20 setembro 2010

Manifesto da Nona Arte (4)

Uma análise dos quadrinhos através das suas inúmeras relações com a arte contemporânea. Manifesto onde procura mostrar que a história-em-quadrinhos é uma das únicas artes atualmente vivas – a nona – ao lado do cinema, da fotografia e da pintura. Texto de Gutemberg Cruz publicado no jornal Correio da Bahia – Caderno Cultura – 07 de Abril de 1980. Página 1.


ORQUESTRAÇÃO VISUAL - Uma das críticas mais comuns é que o cinema, rádio e TV não podem substituir os compêndios de estudo. Séculos atrás, livros impressos para uso de estudantes foram denunciados porque não podiam ter a autoridade dos mestres falando diretamente com o aluno. Assim, no passado como no presente, um efeito comum: antes condenavam-se a escrita, os livros. Hoje condenam-se os efeitos visuais.


O fato de condenar logo no início já é tido como normal, pois alguns educadores e moralistas investiram contra os primeiros jornais, os primeiros cinemas e os primeiros rádios. Até que ficou evidente que jornal, cinema e rádio tanto pode prestar fins educativos como deseducativos. A importância e o valor que se dá atualmente às histórias em quadrinhos provém em grande parte do simples fato de serem lidas diariamente por milhares de pessoas das mais variadas idades. Se as historietas são assim tão lidas, é porque pelo menos devem ser um fenômeno social a ser estudado e analisado.

O que há de essencial nas historietas é o processo. O processo classifica as leituras de histórias em quadrinhos. Se trocarmos o conteúdo das histórias, podemos mudar os assuntos e os temas à vontade, sem que o gênero quadrinhos deixe de ser o mesmo, mas se trocarmos o processo, contando a história à moda de textos paginados, deixará de haver leitura em quadrinhos.


O preconceito contra os quadrinhos, se não terminou continua cada vez mais afastado, pois surgiu da obtusidade de pessoas que se limitaram a “meramente” ler. O quadrinho é, antes de tudo, alguma coisa que se vê: do todo se parte para os textos e para as imagens sequenciadas. Importantíssimo o ritmo visual – dinamiza estruturalmente os quadros criando movimento e ações formais. Desce-se, depois, ao plano: o que impressiona num quadro é a composição texto e imagem redimensionando a mensagem iconográfica. O ritmo continua seguido dos elementos predominantes no interior dos planos: onomatopeia, ruídos que vão vida aos desenhos, tem o poder mágico de criar as mais variadas situações e participa da montagem da cena; balões, criado para representar a fala das personagens, evoluiu para simbolizar ideias, pensamentos, ruídos. Os enquadramentos, as montagens, as panorâmicas, os suspenses, o formato, a cor, o controle de tempo e do espaço onde se desenrola a ação, são os responsáveis de ação do modo pelo qual se afeta o leitor.

O que caracteriza uma HQ como uma forma de arte é justamente sua completa diferença das demais linguagens artísticas. As HQs usam uma combinação de texto e imagem de maneira própria e o grande encantamento que as mesmas causas em seus leitores é obtido pelo perfeito encadeamento entre estes dois elementos, resultando numa composição que se revela na página impressa e provoca em cada espectador uma reação diferente, pois as lacunas de um quadro para outro são preenchidas pelo inconsciente.


O quadrinho começa pelo ritmo visual, desdobra-se através de uma narrativa cuja força está na forma de percepção do seu leitor. Ganha sentido primeiro pelo uso gráfico subordinado à narrativa; do texto que pode ganhar densidade dramática pelo uso de tipologia variada (inclusive onomatopeias), por suas cores ou tamanhos diferenciados, bem como pelo formato dos balões. O segundo, a mudança dos próprios quadros, que podem, ganhar diferentes formatos criando efeitos únicos, até mesmo refletindo o estado de espírito do personagem.

"Estou sinceramente convencido de que a arte dos quadrinhos é uma forma de arte autônoma. Reflete sua época e a vida em geral com maior realismo, e, graças à sua natureza essencialmente criativa, é artisticamente mais válida do que a mera ilustração. O ilustrador trabalha com máquina fotográfica e modelos; o artista dos quadrinhos começa com uma folha de papel em branco e inventa sozinho uma história inteira - é escritor, diretor de cinema, editor e desenhista ao mesmo tempo", disse o desenhista Alex Raymond (criador de Flash Gordon, Nick Holmes).


Foi o italiano Ricciotto Canudo que elencou as manifestações artísticas, em 1911, através de uma lista indicativa com a relação da arte e de seu canal de manifestação. Inicialmente eram sete, hoje a lista abrange mais de nove. Eis a lista:
1a arte - Música (som)
2a arte - Pintura (cor)
3a arte - Escultura (volume)
4a arte - Arquitetura (espaço e tempo)
5a arte - Literatura (palavra)
6a arte - Coreografia (movimento)
7a arte - Cinema (integra os elementos das artes anteriores)
8a arte - Fotografia
9a arte - Arte Sequencial (quadrinhos)


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