28 novembro 2008

Música & Poesia

Pele Negra (Sérgio Cassiano e Aurelino Bandido)
Eu sei muito pouco, mas também já sei viver
Das armadilhas do dia a dia nada a temer
Eu vi suas mentiras, nada pode me ferir
Eu tô mais perto, só vou no certo, é pode vir
Porque sou forte deixo marcas pelo chão
Eu sou forte pele negra do Adão.
Herança (Luis Carlos Guimarães)
Nos hectares da poesia
que me coube por herança,
colho safra de palavra,
armazeno provisão,
bebo de sede no poço,
como a fome no feijão.
Invento tudo que penso,
sou mago, palhaço e rei.
Tenho tudo que não tenho,
lua no fundo do copo
e o arco-íris na sopa.
De mãos dadas com Carlitos
alimento de pão e mel
os bichos todos do circo.
Pelo sem-fio da tarde
recebo urgente avegrama:
“De longe país ao Sul
vão no caminho do vento
dois passarinhos azuis.
Solicito alpiste e água
na concha de cada mão.”
A noite cobre meu sono
e da serragem do sonho
faço colchão, travesseiro.
Acordo. É ganho ou perda
ter mais um dia a viver?
Com flanela limpo os óculos
(janela dos olhos míopes)
mas não vejo mais poesia,
que sou cada vez mais turvo
diante da vida dura
e do mundo tão escuro.

27 novembro 2008

A fama eterna de Andy Warhol (2)

Personagem obrigatório nos acontecimentos sociais de Nova York, ele usava seus cabelos, tintos, platinados e quando rarearam foram substituídos por perucas no mesmo tom e corte. Óculos de aros coloridos ele já usava na década de 50. Na moda, lançou o clássico e trivial look despojado: calça jeans, tênis e paletó escuro. No universo povoado por pessoas e situações do então “submundo das artes”, Warhol foi o responsável pelo lançamento do grupo Velvelt Underground na cena pop novaiorquina dos anos 60. O grupo não só apresentou Lou Reed ao mundo como mostrou aos hippies que havia muito mais sujeira embaixo do tapete do que o movimento flower power imaginava. Além de Lou Reed e John Cale, cabeças do Velvet, no Greenwich Village, Wahol introduziu a cantora alemã Nico ao grupo e passou a incluí-la na maioria de suas performances, projetos multimídia e filmes.

Em 1969, Warhol fundou a revista Interview, uma espécie de órgão oficial do grupo eclético que ele frequentava: artistas, modelos, fotógrafos, roqueiros, estilistas de moda, atores e gente famosa simplesmente por ser famosa. Ele editou livros, produziu filmes e apresentações no estúdio que mantinha em Manhattan, chamado Factory (Fábrica) e viveu cercado por uma fauna de gente pouco convencional. Depois era visto com frequência na discoteca Studio 54.
SURPRESA
Warhol foi um dos fundadores da pop art nos Estados Unidos. A pop art nasceu na Inglaterra, mas iria se desenvolver plenamente nos EUA, onde, em pouco tempo, tornou-se o primeiro movimento realmente norte-americano em arte, o que foi confirmado em 1964, quando Robert Rauschemberg tirou o grande prêmio da Bienal de Veneza, para surpresa dos europeus, que se consideravam os donos da arte mundial e inventores de todos os movimentos de arte do século XX. A pop floresceu nos EUA porque é essencialmente uma expressão estética da sociedade de consumo e da cultura de massa.
Responsável pela frase de que todo mundo, no futuro, seria famoso por 15 minutos, Warhol foi um marco na arte norte americana. Retratou personalidades e produtos com a frieza de uma máquina tendo conquistado fama e prestígio só comparáveis aos grandes artistas do século. Na época, o diretor do Museu de Arte Moderna de Nova York, Richard Oldenburg resumiu o perfil do artista que ajudou a criar as bases da pop art: “Warhol fez seu estilo de vida uma obra de arte... Foi uma das primeiras pessoas a se transformar, por ser artista plástico, em estrela”.
AMIZADE
Em 1982 aproxima-se da tv a cabo e cria Andy Warhol's TV e Andy Warhol's Fifteen Minutes para MTV, em 1986. Data dessa época a sua intensa colaboração e amizade com Jean-Michel Basquiat, jovem e promissor artista que ele promoveu e ajudou a se firmar no universo das artes plásticas novaiorquinas, tanto quanto outros, como Francesco Clemente e Keith Haring. Seus últimos trabalhos datam de 1986 com a série de pinturas intitulada The Last Supper, baseados em Da Vinci e um revival do grande tema da pop art intitulado Ads que remetem aos trabalhos iniciais baseados nos apelos da publicidade e do consumo e nos objetos do cotidiano.
Warhol morreu no dia 22 de fevereiro de 1987, aos 58 anos, de complicações cardiovasculares, depois de uma operação da vesícula. A tempo de ver quase concretizada uma de suas profecias: “no futuro, todo mundo será mundialmente famoso por 15 minutos”. Ele ganhou a eternidade. Em 1994 foi inaugurado o The Andy Warhol Museum em Pittsburgh, Pensilvânia. Quando morreu ficou-se sabendo que esse homossexual assumido e torturado, que não consumava suas paixões (a primeira delas foi Truman Capote), era um católico ortodoxo, que mantinha em seu quarto uma imagem do Sagrado Coração. Era este talvez o lado mais fascinante da personalidade de Warhol: sua capacidade de surpreender-se, e de surpreender.

26 novembro 2008

A fama eterna de Andy Warhol (1)

Há 80 anos nascia o filho caçula de uma família de humildes imigrantes tchecos (o casal Warhole), e criado em Pitsburg (Pensilvânia), Andy Warhol. Ele nasceu em 1928. Antes de dormir, sua mãe lia para ele histórias em quadrinhos de Dick Tracy. Com 12 anos perdeu o pai e precisou trabalhar vendendo frutas de um caminhão. Com isso, terminou os estudos e, em 1945, foi estudar pintura no Carneggie Institute of Tecnology. Chegou a Nova Iorque por duas ambições: ser tão famoso quanto uma estrela de cinema e rico o suficiente para sustentar sua mãe com quem viveu sempre, até perdê-la em 1972. Começou como artista comercial, em 1949. Foi vitrinista, fez todo tipo de desenho para todo tipo de publicidade, gravura, capa de livro, cartão de Natal, etc.

Os anos de publicidade inculcaram nele a propensão de fazer uma arte absolutamente privada de estilos ou emoção. A transição da publicidade para a arte pura se deu através das histórias em quadrinhos. Os primeiros trabalhos de Andy foram versões ampliadas das tiras de Dick Tracy usadas como elemento decorativo nas vitrines da loja novaiorquina Lord and Taylor. Uma das características de sua arte é justamente esta qualidade ou nitidez de imagem da publicidade ou da imagem produzida mecanicamente. Ele foi um dos primeiros a empregar a serigrafia para multiplicar os seus trabalhos. Para ele, como para a produção industrial, o que conta é a quantidade, e esta que acaba por gerar a qualidade.
Warhol não estava interessado em idéias mas em objetos. Ou melhor, imagens de objetos industrializados – a lata de sopa Campbell, a garrafa de Coca Cola, a tampinha Pepsi Cola, o vidro de ketchup ou as caixas de sabão em pó Brillo. Para ele estas imagens tinham o mesmo valor que as outras que ele também repetiu exaustivamente de personalidades famosas como Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor, Elvis Presley, Marlon Brando, Mao Tsé-tung e até Pelé, além do símbolo da foice e do martelo. Tudo neutro, asséptico e brilhante como os esquemas gráficos de livros de bolso. Nenhuma emoção ou subjetividade – o seu rosto deixava transparecer o mesmo tédio dessas imagens colhidas aleatório da sociedade de massa.
Quando em 1960 Warhol realizou as primeiras pinturas baseadas em Dick Tracy, Popeye e Super Homem, além de duas garrafas de Cola Cola, inaugurando assim, em meio a um dos mais sofisticados cenários das artes plásticas contemporâneas, um novo filão: a elevação da banalidade e da vulgaridade cotidiana a estatuto de arte (ou vice-versa).
NOVA ARTE

A consagração viria mais tarde, em 1962, quando, além de realizar a série de pinturas de notas de um dólar (da qual uma das telas do vendida em 1986, num leilão, em NY, por 385 mil dólares, um dos maiores preços já alcançados por um de seus trabalhos), Warhol expôs suas já clássicas latas de sopa Campbell´s (reproduções quase que fotográficas, como na ilustração publicitária do produto) na Ferus Gallery, em Los Angeles. Estava confirmada uma nova arte, uma das últimas correntes artísticas do século 20 a manter uma profunda tensão estética em seus propósitos, um questionamento entre o lugar da arte e a banalidade do mundo.
Quando lhe perguntaram porque resolveu pintar latas de sopa, na época, respondeu: “Porque eu comia aquela sopa. Comi-a durante vinte anos, quase todos os dias, sempre a mesma coisa. Alguém me disse que a minha vida me dominou, esta idéia me agrada”. Depois de séries de ícones de personalidades conhecidas, veio a série Disasters – terríveis acidentes de estrada, tumultos raciais e execuções em cadeiras elétricas. No auge de sua fama e também de riqueza, passou a pintar menos e se dedicar ao cinema. Seus filmes undergrounds fizeram época.
Trabalhando com super-8 e vídeo-taipe num primeiro momento, Warhol realizaria filmes fundamentais dentro da história do cinema como Sleep (o registro, durante seis horas ininterrupta, de um homem dormindo), em 1963, Empire (um único plano de oito horas do Empire State Building, em NY), em 1964, e Chelsea Girls (o registro de “pessoas fazendo várias coisas”, durante sete horas, no mitológico Chelsea Hotel, em NY) em 1966. Andy Warhol rodou cerca de 80 filmes entre 1963 e 1967.

