31 outubro 2007

Bioética

O mundo vive uma grande crise – ambiental, ético, estrutural... Não existe área da atividade humana que não esteja passando por grandes transformações. A diferença do ontem para o hoje é que em outros momentos da história havia sistemas de pensamento (Iluminismo por exemplo). Agora tudo está se dando no vazio do pensamento. O que se atribui tal vazio? Segundo os filósofos, se explicaria pela autonomia da tecnociência. Os avanços tecnológicos, cada vez mais velozes e potentes, não têm sólidas bases éticas ou humanistas. Para muitos, o homem não domina a técnica, mas está dominado por ela. Há uma separação entre ciência e pensamento. Os intelectuais estão estudando essa separação e as possibilidades de conexão, traduzidas em termos como bioética.

Sabemos que desde o século 17 que a ciência e religião estão em permanente guerra. Naquela época Galileu Galilei e a Inquisição entraram em crise e o cientista foi forçado a abjurar sua convicção de que o Sol e não a Terra era o centro do cosmo. Enquanto a ciência tenta descrever o mundo natural, baseado em experimentos e observações, a religião adota uma realidade sobrenatural coexistente, capaz de interferir com a realidade natural. As tecnologias são frutos desse questionamento, desde a revolução digital até os antibióticos. As duas são necessário, pois o homem é tanto um ser espiritual quanto racional.

Bioética é o estudo transdisciplinar entre biologia, medicina e filosofia (dessa, especialmente as disciplina da ética, da moral e da metafísica), que investiga todas as condições necessárias para uma administração responsável da vida humana (em geral) e da pessoa (em particular). Considera, portanto, a responsabilidade moral de cientistas em suas pesquisas, bem como de suas aplicações. São temas dessa área, questões delicadas como a fertilização in vitro, o aborto, a clonagem, a eutanásia, e os transgênicos.

A Ética surge como uma resposta a problemas, é uma reflexão-ação com base na realidade. A Bioética, atualmente, é considerada como sendo a Ética Aplicada às questões da saúde e da pesquisa em seres humanos, ou seja, é ética da vida. A Bioética aborda estes novos problemas de forma original, secular, interdisciplinar, contemporânea, global e sistemática. Desta forma, estimula novos patamares de discussão que podem possibilitar soluções adequadas. A Bioética busca maior humanização nas relações entre médico, paciente e sociedade. É a ciência com consciência.

Nunca se falou tanto sobre ética no comportamento humano com o objetivo de buscar um modelo de vida inspirado no respeito ao homem, como nos últimos anos. Essa preocupação saiu do âmbito filosófico- acadêmico e está fazendo com que as pessoas comuns reflitam: O que é certo ou errado? Como pensar e agir? Até onde a ciência pode avançar? Dignidade humana? A chave para responder a estas perguntas está na utilização do conhecimento para a melhoria da qualidade de vida humana, já que o saber e a ciência devem ser vistos como patrimônio da humanidade.

O avanço da biotecnologia tem trazido muitas conquistas à humanidade, mas também, muitos riscos, assim, a aplicabilidade dos procedimentos na investigação científica, precisa ser revista e repensada, pois embora possa ser científico nem sempre é ético. Afinal de contas, até que ponto a ciência "age" em benefício da humanidade? Daí a necessidade de se compreender a bioética.

Trabalhar com bioética no Brasil é pensar menos em tecnologias de ponta e voltar nossos olhares para o cidadão comum, carente de oportunidades, e merecedor de uma atenção que proporcione um mínimo de dignidade a cada ser humano. Pensar o desenvolvimento sem olhar os pequenos é passar ao lado da realidade.

30 outubro 2007

Pessoa, múltiplo, só

No dia 30 de novembro de 1935 morria o poeta português Fernando Pessoa. Sua obra continua a exercer forte influência em inúmeros poetas. Criador de uma obra poética de dimensões universais como um caso único, Pessoa é uma figura fundamental para a poesia contemporânea. Transportuguês, universal, pessoal, múltiplo, só.

“Triste de quem vive em casa,

Contente com o seu lar,

Sem que um sonho, no erguer de asa

Faça até mais rubra a brasa

Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!

Vive porque a vida dura.

Nada na alma lhe diz

Mais que a lição da raiz

Ter por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somem

No tempo que em eras vem.

Ser descontente é ser homem.

Que as forças cegas se domem

Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro

Tempos do ser que sonhou,

A terra será teatro

Do dia claro, que no atro

Da erma noite começou.

Grécia, Roma, Cristandade,

Europa — os quatro se vão

Para onde vai toda idade.

