27 março 2018

Narcisismo baiano impede desenvolvimento cultural (2)


Quando Salvador foi fundada, em 1549, a idéia principal do projeto era torná-la não apenas uma cidade fortaleza, mas o mais importante símbolo do império português nas Américas. Por conta da sua história sócio-política, a Bahia se transformou num território multifacetado. Do século 16 ao século 18, Salvador e o Recôncavo baiano tiveram uma hegemonia sobre todas as outras regiões. Na capital e no seu entorno, estava o cultivo na cana de açúcar, a rede de engenhos para produzir o açúcar e as vias de transporte e, consequentemente, comunicação com o resto do mundo.

A partir do século 19 a Chapada Diamantina ganha notoriedade com a sua exploração de minério. Depois chega o sul cacaueiro e, por fim ganha proeminência nesta geografia estadual o extremo sul, tendo o turismo como principal atividade econômica e o oeste. A chegada das rodovias, que passaram a ser o ponto de ligação entre as diversas regiões do Estado, ao mesmo tempo que aproximou algumas regiões de Salvador, caso do norte, afastou outras – o oeste e o extremo sul.


O oeste está mais próximo de Brasília e Goiania. O extremo sul a proximidade é maior com o Espírito Santo e com Minas Gerais. Isso fez com que o desenho econômico, cultural e social da Bahia tenha se modificado. A combinação entre a extensão do seu território e uma ênfase na capital as outras regiões baianas se aproximaram culturalmente de estados com os quais faz fronteiras.

O baiano é um povo miscigenado, de cultura rica e religiosidade viva, sincrética. Seja no batuque dos terreiros, nos cantos da puxada de rede dos pescadores, no jogo de capoeira dos negros, nas comidas de rua sagradas, todos festejam em comunhão as divindades da natureza e os santos dos altares. Há uma imensa costa atlântica, com luminosidade única e um mar tão magnífico quanto azul.


Há três artistas baianos de projeção internacional com obras fundamentais para a compreensão de todos os significados desta terra e do seu povo: Dorival Caymmi em seu jeitão malemolente, é um símbolo consagrado do jeito baiano de ser; Jorge Amado, o mais lido e traduzido escritor baiano, foi o 1º na literatura brasileira a contar histórias do povo usando sua linguagem; Carybé, homem de mil artes, pintor, desenhista, escultor, muralista, escritor e jornalista.

A cidade que exala cultura nos quatro cantos também se destaca pela gente que faz essa cultura, por pessoas chamadas “folclóricas”, populares, marcantes, que interferem no dia a dia urbano e causam, no mínimo, estranheza ou curiosidade. Não é difícil lembrar de pessoas como Cuíca de Santo Amaro (poeta cordelista conhecido como boca de fogo da Bahia), Cosme de Farias (grande rábula, defensor das causas públicas e do povo, inimigo do analfabetismo), Guarany (um dos maiores escultores de carrancas do São Francisco), Bule Bule (repentista, cantador e violeiro), Carlinhos Brown (criador da Timbalada, Zárabe e uma série de outros projetos socioculturais), Clarindo Silva (responsável pelo espaço cultural Cantina da Luia e zelador do Centro Histórico do Pelourinho), Jayme Figura (cuja proposta é trabalhar em prol da humanidade através da arte), Mulher de Roxo (personagem lendária da Rua Chile). Tem ainda o guarda Pelé, Floripe, o Mágico da Boca do Rio, o Acrobata da Barroquinha e muitos outros.


Ou os eméritos educadores como Isaías Alves e Anísio Teixeira que enobrecem a cultura baiana no século. Ruy Barbosa, Octávio Mangabeira e Pedro Calmon, os três dos maiores oradores brasileiros. Temos ainda o jurista Orlando Gomes, o economista Rômulo Almeida, o médico José Silveira no combate incansável à tuberculose, Wanderley Pinho primoroso escritor e historiador, Ismael de Barros o exímio escultor, os pintores acadêmicos Presciliano Silva mestre dos tons coloniais, Alberto Valença e Manoel Mendonça Filho deixaram trabalhos que retratam Salvador. Artistas modernistas como Carlos Bastos, Jenner Augusto, Lígia Sampaio, Nilton Silva, Jaime Hora, Juarez Paraíso, José Guimarães, Calasans Neto, Emílio Magalhães, Oscar Caetano, Hebe Carvalho, Hélio Bastos, Yedamaria e Rescala também se renderam aos encantos da cidade e a retrataram. O sagrado e o profano na criação visual de Rubem Valentim ou nas esculturas de Emanuel Araújo.

