31 outubro 2013

Cinema descobre o índio (2)



O primeiro passo foi colocar na tela o choque de culturas, as relações entre os colonizadores brancos e os índios brasileiros (Como Era Gostoso o Meu Francês). O passo seguinte foi levar o espectador a se sentir como um índio através do processo de identificação cinematográfico. È a violência de um grupo contra outro na sociedade contemporânea (Uirá, um índio a procura de Deus). Depois mostra a vida de duas tribos, uma disputa nobre de coragem e força de guerreiro, de honraria e amizade ao estranho que visita uma aldeia em paz. Na cena final, um salto para a sociedade do homem branco (A Lenda de Ubirajara ). Este salto se repete (Ajuricaba, o rebelde da Amazônia) onde o índio, mudo, fica em cena, acorrentado pelo branco, se transforma num marginal.


Esses filmes usam o índio como uma representação do homem comum, usam o conflito entre colonizador e índios como uma encenação do sistema em que estamos vivendo. Representam o mecanismo social injusto em que todos estamos vivendo. Diante dos massacres de tribos inteiras do Xingu, da perseguição, da posse das terras e de todo tipo de torturas (da destruição, do genocídio ) tornou-se impossível não falar de índio. (Texto de Gutemberg Cruz Andrade publicado no 2o Caderno da Tribuna da Bahia de 07 de abril de 1978).  

O choque de culturas      

Baseando-se nas aventuras de Hans Staden, que esteve prisioneiro dos tupinambás no litoral vicentino, em cartas e relatórios dos cronistas da colonização e em sociólogos contemporâneos, Nélson Pereira dos Santos realizouComo Era Gostoso o Meu Francês( feito em fins de 70, mas retido pela censura até janeiro de 72 ), comédia antropofágica e meditação sobre o passado e futuro do homem brasileiro. Por meio de uma narrativa simples e despojada, o filme mostra o choque de duas culturasos nativos brasileiros e o colonizador europeunuma lição antropológica em que o mais forte é devorada pelo mais fraco.

Prisioneiro dos índios tamoios, um aventureiro francês escapa da morte graças a seus conhecimentos de artilharia. Embora precisem dele para lhes ensinar a utilizar o canhão com o que pretendem derrotar uma tribo rival, os índios marcam o dia de sua morte. Nesta oportunidade, o francês aprende  os hábitos dos tamoios e se une a uma jovem índia. A ideia da morte não lhe agrada e ele procura de todas as formas escapar. Quando se decide a isso, a índia se recusa a ajudá-lo. Depois de uma grande batalha entre os tamoios e a tribo rival, o cacique Cunhambebe marca a data da execução. A morte do francês fará parte das comemorações da vitória e ele será servido durante o grande banquete final. Na cena final, o francês pronto para ser devorado grita furioso:Os meus iguais virão vingar a minha morte e destruir meus inimigos.

Procurei ser fiel à históriadisse Nélson na época do lançamentoe relatar o que, no decorrer dos tempos, aconteceu com a cultura tupinambá. Ela simplesmente desapareceu, depois de ter ocupado toda a costa brasileira.

O filme seguinte leva o espectador a se sentir como um índio.Uirá, um índio à procura de Deusfoibaseado numa pesquisa antropológica de Darcy Ribeiro,Uirá vai ao encontro de Maira, publicada na revista Anhembi (1957). Gustavo Dahl realizou uma obra fílmica intimista de sentimentos que trabalha com a emoção através da odisseia de Uirá, índio da tribo dos Kaapor (ou urubus) que, ao perder o filho mais velho entra numa crise dolorosa da qual poderá sair por meio de dificultosa empreitada: abandonar a casa em busca de Maira, Deus civilizador, cuja casa seria uma espécie de paraíso onde se abrigam os índios depois da morte. No caminho, Uirá é seguidamente agredido por sertanejos e termina preso.


Libertado pelo Serviço Nacional de Proteção aos Índios,Uirá tenta ainda, sem sucesso, apossar-se de uma canoa de pescadores para avançar mar adentro. Depois, no caminho de volta para sua aldeia, atira-se ao rio para ser devorado pelas piranhas.

Segundo Dahl,a falta de respeito da cultura branca em relação ao universo dos indígenas, de tão trágicas consequências, que também espreita de dentro de cada espectador, constituía, inclusive, um problema de dramaturgia. Para superar esse distanciamento cultural, optei por um tratamento mais clássico, baseando antes na identificação que no documentário e no antropológico.

Uiráfoi vencedor da Margarida de Prata da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),Prêmio Especial do Juri do Festival de Gramado e o Prêmio de melhor atriz para Ana Maria Magalhães.


O filme focaliza o problema do índio na trágica trajetória de seu processo de extinção.O móvel do filme - continua Dahlé levar o espectador citadino, branco, ocidental, a sentir na peleatravés do processo de identificação cinematográficoas agressões que, em nome de não se sabe bem o que, foram feitas ao índio. O móvel do filme é passar para o espectador que uma pessoa igual a ele se encontra naquela situação, e que qualquer um de nós poderia estar la.

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