25 novembro 2008

Cazuza, o poeta da sua geração

O musical Cazuza - Jogado a teus pés, de Francis Mayer (em cartaz no Rio de Janeiro), lembra os 50 anos que Cazuza completaria este ano e traz canções que embalaram a década de 80. Tendo como base as letras do compositor, o musical conta com roteiro de 38 canções e fala da trajetória de amores e paixões desenfreadas ou não correspondidas. Cinco atores-cantores e uma banda ao vivo fazem uma viagem musical pela obra do poeta do rock dos anos 80.

No início dos anos 80, um garoto dourado do sol de Ipanema surpreendeu o cenário musical brasileiro. À frente de uma banda de rock cheia de garra, começou a dar voz aos impulsos de uma juventude ávida de novidades. Ele, Cazuza, era a grande novidade. O Brasil saía de um longo ciclo ditatorial e vivia um clima de democracia ainda incipiente, mas suficiente para liberar as energias contidas. Cazuza desempenhou um papel importante nesse processo. E quando as misérias e mazelas nacionais foram se desnudando, ele respondeu sem meias palavras. A expressão de sua repulsa diante desse quadro só pode ser comparada à coragem com que lutou por sua vida, no enfrentamento público da Aids. Lições de indignação e de dignidade; de como levar a vida na arte e "ser artista no nosso convívio".
No pouco que viveu, Cazuza deixou uma obra para ficar. Bebeu na fonte da tradição viva da MPB para recriar, num português atual e espontâneo, cheio de gírias, e num estilo marcadamente pessoal, a poesia típica do rock. Com justiça, foi chamado de o poeta da sua geração.
NOVO INTEGRANTE - Roberto Frejat, guitarrista; Dé, baixista; Maurício Barros, teclados; Guto Goffi, baterista. Era 1981 e esses garotos precisavam de um vocalista para completar sua banda. Os ensaios aconteciam na casa de um deles no bairro de Rio Comprido, onde um dia apareceu Cazuza, enviado pelo cantor Léo Jaime. Sua voz, era adequadamente berrada para os rocks de garagem que os quatro faziam, agradou muito. Animado, o novo integrante resolveu então mostrar as letras que, na surdina, vinha fazendo havia tempos. Rapidamente o grupo, que se chamava Barão Vermelho e só tocava covers, começou a compor e aprontou um repertório próprio.
Dos primeiros shows, em pequenos teatros da cidade, ao disco de estréia foi um pulo. No início de 1982 uma fita demo chegou aos ouvidos do produtor Ezequiel Neves, que, entusiasmado, a mostrou a Guto Graça Mello, diretor artístico da Som Livre. Juntos, eles convenceram João Araújo - de início, relutante, na condição de pai do cantor - a lançar a banda. Com uma produção baratíssima, "Barão Vermelho", gravado em dois dias, obteve boa recepção da parte de artistas. Entre estes, um dos maiores ídolos de Cazuza, Caetano Veloso, que incluiu "Todo amor que houver nessa vida" no repertório de seu show e criticou as rádios por não tocarem as músicas do grupo.
"Todo amor que houver nessa vida" (registrada também, mais tarde, por Gal Costa, Caetano Veloso e outros intérpretes) foi um dos destaques de um disco que revelou ainda "Down em mim", "Billy Negão" e "Bilhetinho azul". No repertório predominavam rocks básicos, dançantes e juvenis, mas havia também blues, um gênero com o qual Cazuza se identificava desde que descobrira Janis Joplin. Sobre essas músicas o rouco cantor desfilava letras falando despudorada, escancaradamente de amor, prazer e dor. Ao sair o segundo disco, a reiteração dessas qualidades de estilo repercutiu na imprensa. Alguns críticos não tardaram a identificar ali a influência de mestres da dor-de-cotovelo, como Lupicínio Rodrigues, e da fossa, como Dolores Duran e Maysa - o outro lado da formação musical de Cazuza.
Bem melhor gravado, "Barão Vermelho 2" foi lançado em julho de 1983. O álbum ainda não seria um sucesso comercial (vendeu cerca de 15 mil cópias, quase o dobro do primeiro), mas manteve o alto nível do repertório anterior, e arregimentou um público maior para a banda com músicas como "Vem comigo", "Carne de pescoço", "Carente profissional" e "Pro dia nascer feliz". Esta última consolidaria a dupla Frejat-Cazuza, tornando-se um grande sucesso no registro feito por Ney Matogrosso, a primeira estrela da MPB a gravá-los. A escalada do grupo nas paradas, contudo, estava prestes a acontecer.
NAS TELAS - Se com "Bete Balanço", filme de Lael Rodrigues, o rock brasileiro dos anos 80 chegou às telas de cinema, com a música-título, feita de encomenda para a trilha, o Barão Vermelho chegou ao grande público. Registrada num compacto do início de 1984, a canção estourou, virando um marco no trajeto da banda, que também contracenava no filme. A música acabou incluída no terceiro LP, lançado em setembro daquele ano, para ajudar a sua comercialização. O que talvez nem tivesse sido necessário, pois "Maior abandonado", impulsionado pela faixa homônima, atingiu em dois meses a marca das 60 mil cópias vendidas, e em seis, das 100 mil.
"Raspas e restos me interessam (...) Mentiras sinceras me interessam", em "Maior Abandonado"; "Você tem exatamente três mil horas/ Pra parar de me beijar (...) Você tem exatamente um segundo/ Pra aprender a me amar", em "Por que a gente é assim?"; "A fome está em toda parte/ Mas a gente come/ Levando a vida na arte", em "Milagres". Com achados como esses, presentes no novo álbum, Cazuza foi ganhando fama de poeta do rock brasileiro. Com muita energia, ele foi superando suas limitações como cantor. Suas atitudes irreverentes e declarações espalhafatosas, fizeram com que aparecesse cada vez mais como artista e personalidade. A princípio, tudo isso só contribuía para chamar a atenção para o grupo todo. Mas...
Com o sucesso, e , conseqüentemente, com a maior exigência de profissionalismo, as diferenças se ressaltaram. O temperamento irriquieto de Cazuza pouco se adequava a uma agenda cada vez mais sobrecarregada de ensaios e entrevistas. Os desentendimentos foram crescendo. Em janeiro de 1985, o Barão fez uma bem-sucedida participação no festival Rock 'n Rio, abrindo shows para grandes atrações do rock internacional. A continuidade do sucesso, porém, não conseguiu evitar a separação do grupo. Em julho, quando o material para o próximo disco já estava selecionado, a notícia chegou aos jornais: enquanto os outros seguiriam com a banda, sua estrela partiria para uma brilhante carreira solo. Poucos dias depois, Cazuza voltava a ser notícia. Tinha sido internado num hospital do Rio com 42 graus de febre. Diagnóstico: infecção bacteriana. O resultado do teste HIV, que ele exigiu fazer, dera negativo. Mas naquela época os exames ainda não eram muito precisos.
INDIVIDUAL - Gravado com outros músicos, o álbum "Cazuza" apresentou uma sonoridade mais limpa que a do Barão. Lançado em novembro de 1985, o disco inaugurou a fase individual do cantor e uma série de parcerias. Entre os co-autores das músicas figuraram dois antigos colaboradores: Frejat, que continuou parceiro e amigo de Cazuza, e Ezequiel Neves, outro velho e grande amigo, co-produtor, desde os tempos do Barão, de todos os seus discos. Cazuza assinou os maiores hits do novo álbum: em parceria com Ezequiel e Leoni, o rock "Exagerado", emblemático da sua persona romantico-poética, e a balada "Codinome Beija-flor", com Ezequiel e Reinaldo Arias. Mais dois rocks ficaram notórios. "Medieval II" fixou nas rádios seu auto-irônico refrão ("Será que eu sou medieval?/ Baby, eu me acho um cara tão atual/ Na moda da nova Idade Média/ Na mídia da novidade média"). E "Só as mães são felizes", que teve sua execução pública proibida pela censura. Escandalosa ("Você nunca sonhou ser currada por animais? (...) Nem quis comer sua mãe?"), a letra homenageou artistas malditos, como o escritor beat Jack Kerouac, citado no verso-título.
Importante referência literária de Cazuza, ao lado de Clarice Lispector (cujo "A descoberta do mundo" tornou seu livro de cabeceira), Kerouac também teve um poema transcrito na contracapa do disco seguinte. Lançado em março de 1987, "Só se for a dois" foi o primeiro álbum de Cazuza fora da Som Livre, que resolvera dissolver o seu cast. Disputado por várias gravadoras, ele se transferiu para a Polygram, a conselho do pai. A essa altura, apesar da imagem de artista "louco", sua postura profissional já era outra. O rompimento com o Barão, junto com a liberdade artística que almejara, trouxera também a exigência de mais seriedade.
"Só se for a dois" acrescentou novos sucessos à sua carreira, a começar pela canção-título, mas a música que estourou mesmo foi o pop-rock "O nosso amor a gente inventa (estória romântica)". A essa época, contudo, ele já sabia que estava com Aids. Antes de estrear o show "Só se for a dois", tinha adoecido e feito um novo exame. A confirmação da presença do vírus iria transformar sua vida e sua carreira. Em outubro de 1987, após uma internação numa clínica do Rio, Cazuza foi levado pelos pais para Boston, nos Estados Unidos. Lá, passou quase dois meses críticos, submetendo-se a um tratamento com AZT. Ao voltar, gravou "Ideologia" no início de 1988, um ano marcado pela estabilização de seu estado de saúde e pela sua definitiva consagração artística. O disco vendeu meio milhão de cópias. Na contracapa, mostrou um Cazuza mais magro por causa da doença, com um lenço disfarçando a perda de cabelo em função dos remédios. No seu conteúdo, um conjunto denso de canções expressou o processo de maturação do artista.
IDEOLOGIA - "O meu prazer agora é risco de vida/ Meu sex and drugs não tem nenhum rock 'n' roll", confessava ele, em "Ideologia". E: "Eu vi a cara da morte/ E ela estava viva", em "Boas novas". Rico e diverso, o repertório trouxe ainda um blues, o "Blues da piedade", uma canção "meio bossa nova e rock 'n' roll", "Faz parte do meu show", grande sucesso, e o rock-sambão "Brasil", que faria um sucesso ainda maior com Gal Costa. Tema de abertura da novela "Vale tudo", da Rede Globo, "Brasil" fez um comentário social forte sobre o país, com versos como "meu cartão de crédito é uma navalha". No disco, a temática social apareceu também em "Um trem para as estrelas", feita com Gilberto Gil para o filme homônimo de Carlos Diegues.
Ainda em 1988 Cazuza recebeu o Prêmio Sharp de Música como "melhor cantor pop-rock" e "melhor música pop-rock", com "Preciso dizer que te amo", composta com Dé e Bebel Gilberto, e lançada por Marina. E apresentou no segundo semestre seu espetáculo mais profissional e bem-sucedido, "Ideologia". Dirigido por Ney Matogrosso, Cazuza buscou valorizar o texto no show, pontuado pela palavra "vida". Substituiu a catarse das performances anteriores por uma postura mais contida no palco. Tal contenção, porém, não o impediu de exprimir sua verve agressiva e escandalosa num episódio que causou polêmica. Cantando no Canecão, no Rio, cuspiu na bandeira nacional que lhe fora atirada por uma fã.
O show viajou o Brasil de norte a sul, virou programa especial da Globo e disco. Lançado no início de 1989, "Cazuza ao vivo - o tempo não pára" chegou ao índice de 560 mil cópias vendidas. Reunindo os maiores sucessos do artista, trouxe também duas músicas novas que estouraram: "Vida louca vida", de Lobão e Bernardo Vilhena, e "O tempo não pára", de Cazuza e Arnaldo Brandão. Esta - título do trabalho - condensou, numa das letras mais expressivas de Cazuza, a sua condição individual, de quem lutava para se manter vivo, com a do povo brasileiro. Foi pouco depois do lançamento do álbum que ele reconheceu publicamente que estava com Aids, sendo a primeira personalidade brasileira a fazê-lo. Era então notória -e notável - a sua afirmação de vida. À medida que seu estado piorava, ao contrário de se deixar esmorecer ante a perspectiva do inevitável, Cazuza, ciente do pouco tempo que lhe restava, passou a trabalhar o mais que podia. Entrou num processo compulsivo de composição e gravou, de fevereiro a junho de 1989, numa cadeira de rodas, o álbum duplo "Burguesia", que seria seu derradeiro registro discográfico em vida.
O trabalho seguiu um conceito dual - num dos discos, de embalagem azul, prevalecia o gênero rock; no outro, de capa amarela, MPB. Entre as suas últimas novidades, com a voz nitidamente enfraquecida, Cazuza apresentou clássicos de outros autores (como Antonio Maria, Caetano Veloso e Rita Lee) e duas músicas feitas com novas parceiras, Rita Lee e Ângela Rô Rô. A canção-título, com uma letra extensa atacando os valores da classe burguesa, chegou a ser tocada nas rádios, mas o álbum não obteve sucesso comercial e foi recebido discretamente pela crítica. Em outubro de 1989, depois de quatro meses seguindo um tratamento alternativo em São Paulo, Cazuza viajou novamente para Boston, onde ficou internado até março do ano seguinte. Seu estado já era muito delicado e, àquela altura, não havia muito mais o que fazer. Foi assim que ele morreu, pouco depois - a 7 de julho de 1990. O enterro aconteceu no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Sua sepultura está localizada próxima às de astros da música brasileira como Carmen Miranda, Ary Barroso, Francisco Alves e Clara Nunes. (Fonte: www.cazuza.com.br)