A Bahia cuida pouco da sua memória. Que o diga o Museu Glauber Rocha que nunca foi aprovado, com a Condessa Luane de Noalles, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Sonia dos Humildes, Milton Santos, e tantos outros. A Bahia não responde suas tradições como Pernambuco, por exemplo. A Bahia tem um certo desleixo natural, que só se interessa mesmo pelo Carnaval, pela indústria de axé music. É preciso ter turismo de melhor qualidade (coisa que não temos) como hotelaria de primeira classe, uma orla preservada e iluminada.

26 março 2018

Narcisismo baiano impede desenvolvimento cultural (1)


A Bahia tem um universo cultural extremamente complexo e variado. Assim, a Bahia é, por definição antropológica, exótica, sensual. A Bahia tem uma dimensão fetichista sobre o mundo, de sedução. Salvador foi a primeira capital da Colônia e deu à cidade, por extensão, a toda a capitania, características peculiares: fluxo de comerciantes e viajantes das mais diversas origens, escravos de diversas nações tribais. Essa constante interferência dos diversos grupos étnicos culturais como portugueses, espanhóis, holandeses, bantos, jejes, haussés, etc, contribuíram para a formação de diversas manifestações híbridas. Salvador é uma cidade de contraste. Arcaico e moderno, nobreza de valores e pessoas desprovidas de qualquer relação, é cheia de contraste. Salvador é moderna e mestiça. Pensar arte pública é uma forma de democratizar a gestão pública.

A Bahia poderia ter todos os radares voltados para o mundo. Mas o narcisismo baiano impede que se veja as duas faces da moeda. Não temos um foco de prioridades. Falta investimento. Priorizar mais os trabalhos de qualidade. Empresários e especialistas em recrutamento afirmam que ainda faltam ao baiano que lida com atendimento ao cliente características como cordialidade, conhecimento sobre o produto, profissionalismo e agilidade. (A Tarde. Caderno Empregos & Negócios, 03/01/2010, p.3). “Prova disso são os estabelecimentos que buscam mão de obra no Sul e no Sudeste para compor seu quadro de funcionários em plena Bahia. Basta reparar no sotaque dos melhores atendentes para perceber que poucos são nativos”, informa a reportagem “Atendimento: o que é que o baiano não tem?”. “Na opinião do especialista em atendimento e gestão de recursos humanos, Otávio Santana, a profissionalização dos atendentes baianos ainda está defasada em relação a outros estados. `Por ter cobrado qualificação dos funcionários mais cedo que na Bahia, o Sudeste tem um nível mais alto de atendimento`, explica. A exigência da qualificação, portanto, deve partir dos empresários”.


As políticas culturais (em todos os níveis, seja federal, estadual e municipal) decorrem ainda da visão que considera a cultura coadjuvante e não protagonista da gestão pública. Os recursos continuam insuficientes para atender às demandas e provocar impactos transformadores. È preciso definir a função básica da política cultural do estado. O Brasil e a Bahia precisam formar leitores, platéias de teatro, frequentadores de museus, etc.

Afinal, não há Bossa Nova sem João Gilberto. Não há Cinema Novo sem Glauber Rocha. Não há Tropicalismo sem Caetano, Gal e Gil. Não há pensamento contemporâneo brasileiro sem Milton Santos. Não há marcas capazes de produzir o mais vigoroso turismo cultural do país sem Olodum, Ilê Aiê e Timbalada.

Temos o teatro da Bahia como a terceira produção teatral brasileira. A música está sempre em evidência, apesar da filtragem só em um gênero musical. E com toda sua efervescência cultural, não dispõe de uma editora comercial de ponta, que produza, distribua e venda livros para o Estado e o país. A última foi a Progresso nos anos 50 e fechou em 1960. O cinema baiano é criativo, mas lento, talento, não tem apoio assim como a literatura. História em quadrinhos é outra vertente desprezada. A Bahia também precisa de um calendário de eventos diversificados, que não se restrinja ao verão, ao Carnaval. Precisamos investir mais em serviços. O serviço aqui é muito ruim e restrito.


Falta na capital baiana, casas planejadas para grandes espetáculos. Grandes atrações não passam pela cidade justamente por falta de espaço adequado para atender à população. Nos meses de junho, julho e agosto, nada acontece por não termos uma grande casa fechada. Temos apenas o Parque de Exposição, o Wet´n Wild e o Bahia Marina, lugares abertos. Os produtores falam que Salvador é uma das praças que dá uma ótima resposta de bilheteria, mas o custo operacional é o mais alto por falta de estrutura. Há uma carência de casas de shows.

