos 23 anos com o capitão de fragata da Marinha, Antônio Isidoro Néri, do qual adotou o sobrenome.



Viúva do capitão-de-fragata Isidoro Antônio Néri, viu seus filhos, o cadete Pedro Antônio Néri e os médicos Isidora Antônio Néri Filho e Justiniano de Castro Rebelo; seus irmãos Manuel Jerônimo Ferreira e Joaquim Maurício Ferreira, ambos oficiais do exército, serem convocados para a Guerra do Paraguai. Ana Néri escreveu então ao presidente da província uma carta em que oferecia seus serviços como enfermeira enquanto durasse o conflito.




Partiu da Bahia, de onde nunca saíra, em 1865, para auxiliar o corpo de saúde do Exército, que era pequeno e contava com pouco material. Começou seu trabalho no hospital de Corrientes, onde havia, nessa época, cerca de seis mil soldados internados e algumas poucas freiras vicentinas. Mais tarde, assistiu os feridos em Salto, Humaitá, Curupaiti e Assunção.




Mulher de posses, com seus recursos montou na capital conquistada, na própria casa onde morava, uma enfermaria limpa e modelar. Ali trabalhou, abnegadamente, até o fim da guerra, na qual perdeu seu filho Justiniano e um sobrinho, que se alistara como voluntário da pátria.



De volta ao Brasil, em 1870, Ana Néri recebeu várias homenagens: foi condecorada com as medalhas de prata humanitária e da campanha e recebeu do imperador uma pensão vitalícia, com a qual educou quatro órfãos que recolhera no Paraguai. Seu retrato de corpo inteiro, obra de Vítor Meireles, figura em lugar de honra no paço municipal de Salvador. Ana Néri morreu no Rio de Janeiro-RJ, no dia 20 de Maio de 1880.




Getúlio Vargas, instituiu em 1938, o Dia do Enfermeiro, a ser celebrado, em 12 de maio. Segundo o decreto, na data devem ser prestadas homenagens especiais a Memória de Ana Néri em todos os hospitais e escolas de enfermagem do país. E em 2009, seu nome, Ana Justina Ferreira Néri, é assentado no livro dos Heróis da Pátria, depositado no Panteão da Liberdade e da Democracia, em Brasília, capital da República. Pelas suas virtudes e heroicidade, foi condecorada pelo Exército com o título de Mãe dos Brasileiros. 




A primeira escola oficial de enfermagem de alto padrão no Brasil, fundada por Carlos Chagas em 1923, recebeu em 1926 o nome de Ana Néri. Hoje é a patrona das enfermeiras do Brasil. Em 2002 o cineasta Roberto Farias lançou o filme sobre Ana Nery intitulado Brava Gente com atuações de Marilia Pera e Lima Duarte.


17 maio 2020

O negro e o branco misturados no rock


Com ancestralidade forte, os pais do rock estão na África. Essa negra matriz se ramificou por todo o mundo. Na América do Norte os tambores eram proibidos de usar (ao contrário do que ocorreu no Brasil). Então os escravos tiveram que assimilar o instrumental o branco dominador e, com a genialidade da raça e o talento dos oprimidos, virou do avesso e deu novas feições. O blues nasceu desse impasse.




A batida simples, tensa, virou rhythm´n´blues. A música dos brancos também mudou. Sua música de dança ficava mais ritmada, e suas violas ganhava, captadores que aumentava o som – era o country & western.




Nos primeiros anos da década de 50 essas duas músicas se misturaram. Impuro por excelência, o rock and roll nasceu do abraço sensual de duas raças. Em comum tinha o boogie, o balanço. Outro filho do blues corria ágil pela estrada da experimentação harmônica e melódica. Era o jazz. O boogie, o rock and roll, mesmo embalo do ato sexual, mesmo andamento do passo, do coração, cresceu. A mistura de boogies pretos e brancos deu o  rock´n´roll. E o rock viajou para a Inglaterra (óbvia proximidade de língua e cultura).






A inquietação dos anos 50 era individualista, sexual e epidérmica. A dos anos 60 era coletiva, mental e transcendente. Entre os rebeldes dos anos 50 estão Chuck Berry, Little Richard, Fats Domino, Bo Diddley e Elvis Presley. Em meados dos anos 60, Bob Dylan, Beatles, Rolling Stones, Frank Zappa, Doors e Velvet Underground causaram uma revolução maciça na estrutura do rock and roll.