24 novembro 2008

Nachtergaele estréia na direção com o premiado A Festa da Menina Morta

Há 20 anos uma pequena população ribeirinha do alto Amazonas comemora a festa da menina morta. O evento celebra o milagre realizado por Santinho, que após o suicídio da mãe recebeu em suas mãos, da boca de um cachorro, os trapos do vestido de uma menina desaparecida. A menina jamais foi encontrada, mas o tecido rasgado e manchado de sangue passa a ser adorado e considerado sagrado. A festa cresceu indiferente à dor do irmão da menina morta, Tadeu. A cada ano as pessoas visitam o local para rezar, pedir e aguardar as "revelações" da menina, que através de Santinho se manifestam no ápice da cerimônia.

Em síntese esse é o tema de A Festa da Menina Morta, estréia do ator Matheus Nachtergaele (Amarelo Manga) na direção. Desde sua primeira exibição em Cannes, em maio deste ano, o longa de Nachtergaele acumula nove prêmios (festivais de Gramado, Rio e Chicago). O filme, protagonizado por Daniel Oliveira (Cazuza - O Tempo Não Pára), será exibido em dezembro no tradicional Festival de Havana e pode ser exibido no Festival de Roterdã, segundo a Variety. A 38ª edição do evento acontece entre 21 de janeiro a 1º de fevereiro do próximo ano.
O filme A Festa da Menina Morta, que marca a estréia de Matheus Nachtergaele na direção, ganhou o prêmio de Melhor Filme na seção Novos Diretores do Festival de Cinema Internacional de Chicago. Este é o nono troféu que o drama ganha, entre eles os prêmios de Melhor Diretor e Melhor Ator para Daniel de Oliveira no Festival do Rio 2008. No Festival de Gramado, A Festa da Menina Morta ganhou também seis Kikitos, incluindo melhor filme do júri popular e da crítica especializada.
LÍDER ESPIRITUAL - A Festa da Menina Morta conta a história de Santinho (Daniel de Oliveira), alçado à condição de líder espiritual numa comunidade ribeirinha do alto Amazonas, a partir de um “milagre” realizado por ele após o suicídio de sua própria mãe. O filme procura ser o retrato íntimo dos envolvidos na seita, e da capacidade infinita do homem em “criar” fé e buscar um sentido diante de seu horror à morte. Investiga a fé e o sincretismo religioso do Brasil em uma comunidade ribeirinha do Amazonas.
Segundo o crítico Luciano Trigo, Nachtergaele não está preocupado em defender uma tese, nem em julgar seus personagens, nem em sublinhar o exotismo, nem em chocar o espectador. Numa combinação difícil e rara, o seu olhar é quase de um documentarista, ao mesmo tempo em que envereda por uma linguagem extremamente inventiva e poética, realçada pela fotografia de Lula Carvalho. Todo o elenco tem desempenhos corajosos e impecáveis, com destaque para Jackson Antunes, Dira Paes e Cássia Kiss, além do próprio Daniel de Oliveira.
"A festa da menina morta", segundo Trigo, mostra um Brasil que não aparece na televisão, mas no qual, por alguma via inconsciente, qualquer brasileiro se reconhece. As formas de sociabilidade, as relações afetivas, a maneira de lidar com a dor, a alegria na precariedade e a presença do irracional no cotidiano da comunidade que o filme retrata compõem uma síntese dura e bela de um modo essencialmente brasileiro de ser e viver. Uma estréia de alto impacto, que recupera o sentido da experimentação e do radicalismo, há muito tempo perdido no cinema brasileiro.
GRANDE MAESTRO - “O Matheus é um grande maestro, deixando todo mundo bem e regendo tudo como se fosse um artista pintando um quadro”, descreveu Daniel de Oliveira em entrevista ao G1 logo após a sessão. Juliano Cazarré, que faz o personagem Tadeu, irmão da Menina Morta que começa a levantar dúvidas sobre o Santo, concorda. “O Matheus entendia tanto de direção de arte quanto a diretora de arte, tanto de fotografia quanto o diretor de fotografia e mais de atuação do que a gente. É um artista muito preparado que funcionava como um ponto de referência para a gente”, disse. A imersão de dois meses no vilarejo de Barcelos, às margens do Rio Negro fez com que os atores se envolvesse intensamente na história.
A história é forte, contundente e trágica. “A palavra deste ano é a dor”, diz Santinho (Daniel de Oliveira) num momento importante do filme. A mesma dor que o filme passa ao espectador, que ganha um nó na garganta ao tomar contato com a angústia do longa-metragem. E, de fato, a entrega do ator no papel do protagonista deste filme é impressionante. Existe uma força, uma intensidade na composição do complicado Santinho que é impossível não se comover e se angustiar com o personagem.
Vamos aguardar a estréia em Salvador.

21 novembro 2008

Música & Poesia

Paratodos (Chico Buarque)
O meu pai era paulista
Meu avô, pernambucano
O meu bisavô, mineiro
Meu tataravô, baiano
Meu maestro soberano
Foi Antonio Brasileiro

Foi Antonio Brasileiro
Quem soprou esta toada
Que cobri de redondilhas
Pra seguir minha jornada
E com a vista enevoada
Ver o inferno e maravilhas
Nessas tortuosas trilhas
A viola me redime
Creia, ilustre cavalheiro
Contra fel, moléstia, crime
Use Dorival Caymmi
Vá de Jackson do Pandeiro
Vi cidades, vi dinheiro
Bandoleiros, vi hospícios
Moças feito passarinho
Avoando de edifícios
Fume Ari, cheire Vinícius
Beba Nelson Cavaquinho

Para um coração mesquinho
Contra a solidão agreste
Luiz Gonzaga é tiro certo
Pixinguinha é inconteste
Tome Noel, Cartola, Orestes
Caetano e João Gilberto

Viva Erasmo, Ben, Roberto
Gil e Hermeto, palmas para
Todos os instrumentistas
Salve Edu, Bituca, Nara
Gal, Bethania, Rita, Clara
Evoé, jovens à vista

O meu pai era paulista
Meu avô, pernambucano
O meu bisavô, mineiro
Meu tataravô, baiano
Vou na estrada há muitos anos
Sou um artista brasileiro.