A desigualdade é cada vez mais latente em Salvador. A cidade vai excluindo, gradativamente, uma camada da população dos direitos de circular, de ter uma habitação digna, de ter áreas públicas e de poder decidir os destinos da cidade. Habitação não é só casa. Habitar na cidade, no espaço, é um conjunto de fatores: mobilidade, espaços públicos, transporte, moradia.

22 março 2018

Quarta Revolução Industrial: Inteligência Artificial (03)


As três revoluções industriais anteriores tiveram início nos países desenvolvidos. A primeira aconteceu entre 1760 e 1840, movida por tecnologias mecânicas como máquinas a vapor e as ferrovias. Essas máquinas substituíram processos manuais e o uso de animais para gerar força. Os países começaram a investir em pesquisa como um diferencial competitivo para a economia.

A segunda revolução aconteceu entre o final do século 19 e início do século 20, tendo como principais inovações a eletricidade em seu emprego em bens de consumo e eletrodomésticos, a linha de montagem e a difusão da produção de massa. A linha de montagem de carros de Henry Ford tornou-se o símbolo do período, pois possibilitou a produção em larga escala de produtos, de uma forma rápida e barata.


A terceira, que se iniciou na década de 1960, é o advento da informática e da tecnologia da informação, o uso de computadores pessoais e, mais tarde, nos anos 1990, a internet e as plataformas digitais. Máquinas pensantes e mudanças radicais do trabalho Com os avanços no campo da Inteligência Artificial, os computadores estão se tornando mais rápidos e inteligentes que os humanos. Isso pode mudar a forma como trabalhamos, pois os robôs vão tomar o lugar de diversas profissões. Na indústria, a linha de produção será quase que inteiramente automatizada, diminuindo radicalmente a mão-de-obra humana nas fábricas. Segundo o Fórum Econômico Mundial, até 2020, a automação deve eliminar sete milhões de empregos industriais nos 15 países mais desenvolvidos. A tecnologia não ameaça apenas os trabalhos de “produção”, ela também já impacta diversas profissões tradicionais.


Se a produção e o trabalho manual serão feitos por máquinas, o trabalho humano será requisitado em tarefas menos repetitivas. A pesquisa do Fórum Econômico Mundial indica que 65% das crianças que hoje entram nas escolas irão trabalhar em funções que atualmente não existem. As áreas de Engenharia, Matemática, Ciências e Computação deverão irrigar a tecnologia vigente e gerar novos empregos. Também surgirão oportunidades para os chamados “trabalhadores do conhecimento”, , pessoas que lidam com a criatividade, habilidades de negociação, estratégia e análise. Quem tiver a habilidade de resolver problemas complexos terá um maior diferencial. E para ter maior competitividade, os países deverão investir em educação.


Segundo o relatório do Fórum Econômico Mundial de 2016, sete países são os pioneiros da quarta revolução industrial: Cingapura, Finlândia, Suécia, Noruega, Estados Unidos, Israel e Holanda. Na América do Sul, destaca-se o Chile, que figura na 38ª posição global. O Brasil fica na 72ª posição do ranking, atrás de países como Uruguai, Costa Rica e Colômbia. Países da União Europeia já apostam no modelo industrial 4.0 para ganhar compara ganhar competitividade global. A Alemanha, por exemplo, busca ser um país líder na implementação de fábricas inteligentes. A indústria alemã irá investir, anualmente, €40 bilhões na infraestrutura da Internet Industrial até o ano de 2020.


A quarta revolução industrial também poderá aumentar ainda mais a desigualdade entre os países ricos e pobres. As economias mais prejudicadas serão as que usam mão-de-obra barata como vantagem competitiva, como acontece nos países ricos e pobres. As economias mais prejudicadas serão as que usam mão-de-obra barata como vantagem competitiva, como acontece nos países em desenvolvimento (como o Brasil e México).

 PARA SABER MAIS: A Quarta Revolução Industrial, Klaus Schwab. Editora Edipro, 2016. Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação


21 março 2018

Quarta Revolução Industrial: Inteligência Artificial (02)


A primeira revolução marcou a mudança da produção manual à mecanizada, e aconteceu entre 1760 e 1830. A segunda, por volta de 1850, trouxe a eletricidade e permitiu a manufatura em massa. E a terceira aconteceu em meados do século XX, com a chegada da eletrônica, da tecnologia da informação e das telecomunicações.