Quem vem viver a verdade

Que morreu D. Sebastião? (O Quinto Império)”

No sofrido recato de sua vida pessoal, deu-nos uma plena medida da grandeza humana, como poucos o terão feito. “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. Franzino e atormentado homem, Pessoa foi um gigante da palavra poética, iluminado.

“Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu. (Mar Português)

Com uma temática multiforme, mudando a cada instante a paisagem, o tempo e o espaço, a poesia de Fernando Pessoa é inquietante. Mergulhada nas subterrâneas entranhas, profundas e obscuras numa apreensão do mistério que a tudo prolonga, ele viveu fechado numa solidão misteriosa. Cheio de fagulhas de poesia ele se multiplicou para chegar ao seu “eu profundo”, reconstruído pelo sonho e pela poesia.

“O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração. (Autopsicografia)”

Melancolia, introspecção, dor. Para transcender seu mundo modesto e solitário ele construiu heterônimos e, para cada um construiu biografia e estilo próprios. Alberto Caeiro fazia poemas bucólicos e pastoris. Álvaro de Campos era o responsável pelas mais inspiradoras e audaciosas poesias do seu criador. Ricardo Reis é o poeta das odes e da linguagem clássica. Bernardo Soares, autor de um diário lírico e metafísico intitulado “O Livro do Desassossego”. Antonio Mora, autor de “O Regresso dos Deuses”.

“Sou um guardador de rebanhos.

O rebanho é os meus pensamentos

E os meus pensamentos são todos sensações.

Penso com os olhos e com os ouvidos

E com as mãos e os pés

E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la

E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor

Me sinto triste de gozá-lo tanto,

E me deito ao comprido na erva,

E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,

Sei a verdade e sou feliz. (Trecho de O Guardador de Rebanhos)”

"Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos - a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo. Todos estes meios tons da inconsciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos...O sentirmo-nos é então um campo deserto a escurecer, triste de juncos ao pé de um rio sem barcos, negrejando claramente entre margens afastadas." (Livro do Desassossego: Composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa / Fernando Pessoa)“Tenho tanto sentimento

Que é freqüente persuadir-me

De que sou sentimental,

Mas reconheço, ao medir-me,

Que tudo isso é pensamento,

Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,

Uma vida que é vivida

E outra vida que é pensada,

E a única vida que temos

É essa que é dividida

Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira

E qual errada, ninguém

Nos saberá explicar;

E vivemos de maneira

Que a vida que a gente tem

É a que tem que pensar. (Cancioneiro)”

No mundo inteiro, Pessoa é relançado, lido e considerado um dos gigantes da poesia do século XX. “Não sou nada/nunca serei nada/não posso querer ser nada/à parte isso, tenho em mim todos os sonhos/do mundo”.

29 outubro 2007

O que aconteceu em 1967?

Há 40 anos o mundo estava em ebulição na efervescente contracultura. A “febre do fazer” (na opinião de Lina Bo Barde) estava em alta. No cinema, Glauber Rocha mostrava as contradições do Brasil em “Terra em Transe”. Na teatro Zé Celso Martinez Corrêa estreou sua famosa montagem de “O Rei da Vela”, no Teatro Oficina. Na música Caetano Veloso e Gilberto Gil apresentaram “Alegria, Alegria” e “Domingo no Parque”, inaugurando o tropicalismo. Na literatura o colombiano Gabriel García Márquez consolidava o “realismo mágico” com seu “Cem Anos de Solidão” e o romantismo revolucionário do continente chegava ao fim com a morte, na Bolívia, de Che Guevara, o guerreiro imortalizado no mundo inteiro. E a ciência marcava pontos com o primeiro transplante de coração, realizado pelo médico sul-africano Christian Barnard. Ele transplanta o coração de uma jovem de 25 anos para um homem de 55 anos. E a pílula anticoncepcional desencadeou a revolução sexual. O sexo (antes para a reprodução) pendeu para o lado do prazer.

Jean-Luc Godard satiriza os filhos da classe média que se julgavam revolucionário no filme “A Chinesa”. Ele estilhaça a política provocando estranheza. Outro impacto de rajada de tiros e discursos numa alegoria do caos está presente no filme “Terra em Transe”, de Glauber Rocha. Reflexão amarga sobre a derrota da esquerda, seu fluxo narrativo obedece aos delírios do protagonista (um jornalista de classe média envolvido com um político populista), ferido mortalmente. Na enxurrada de recordações do protagonista podem-se ver as contradições de um país de terceiro mundo e da pequena burguesia urbana, dividida entre o sonho revolucionário romântico e os desejos mesquinhos da realidade. Catherine Deneuve começa sua carreira como heroína ingênua do cinema francês. Aos poucos, vai se transformando numa deusa loira sofisticada, uma mulher independente que escolhe cada filme que vai fazer. Em “A Bela da Tarde (1967) de Luis Buñuel ela faz o papel de pura e perversa, até fundir num novo modelo de mulher que, desde então, sempre acompanharia a atriz.