Herança (Luis Carlos Guimarães)


Nos hectares da poesia
que me coube por herança,
colho safra de palavra,
armazeno provisão,
bebo de sede no poço,
como a fome no feijão.
Invento tudo que penso,
sou mago, palhaço e rei.
Tenho tudo que não tenho,
lua no fundo do copo
e o arco-íris na sopa.
De mãos dadas com Carlitos
alimento de pão e mel
os bichos todos do circo.
Pelo sem-fio da tarde
recebo urgente avegrama:
“De longe país ao Sul
vão no caminho do vento
dois passarinhos azuis.
Solicito alpiste e água
na concha de cada mão.”
A noite cobre meu sono
e da serragem do sonho
faço colchão, travesseiro.
Acordo. É ganho ou perda
ter mais um dia a viver?
Com flanela limpo os óculos
(janela dos olhos míopes)
mas não vejo mais poesia,
que sou cada vez mais turvo
diante da vida dura
e do mundo tão escuro.

20 novembro 2008

Lembrando Mário Gusmão


Ator, dançarino e coreógrafo. Mário Gusmão nasceu em Cachoeira, em 20 de janeiro de 1928. Funcionário por 23 anos da Penitenciária Lemos Brito, seu espírito artístico o levou à Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, onde se diplomou em dezembro de 1960. Desde então, dedicou-se inteiramente à cultura. Nos anos 50 ele teve a “ousadia”, diante do racismo da época, de se matricular em um teste para a Escola de Teatro da UFBA, dirigido por Eros Martim Gonçalves. No teste de aptidão, além de representar, o então candidato dançava. Resultado: foi aprovado com nove notas 10 e uma nota 9, ganhando méritos imediatos para ingressar já no terceiro ano da Escola de Dança. Formado pela segunda turma da Escola de Teatro da UFBA foi o primeiro negro formado por essa instituição.

Logo, Mário Gusmão partiu para representar no teatro e, dos palcos, pulou para o cinema e depois, a tevê. Seu primeiro filme para o cinema foi O Caipora, de Oscar Santana, trabalhando depois em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro e Idade da Terra, ambos de Glauber Rocha, Palafitas, Bahia Fantástica, Pindorama, Rebelião dos Brutos (filme italiano), Vai à Luta, Anjo Negro (onde foi o principal personagem), Madame Satã, D. Flor e seus Dois Maridos, Jubiabá (co-produção franco-brasileira) e outros. Dos 16 filmes que fez, foi elogiado por diretores como Arnaldo Jabor, pelo antológico Pindorama, premiado no Festival de Cannes. Na lista dos ilustres que costumava escalar Gusmão para seu elenco, estão Walter Lima Júnior, em Chico Rei, Nélson Pereira dos Santos, em Jubiabá. Conta-se que Gusmão ganhou o codinome de “o favorito de Glauber Rocha”, que chegou a disputá-lo entre outros cineastas baianos. O ator tornou-se um dos nomes de destaque do movimento do Cinema Novo.
No teatro, a partir de 1958, a participação de Mário Gusmão foi marcante, com a montagem de peças de diversos autores contemporâneos ou clássicos, na Escola de Teatro da UFBA. Fez Almanjarra, de Arthur Azevedo, com direção de Martins Gonçalves; Graça e Desgraça na Casa do Engole Cobra, Cachorro Dorme nas Cinzas e O Moço Bom e Obediente, de Francisco Pereira da Silva, com direção de Gianni Ratto. Em 59, atuou no Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, e na Ópera da Três Tostões, de Brecht, ambos com a direção de Martins Gonçalves. Em 1962, ao lado de Antônio Pitanga, fez Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho. A partir de 1964, com a montagem de Eles Não Usam Black Tie, de Guarnieri, com direção de João Augusto, Mário Gusmão agitou o Teatro Vila Velha. Ele se entregava totalmente aos seus personagens. Gusmão atuou, ainda na década de 60, em montagens de peças de Gil Vicente (Estórias de Gil Vicente), Sartre (Huis Clos), Strindberg (O Pelicano), todos sob a direção de João Augusto. Na década de 70, fez A Ilha do Tesouro, de João Augusto, com direção de Manoel Lopes Pontes e muitos outros sucessos como A História de Tobias e Saraa, e A Prostituta Respeitosa. Eles Não Usam Black-Tie, O Noviço e Chico Rei, O Banquete dos Mendigos, Stopem-stopem, Auto da Compadecida e A Ilha do Tesouro ele ganhou prêmios de melhor ator. Foram 23 peças que atuou.
Na televisão participou em dez novelas, sendo a primeira Maria Maria, depois A Vida de Antônio Conselheiro, Dona Beija (sucesso da rede Manchete nos anos 80), Tenda dos Milagres, O Pagador de Promessas e Teresa Batista. Atuava em muitos espetáculos musicais, compondo a maioria das músicas, e escrevia poesias. Ele foi uma espécie de ícone do movimento negro, embora sempre extra-oficialmente. Tido como um dos fundadores do Olodum, ele esteve nos principais grupos - dentre eles o Ilê Aiyê e o Muzenza. Muitos antes do movimento negro, enquanto atividade reconhecida e discutida, acontecer, Mário Gusmão já batalhava por essas bandas. Não foi a toa que ele foi fundador de quase todos os blocos afros existentes em Salvador. Participou de todas as iniciativas de conscientização do problema do negro no Brasil, fazendo pesquisas sobre a cultura afro-brasileira, como a que realizou na África, após participar do I Festival Internacional de Arte e Cultura Negra, quando percorreu durante oito meses a Nigéria, Senegal, Costa do Marfim, Angola e Daomé. Em novembro de 1984 a Câmara dos Vereadores lhe conferiu o título de Cidadão de Salvador.
Alto, leve, solto, magro, o Príncipe, como era chamado por Pierre Verger dedicou um trabalho de conscientização do problema do negro no Brasil através da arte. Quando Verger conheceu Mário ele ficou espantado. Como um negro que tanto se misturava com a cultura branca que inclusive passou por uma Universidade, conseguiu manter o porte de um negro da África mais distante? “Está nas raízes”, disse Mário. “Sou neto de uma das fundadoras da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte criada há 160 anos e que muito antes de acontecer a libertação já trabalhava (com ouro) para conseguir alforria para os negros escravos”, informou em 1984. Em Ilhéus, atuou na área de educação e foi professor particular de inglês. Mário foi uma figura de grande representação no teatro e no cinema nacionais. Não era uma negro singular, era um talento ímpar da Bahia. Seu currículo tem páginas e páginas para fazer referências às peças teatrais, novelas e minisséries na televisão, filmes, além de dançarino, coreógrafo e professor.
No dia 20 de novembro de 1996 - dia nacional da consciência negra - ele morreu no Hospital Português, onde estava internado, em consequência de um câncer generalizado. Morreu aos 68 anos como sempre foi sua vida: lutando. Foi um dos fortes referenciais de resistência negra através dos palcos e das telas. Viveu atuante na profissão que escolheu. Usou gestos e palavras como forma de se fazer enxergar. Quem entende a importância disso, sabe muito bem o que significa a perda do ator.

19 novembro 2008

Dom Obá II D´África

Oficial do Exército brasileiro, pensador e articulador político. Cândido da Fonseca Galvão, mais conhecido como Príncipe Oba, ou Dom Oba II d´África, filho de africano forro, brasileiro de primeira geração, nasceu na Bahia, na região de Lençóis por volta de 1845. Neto do maior imperador yorubá, o rei Alafin Abiodun, responsável pela unificação do império yorubá na África. Seu pai – Benvindo da Fonseca Galvão – veio como escravo para o Brasil. Em meados do século XIX, já como escravo liberto e movido pela corrida em busca dos Diamantes da Chapada Diamantina. Quando Dom Oba II vem ao mundo, a comunidade escrava reúne suas economias e compra a sua liberdade, garantindo-lhe o título de homem livre. Aprendeu a ler e escrever com o pai.