A quarta mudança, esta que está em curso, vai trazer mudanças tecnológicas ainda mais profundas do que a última e, dessa vez, vai automatizar completamente as fábricas. Uma mistura de ingredientes que hoje ainda são, para muitos de nós, citações futuristas: nanotecnologias, neurotecnologias, robôs, inteligência artificial, biotecnologia, sistemas de armazenamento de energia, drones e impressoras 3D.


Na Quarta Revolução Industrial, segundo um texto publicado no site do World Economic Forum, vai ser imprescindível que os países tenham estabilidade econômica, moeda estável, baixo desemprego e empregos de qualidade para poderem fazer parte do time.

A Inteligência Artificial, parte mais nobre da Quarta Revolução Industrial, “fará as tarefas mais repetitivas e aborrecidas, permitindo-nos passar mais tempo na resolução criativa de problemas e nas partes de nossos trabalhos que envolvem interações e relacionamentos humanos complexos”, diz um dos textos, de uma série, que apresentam o fenômeno no site do WEF.


Uma revolução industrial é caracterizada por mudanças abruptas e radicais, motivadas pela incorporação de tecnologias, tendo desdobramentos nos âmbitos econômico, social e político. Segundo teóricos, o mundo passa por uma transição de época e estaria no início da 4ª revolução industrial ou da chamada Indústria 4.0. O desenvolvimento e a incorporação de inovações tecnológicas vão mudar radicalmente o mundo como o conhecemos e moldar a industria dos próximos anos.









20 março 2018

Quarta Revolução Industrial: Inteligência Artificial (01)



A humanidade sempre se deparou com o medo ao adentrar numa nova era. Foi assim na Revolução Agrícola, na Industrial, na Tecnológica e agora nos primórdios desta quarta Revolução, a da Inteligência Artificial. Sabemos que o ser humano é dotado de dois grandes sistemas: o físico e o mental – o cognitivo. Até agora, todas as revoluções substituíram a função do ser humano na sua característica física, manual. A inteligência artificial veio para substituir a inteligência cognitiva. Este é o novo desafio. 


Nesta quarta revolução industrial, cada vez mais etapas da produção, distribuição venda de produtos será feita por máquinas inteligentes. Isso trará mais riqueza, mas forçará o deslocamento da força de trabalho humana para atividades diferentes das que fazem hoje. A sociedade precisa discutir este processo para que ele ocorra de modo a aumentar a riqueza sim, mas com justiça social.

Para Alberto Ferreira de Souza, professor de Ciência da Computação e Coordenador do Laboratório de Computação de Alto Desempenho da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), “nós, humanos, nascemos sabendo muito pouco – precisamos aprender até como andar e falar. Apesar da necessidade de educar a todos, a atividade de ensinar evoluiu pouco desde Platão e Aristóteles e das “escolas” que criaram na Grécia antiga. Muito embora novas tecnologias, especialmente a Internet, estejam transformando a educação, a forma como aprendemos não deve mudar muito no curto prazo devido às restrições impostas biologia de nosso corpo”.


“Mas haverá um aumento contínuo da presença de robôs na educação formal tão logo robôs humanoides passem a habitar entre nós. Ou seja, no futuro, os professores serão, em sua maioria, robôs. Até chegarmos lá haverá uma mudança contínua do mercado de trabalho, com substituição de pessoas por máquinas inteligentes”.

A primeira revolução industrial foi das máquinas de tear e a vapor. A segunda, a da eletricidade. Em 1980, houve a entrada da tecnologia e dos computadores em massa. Agora, na quarta revolução, teremos a união da inteligência artificial de robôs e humanoides com seres humanos.


É a interface homem-máquina, que exige muito mais conhecimento, não o técnico, conhecimento sobre essa nova sociedade. Um exemplo: pela saliva, é possível sequenciar o seu genoma por apenas US$ 22. Há 12 anos, custava US$ 3 bilhões. Estamos vivendo a quarta revolução industrial, que é a união entre os mundos físico, digital e biológico.