No mundo da música, era lançado o primeiro disco dos Doors e a experiência radical do Velvet Underground. Mas a ruptura aconteceu com o lançamento de Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. O disco introduziu referências da música erudita, sonoridades indianas e uma dissonância vanguardista influenciando todo mundo. Citado como o maior disco de rock de todos os tempos, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, inaugurava o experimentalismo eletrônico na música popular contemporânea, sendo a primeira vez que músicos do rock aproveitavam todos os recursos e possibilidades, tanto da gravação feita em estúdio quanto da eletrônica. Nesse LP, onde o popular e o erudito se encontravam, instrumentos se misturavam a estranhos sons e a música incorporava cores e gestos. Foi o primeiro “álbum conceitual”.

No Brasil uma injeção de criatividade no poético da palavra cantada surgia com “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso. Na letra feita de estilhaços de imagens para falar de um Brasil fragmentado, moderno e jovem. O mundo das bancas de revista, da comunicação rápida. O ícone vocal da América, Frank Sinatra, curvou-se ao gênio de Tom Jobim e dividiu um disco com ele.

O professor Marshall McLuhan lança seu livro-poema-produção visual-performance gráfica-multiautoral “O Meio É a Massagem” colocando em prática as teorias anunciadas em seu livro anterior. As expressões cunhadas por ele como “aldeia global”, “galáxia de Gutemberg” ou “era da informação” se tornaram voz corrente em todo o mundo e seu nome se transformou em conceito analítico. Foi venerado por muitos e desprezado por outros. Comentando as reações dos contemporâneos ao seu pensamento ele dizia: “Nós olhamos o presente pelo espelho retrovisor. Adentramos o futuro marchando para trás”.

Ainda em 1967, em São Francisco que surgiam os yuppies ou hippies politizados, nome derivado do YIP (Youth International Party - Partido Internacional da Juventude). Jerry Rubin, ex-líder estudantil de Berkeley, proclamava: “Os yuppies são revolucionários. Misturamos a política da Nova Esquerda com o estilo de vida psicodélico. Nossa maneira de viver, nossa própria existência é a revolução”. Consumava-se, assim, segundo alguns, a mistura da revolução cultural com a revolução política. Nas histórias em quadrinhos Guy Pellaert apresenta a personagem Pravda enquanto Guido Crepax desenha a erótica saga sadomasoquista de Valentina.

O jornalista Antônio Calado publicou em 1967 o romance “Quarup”, onde descreve o intelectual da cidade experimentando a realidade da selva. Seus personagens vão viver no Xingu e, no caminho, deparam-se com a repressão no Nordeste nos primeiros anos da Revolução de 1964. E no carnaval de rua de Salvador, em 1967, a presença marcante do bloco Apaches do Tororó, nova agremiação de jovens da comunidade negro mestiça, influenciados pelos filmes de caubói norte americanos. Polêmico, agressivo, pioneiro no uso de música própria e de um tema para cada carnaval, este bloco torna-se um dos mais importantes da década seguinte, chegando a contar cinco mil participantes.

25 outubro 2007

O que aconteceu em 1973?

O ano de 1973 no Brasil estava sob o governo Médice, no auge do regime militar. O mundo estava em expansão e permitiu o aumento de investimento via endividamento externo. A moda era a calça boca de sino. A musa, Darlene Glória. O ídolo esportivo, Emerson Fittipaldi. Na vitrola, rodavam os Secos & Molhados.

Foi o grande estouro do ano. Os Secos & Molhados eram liderados pelo inquieto Ney Matogrosso. Com letras descomplicadas e muitas músicas feitas a partir de poemas de autores brasileiros, seu primeiro disco chegou rapidamente ao topo das paradas de sucesso e vendeu mais de 800 mil cópias no ano. Com eles, a música popular retomava as últimas consequências a antropofagia musical tropicalista. O grupo formado por Ney Matogrosso, João Ricardo e Gérson Conrad se tornaria um fenômeno em pouco mais de um ano de ida. Eles já irromperam na cena conquistando o público, rendendo a mídia e abocanhando o mercado fonográfico. Mais que um grupo, Secos & Molhados se tornou um conceito. O trio já nasceu cult e, ao mesmo tempo, super-popular. Várias faixas do disco viraram hits. Os mais poéticos embeveciam-se com “Rosa de Hiroshima”, poema de Vinícius de Moraes, os jovens se embalavam na força de “Sangue Latino”, e a garotada ia à loucura com “O Vira”.