A Bahia foi a província brasileira que mais contribuiu com voluntários para a Guerra do Paraguai. Em 1865 participou ativamente no recrutamento de voluntários para a Guerra do Paraguai, sua primeira oportunidade de exercitar suas qualidades de liderança. Foi nomeado para alferes da 3ª Campanhia de Zuavos Baianos. Ferido na mão direita, Cândido da Fonseca Galvão retirou-se do serviço ativo no dia 31 de agosto de 1861. Mais tarde buscou o reconhecimento social de seus feitos e valimentos. Para tanto percorreu os trâmites legais, dirigindo-se preferencialmente ao próprio imperador. Em 1872 foram concedidas as honras. Não inteiramente satisfeito, Galvão encaminhou, no ano seguinte, um pedido de pensão. Sua solicitação é atendida. A vida de soldado permitiu uma ampliação extraordinária – quantitativa e qualitativamente – nos contatos entre regiões, classes e raças da sociedade brasileira. No tempo da guerra, o obscuro filho de um africano-foro, cujos horizontes não iam além da sua Comercial Vila dosa Lençóis, no sertão da Bahia, conheceria capitais de província, sua amada capital do Império, terras estrangeiras e questões internacionais de fronteira. A campanha permitiu-lhe entrar em contato direto com praticamente todas as instâncias do poder político. Condecorado como herói, Dom Obá II torna-se um elo entre os altos poderes do estado e os escravos, uma espécie de porta-voz não-oficial do povo negro brasileiro. E começou a escrever artigos para jornais e freqüentar a corte de Dom Pedro Segundo com a elegância de trajes dos senhores.
Questões de definição política e cidadania, questões de raça são assuntos discutidos e analisados por Galvão na imprensa. Em seus artigos ele apoiava a libertação dos escravos. Para o Príncipe, a Conquista da cidadania começou com o alistamento para a guerra e continuou, depois dele, com o processo de abolição progressiva. Vez por outra ele publicava poesia abolicionista e anti-discriminatória. Príncipe pacifista, Dom Obá acreditava na força das idéias. “O elemento da guerra é a espada”, gostava de explicar, “o elemento do meu triunfo há de ser a minha pena”.
Ele tinha um pensamento vanguardista para a época. Enquanto a elite estava influenciada pelo pensamento darwinista europeu, que pregava a superioridade da raça branca, e se preocupava com o branqueamento do Brasil, Dom Obá formulou um pensamento contrário pregando o enegrecimento do país, sustentando que quem trabalhava no Brasil eram os negros.
A trajetória do alferes Galvão, do sertão da Bahia para a Guerra do Paraguai e daí para a vida urbana na África Pequena - composta pelos populosos bairros negros do Rio de Janeiro, antepassados das favelas – é emblemática do percurso do negro livre na sociedade escravista. Um líder popular, homem considerado amalucado pela “boa” sociedade, mas reverenciado e sustentado por seus semelhantes, que se constitui em um elo insuspeitado entre as elites e a massa que energia da sociedade tradicional. Negro, alto, forte e elegante, trajando fraque, cartola e luvas, trazendo à mão bengala e guarda chuva, ostentando sobre o nariz um pince-nez de ouro com lentes azuis, o príncipe Dom Obá II d´África era o primeiro a chegar às audiências públicas que o imperador Pedro II concedia aos sábados na Quinta da Boa Vista. Ele não limitou sua esfera de influência aos guetos da África Pequena. O acesso de Dom Obá ao palácio e ao próprio imperador Pedro II é um fato histórico bem documentado. Dom Oba nunca perdia as audiências públicas na Quinta da Boa Vista, aos sábados. Ele também aparecia, mesmo em ocasiões solenes, no paço da cidade. Aqui e ali, fosse com seu fardão de alferes ou em apurados trajes civis, Dom Obá II d´África era sempre “um dos primeiros que se apresentavam”.
Dom Obá II d´África era o representante da África Pequena do Rio de Janeiro, dos “pardos e pretos” que viviam precariamente à margem do sistema, em atividades de auto-emprego. Quando havia debate intelectual e político no Parlamento e na imprensa, Dom Obá tinha idéias definitivas. Ele pensava na salvação da grande lavoura de exportação, base econômica do Império, e era contra o trabalho escravista. Como as demais personalidades, também o Príncipe procurava o apoio do imperador para seus projetos. Por algum tempo fez campanha para ser nomeado embaixador do Império do Brasil na Costa d´África (África Ocidental), e, ao faze-lo, forneceu munição para a sátira política da época. Mas o Príncipe tinha uma resposta pronta para a zombaria racista. Ele relatava vários problemas do cotidiano aos sábados na audiência pública.
O reino de Dom Obá começou a desintegrar-se com a chegada da Abolição. O declínio de sua autoridade era evidente, em particular no que toca à capacidade de arrecadar impostos de seus súditos. Ele praticamente desapareceu das colunas dos jornais. “Não havia mais espaços para velhas fidelidades políticas, nem mesmo para príncipes do povo”. Sua morte, em 1890 foi noticiada na primeira página dos jornais da capital do país, que ressaltaram a imensa popularidade do Príncipe Obá e o fato de ter falecido “na majestade de uma soberania que ninguém se atreveu jamais a contestar”.

18 novembro 2008

Palavras sempre sabem o que querem


Existem momentos em que toda palavra pronunciada parece ferir mais do que ajudar. Uma palavra mal-dita pode perturbar, estragar um negócio, uma amizade. As vezes não é culpa de quem falou, mas do coração que escutou. O filósofo alemão Martin Heidegger disse que “a palavra é a morada do ser” e de que as coisas existem quando são nomeadas, ditas, pronunciadas. Adriana Falcão recolheu palavras que o vento lhe trazia e publicou no precioso Pequeno Dicionário de Palavras ao Vento. “Palavras sempre sabem o que querem. Quero não será desisto. Sim nunca jamais será não. Árvore não será madeira. Lagarta não será borboleta. Felicidade não será traição. Tesão nunca será amizade. Sexta-feira não vira sábado nem depois da meia-noite. Noite nunca vai ser manhã. Um não serão dois em tempo algum. Dois não será solidão. Dor não será constantemente. Semente nunca será flor. As palavras também têm raízes mas não se parecem com plantas a não ser algumas delas, verde, caule, folha, gota. As células das palavras são as letras. Algumas são mais importantes do que as outras. As consoantes são um tanto insolentes. Roubam as vogais para construírem sílabas e obrigam a língua a dançar dentro da boca”.

É preciso dominar as letras, as palavras, as frases. Já pensou na confusão que elas poderiam causar no mundo caso se rebelasse contra todas as formas erradas como são utilizadas? Pois o ensaísta, poeta e tradutor José Paulo Paes na sua fábula moderna A Revolta das Palavras, a palavra usada sem pudor em um anúncio publicitário mentiroso, se retira e dá lugar à palavra que deixa o texto verdadeiro. O mesmo fato estranho se repete em outros textos e a hipocrisia do mundo é desmascarada com esta rebelião. As palavras se cansaram de ser usadas de forma desonesta e resolveram, aprontar. Assim o leitor toma consciência da importância de cada conjunto de letrinhas para o sentido de uma mensagem. Idéia divertida e inusitada que faz refletir.
Pode parecer brincadeira de criança: juntam-se letras e formam-se palavras. Juntam-se palavras e formam-se frases. Uma coisa tão singular, tem efeitos plurais. O texto transporta as pessoas, a palavra dele me causa arrepios, a frase que ela disse há anos ainda retumba nos meus ouvidos. Essa magia das palavras, tão efêmeras, sem substância, provocando tantas reações em toda gente está no livro Encantar o Mundo pela Palavra, de Rubem Alves e Carlos Rodrigues Brandão.
O grande milagre da palavra é quando alguém fala do local onde nasceu, por exemplo, com ternura e saudade, ressuscitando aquilo que não existe mais. Melhor dizendo, traz para perto o que está longe. Recria aqui coisas que, ditas com emoção, vivem de novo na fala. “Quem conta um conto aumenta um ponto”, recria. Quem, ouve se emociona. As palavras ditas, escritas, se eternizam.
Já Rolando Barthes disse que toda palavra enunciada, sobretudo a palavra da política ou mesmo da ciência, é uma palavra que sai de uma fonte de poder. Um poder a gera e ela enuncia um lugar do poder. Para ele, a única maneira de se livrar do poder da palavra é trapacear com ela, não levá-la completamente a sério. E só a literatura consegue fazer completamente a sério. E só a literatura consegue fazer isso. A literatura diz de muitos e diversos modos.
O discurso político é, por excelência, o lugar de um jogo de máscaras. Toda palavra pronunciada no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que ela diz e não diz. Jamais deve ser entendida ao pé da letra, numa transparência ingênua, mas como resultado de uma estratégia cujo enunciador nem sempre é soberano
Foi com palavras que Xerazade sobreviveu noite após noite com o sultão. Ao descobrir a traição de sua esposa e de mandar mata-la, o sultão dormia cada noite com uma mulher e pela manhã ordenava a execução da companheira daquela noite. Xerazade começou a contar uma longa estória e o sultão ficou encantado com nova estória contada a cada noite. Assim As Mil e uma Noites produziram no sultão o encantamento pela palavra. A palavra (em forma de estórias) salvou Xerazade.
Em Grande Sertão: Veredas, romance de Guimarães Rosa foi escrito como um jorro de palavras, que começa na primeira linha, com um travessão e uma palavra “nonada”, e termina – se é que termina – na última página e na última linha, com a palavra “travessia”, logo acima do símbolo de infinito, que fecha o livro. Guimarães Rosa faz uma recriação da linguagem, narrado pela personagem Riobaldo, de suas andanças pelo sertão. Encerro com a composição “Tantas Palavras”, de Chico Buarque: “Tantas palavras/Que eu conhecia/Só por ouvir falar, falar/Tantas palavras/Que ela gostava/E repetia/Só por gostar...(...)/Tantas palavras/Que eu conhecia/E já não falo mais, jamais/Quantas palavras/Que ela adorava/Saíram de cartaz”.

17 novembro 2008

A palavra tem poder




No início era o verbo. E o verbo ainda hoje cria o universo humano. Assim, a palavra tem poder. Pode condenar, salvar, iluminar; pode fazer adoecer, curar e dar esperança; fazer alguém feliz ou triste. Quem fala sem pensar, age sem pensar. Saber calar é sabedoria, além de ser obtida com muita disciplina. O pensador ocidental Wittgenstein (1889/1951), numa visão empirista e científica, escreveu sobre a palavra: “Os limites de meu mundo são os limites de minha linguagem”. Assim, somente o que é nominável, ou seja, o que pode ser traduzido em palavras ou pensado, existe. Usamos palavras o tempo todo e raramente pensamos no que dizemos e como falamos. É preciso prestar mais atenção na escolha das palavras.

A linguagem dirige nossos pensamentos para direções específicas e, de alguma forma, ela nos ajuda a criar a nossa realidade, potencializando ou limitando as nossas possibilidades. A habilidade de usar a linguagem com precisão é essencial para uma boa comunicação. Quem tiver algo a dizer, que diga agora. Ou se cale para sempre. Assim começa um grande amor aos pés do altar. Escolhida para casar, a palavra foi, de pronto, inviolada, inaugurando uma nova união. De agora em diante, tudo dependerá da força da palavra.

A palavra mal colocada, mal dita, irresponsável, prolixa, incompreendida, ruído na comunicação. Pode até ser inaudível, silenciosa como a linguagem dos sinais. Só não pode ser leviana, traiçoeira, que engana. Na medida certa de fazer o bem sem olhar a quem a palavra pode acolher, amparar, ajudar a crescer. Da ética e da moral, a palavra tem que ser, sempre, natural. Ter argumento, consistente. Não pode ser instrumento que sai da boca dos incautos, egoístas, vaidoso, demagogos e mentirosos. Dos que prometem e não cumprem, dos eternos omissos e submissos. Que trocam, por interesses, seus compromissos.