19 março 2018

Há 120 nascia Lampião


No século XVII ocorreu o deslocamento do centro da economia para o sul. O sertão nordestino, já castigado pelas secas prolongadas, viu agravar-se as desigualdades sociais. Neste panorama surge a figura do coronel, “dono” de todo o poder e lei da região. A existência de constantes conflitos devido a posses de terras e rivalidades políticas fizeram com que estes senhores feudais procurassem cercar-se do maior número possível de “jagunços” e “cabras” (uma espécie de seguranças particulares) para defender seus interesses. Deste modo, criou-se verdadeiros exércitos particulares, e guerras travadas entre famílias. Esse foi o solo propício para o aparecimento do banditismo no sertão.


No final do Império, e em seguida a grande seca de 1877-1879, a miséria e a violência eram extremas, o que viabilizou, em face da luta pela própria sobrevivência, o surgimento dos primeiros bandos armados independentes do controle dos grandes fazendeiros. Nesta época, destacavam-se os bandos de Inocêncio Vermelho e de João Calangro. No entanto, o cangaço só tomou grande dimensão e importância na República, com a chegada de Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, que mais tarde se tornou o “Rei do Cangaço”, temido, adorado, odiado, perseguido, herói, bandido, mas, sobretudo, um mito.


REI DO CANGAÇO - Há exatamente 120 anos nascia Lampião, em 1898, como consta em sua certidão de batismo (ao contrário de 1897, com é citado em inúmeras obras e por diversos autores), em um sítio às margens do Riacho São Domingos, no município de Vila Bela, atualmente Serra Talhada, Pernambuco. O bando de Virgolino entrava cantando nas cidades e vilarejos. Com chapelões em forma de meia lua, decorados com moedas de ouro e prata e roupas de couro, eles chegavam a pé e pediam dinheiro, comida e apoio. Se a população negasse, crianças eram seqüestradas, mulheres violentadas e homens mortos. Mas, se os pedidos fossem atendidos, o Lampião organizava um baile e distribuía esmolas.

Cortando sete estados, foi assim por quase três décadas que o Rei do Cangaço viveu no sertão. O fracasso das operações preparadas para capturá-lo e as recompensas oferecidas a quem o matasse só aumentaram a sua fama. Admirado pela sua valentia, o facínora acabou convertido em herói. Em 1931, o jornal New York Times chegou a apresentá-lo como um Robin Hood da Caatinga, já que vigorava a lenda que ele roubava dos ricos para dar aos pobres. Lampião era muito vaidoso, só usava perfume francês e distribuía cartões de visita com sua foto. Gostava também de entrar nos povoados atirando moedas.


COMO TUDO COMEÇOU - Fisicamente, ele um homem de 1,70m de altura, amulatado, corpulento e cego de um olho. Adorava anéis e usava no pescoço lenços de cores berrantes, preso por um anel de doutor em Direito, provavelmente roubado. A entrada de Lampião no Cangaço teve início em 1915, quando tinha apenas 18 anos e teve seus pais assassinados a mando de um coronel inimigo. Cheio de ódio, ele prometeu vingança. Alistou-se em um bando de cangaceiros e foi logo promovido a líder. Envolveu-se em cerca de 200 combates com as volantes, bandos constituídos de "cabras" ou "capangas" que eram familiarizados com o sertão. Eles acabaram tornando-se mais temidos pela população, pois possuíam o respaldo do governo.


O apelido “Lampião” surgiu depois que ele iluminou a noite com tiros de espingarda para que um companheiro achasse um cigarro. Em Juazeiro (PE), 1926, ele recebeu do governo a patente de Capitão honário das forças legais, além de doação de armamento e munição para combater a Coluna Prestes. Com muito orgulho e vaidade, ostentou esta inventiva patente até a sua morte. Às 4h da madrugada do dia 28 de julho de 1938, após uma emboscada da polícia que não durou mais de 20 minutos, Lampião e mais 10 companheiros foram mortos. Após o ataque, um soldado surgiu com a cabeça cortada de Lampião, alegando que se não levasse a cabeça do Rei do Cangaço, o povo não acreditaria em sua morte.

“Não sei se é lenda ou verdade/Meu senhor, falo em meu nome/A lenda começa sempre/Quando uma história termina/Porque se a história nos conta/Que Virgulino nasceu/A lenda logo acrescenta/Que Lampião não morreu/Além da história e da lenda/Existe o sonho do povo/Que, entre o que ouve e o que não ouve,/inventa tudo de novo./Por isso a lenda é mais certa/Do que o sonho e a história/Porque Lampião ainda vive/Em todas as memórias” (Marcus Acioly: versos sobre o cangaço no imaginário popular).