Nos anos 70 a tribo da pesada estava interessada no mais básico dos básicos ritmos, submerso em ondas cada vez maiores de eletricidade. E a progressiva que queria elevar o rock ao  status de obra e arte (igual período onde os quadrinhos estavam entrando no processo psicodélico e cobrando seu ingresso na arte). Já os folks queriam unir campo e cidade. No meado dessa década o Punk Rock e a New Wave revolucionaram o rock and roll.




Outras estradas – o veio negro do rock gerara o soul na América. E o soul viajando para o vizinho Caribe gerara o reggae, invenção genial única. Na década seguinte, anos 80, tecnopop do som, sintetizadores e transformadores de voz, além do minimalismo. A dança dos negros e dos pobres virou o ritmo mais conhecido do mundo. E surgiram bandas como Pixies, Fugazi e Sonic Youth que criaram o indie pop. Já nos anos 90, o Radiohead, Oasis, Blur, Pulp, Manic  Preachers e Suede inventaram o britpop.



A cena musical a partir dos anos 200 dá destaque ao Coldpay, Strokes, My Chemical Romance, Good Charlotte entre outros.



E essa história não termina aqui. Jovens inquietos inventaram e reinventaram um ritmo que para muitos é limitado, mas o rock é atemporal. E as pedras continuam rolando....

14 maio 2020

Paixão pela palavra (4)


A canção O Que Será foi vetada pelos censores, segundo documento confidencial do extinto Departamento Geral de Investigações Especiais (DGIE), órgão de inteligência da Secretaria de Segurança. Os militares acreditavam que a música era um claro exemplo de “antagonismo à política militar” e de incentivo à “revolução para a mudança”, porque, segundo os censores, falava de “futuro”, “custo de vida”, “liberdade” e “política nacional”. No documento sobre a música de Chico, o então diretor do DGIE, delegado Antônio Malfitano alerta ao serviço de inteligência do Exército que as músicas do então “último disco” do cantor, principalmente O Que Será, “estão sendo tocadas com insistência nos ônibus de Niterói e do Rio de Janeiro e em rádios comerciais”. Em folha anexa, também confidencial (datada de 26 de novembro de 1976), Malfitano reproduz a letra da música e, ao lado, suas interpretações.




Para o delegado, o “antagonismo à política militar” está na primeira estrofe (que andam suspirando pelas alcovas/que andam sussurrando em versos e trovas...). Já a referência à “política nacional” está nos versos “o que não tem decência, nem nunca terá/ o que não tem censura, nem nunca terá/o que não faz sentido”. É na última estrofe que o diretor do DGIE identifica o incentivo ao que chama de “revolução para mudança” (Que todos os avisos não vão evitar/porque todos os risos vão desafiar/porque todos os sinos irão repicar...). O delegado conclui que as três últimas frases da canção (o que não tem governo, nem nunca terá/o que não tem vergonha, nem nunca terá/ o que não tem juízo) são “o motivo principal para a mudança” do regime.




O amor entre mulheres está presente em “Bárbara”, da peça Calabar (1972) e em “Mar e Lua” (1980) onde o tema é tratado com extrema sensibilidade e delicadeza. O amor urgente, reservado, proibido, “pois hoje é sabido/todo mundo conta/que uma andava tonta/grávida de lua/e a outra andava nua/ávida de mar...”. Na segunda estrofe da canção fala da exclusão social a que as duas moças foram submetidas: “E foram ficando marcadas/Ouvindo risadas, sentindo arrepios...”. O “amor proibido” é tratado com infinita delicadeza, sendo a atração que as duas moças reciprocamente sentiam metaforizada através de elementos da natureza (mar e lua), também o presumível suicídio das duas é poetizado. A crua realidade do afogamento no rio da cidade, aquilo que seria o fim (“...e foram correnteza abaixo/rolando no leito/engolindo água/boiando com as algas/arrastando folhas/ carregando flores/a se desmanchar”) transforma-se, sob o signo exatamente daqueles mesmos dois elementos aludidos: virando peixes, conchas, seixos, areia – “prateada areia/com lua cheia/e à beira-mar”.