As guitarras, a poesia, os arranjos modernos, a maquiagem, o vocal insólito e o rebolado de Ney provocaram um espanto sem precedentes. Lançado em agosto de 1973, o LP Secos & Molhados vendeu 300 mil cópias em três meses. Em um ano, chegou à marca das 800 mil, quase o dobro do campeão de vendas da época, Roberto Carlos, com a banda lotando estádios por todo o país. Em agosto de 1974, o grupo lançaria o segundo LP, simultaneamente ao anuncio da saída de Ney. A saída do vocalista foi seguida pelo violonista Gerson alegando a mesma razão, o controle dos direitos autorais e das finanças por João Ricardo, o principal compositor e que tentaria ressuscitar (sem sucesso) o grupo em 1977, 1980 e 1987. E o álbum de 1973 foi eleito um dos melhores discos da história do Brasil.

Outro emblemático disco de 1973, gravado em Londres, foi “Dark Side of the Moon”, do grupo psicodélico britânico Pink Floyd. O disco sombrio ficaria mais de 700 semanas na lista dos 200 de maior sucesso nos EUA, um recorde histórico. Escorado por músicas como “Money”, “Breathe”, “Time” e “The Great Gig in the Sky”, o álbum com a capa do prisma tornou-se um ícone da cultura pop. O conceito do disco, segundo o baixista, fundador e principal compositor do grupo, Roger Walter, gira em torno do individualismo e de como a sociedade tornou-se opressora. O disco permaneceu por 724 semanas na parada dos EUA, um recorde. Já foram vendidas mais de 30 milhões de cópias do álbum e relançado com materiais extras no 20º e 30º aniversários. Em março desde ano (2007) Walter apresentou-se na praça da Apoteose, Rio e no estádio do Morumbi, SP, tocando todas as canções de “Dark Side of the Moon”.

A importância do Pink Floyd surgiu a partir da utilização de recursos da música concreta (ruídos de portas que se abrem e fecham, de passos de pessoas, de água que escorre, etc) e eletrônico, fundidas com o estilo clássico, baladas inglesas tradicionais, blues e rock. Com ruídos inéditos, o Pink Floyd sugeria uma atmosfera de ficção científica, além de propor uma nova abertura, desde o aparecimento dos Beatles, no saturado universo da música pop. O conjunto é pioneiro no uso de laser, audiovisuais e suportes mecânicos em seus super-produzidos concertos ao vivo.

Ainda no mundo da música Raul Seixas lança seu grito de guerra no Lp “Krig-há, Bandolo” (na verdade, esse grito é dos macacos nos gibis de Tarzan que Seixas era fã), Tom Jobim com o seu “Matita Perê”, Milton Nascimento e o “Milagre dos Peixes”, o maldito Walter Franco e “Ou Não”, Paulinho da Viola com o excelente “Nervos de Aço”, Luiz Melodia e a sua “Pérola Negra”, “Tom Zé com “Todos os Olhos” e Gal Costa com “Índia”.

No cinema os destaques do ano são O Último Tango em Paris, de Bertolucci, Gritos e Sussurros, de Bergman, e Amarcord, de Fellini (1973). Os musicais pop, rescaldo da contracultura, fazem sucesso: Godspell, a Esperança, de David Greene e Jesus Cristo Superstar, de Norman Jewson. No Brasil chega às telas Toda Nudez Será Castigada, de Arnaldo Jabor. A adaptação da peça de Nélson Rodrigues causa escândalo nos cinemas. Tem ainda obras importantes como Uirá, o Índio em Busca de Deus, de Gustavo Dahl, Os Condenados, de Zelito Viana, Sagarana, o Duelo, de Paulo Thiago. O ano marca o auge da produção pornochanchada, gênero que tem uma fórmula baseada em humor, muito sexo e que consegue ampliar o público do cinema - em dez anos, o número de espectadores no país salta de 25 milhões para 60 milhões.

Várias foram as formas de resistência que os autores críticos usaram para se contrapor à política e ideologia do regime e para fazer chegar ao público suas mensagens, driblando a tesoura e o camburão. Entrelinhas, duplos sentidos, trocadilhos, mensagens cifradas: para bom entendedor, meia palavra tinha de bastar. Foram produzidas (e proibidas) várias obras críticas que versavam sobre os problemas sociais, o sufoco e a repressão daqueles tempos. Como exemplo, peça teatral como Um Grito Parado no Ar, de Gianfrancesco Guarnieri (1973).