16 março 2018

O russo Tishchenko não pode ser esquecido


Há 100 anos o desenhista russo Nicolay Tishchenko (1926-1981) começava a publicar suas charges no jornal A Tarde. Foram 16 anos de charges (julho de 1958 a março de 1975). Ele ajudou, com suas charges, a perceber as ambiguidades da condição humana, as contradições disfarçadas, os anseios e insatisfações. Seu traço vivo, forte, fixou nossos tipos, usos e costumes sociais e políticos, dando às suas figuras um décor próprio. Preferiu a charge à caricatura, pois inspirava mais o riso do que o terror. Afinal, a caricatura individualiza o ataque, abrindo o flanco a retaliações diretas. A charge política é uma arma de combate que, além de fazer rir, leva o leitor à reflexão, ainda que sob a ótica de desconstrução e do entretenimento.


No início – 1958 – ele não entendia o coloquialismo do nosso idioma, mas seu traço forte se destacava logo nas charges que foram publicadas no jornal A Tarde. O russo Tischenko aos poucos foi conhecendo nossa cultura, nossa política e idioma. Preferiu a charge à caricatura, pois inspirava mais o riso do que o temor. Afinal, a política é uma forma de combate que além de fazer rir, deve levar o leitor à reflexão, ainda que sob a ótica da desconstrução e do entretenimento. 

Pintor, chargista e publicitário, seu traço era marcado pela sensibilidade européia e, naquela época, foi uma grande sensação no mercado. A repercussão das charges publicadas em A Tarde incentivou o desenhista a reuni-las no livro Charges. Ele publicou dois livros de charges e um dedicado “às crianças grandes”, além de uma série de ilustrações para a Câmara de Vereadores da Cidade. Introspectivo, Tischenko tem trabalhos em guache, aquarelas e esculturas espalhadas por todas as partes do mundo.


Os primeiros trabalhos do russo Nicolay Tishchenko foram publicados na Europa, mas foi na Bahia que ele dedicou quase toda a sua vida às charges e ilustrações. Quem desejar conhecer a trajetória desse artista, leia o livro O Traço dos Mestres, premiado com o HQ Mix em 1996.


15 março 2018

Politicos na boca do povo


Do primeiro ao último presidente que se instalou no Palácio da Alvorada, nenhum escapou ao olho crítico dos chargistas brasileiros. Os hóspedes do Palácio do Catete forneceram, durante gerações, material para alimentar o apetite de irreverências bem temperadas dos nossos chargistas e caricaturistas.


O povo acompanhou tudo, fazendo marcação cerrada em cima das atitudes de cada governante para censurá-las com humor e muita verve, em marchinhas, anedotas, refrões, piadas, apelidos, mas também aplaudi-las com alambicadas manifestações de afeto e compreensão.


De Deodoro a Temer, a produção humorística divertiu leitores, ouvintes e telespectadores, mas não ficou somente no riso e na chacota, pois serviu de estímulo para abrir veredas a sérias reflexões.


Ninguém pode ficar indiferente ao que acontece nos salões palacianos, nem alheio às intrigas, conchaves políticos, destemperos dos governantes, é natural que a imagem dos presidentes tenha sido pintada com ares fortes por caricaturistas, mas também por uma legião de compositores e jornalistas ou simplesmente por anônimos galhofeiros, que penetraram com senso agudo no espírito da época.


Cada época tem seus momentos de humor. A charge, o cartum e a caricatura se tornam com o tempo documentos indispensáveis para a reconstrução do passado de um povo.

DEODORO DA FONSECA (1889-1891). O alagoano que comandou o Governo Provisório tinha o apelido de Generalíssimo.


FLORIANO VIEIRA PEIXOTO (1894-1898). Outro alagoano teve um governo dos mais contestados da República. Homem de hábitos frugais, baixo, franzino, lacônico era comparado a bichos peçonhentos ou de rapina. Teve como apelidos: Marechal de Ferro, Caboclo do Norte e Tabareu das Alagoas.


PRUDENTE DE MORAIS (1894-1898) era conhecido, na boca do povo, como Biriba (ar caipira, falta de tato, incapacidade) ou Pruente Demais e Taciturno do Itamarati.


CAMPOS SALES (1898-1902) ficou conhecido popularmente como o Patriarca do Banharão, referência à região do Estado de São Paulo onde se localizavam suas fazendas.

RODRIGUES ALVES (1902-1906) era chamado Papai Grande, porque ficou viúvo, pai de nove filhos, aos 43anos de idade. Não mais tornara a casar dedicando todo o seu carinho à filharada.