Em “Cala a Boca, Bárbara” (1972), uma das mais intensas e delicadas canções eróticas da Literatura Brasileira, os elementos da natureza metaforizam o corpo feminino, e aí se apresenta uma mulher que é ao mesmo tempo amante e parceira de luta, a guerrilheira. Essa canção integra a peça de teatro Calabar – em que Chico Buarque e Ruy Guerra empreendem uma reconsideração do papel histórico dessa personagem, considerado como o traidor por excelência, na historiografia oficial. Quando a peça se inicia, Calabar já morto e esquartejado, executado pelos portugueses que não apenas exigia que seu nome fosse apagado de qualquer registro onde pudesse figurar, como também proibia que seu nome fosse pronunciado. Mas restou sua mulher, Bárbara, que é quem canta a canção, e quem ele está intensamente presente. Ela nunca o chama, nessa canção, pelo nome: Calabar é o ele a que se refere. No entanto, é esse nome que se forma, com espantosa nitidez, como uma constelação, à força da repetição quase obsessiva do refrão: “Cala a boca Bárbara: CALABAR”. O nome de Calabar contém o nome de Bárbara: prisão de amantes apaixonados:



“Ele sabe dos caminhos

Dessa minha terra

No meu corpo se escondeu



Minhas matas percorreu,


Os meus rios,

Os meus braços

Ele é o meu guerreiro

Nos colchões de terra

Nas bandeiras, bons lençóis

Nas trincheiras, quantos ais, ai

Cala a boca,

Olha o fogo,

Cala a boca,

Olha a relva,

Cala a boca, Bárbara

Cala a boca, Bárbara

Cala a boca, Bárbara

Cala a boca, Bárbara

Ele sabe dos segredos

Que ninguém ensina:

Onde guardo o meu prazer

Em que pântanos beber,

As vazantes,

As correntes,

Nos colchões de ferro

Ele é o meu parceiro

Nas campanhas, nos currais

Nas estranhas, quantos ais, ai

Cala a boca,

Olha a noite,

Cala a boca,

Olha o frio

Cala a boca, Bárbara....”.

           


É um poema em que o corpo feminino se sobrepõe a imagens da terra: rios, matas, vazantes, enchentes, selva, pântanos. Cada um desses termos pode ser submetido a uma dupla leitura, no registro paisagístico, e no registro erótico. Reagrupados de uma outra maneira (de um lado, matas, selva; de outro, pântanos, correntes vazantes), eles evocam toda uma geografia simbólica do corpo feminino, marcam inequívocas referências (por alusão e/ou analogia) ao sexo da mulher: pêlos, fenda e fonte de umidade.



Referências:



BLANNING, Tim. O Triunfo da Música: a ascensão dos compositores, dos músicos e de sua arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.



FAOUR, Rodrigo. História sexual da MPB: a evolução do amor e do sexo na canção brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2006.



GOFFMAN, Ken & Dan Joy. Contracultura através dos tempos: do mito de Prometeu à cultura digital. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007. 



HOLLANDA, Chico Buarque de. Literatura Comentada. Seleção de textos, notas, estudo biográfico, histórico e crítico, exercícios por Adélia Bezerra de Meneses Boll. São Paulo: Abril Educação, 1980.



JULIANO, Carolina. Esses moços, pobres moços. Fim de Semana. Eu& nº79. Valor. São Paulo: 1,2,3 e 4/11/2001.



MENESES, Adélia Bezerra de. Figura do Feminino na Canção de Chico Buarque. São Paulo: Ateliê e Boitempo Editorial, 2000.



MENESES, Adélia Bezerra de. Desenho Mágico: poesia e política em Chico Buarque. São Paulo: Ateliê Editorial (2ª edição), 2000.

13 maio 2020

Paixão pela palavra (3)


A relação de poder à base do fenômeno da prostituição se evidencia em “Folhetim” (1977/8). Focaliza a figura da prostituta que oferece os seus encantos – “Se acaso me quiseres/sou dessas mulheres/que só dizem sim...” feita para uma personagem da “Ópera do Malandro” que inclui também “O Meu Amor” e “Geni e o Zepelim”. A mulher vai manipular o homem, ludibriando-o com meras verdades, e finalmente descartando-o: “E eu te farei as vontades/Direi meias verdades/Sempre à meia-luz/E te farei, vaidoso, supor/Que és o maior e que me possuis//Mas na manhã seguinte/Não conta até vinte/Te afasta de mim/Pois já não vales nada/És página virada/Descartada do meu folhetim”.




Mas a festa dionisíaca, a grande canção visionária e utópica, em que surge, com força e intensidade, o Eros do povo, uma explosão em que o erótico e o político convergem num mesmo movimento liberador cósmico está nesta canção: “O que será que será/ Que vive nas idéias desses amantes/ Que cantam os poetas mais delirantes/ Que juram os profetas embriagados/ Está na romaria dos mutilados/ Está na fantasia dos infelizes/ Está no dia-a-dia das meretrizes/ No plano dos bandidos, dos desvalidos/ Em todos os sentidos/Será que será...”