Lima Duarte incorporou o cangaceiro Zeca Diabo e Paulo Gracindo viveu Odorico Paraguaçu na primeira novela em cores da TV brasileira: O Bem Amado. Nas noites de domingo uma voz anunciava “olhe bem, preste atenção!. Era o Fantástico, da Rede Globo, o programa revista de entretenimento com jornalismo.

Na Bahia a escola de samba Juventude do Garcia desfila pela última vez em 1973. É sinal de decadência desse tipo de agremiação momesca no carnaval baiano, cada vez mais identificado com o surgimento de grandes blocos e de trios elétricos com sistemas de som sempre mais potentes e sofisticados. Quem é da época pode relembrar mais atrações daquele ano....

24 outubro 2007

As eternas canções da sétima arte (3)

Há 80 anos o cinema deixava de ser mudo para começar a falar. Em 1927, O Cantor de Jazz chegava às telas com a novidade. Graças aos irmãos Warner, os filmes já não tinham mais que ser mudos. Assim, o Cantor de Jazz passa a ser o primeiro filme da história a utilizar o invento do som no cinema, No ano seguinte, a técnica melhorou: enquanto o primeiro filme era composto, basicamente de canções, Lights of New York era composto inteiramente por diálogos.

Já foi o tempo em que para se conseguir músicas de filmes atuais era preciso procurar nas lojas discos importados. No Brasil, as trilhas de novelas sempre deram dinheiro, mas foi só com a explosão do álbum duplo Os Embalos de Sábado à Noite (1977), que os americanos começaram a investir no mercado das trilhas que, até então, eram considerados álbuns de faixas instrumentais inúteis, eu interessavam apenas aos cinéfilos. Desde os anos 70, os filmes de James Bond têm canções pop. A série Rocky também tem seus hits. A relação rock/cinema tem seu grande momento em American Graffiti (1973), The Rose (1979), Footloose (1984) e muitos outros.

CULT

A trilha do grego Vangelis para o cult movie Blade Runner é muito procurada nas lojas de discos ou mesmo Carruagens de Fogo. Já Maurice Jarre é conhecido internacionalmente pela música de Lawrence da Arábia (1962), Doutor Jivago (1966), Passagem para a Índia, Sociedade dos Poetas Mortos, A Testemunha e Ghost. Ryuichi Sakamoto é mais conhecido entre nós pela bela trilha de Furyo, em Nome da Honra. O veterano Elmer Bernstein já produziu Os Dez Mandamentos, Meu Pé Esquerdo, dentre outros. Ennio Morricone, um dos mais conhecidos compositores de trilhas sonoras, assinou músicas dos filmes: Pecados de Guerra, Os Intocáveis, Saló, Era uma Vez no Oeste, Cinema Paradiso, Era Uma Vez na América, A Missão, dentre outros. Nestes trabalhos, as qualidades musicais extrapolam as situações dos filmes para os quais foram escritos.

No Brasil, há, também, grandes músicos ligados ao cinema. Wagner Tiso, por exemplo, faz hoje uma música essencialmente descrita. A cada som corresponde uma cor, um traço, uma imagem. “A Música está muito próxima da imagem do que da palavra”, define. Primeiro Wagner Tiso cria a cena para depois adequar, nos teclados, o imaginário à música. Tiso é autor da trilha de Ele, o Boto. “Para mim, a letra de minha música é a imagem”, responde David Tiger, autor da trilha de O Homem da Capa Preta, premiada em 1986 no Festival de Gramado. Sérgio Serraceni é autor da trilha de Nunca Fomos Tão Felizes; Victor Biglione é de Faca de Dois Gumes e Radamés Gnatalli de Eles não Usam Black Tie. A introdução do ruído ambiente, música e palavra vem conferir mais espessura e densidade à imagem, aumentando o seu poder de ilusão. É substancial a ajuda da dimensão sonora. Diante de cada plano, o som é um fator decisivo de definição clara, enquanto que se estende para além dos limites do quadro. Mas é importante saber que a trilha sonora não é imagem acrescida de um acessório, e sim imagem e som como elementos equilibrados para a fantasia do cinema.

23 outubro 2007

As eternas canções da sétima arte (2)

Há 80 anos o cinema deixava de ser mudo para começar a falar. Em 1927, O Cantor de Jazz chegava às telas com a novidade. Graças aos irmãos Warner, os filmes já não tinham mais que ser mudos. Assim, o Cantor de Jazz passa a ser o primeiro filme da história a utilizar o invento do som no cinema, No ano seguinte, a técnica melhorou: enquanto o primeiro filme era composto, basicamente de canções, Lights of New York era composto inteiramente por diálogos.