AFONSO PENA (1906-1909), na boca do povo era chamado de Tico Tico, devido à pequena estatura, à agilidade e ao nervosismo.

NILO PEÇANHA (1909-19100, o Moleque Presepeiro, foi o apelido da imprensa. Expressão equivalente a negrinho ladino, armador de presepadas.

HERMES DA FONSECA (1920-19140, o Urucubaca. O tipo de chacota que mais se notabilizou dizia respeito ao incrível azar do marechal-presidente, daí a urucubaca.

VENCESLAU BRÁS (1914-1918) ficou praticamente ausente durante todo o período de Hermes. Apelido: Solitário de Majubá.

DELFIM MOREIRA (1918-1918) assumiu interinamente para um curto mandato que ficou conhecido como regência republicana.

EPITÁCIO PESSOA (1919-1922) era chamado de Tio Pita ( e também Patativado Norte), pela vida social interna que levava no Palácio do Catete.

ARTUR BERNARDES (1922-1922), apelidado de Seu Mé, devido a um samba de autoria de Freire Junior e Carece.

WASHINGTOM  LUIS (1926-1930), o Rei da Fuzarca, devido a sua constante presença em bailes carnavalescos, sai ligação com o teatro, faziam dele um personagem simpático, meio boemia e sofisticado.


EURICO GASPAR DUTRA (1945-1951), o Voxê qué Xabê. Conhecido como Catedrático do Xilenxio, justificava-se dizendo “as palavras não foram feitas para serem gastas”. Ele trocava o c e o s pelo x. Ou mesmo Grão de Bico.

GETÚLIO VARGAS (1951-1954) Era conhecido como Velho.


JUSCELINO KUBITSCHEK (1956-1961), o JK foi irmanado, na música popular, por Juca Chaves, ao ritmo mais quente da época, a bossa nova: “Bossa nova é ser presidente/Desta terá descoberta por Cabral/Para tanto basta ser tão simplesmente/simpático, risonho, original”.




14 março 2018

Povo ri dos poderosos (2)


Cavando votos (Cornelio Pires)  No final dos anos 20, a gravadora Colúmbia colocou no mercado discos com as histórias que o jornalista Cornélio Pires contava sobre os caipiras.

Cornélio Pires - Cavando Votos (1929)



Seu Doutor (Eduardo Souto) Marcha gravada por Francisco Alves, satiriza a sucessão presidencial em que Washington Luis, paulista de Macaé, quebra as regras políticas do café com leite, atropela os mineiros e lança outro paulista, Júlio Prestes, como candidato da situação.

“O pobre povo brasileiro/Não tem, não tem, não tem dinheiro/O ouro veio do estrangeiro/Mas ninguém vê o tal cruzeiro//Ó seu Doutor! Ó seu Doutor!/Não zangue não, nem dê o cavaco/Ó seu Doutor! Ó seu Doutor!/Viver assim é um buraco//Que sobe lá para o poleiro/Esquece cá do galinheiro/Só pensa num bom companheiro/A fim de ser o seu herdeiro”.

Francisco Alves - SEU DOUTOR - marcha de Eduardo Souto - lançamento de 1929

Aluga-se (Raul Seixas) Composta no início da década de 80. A letra é uma dura e, ao mesmo tempo, bem humorada crítica à postura do governo brasileiro naquela época. Um desses refrões ele propunha, como num discurso de candidato, sua bandeira mais que satírica: "A solução é alugar o Brasil". Naqueles tempos, o roqueiro baiano criticava o que se chamava de "entreguismo", dizendo que era hora de "dar lugar pros gringo entrar".


“A solução pro nosso povo eu vou dá/Negócio bom assim ninguém nunca viu/'Tá tudo pronto aqui é só vim pegar/A solução é alugar o Brasil//Nós não vamo paga nada/Nós não vamo paga nada/É tudo free/Tá na hora agora é free/Vamo embora/Dá lugar pros gringo entrar//Esse imóvel tá pra alugar ah ah ah ah/Os estrangeiros eu sei que eles vão gostar/Tem o Atlântico tem vista pro mar/A Amazônia é o jardim do quintal/E o dólar dele paga o nosso mingau...”