Somos feitos de palavras. Palavra é poesia, música, harmonia. Palavra é uma invenção humana a fim de se perpetuar, já que os seres humanos passarão e as palavras passarinho (lembrando o poeta Mário Quintana: "Todos esses que aí estão atravancando meu caminho, eles passarão...eu passarinho!”). A palavra nasce, cresce, se desenvolve, cria asas e voa. Está em todos os sonhos e sentimentos, em toda nossa vida. O que seríamos sem a palavra? Um oceano de silêncio, de gestos intraduzíveis, um nada perdido numa escuridão em busca de sons que pudessem nos traduzir, de letras que pudessem nos desenhar.
A palavra nos distingue dos animais, dando-nos o meio ideal de expressão, forma que nos faz criar, descobrir, viver num mundo de sons criado para exaltar nossa diferença. O eco da palavra nos acompanha vida afora. Cada som, sílaba, letra é uma vibração que ao falar estamos voltando no ar. As ondas repercutem nos campos sutis das pessoas que as ouvem, e repercutem em todo o universo, pois tudo está interligado. Todo pensamento é palavra, pois aprendemos a pensar assim. E tudo pensamento é energia, da mesma matéria prima que nosso corpo, animais, planta, e tudo o que existe incluindo os minerais, vento, luz, etc.
Cada palavra expressada tem efeito em nossas vidas e esta influência poderá ser a nosso favor ou contra nós, conforme a idéia nela expressa. “Escrever – disse o escritor argentino Julio Cortazar – é uma luta contínua com a palavra. Um combate que tem algo de aliança secreta”. A palavra, como escrevi no início, tem poder. O pensamento correto leva a palavra e à ação corretas. Tudo o que somos hoje é resultado do que pensamos. Segundo um antigo provérbio tibetano, “as palavras não têm, nem pontas, nem corte, mas podem ferir o coração de um homem”.

13 novembro 2008

No mundo atual a palavra ainda comanda

“A imagem te mostra a situação, a palavra deve descrevê-la. E essa é a grande magia da palavra. Nenhuma palavra é, em si, poética. O que a torna poética é a palavra que está ao lado”, afirmou o escritor português José Saramango na abertura da Feira do Livro de Sevilha, Espanha em maio deste ano. Num século XXI em que as novas tecnologias parecem colocar de escanteio a palavra impressa, mesmo nesse mundo invadido pela imagem (televisão, vídeo, internet), a palavra ainda comanda. Nos contatos diários, profissionais ou pessoais, a palavra é soberana. Isso porque a palavra é a matéria-prima do pensamento. Conhecer a língua, saber falar corretamente para ser compreendido, questionar e raciocinar são pontos importantes. Afinal, dominar a palavra permite melhor controle do mundo ao seu redor.

“No princípio era o Verbo”. A palavra constrói e destrói. Portanto, ser dono de seus pensamentos é poder dirigir a própria vida e defender-se das manipulações econômicas, políticas e sociais que sofremos no dia a dia. A jornalista, artista plástica e roteirista Elvira Vigna discorda em achar que nossa época é do apogeu da imagem. “Acho que nossa época matou a imagem. Fez isso ao elegê-la como a linguagem preferencial da comunicação social. Nesta função, a imagem precisou se tornar cada vez mais eficiente. Ter menos possibilidade de erro. Precisou ficar mais rasa, mais rápida. Ser entendida da mesma forma por mais gente. Não propõe um diálogo. Segue normas. De perfeição. É autoritária. E burra. O que nos salvará a todos é a arte contemporânea. Opaca, complexa, dúbia. Efêmera. Imperfeita. E inteligentíssima. Sempre com um texto escondido. Às vezes com um texto às claras”.
A leitura, além de dar asas à imaginação, é ponte que conduz ao conhecimento. O hábito de ler é fundamental para as pessoas desenvolverem a capacidade de pensar, refletir e argumentar. Quem não lê, não desenvolve idéias e, conseqüentemente, não consegue se comunicar com os outros. Ler, portanto, é um ato de libertação. É emancipação. O escritor Mark Twain chegou a dizer que “o homem que não lê bons livros não tem nenhuma. “Ler é a arte de mastigar com os olhos e ver com os ouvidos”, lembra Carlos Nejar. E esta arte carece de incentivo desde o berço.
A falta de intimidade com a leitura entre os alfabetizados é um problema que aflige o mundo há tempos. Em 1936, Mario de Andrade, então criador do Primeiro Departamento de Cultura de São Paulo, já dizia: "A disseminação no povo do hábito de ler criará fatalmente uma população urbana mais esclarecida, mais capaz de vontade própria, menos indiferente à vida nacional."
Segundo teoria de Monteiro Lobato, um país se faz de homens e de livros. O que nos dias atuais pode se considerar uma oportunidade que foge da realidade do Brasil. Muitos relacionam a falta de incentivo por parte dos pais e das instituições escolares, e até mesmo o fato de que nem todos que apreciam o hábito da leitura têm condições financeiras de comprar uma boa obra literária. Além das condições financeiras em adquirir livros - por parte de quem já gosta de ler - outro ponto que influencia o desinteresse ou incentivo pela leitura, e conseqüentemente as vendas nas livrarias, é a falta de campanhas de incentivo à leitura por parte do governo e seus educadores e dos pais que também não mantêm o hábito de ler.
O professor de português Pasquale Cipro Neto afirma que o exercício que não pode faltar no aprimoramento do idioma é o ato de ler. E reconhece a dificuldade que envolve a leitura, principalmente na vida atual. "Ler é uma atividade penosa, exige concentração, silêncio, raciocínio, solidão. Ler não se faz com a galera, com a turma. Hoje as pessoas vivem em bando e tudo tem que ser feito em bando. Ler não é algo que se faz em bando. É o oposto disto. Em tempos de vida moderna, do celular, cadê a concentração? Cadê a solidão? Nestes tempos, ler é difícil", conclui. O professor acredita que há muita hipocrisia. Não se enfrentam as coisas como elas são. "As pessoas querem o tempo todo confusão, se afastam de si, têm medo delas mesmas. Neste contexto não há espaço para a leitura."
“Ler é uma ação individual, solitária e alienante do seu em torno. É seu maior problema e sua maior qualidade. É o contrário do que se dá na tela anterior, a da televisão, que permite o ´ver junto´. Ninguém lê junto. Ninguém senta junto no computador. Ninguém pensa junto. Compartilha-se. É diferente. E muito, muito melhor. O mundo melhorou. A tecnologia atual é melhor do que a anterior. Por exemplo, a questão da imposição cultural. Não há muita defesa contra sitcoms. Mas enquanto se falar `eu deletei`, quem tem de se defender é o inglês”. O assunto merece mais discussão. Vamos voltar a escrever sobre a força da palavra brevemente, aguarde.

12 novembro 2008

Violência na escola

A organização não-governamental Internacional Plan, realizou uma pesquisa com 12 mil alunos de seis Estados, e o resultado foi que cerca de 70% dos estudantes brasileiros são vítimas de violência escolar. Destes, 84% apontam suas escolas como violentas. Em todo o mundo, por dia, cerca de 1 milhão de crianças sofrem algum tipo de violência nas escolas, diz a ong, que atua em 66 países em defesa dos direitos da infância. O levantamento é parte da campanha mundial “Aprender sem medo”, que tem por objetivo promover um esforço mundial para erradicar a violência escolar. A campanha tentará combater as três principais formas de violência na escola: o castigo corporal, a violência sexual e o chamado bullying, definido pelo estudo como “atitudes agressivas, intencionais e repetidas que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro”.

No Brasil, o bullying, incluindo o cyberbullying (a agressão via internet), será o centro das ações, informa a Agência Brasil. Segundo a pesquisa, pelo menos um terço dos estudantes brasileiros afirmou estar envolvido nesta atitude, seja como agressor ou como vítima. De acordo com o assessor de educação da Plan Brasil, Charles Martins, o bullying é hoje a prática mais presente nas escolas. “Com o conselho tutelar e outras ações externas, o castigo corporal não acontece tão facilmente, já o bullying tem implicações psicossociais nos indivíduos. Mas não se tem essa consciência, é uma temática nova”, disse.
O estudo diz que as vítimas do bullying perdem o interessem pela escola e passam a faltar às aulas para evitar novas agressões. “Essas vítimas apresentam cinco vezes mais probabilidade de sofrer depressão e as garotas têm oito vezes mais chances de serem suicidas”, diz o relatório. Quando questionadas sobre o castigo corporal, as crianças brasileiras de 7 a 9 anos disseram sentir, além da dor física, “dor no coração” e “dor de dentro”.
Martins alerta que o comportamento é difícil de ser identificado, mas pode ser configurado quando as agressões verbais se tornam repetitivas. “O professor precisa identificar em sala de aula as crianças que têm um padrão de vítima como timidez, problemas de rendimento e se tornam em alguns momentos anti-sociais”, afirmou. Para a organização, é na escola que o problema deve ser resolvido. O estabelecimento de normas claras de comportamento, treinamento de professores e a promoção da conscientização dos direitos infantis são medidas apontadas para tentar reverter este quadro de violência nas escolas. Dos 66 países pesquisados pela Plan, apenas cinco (Coréia, Noruega, Sri Lanka, Reino Unido e EUA) possuem leis que proíbem o bullying nas escolas.
A campanha terá início em 2009. Segundo Martins, a ONG buscará o apoio de dirigentes escolares, professores e dos três níveis de governo para a divulgação do tema. Entre as principais ações está o desenvolvimento de oficinas com os alunos em escolas-piloto para desenvolver o chamado “protagonismo infantil”. “Ao final eles serão orientados a implementar na escola um comitê dos direitos das crianças. Eles serão multiplicadores também em outras escolas”, explica Martins. O número de escolas ainda não está definido, pois dependerá de futuras parcerias. Mais informações no site da Plan Brasil.
O Brasil foi incluído no estudo. E os resultados são alarmantes: 70% dos 12 mil estudantes pesquisados em seis estados afirmaram terem sido vítimas de violência escolar. Outros 84% desse total apontaram suas escolas como violentas. A campanha terá como foco as três principais formas de violência na escola: o castigo corporal, a violência sexual e o bullying, fenômeno definido pelo estudo como “atitudes agressivas, intencionais e repetidas que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro”.
Cada país vai moldar a campanha de acordo com a realidade nacional. Comum em todo o mundo, o bullying será o centro das ações no Brasil. Segundo a pesquisa, pelo menos um terço dos estudantes do país afirmou estar envolvido nesse tipo de atitude, seja como agressor ou como vítima. De acordo com o assessor de educação da Plan Brasil, Charles Martins, o castigo corporal, apesar de ainda estar presente nas escolas brasileiras, é mais repreendido do que o bullying. “Nós identificamos que o bullying é hoje a prática mais presente. Com o conselho tutelar e outras ações externas, o castigo corporal não acontece tão facilmente, já o bullying tem implicações psicossociais nos indivíduos. Mas não se tem essa consciência, é uma temática nova”, explica o pesquisador.
O estudo aponta que as vítimas dessa prática perdem o interessem pela escola e passam a faltar às aulas para evitar novas agressões. “Essas vítimas apresentam cinco vezes mais probabilidade de sofrer depressão e, nos casos mais graves, estão sob um risco maior de abuso de drogas e suicídio”, diz o relatório. Martins alerta que o comportamento não é tão fácil de ser identificado, mas pode ser configurado como bullying quando as agressões verbais e emocionais se tornam repetitivas. “O professor precisa identificar em sala de aula as crianças que têm um padrão de vítima como timidez, problemas de rendimento e se tornam em alguns momentos anti-sociais”, indica.
Para a organização, as estratégias de combate à violência escolar mais eficientes se concentram na própria escola. Alguns exemplos são o estabelecimento de normas claras de comportamento, treinamento de professores para mudar as técnicas usadas em classe e a promoção da conscientização dos direitos infantis. (Fontes: Site CGC Educação e Agência Brasil)