A partir dos anos 30 a música de fundo do cinema se transformou numa linguagem. Esta foi a década dos grandes filmes – épicos, românticos, dramáticos, produções que exigiam densidade sonora para acentuar ação e emoção. Por outro lado, a Europa estava em guerra e os compositores eruditos fugiram de lá para a América. Foram eles que, atendendo às exigências dos grandes filmes, criaram a trilha sonora. O austríaco Max Steiner foi um dos inventores. Inspirado nas óperas ele criou uma música para cada personagem. É dele a trilha de maior duração da história do cinema: ... E o Vento Levou com três horas e 40 minutos para quatro horas de filme. Apenas Scarlett O´Hara teve três temas compostos para ela. Ninguém entendeu porque o filme perdeu o Oscar para “No Tempo das Dilegências”.

Também é de Max Steiner a trilha de outro clássico, Casablanca, embora a canção-tema que todo mundo conhece, “As Time Góes By”, seja originalmente uma canção da Broadway. Steiner foi premiado com o Oscar pelas trilhas de “Estranha Passageira” (1942) e “Desde que Partiste” (44). Outro compositor pioneiro foi Dimitri Tiomkin. Foi ele quem derrotou “...E o Vento Levou”, com a trilha de “No Tempo das Diligências” (1939). No filme Matar ou Morrer (1952), ele criou a primeira canção-tema composta especialmente para um filme de fundo. Dimitri compôs uma canção cuja letra conta a história do mocinho desse filme. A fita recebeu o Oscar de melhor canção e trilha sonora. Ele recebeu outros Oscar: “Um Fio de Esperança” (1954), “O Velho e o Mar” (1958), além de fazer a trilha de “Duelo ao Sol”, entre outras.

O húngaro Miklos Rozsa inventou a música solene dos filmes épicos. Concertista e compositor clássico, é dele as trilhas de Quo Vadis, Ben Hur, El Cid, além de Oscar de melhor música em Quando Fala o Coração (1945) e Fatalidade (1947). Vale lembrar que o Oscar de música (partitura) foi entregue, pela primeira vez, em 1934, para Louis Silvers no filme Uma Noite de Amor. A melhor canção foi para Continental, de Com Conrad, letra de Herb Magidson. Primeira a ganhar um Oscar, em Alegre Divorciada, o primeiro musical em que a dupla Ginger Rogers/Fred Astaire fazia o papel principal. Gene Kelly fez sua obra-prima há 55 anos: Cantando na Chuva, até hoje um dos maiores musicais já produzidos por Hollywood. Gene é um dos raros artistas que conseguem provar que uma cena pode valer um filme. Uma ode sorridente à alegria exuberante é a cena dele dançando sobre poças d´água, sapateando no chão molhado, oferecendo o rosto sorridente a um banho de chuva fotografado em close. O filme é uma sátira do extravagante mundo cinematográfico dos anos 20, com suas histórias pré-estréias e a frenética chegada do som.

Do suspense à aventura

Não podemos esquecer que, em 1934, o Oscar de melhor música original foi para Herbert Stothart, em O Mágico de Oz, e a melhor canção, também neste filme, foi para “Over The Rainbow”, de Harold Arlen e E.Y.Harburg, cantada por Judy Garland. A fita é uma das preferidas do público em todos os tempos. Os musicais foram buscar, na Broadway, os seus melhores “songwrites”, como Cole Porter, Irving Berlin, George Gershwin, Richard Rodgers, Jerome Kern, Harold Arlen, entre outros. Depois surgiram as parcerias de Harry Warren e Al Dubin, Mack Gordon e Harry Revel, Jimmy McHugh e Dorothy Fields e Ralph Rainger e Leo Robion já escrevendo diretamente para o cinema. Todos eles produziram canções, mas não tinham nenhum envolvimento com o resto da parte musical dos filmes. Os compositores europeus encontraram na América alguns músicos eruditos e juntos eles fizeram a história da trilha sonora.

O americano Bernard Hermann era o preferido de Hitchcock e muito contribuiu para aquele clima de tensão e suspense de filmes como Um Corpo que Cai e Psicose. É dele, também, as trilhas de Os Pássaros e Cidadão Kane. Da mesma forma que Hitchcock, o cineasta italiano Federico Fellini trabalhou quase sempre com o mesmo compositor, Nino Rota. Italiano, autor de trilhas inesquecíveis como A Doce Vida!, Os Boas Vidas, Ensaio de Orquestra, Amarcord e O Poderoso Chefão 2ª Parte.