Chico Buarque capta o recado das vozes que sussurram na noite de uma realidade desconhecida, nas alcovas, no breu das tocas, nos botecos, nos mercados: as duas canções que recebem o nome de O Que Será (À Flor da Pele e À Flor da Terra) sugerem a convergência do erótico e do político, subordinados a um só princípio. O que será, que não tem descanso nem cansaço, esse inominável; que se recorta no avesso do princípio de realidade (limite, sentido, certeza, tamanho, governo, censura, decência, vergonha), realidade, que fica pairando como uma fantasmagoria castradora sobre a expansão da energia, ou, como chamá-lo?, libido, desejo, vontade de contato, amor. A poesia/música de Chico, esse artesão habilíssimo, capta a entranha sensível, e por isso é tão fina para o erótico, o social e o feminino. 




A letra trata daqueles que estão fora da esfera do poder, excluídos da vida econômica. Tanto os amantes, poetas, profetas (seres que habitam o mundo da fantasia) como os marginais. Excluída da esfera da produção, alijada do mundo do poder: eis o lugar social da mulher na sociedade patriarcal:





“O que não têm decência, nem nunca terá

O que não tem censura, nem nunca terá


O que não faz sentido

O que será que será

Que todos os avisos não vão evitar

Porque todos os risos vão desafiar

Porque todos os sinos irão repicar

Porque todos os hinos irão consagrar

E todos os meninos irão desembestar

E todos os destinos irão se encontrar

E mesmo o Padre Eterno, que nunca foi lá

Olhando aquele inferno vai abençoar



O que não têm governo, nem nunca terá

O que não tem vergonha, nem nunca terá

O que não tem juízo” (O Que Será – À Flor da Terra – 1976).

           

“Isso” de que ele fala e que canta, nunca é nomeado. Não tem nome, não tem vergonha, “o que será que será?”. A existência de proibições e/ou punições a algo que seria puramente natural torna-se aquilo de que se deve ter vergonha. Aquele “inferno” que é preciso coibir, refrear, ocultar, disfarçar. Como escreveu o escritor Bataille, o sexo, nos humanos, é erotismo e este é impossível sem as interdições e as transgressões.

12 maio 2020

Paixão pela palavra (2)


E Chico faz um convite ao abandono de uma atitude repressiva (a volta ao útero materno: o regaço”), e o apelo erótico contido no brincar no fogo. Contra a repressão da procura da segurança – que, no  limite, é a atração por Tânatos – a proposta vital (apesar dos riscos) de Eros, é este “Bom Conselho” (1972) que dá o poeta: “Deixe esse regaço/Brinque com o meu fogo/Venha se queimar”.




Feita para o filme “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, a canção “O Que Será” tem três versões, que marcam passagens diferentes da trama: “Abertura”, “À Flor da Pele” e “À Flor da Terra”. Cantada no filme por Simone, a versão “À Flor da Terra” alcançou grande sucesso na gravação de Chico Buarque e Milton Nascimento, que abre o elepê “Meus Caros Amigos”. Mais tarde Chico cantou no disco de Milton, “À Flor da Pele”. 




As canções de Chico Buarque tematizam a mulher e seu desejo. Ele sempre foi reconhecido como um dos poetas que mais sensivelmente captam o feminino e o exprimem, traduzindo-o em palavras e música. Um estudo temático das letras que modulam o feminino é a proposta do livro da professora Adélia Bezerra de Menezes, “Figuras do Feminino na Canção de Chico Buarque”.



“Dentro da fêmea Deus pôs/Lagos e grutas, canais,/Carnes e curvas e cós/Seduções e pecados infernais/Em nome dela, depois/Criou perfumes, cristais/O campo de girassóis/E as noites de paz” (Tororó, 1988). São imagens de alta intensidade sensorial. Ou mesmo à explicitez ousada de “O Meu Amor” (1977): “O meu amor/Tem um jeito manso que é só seu/De me deixar maluca/Quando me roça a nuca/E quase me machuca com a barba malfeita/E de pousar as coxas entre as minhas coxas/Quando ele se deita, ai”.