11 novembro 2008

Sociedade em rede (2)

Há também as redes empresariais, formas de cooperação produtiva e tecnológica entre empresas. Assim, na literatura econômica, essa rede de firmas podem ser concebidas como arranjos institucionais que possibilitam uma organização eficiente de atividades econômicas, por meio da coordenação de ligações sistemáticas estabelecidas entre firmas interdependentes.

Tão planejados quanto premeditados são os ataques terroristas. Nas redes terroristas os membros compartilha conhecimento dentro das estruturas funcionais com um objetivo básico. Nas cidades há diferentes tipos de redes urbanas, feito da aticulação de múltiplas conexões como o transporte público, o saneamento, energia etc. Assim, na vida urbana é necessário refletir os planos de informação que redefinem atores, objetos e ações para a gestão se tornar fluída.
Na história da arte, artistas de todas as nacionalidades e inclinações ideológicas partilharam um objetivo comum ao experimentar a arte postal. Foi uma das primeiras manifestações artísticas a tratar com a comunidade em rede, em grande escala. Entre os anos 60 e início dos 80, em países com regimes opressores, a arte postal se tornou a única forma de intervenção artística anti-establishment. E se antes, os artistas acreditavam que era suficiente colocar trabalhos ao alcance de todos, hoje os artistas experimentam os novos meios de difusão e procuram menos esse grande púbico e optam por um público que tenha mais afinidade com suas idéias e propósitos. Na rede internet os ambientes multi-usuários e da mídia tática com grupos e coletivos de ação artística trabalham a realidade virtual partilhada e mostram interatividades, tipicamente autorais e independentes.

Hoje a palavra rede se tornou um termo da moda. Se os microbiologistas descrevem as células como redes de informações, os ecologistas conceituam o ambiente natural como sistemas em rede, os cientistas da computação desenvolvem redes neurais com capacidade de auto-organização e auto-aprendizagem, as ciências sociais contemporâneas estudam as novas formas de organização social através das redes.
Tem ainda as redes políticas como uma tipologia de intermediação de interesses, uma forma específica de governança. Essas redes são vistas como instituições informais – relações relativas e permanentes, não organizadas formalmente, recíprocas (não-hierárquicas), entre atores que procuram obter ganhos coletivos. As redes são baseadas em regras de consenso para a obtenção de um resultado comum. Elas reduzem custos de transação e da informação e criam confiança mútua entre os atores, diminuindo a incerteza e assim o risco de defecção. Por causa dessas funções, as redes servem como um arcabouço institucional ideal para a auto-coordenação horizontal entre os atores públicos e privados, no qual a formulação de política se ampara num ambiente cada vez mais complexo, dinâmico e diversificado, onde a coordenação hierárquica não pode funcionar. Haja rede! Para quem gosta do assunto vale conferir o livro “O Tempo das Redes” (Perspectiva).

“Além das Redes de Colaboração: internet, diversidade cultural e tecnologias do poder” é o título do livro lançado pela Editora da Universidade Federal da Bahia. Foi organizado pelos professores Sérgio Amadeu da Silveira (Cásper Líbero-SP) e Nelson Pretto (Faculdade de Educação da Ufba) como resultado de seminários realizados pela Casa de Cinema de Porto Alegre em parceria com a Associação Software Livre, ocorridos no segundo semestre de 2007, como parte do Programa Cultura e Pensamento do Ministério da Cultura.

Reunindo acadêmicos de várias áreas do conhecimento, ativistas e artistas, “Além das Redes de Colaboração” trabalha a contradição entre as possibilidades de criação e disseminação culturais inerentes às redes informacionais e as tentativas de manter a inventividade e a interatividade sob o controle dos velhos modelos de negócios construídos no capitalismo industrial. O livro pretende jogar luz sobre essas batalhas biopolíticas para decifrar as disputas sociotécnicas em torno da definição de códigos, padrões e protocolos. Por isso, as tecnologias da informação e da comunicação foram avaliadas em suas dimensões mais importantes. As explicações nascidas da matriz do pensamento único, a qual procura esconder suas determinações histórico-sociais sob o discurso de uma racionalidade neutra, foram confrontadas com aquelas que pretendem dar transparência aos processos e politizar o debate sobre tais dimensões tecnológicas e sobre as históricas relações entre a ciência, o capital e o poder.

O cineasta Jorge Furtado apresentou assim a coletânea: “Ao mesmo tempo que devora, digere e recria o telefone, o cinema, a televisão, os correios, o rádio e a indústria fonográfica, a internet se aproxima do sonho de Borges de uma biblioteca infinita, onde o saber humano está disponível ao alcance de um toque. O que fazer com tão imenso poder é a pergunta que definirá o nosso futuro. Esse livro é uma boa contribuição para o debate”.O livro “Além das Redes de Colaboração” pode ser encontrado nas melhores livrarias. A Editora da Universidade Federal da Bahia é a responsável pela distribuição da versão impressa. Quem não puder desembolsar R$35,00 para adquirir o livro, poderá baixá-lo gratuitamente direto do site em formato PDF. Para tanto basta ir ao site:
http://rm.softwarelivre.org/alemdasredes, que sua versão integral está lá disponibilizado para todos.

10 novembro 2008

Sociedade em rede (1)

O surgimento das redes de computadores foi uma conquista importante para a humanidade. É cada vez mais fácil conectar pessoas em diferentes continentes por meio eletrônico ou digital. Com as novas tecnologias de informação e comunicação, as redes se tornaram um dos fenômenos sociais mais proeminentes de nossa era. Por muito tempo, “construir redes” tem sido uma das principais atividades de organizações políticas de base. O movimento ambientalista, o movimento para os direitos humanos, o movimento feminista, o movimento pela paz, e vários outros movimentos de base política e cultural têm se organizado como redes que ultrapassam fronteiras sociais.

Essa nova forma de organização das atividades humanas foi cunhada pelo sociólogo Manuel Castells como “sociedade em rede”. O foco nas redes, em ciência, começou nos anos 20, quando ecologistas viram os ecossistemas como comunidades de organismos ligadas em forma de rede através de relações de alimentação, e usaram o conceito de cadeias alimentares para descrever essas comunidades ecológicas. Assim a rede é um padrão comum para todo tipo de vida. Onde quer que haja vida, vimos redes.

Essas redes vivas são funcionais, de relacionamentos entre vários processos. Na célula, esses processos são reações químicas entre moléculas celulares. Na cadeia alimentar, os processos são os de alimentação, de organismos comendo uns os outros. Nessas redes vivas sua característica-chave é a autogeneração, ou seja, na célula todas as estruturas biológicas são produzidas, reparadas e regeneradas continuamente pela rede celular. Todos os organismos vivos têm um limite físico que discrimina o sistema – o “ser” e seu ambiente. Células, por exemplo, estão encerradas por membranas e, animais vertebrados, por peles. Desde o início, a vida na Terra está associada à água. Bactérias se movem na água e o metabolismo no interior de suas membranas se dá em um ambiente aquoso. O pesquisador Fritjof Capra estudou o conceito sistêmico de vida para o campo social no seu livro “Conexões Ocultas”, além de “A Teia da Vida”.

A necessidade constante de inovação nos negócios é um dos fatores chave da emergência e visibilidade que as redes sociais têm alcançado. Redes sociais são estruturas dinâmicas e complexas formadas por pessoas com valores e:ou objetivos em comum, interligadas de forma horizontal e predominantemente descentralizadora. Os movimentos de sociedade civil na busca por soluções para problemas sociais crônicos, como fome, miséria e violência, têm contribuídos para um interesse ainda maior nas redes sociais e suas propriedades. Os conselhos políticos internacionais, as redes terroristas, as associações de classes, as redes de especialistas e acadêmicos são exemplos práticos de redes sociais.
Há duas formas de redes – densamente conectadas e ramificadas – que transmitem vírus biológicos, computacionais e de mercado. As redes densamente conectadas promovem a rápida disseminação de um vírus e aumentam a probabilidade de que muitos dos membros serão afetadas. As redes ramificadas permitem a ampla disseminação viral, passados por diferentes meios. Os três tipos de vírus dependem das redes muito mais para sua disseminação do que para seu crescimento local.
Os vírus biológicos necessitam de contato com seres humanos ou outros animais para serem transmitidos. Frequentemente, mutantes, e a prevenção de sua disseminação envolve isolamento físico. O vírs computacionais são produzidos por hackers ou especialistas em ciberguerra. Se geralmente transmitia pela internet, embora o compartilhamento de arquivos seja outro vetor equivale ao compartilhamento de seringas no caso dos vírus biológicos. Já o vírus de mercado (na prática há milênios), o vírus de marketing é o tipo mais recentemente reconhecido. Há o boca-a-boca de produtos ou serviços, ou líderes inspiracionais como as estrelas de equipes esportivas.