O compositor favorito de Steven Spielberg é John Williams. Ele compôs trilhas para E.T., o Extraterrestre! (Oscar de 1982), Guerra nas Estrelas (Oscar de 77), Império do Sol, Indiana Jones, Superman, o Filme, Tubarão (Oscar de 1975), Contatos Imediatos do 3º Grau, Um Violinista no Telhado e vários outros.

Elmer Bernstein usou o jazz, pela primeira vez, em A Embriaguez do Sucesso e O Homem do Braço de Ouro nos anos 50, e abriu importante precedente, sendo logo seguido por Henri Mancini, em A Marca da Maldade, e Johnny Mandel, em Quero Viver. Mancini ganhou o Oscar de melhor música e melhor canção em 1961 no filme Bonequinha de Luxo. É bem provável que o “score” de Isaac Hayes para Shaft (Oscar de melhor canção, em 1971) tenha aberto o caminho à eletrificação geral vigente hoje em dia. Pois a música de cinema hoje cede às exigências do mercado fonográfico. A fórmula veja-o-filme-ouça-o-disco já demonstrou sua força. Isso só aconteceu com o aparecimento do LP. Até então, o que sobrevivia da música feita para o cinema era uma ou outra canção que determinado cantor ou orquestra ajudava a popularizar.

22 outubro 2007

As eternas canções da sétima arte (1)

Há 80 anos o cinema deixava de ser mudo para começar a falar. Em 1927, O Cantor de Jazz chegava às telas com a novidade. Graças aos irmãos Warner, os filmes já não tinham mais que ser mudos. Assim, o Cantor de Jazz passa a ser o primeiro filme da história a utilizar o invento do som no cinema, No ano seguinte, a técnica melhorou: enquanto o primeiro filme era composto, basicamente de canções, Lights of New York era composto inteiramente por diálogos.

Quem não assistiu, pelo menos ouviu falar de filmes como O Candelabro Italiano, Cantando na Chuva, A Noviça Rebelde, Cabaret, Luzes da Ribalta, Ases Indomáveis, entre tantos outros. Por trás de todos eles existem em comum canções inesquecíveis, que encantaram o público. Músicas que acompanham as imagens e ficam na mente das pessoas. O filme está assim ligado à sua trilha sonora. Na época do cinema mudo, a música não vinha da trilha magnética e sim do piano ou orquestra sempre presente no palco. Cada cinema tinha o seu pianista, que não tirava o olho da tela, acompanhando a ação da fita. A partir de 1927, com Al Jolson, começou a revolução nos telões. O primeiro filme falado (ou melhor, cantado) foi “O Cantor de Jaz”. Nos anos 30, a música de fundo do cinema passou a linguagem. E jamais parou de evoluir em todos os gêneros. Diretores exigentes têm seus compositores e músicos preferidos.

No início era a imagem, o movimento. A ausência da palavra concentrava a atenção do espectador no aspecto visual do comportamento. Havia gestos grandiosos, expressões dramáticas, closes. A música não vinha da trilha magnética, mas do piano ou orquestra sempre presente no palco do cinema. Cada cinema era obrigado a contratar um pianista, que ficava de olho na tela tecendo comentários musicais durante a ação.

No Brasil, gente famosa como Villa Lobos e Radamés Gnatalli tocaram em sala de exibição. Com a difusão do rádio, a partir de 1920, grandes empresas de eletricidade adquiriram praticamente todas as patentes de inventos ligados a gravação de sons. Em 1926, a Western Electric ofereceu a patente a várias companhias cinematográficas, e só a Warner, então à beira da falência, prontificou-se a comprá-la. Rapidamente, os irmãos Warner aprimoraram o sistema Vitaphone. Em outubro de 1926, rodaram seu primeiro filme com som, “Don Juan”, estrelado por John Barrymore, com fundo musical as cargo da Orquestra Filarmônica de Nova Iorque.

Encorajados pelo êxito da película, os Warner contrataram Al Jolson, cantor de origem russa que mais vendia discos nos Estados Unidos, pintaram-lhe o rosto de negro para ajustá-lo ao papel e com ele rodaram “O Cantor de Jazz”, em 1927. Surgia o primeiro filme falado. Mais cantado do que falado, “The Jazz Singer”, na verdade, só tinha uma fala de improviso com o cantor Al Jolson, entre um de seus maiores sucessos, “Mammy”: “Esperem um minuto, esperem um minuto. Vocês ainda não ouviram nada, gente; escutem só isso”. Um monólogo chiado que abalou a Hollywood de então, revolucionando a indústria de um dia para o outro. Foi um sucesso de bilheteria que rendeu à quase falida Warner Brothers nada menos que três milhões de dólares nos primeiros meses de exibição.