Aluga-se - Raul Seixas


Imagem política

O que fica para a posteridade é a imagem:


Barriga do Adhemar de Barros
Vassoura do Jânio Quadros
Topete do Itamar Franco (baixa estatura)
Óculos do Carlos Lacerda, conhecido como corvo
Bigode de José Sarney (rosto ovalado)

Terno branco de ACM
Cavalo do João Batista Figueiredo
Pose de Juscelino Kubitschek
Presidiário Collor
Dorian Gray da política, FHC (bolsa de baixo dos olhos e dentes encavalados)
Sapo barbudo de Lula da Silva
Gestora publica incompetente, Dilma
Mordomo de filme de terror, Temer
Sobriedade de poucos
Verborragia desenfreada de outros



13 março 2018

Povo ri dos poderosos (1)


O Brasil é um país risível. Todos já sabem disso. Música, esquetes de radio, quadros de TV, diálogos de cinema, cartuns, quadrinhos e paródias carnavalescas. O povo ri dos poderosos. A chegada da Família Real já dera munição aos compositores, muitas vezes anônimos, para exercer sua verve na crítica aos hábitos e costumes da corte portuguesa que desembarcara no Brasil com D. João: “Quem furta pouco é ladrão/Quem furta muito é barão/Quem mais furta e esconde/Passa de barão a visconde”, debochava uma canção satírica sobre a decisão do rei de vender títulos de nobreza para equilibrar as finanças da Coroa.

Desde o início do século XX, já em 1907 a música era usada como sarcástica crítica aos políticos, em especial aos parlamentares. Já naquele período havia o nefasto hábito de “mamarem nas tetas do governo”, como descrevia a canção “Sessão no Congresso”, de 1907, de autor desconhecido, interpretada por Cadete. Nela, o verbo cavar era empregado com o significado de arranjar uma boquinha, um emprego, uma colocação: “Neste tempo de progresso/Onde tudo causa efeito/Estou aqui nesse Congresso/Nada pode andar direito/Tudo berra, tudo grita,/Eles fazem arrelia/Parecendo até ser fita/De cinematografia/Em se cavando/Passa toda a humanidade/Só não cava quem não pode/Por não ter habilidade”.

O cômico Cadete, numa gravação da Casa Edson, dá uma geral nos políticos da época (1909): “Ninguém cuida do país, ninguém dele faz reclame/No entanto é bem feliz quem lhe avança no arame (dinheiro)/Esse negócio de deputado é uma mamata/A Nação é uma vaca e os deputados os bezerros”

A sátira é a forma mais eficiente e direta de transformar em humor o protesto. O humor, por sua vez, é a fórmula universal de dizer com graça o que todo mundo gostaria de falar, mas não sabe ou não pode. Vamos conhecer algumas preciosidades:


Ai, Philomena (Bahiano) Sucesso no carnaval de 1915, inspirado na urucubaca di azarento marechal Hermes da Fonseca, o seu Dudu, talvez o presidente mauis satirizado da história do Brasil.

“A minha sogra/Morreu em caxambu/Com a tal urucubaca/Que lhe deu o seu Dudu//Ai, philomena/Se eu fosse como tu/Tirava a urucubaca/Da careca (cabeça) do Dudu..”

Fala Meu Louro (Sinhô). Registro da segunda derrota de Rui Barbosa em eleições presidenciais, quando o Águia de Haia perdeu para o Garnizé de Quitanda, Epitácio Pessoa. Fala meu louro lançou Chico Alves no mundo do disco.


“A Bahia não dá mais coco/para botar na tapioca/Pra fazer o bom mingau/para embrulhar o carioca//Papagaio louro do bico dourado/Tu falavas tanto/qual a razão que vives calado//Não tenhas medo/coco de respeito/Quem quer se fazer não pode/Quem é bom já nasce feito”

Francisco Alves - Fala meu louro (Papagaio louro)


Aí, seu Mé! Marcha (Freire Jr e Luiz Nunes Sampaio). Artur Bernardes, dentre outros apelidos atribuídos pela oposição, era conhecido por Seu Mé. Freire Júnior e Luiz Nunes Sampaio (Careca) compuseram a marcha Aí, seu Mé, que teve quatro gravações em 1921 e 1922. Ressalte-se que o nome dos compositores não constou em nenhuma das gravações e sim A Canalha das Ruas. Isso de pouco adiantou aos compositores, uma vez que foram presos logo depois que Artur Bernardes assumiu a Presidência da República.

“Zé-povo quer a goiabada campista/Rolinha, desista, abaixe essa crista/Embora se faça uma bernarda a cacete/Não vais ao Catete!/Não vais ao Catete!//Ai, seu Mé!/Ai Mé Mé!/Lá no Palácio das Águias, olé...”

BAHIANO - AI, SEU MÉ 1922