07 novembro 2008

Música & Poesia

Ascende o Crepúsculo (Marina Lima)

Em parte a gente é arte
Em outra parte é técnica
Sou de carne e osso
E eletrônica
Cara, me dá um sorriso
Que a vida é crise
Toma um kamicase
Pega, chuta, muda
Que o amor é só roleta-russa
Não existe regra
Nem exceção
Basta um certo estilo de improvisação
Cara, a vida é brisa
Me leva pro Japão
Ou nessa madrugada
Vem e barbariza
Ascende o crepúsculo
De Cubatão




Canção (Allen Ginsberg)

O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação


o peso
o peso que carregamos
é o amor.

Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca
o corpo,
em pensamentos
constrói
um milagre,
na imaginação
aflige-se
até tornar-se
humano -
sai para fora do coração
ardendo de pureza -

pois o fardo da vida
é o amor,

mas nós carregamos o peso
cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.

Nenhum descanso
sem amor,
nenhum sono
sem sonhos
de amor -
quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
ou por máquinas,
o último desejo
é o amor
- não pode ser amargo
não pode ser negado
não pode ser contigo
quando negado:

o peso é demasiado
- deve dar-se
sem nada de volta
assim como o pensamento
é dado
na solidão
em toda a excelência
do seu excesso.

Os corpos quentes
brilham juntos
na escuridão,
a mão se move
para o centro
da carne,
a pele treme
na felicidade
e a alma sobe
feliz até o olho -

sim, sim,
é isso que
eu queria,
eu sempre quis,
eu sempre quis
voltar
ao corpo
em que nasci.

06 novembro 2008

Pioneiro do cinema baiano

O centenário de nascimento do pioneiro do cinema baiano, Alexandre Robatto Filho foi lembrado na última terça, 04 de outubro, na Sala Walter da Silveira, com a exibição de dois dos seus curta-metragens: Xaréu e Vadiação. A iniciativa da Diretoria de Audiovisual da Fundação Cultural do Estado contemplará ainda uma exposição no Palacete das Artes, organizada pela Secretaria de Cultura da Bahia.

Pintor, desenhista, artista plástico, ilustrador, escritor, radioamador, cineasta. Considerado “um homem de mil instrumentos”. Nasceu em Salvador a 04 de novembro de 1908. Professor da Faculdade de Odontologia da UFBa, radio-amador, fundador do Clube da Bahia em 1935 e um apaixonado pela navegação à vela na Baía de Todos os Santos e, antes disso, remador do Vitória, jogador de futebol, nadador, atirador e recordista baiano de salto em altura. Pintor, desenhista ocasional, escritor, produtor de discos, ele foi o pioneiro do cinema baiano. Seu ingresso no cinema dá-se em 1930, com o advento da bitola Duplo 8 mm, rodando a “Vacina BCG”.

Em 1938, “Águas da Bahia”, documenta os serviços primordiais de saneamento básico na capital. Documentarista acadêmico, influenciado pelo cineasta americano Robert Flaherty (autor dos clássicos “Nanouk, o Esquimó” e “Louisiana Story”), Robatto seguia uma corrente didática e linear, embora imprimisse uma linha progressiva no desenvolvimento rítmico de seus filmes. Seus filmes são verdadeiros mergulhos à memória baiana. Ele desenvolveu, durante mais de quatro décadas, uma filmografia sistemática, um tipo de cinema centrado no documentário e no registro dos festejos dos eventos, dos acontecimentos que formam a baianidade.
Foi pioneiro no seu oficio de registrar as imagens em movimento numa cidade que naquele tempo, não possuía quase nada em matéria de equipamento cinematográfico. Realizou a
proximadamente 54 curtas metragens, além de duas dezenas de pequenos filmes de registro familiar. Faleceu pouco depois de completar 73 anos de idade em 30 de novembro de 1981.

A Sala Alexandre Robatto é o único espaço de Salvador dedicado exclusivamente a mostras sistemáticas de vídeo. A sala exibe uma programação que prima pela qualidade, contemplando tanto a videoarte quanto clássicos do cinema já não encontrados em película. Com uma área de 80 m², capacidade para 72 lugares, um telão e um projetor de vídeo de alta definição com leitura de qualquer formato (DVD, VHS, MiniDV, DVCam e Betacam com sistema analógico), a sala é única no
gênero em Salvador. Inaugurada após a reforma da Biblioteca Pública do Estado, em 1998, a Sala Alexandre Robatto exibe mostras focalizando diretores, estilos, cinematografias diversas, dentre variados temas.

05 novembro 2008

Porta-voz de uma geração de rebeldes

Há 90 anos morria o francês Wilhelm Apollinaris de Kostrovitsky, que usava o pseudônimo de Guilhaume Apollinaire (1880/1918). Ele nasceu na Itália e foi criado em Paris. Escritor claramente à frente do seu tempo, defende a arte dos fauves, apóia o cubismo de Picasso e Braque e mantem-se em contacto com Marinetti e os futuristas italianos. Em 1913 publica Alcools. A força das suas imagens leva-o aos limiares do surrealismo.

SIGNO (Tradução: André Dick)

Fui submetido à Regência do Signo de Outono
Portanto amo as frutas e detesto as flores
Lamento todos os beijos de que fui dono
Igual à nogueira colhida diz ao vento suas dores
Meu outono eterno ó minha estação mental
Mãos dos amantes de outrora em teu solo agarradas
Uma esposa me segue, é minha sombra fatal
As pombas à tarde batem suas últimas asas
Levou o Simbolismo francês em direção à modernidade, ao Surrealismo que já se anunciava. Como crítico de arte, defendeu o Cubismo. Tornou-se um dos maiores poetas franceses ao escrever “Zone”, uma dolorosa fantasia romântica que figura até hoje entre os clássicos franceses. Escreveu também romances ditos pornográficos, dos quais As Onze Mil Varas é o mais conhecido. Ele liderou a equipe que pesquisou e organizou os livros “proibidos” que fariam parte da famosa coleção Inferno da Biblioteca Nacional francesa, existente até hoje. Grande poeta, ao se dedicar ao erotismo, não teve papas na língua: foi fundo.
A PONTE MIRABEAU (Tradução de Jorge de Sena)
Sob esta ponte passa o rio Sena
e o nosso amor
lembrança tão pequena
sempre o prazer chegava após a pena
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
Mãos dadas nós fiquemos face a face
enquanto sob
a ponte dos braços passe
de eternas juras tédio que se enlace
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
E vai-se o amor como água corre atenta
e vai-se o amor
ai como a vida é tão lenta
e como só a esperança é violenta
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
Dias semanas passam à dezena
nem tempo volta
nem nosso amor nossa pena
sob esta ponte passa o rio Sena
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
Um dos mais importantes autores do modernismo francês, Apollinare era considerado o porta-voz de uma geração de rebeldes. Poeta respeitado, editor da conceituada revista Lês soirées de Paris (As tardes de Paris). Como ele viveu a época de ouro da literatura libertária francesa, os autores modernistas viviam à sombra do movimento cubista, que tinha sua origem nas artes plásticas. Faltava à literatura esse status de originalidade. E eles foram buscar nos transgressores franceses Marquês de Sade e Sacher-Masoch.
Mas sua criação esfuziante não se limitava aos versos bem construídos de rima romântica. Nas madrugadas, após viagens de absinto, Apollinaire escrevia outros livros, entre eles uma obra prima do erotismo: Les onze mille verges. Ele cultivava um fascínio especial pelo romance libertino – foi o responsável pela introdução dos “livros malditos” de Sade no cenário literário francês no início do século. Além dos libertinos franceses, Apollinaire também cultivava uma predileção pelos escritores licenciosos da Itália renascentista como Aretino e Baffo, ambos publicados em suas coleções – Coffret du Bibliophile e Les Maîtres de l ‘Amour. Atraído pela liberdade de expressão dos autores do passado reputados como obscenos, o poeta incorporou em sua obra diversos traços de uma literatura que, expulsa dos cânones, lhe revelava o avesso da tradição.
Segundo a professora Eliane Robert Moraes (que dirige a coleção “Os Libertinos” da Editora Ágalma), ao escrever a novela “As onze mil varas”, Apollinaire lançou mão de vários elementos dessa outra tradição literária que a moralidade do século XIX preferiu encerrar nos porões da memória coletiva. “Se certas passagens da novela nos fazem lembrar a libertinagem cruel dos personagens de Sade (...), outras evocam a lubricidade debochada de Aretino (...). O resultado dessa combinação e o humor negro, quase macabro, que desafia o leitor a distinguir o riso do pânico”.
Se o humor é um componente fundamental do livro – a começar do título, que faz alusão às onze mil virgens que acompanharam o martírio de Santa Úrsula -, sua contrapartida é a perversidade. Ao apresentar uma sucessão vertiginosa de cenas violentamente eróticas, a novela mobiliza os diversos motivos de sadismo literário, como a necrofilia, a escatologia, a bestialidade, a pedofilia, o sacrilégio, o incesto e o assassinato. Lançado em 1907 – assim como a outra obra pornográfica do autor, Les Exploits d’um jeune don Juan – o livro foi publicado anonimamente. Ele só veio a ganhar uma edição oficial com o nome do escritor em 1970, quando seus herdeiros admitiram publicamente a autoria.
Apollinaire morreu no dia 09 de novembro em Paris vítima de uma epidemia de gripe aos trinta e oito anos. Seus livros libertários e eróticos foram publicados com pseudônimo, mas seu estilo refinado o denunciou. Assim, foi perseguido e obrigado a negar seu trabalho. Hoje ele é reconhecidamente um dos maiores autores de todos os tempos.