Os grandes produtores não aceitaram o som, pois já tinham em andamento superproduções do cinema mudo. O cinema falado não foi bem aceito. Cineasta e críticos acreditaram que ele teria vida curta. Em 1928, a Warner realizou mais dois filmes sonoros – Luzes de Nova Iorque, dirigido por Brian Foy, e The Singing Fool, protagonizado por Al Jolson – cujo êxito confirmou a grande aceitação popular do cinema falado.

19 outubro 2007

Música & Poesia

Pequeno Dicionário do Amor (Brega'n'bass do Amor) letra de Marcos André

O amor flagela,

o amor migalha,

o amor congela,

o amor navalha.

O amor desarma,

o amor guerreia,

o amor corre nas veias,

o amor joga na vala.

O amor semeia,

o amor desmata,

o amor permeia,

o amor te mata.

O amor é sacrilégio,

o amor não tem colégio,

o amor te sacaneia,

o amor te desampara.

O amor, de amor austero,

amor de amor perfeitinho,

é amor de amor sem destino,

é amor de amor sem elo.

O amor, de amor imperfeito,

amor de amor paralelo,

é amor de amor no peito,

amor de muito carinho.

O amor supera o sonho,

o amor, sonhando, embarca,

o amor chuta a canela,

o amor dá de trivela,

o amor é farofeiro,

o amor é magnata.

O amor come poeira,

o amor rompe o silêncio,

o amor é conseqüência,

o amor é contra-senso.

O amor é indefeso,

o amor sucumbe ileso,

o amor começa e pára,

o amor sobe à cabeça,

o amor desce a porrada.

O amor, de amor austero,

amor de amor perfeitinho,

é amor de amor sem destino,

é amor de amor sem elo.

O amor, de amor imperfeito,

amor de amor paralelo,

é amor de amor no peito,

amor de muito carinho.

O amor é lindo,

o amor é love,

o amor é índio,

o amor é rock.

O amor é black,

o amor é blue,

o amor é vinho,

o amor é cool.

O amor é leve

o amor é trash,

o amor é sério,

o amor é riso.

O amor é paraíso,

o amor é infernal,

o amor é impreciso,

o amor é pontual.

O amor é night,

o amor é dia,

o amor noite,

o amor é fria.

O amor é loucura,

o amor é tesão,

o amor é fissura,

o amor é solidão.

O amor é luta livre,

o amor é ioga,

o amor tem sinusite,

o amor advoga.

O amor é bicha,

o amor é machista,

o amor é futurista,

o amor não marca hora.

O amor, de amor austero,

amor de amor perfeitinho,

é amor de amor sem destino,

é amor de amor sem elo.

O amor, de amor imperfeito,

amor de amor paralelo,

é amor de amor no peito,

amor de muito carinho.

No Caminho com Maiakóvski (Eduardo Alves da Costa)

Assim como a criança

humildemente afaga

a imagem do herói,

assim me aproximo de ti, Maiakóvski.

Não importa o que me possa acontecer

por andar ombro a ombro

com um poeta soviético.

Lendo teus versos,

aprendi a ter coragem.

Tu sabes,

conheces melhor do que eu

a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na Segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm

a ninguém é dado

repousar a cabeça

alheia ao terror.

Os humildes baixam a cerviz;

e nós, que não temos pacto algum

com os senhores do mundo,

por temor nos calamos.

No silêncio de meu quarto

a ousadia me afogueia as faces

e eu fantasio um levante;

mas amanhã,

diante do juiz,

talvez meus lábios

calem a verdade

como um foco de germes

capaz de me destruir.

Olho ao redor

e o que vejo

e acabo por repetir

são mentiras.

Mal sabe a criança dizer mãe

e a propaganda lhe destrói a consciência.

A mim, quase me arrastam

pela gola do paletó

à porta do templo

e me pedem que aguarde

até que a Democracia

se digne a aparecer no balcão.

Mas eu sei,

porque não estou amedrontado

a ponto de cegar, que ela tem uma espada

a lhe espetar as costelas

e o riso que nos mostra

é uma tênue cortina

lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo

e não os vemos ao nosso lado,

no plantio.

Mas ao tempo da colheita

lá estão

e acabam por nos roubar

até o último grão de trigo.

Dizem-nos que de nós emana o poder

mas sempre o temos contra nós.

Dizem-nos que é preciso

defender nossos lares

mas se nos rebelamos contra a opressão

é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,

por temor aceito a condição

de falso democrata

e rotulo meus gestos

com a palavra liberdade,

procurando, num sorriso,

esconder minha dor

diante de meus superiores.

Mas dentro de mim,

com a potência de um milhão de vozes,

o coração grita - MENTIRA!