Uma disputa entre duas mulheres que amam o mesmo homem as exibe medindo o grau de envolvimento amoroso pelo critério exclusivo do prazer físico proporcionado pelo amado. Canta uma delas:

“O meu amor

Tem um jeito manso que é só seu

E que me deixa louca

Quando me beija a boca

A minha pele inteira fica arrepiada

E me beija com calma e fundo

Até minh’alma se sentir beijada, ai”.



E a outra:




“O meu amor

Tem um jeito manso que é só seu

Que rouba os meus sentidos

Viola os meus ouvidos

Com tantos segredos lindos e indecentes

Depois brinca comigo

Ri do meu umbigo

E me crava os dentes, ai”.



Mas as duas mulheres se encontram no refrão:

‘‘Eu sou sua menina, viu?

E ele é o meu rapaz

Meu corpo é testemunha

Do bem que ele me faz”.

(Texto publicado inicialmente em 2014)

           


11 maio 2020

Paixão pela palavra (1)


No seu primeiro estudo da obra do poeta, Adélia Bezerra de Meneses (“Desenho Mágico: poesia e política em Chico Buarque) informa que “Chico revela uma paixão pela palavra, que ele trata quase sensorialmente; pela palavra que, nele, é instrumento de magia. Pois Chico é um alquimista verbal (...). Para ele, a palavra guarda sempre um valor de música: vira canção. E na canção – palavra cantada – mais do que na poesia, ela é corpo: modulada pela voz humana, portanto carregada de marcas corporais; carregada de valor significante. A canção é isso: ligação de sema e soma  (sema = signo; soma= corpo) no belo trocadilho que o grego oferece”.




Esse poder de lidar com as palavras foi um dos motivos de ele ter sido tão visado pela censura nos anos 70: a ausência de liberdade em “Apesar de Você” (1970), a existência alienada em “Deus lhe Pague” (1971), o desejo reprimido em “Quando o Carnaval Chegar” (1972) e, de parceria com Gilberto Gil, “Cálice”, o limite da repressão e da censura levará ao silencio: Cálice/Cale-se (1973) foram algumas das mais significativas canções proibidas. Com a “desrepressão” política, a partir de 1979, há uma liberalização no nível da censura moral, e começa a haver o tratamento de temas até pouco tempo tabus no âmbito da canção popular: a prostituição (“Viver do Amor”, “Mambordel”), a bissexualidade (“Geni”), o amor lésbico (“Mar e Lua”) etc.




Na canção “Festa Imodesta”, Caetano Veloso faz uma homenagem a Chico, o compositor popular que malandramente utiliza a “linguagem da fresta” para dar o seu recado (“Numa festa imodesta como esta/vamos homenagear(...)/tudo aquilo que o malandro pronuncia/que o otário silencia/toda festa que se dá ou não se dá/passa pela fresta da cesta e resta a vida”). Nesse contexto de repressão, se instaura toda uma semântica de repressão: boca calada, realidade morta, mentira, força bruta, palavra presa na garganta, peito calado (Calice); amor reprimido, grito contido, gente falando de lado e olhando pro chão (Apesar de Você); alegria adiada, abafada (Quando o Carnaval Chegar).




Esse artesão habilíssimo lê as entranhas dos homens e, sensível, capta o erótico, o social e o feminino. Seu poder de lidar com a palavra faz dele um instrumento de desvendar a realidade, de romper o silêncio. O canto do amor físico, da “paixão dos sentidos” -- o amor enquanto linguagem do corpo, mostrado a propósito de uma disputa entre duas mulheres que amam o mesmo homem e medem o grau de envolvimento amoroso pelo critério do prazer (O Meu Amor) ou a proposta de uma explosiva liberação erótico-política na grande canção utópica “O Que Será” (“...não tem certeza, nem nunca terá/O que não tem conserto, nem nunca terá/O que não tem tamanho”). Tudo que é recalcado, reprimido, emerge à flor da terra, da pele. E o coração reerotizado que se deixa emocionar vitalmente, se deixa apaixonar é a proposta presente em “O Que Será – À Flor da Pele”:



“O que será que me dá

que me bole por dentro,

será que me dá

que brota à flor da pele,

será que me dá

e que me sobe às faces

e me faz corar(...)

o que me aperta o peito

e me faz confessar

o que não tem mais jeito de dissimular

e que nem é direito ninguém recusar

e que me faz mendigo,

me faz suplicar,

o que não tem medida,

nem nunca terá

o que não tem remédio,

nem nunca terá

o que não tem receita”

(Texto publicado inicialmente em 2014)