31 agosto 2011

Território da alma humana (6)

Todas essas nomenclaturas, definições e conceitos que tentam condenar o que são as HQs são uma prova de sua importância como arte e meio de expressão, e salientam o interesse crescente no estudo de sua linguagem e dos elementos que a compõem, linguagem que atualmente tem sido utilizada em grande parte pelos quadrinhistas que decidiram migrar ou experimentar criar quadrinhos utilizando os recursos hipermidiáticos que a Internet oferece, fundindo a sintaxe das HQs tradicionais com os novos elementos que a hipermídia dispõe. (FRANCO, 2004, p.26).


É necessário conhecer os códigos nos quadrinhos para apreendê-lo por inteiro. Além dos códigos ideológicos, morais e gestuais que refletem essa ou aquela cultura, e que transparecem no comportamento das personagens e em seu ambiente gráfico, devemos considerar principalmente os códigos mais técnicos: o código pictórico (a arte da composição, do uso da cor), o código cinematográfico (planos, enquadramentos), e, por fim, o código ideogramático, próprio das HQs. A imagem da HQ é fixa e sem palavras. Para retirá-la dessa morte aparente, os autores contemporâneos foram tentando aos poucos dar-lhe vida. Era necessário, para dar a ilusão de vitalidade, sonorizar e dinamizar essas imagens.

A visualização do som e do movimento nasceu de ideogramas cada vez mais perfeitos, aos quais é necessário acrescentar os criados para representar a vida psicológica das personagens. A sonorização não poderia limitar-se às falas dos heróis e aos comentários do autor. Foi necessário introduzir os ruídos da vida, os sons selvagens que as onomatopeias reabilitaram à sua maneira. A imagem do som por meio da magia da palavra escrita, ou mesmo desenhada. Mostrar o que se ouve por intermédio do olho. Assim, os códios ideogramáticos são necessariamente códigos substitutos. Servem para representar, por meio de uma série de indicadores reconhecíveis, o que não é “figurativo”, visando reproduzir o real em sua totalidade e em sua complexidade visual e sonora.


A lâmpada usada para designar uma “ideia luminosa” é um pictograma. O grau de “iconidade” é flagrante. O ideograma, mais abstrato e simples, só tem sentido com relação a outros signos que o acompanham. Seu significado varia de acordo com o contexto, o que acentua o fato de os códigos que se tornam convencionais não serem necessariamente fixos. Os autores inventam regularmente a ponto de o inventário de ideogramas nunca pode ser definitivo.


Para Didier Quella-Guyot a HQ é: “Uma arte narrativa que sugere o desenrolar de uma ficção por meio de uma sucessão de imagens fixas (em oposição ao desenho animado) e organizadas em sequências (em oposição ao desenho humorístico). O encadeamento de imagens é uma função dos vínculos cronológicos que unem as vinhetas entre si. O termo ´sequência´ acentua essa interdependência (em oposição às ilustrações ´dijuntas´ de certas narrativas em imagens). A vinheta desenhada é um espaço autônomo, nem por isso é uma etapa de leitura que suscite por si seu próprio abandono para que a narrativa assegure sua continuidade. A organização das vinhetas na prancha depende dessa necessidade”. (GUYOT, 1994, p. 64)


Para um maior esclarecimento, vinheta é a unidade básica da história em quadrinhos. As vinhetas se sucedem para formar tiras de imagens separadas por espaços em brancos. A vinheta, assim como a tela, constitui uma janela aberta para uma realidade fragmentada em que o autor só nos dá a ver o que deseja, por razões narrativas, desvelar. Recurso principal da HQ, as vinhetas podem mudar de forma e de dimensão. Habitualmente retangulares e verticais, elas podem se achatar, se reduzir, se alongar segundo o efeito desejado, sempre ligado aos conteúdos e aos planos usados: do efeito panorâmico ao primeiro plano, a visualização comanda a forma, pronta a produzir vinhetas pouco comuns. Vinhetas ovais têm um valor nostálgico, as redondas servem aos primeiros planos, as inclinadas evocam o desequilíbrio ou a subitaneidade de uma ação.


Veiculadas como tirinhas de jornal, suplementos ilustrados ou revistas, os quadrinhos foram uma das manifestações culturais mais influentes da primeira metade do século XX. Alguns de seus personagens tornaram-se ao longo do último século tão ou mais famosos que as maiores celebridades de nosso tempo. E mesmo desenvolvendo-se na “indústria cultural” (“a técnica da indústria cultural levou apenas à padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra e do sistema social”. Adorno, 1985, p.114), a linguagem dos quadrinhos deu origem a obra de mestres como Little Nemo de Winsor McCay ou Krazy Kat de George Herriman, que já no início do século XX colocavam em evidências as possibilidades expressivas dessa forma de arte da “era da reprodutividade técnica”.


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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

30 agosto 2011

Território da alma humana (4)

A imagem gráfica foi um dos primeiros e mais presente elemento para o estabelecimento de diferentes formas de comunicação e registro narrativo da aventura humana. A pintura rupestre, presente até os nossos dias, é um exemplo das primeiras narrativas por sucessão de imagens (MOYA, 1970).

E em outro momento histórico, em que a comunicação já procedia de uma linguagem falada inteligível e codificada, o nascimento dos primeiros alfabetos reteve o caráter da imagem gráfica. Até os nossos dias, algumas culturas vivas preservam estas estruturas primordiais da escrita em alfabetos ideogramáticos, como é o caso da escrita do idioma chinês. A aproximação entre a escrita e a fala, contudo, foi essencial para a apropriação crescente da leitura como atividade cotidiana das populações, encaminhando sua democratização a constituir-se em um direito e patrimônio da humanidade.


A difusão das linguagens de matriz visual verbal continuou na Europa, nos séculos XVII e XVIII, como forma universal de comunicação impressa, o humor gráfico dá o próximo passo quando um imigrante italiano radicado no Brasil, Ângelo Agostini, lança a obra As Aventuras de Nhô Quim em 1869, considerada a primeira história em quadrinhos do mundo por certos especialistas (RIANI, 2002, p.38). No entanto, para efeito de internacionalização da linguagem, o primeiro registro mundial fica com Yellow Kid, história em quadrinhos de autoria de Richard Felton Outcault, lançada em 1895 (MOYA, 2003, p.95).


Consolidando-se como linguagem da mídia na imprensa norte-americana do século XIX, a história em quadrinhos concentrou-se em conteúdos humorísticos e esteve inicialmente voltada para o público menos letrado, abordando com comicidade as mazelas do operariado, dos núcleos familiares de classe média e baixa, contemplando também a possibilidade do protagonismo feminino, de minorias sociais e étnicas. A distribuição destas primeiras HQs, denominadas na época comic strips (chamadas no Brasil de “tiras”) foram levadas dos EUA para o mundo por meio dos syndicates, que são até hoje organizações distribuidoras de notícias e material de entretenimento para jornais do mundo.


Além de difundir o trabalho de seus artistas gráficos, a distribuição sindicalizada dos quadrinhos norte-americanos colaborou, juntamente com o cinema, para a internacionalização de diversos elementos da cultura e formas de produção de bens culturais nesse país. A ampliação dos parques gráficos norte-americanos, aliado ao aprimoramento da linguagem das HQs, fez com que estes obtivessem um veículo próprio, uma publicação periódica chamada comic book (conhecido no Brasil como gibi).


O efeito de despertar o gosto pela leitura não se perdeu para as histórias em quadrinhos, segundo os especialistas, mesmo quando outras mídias foram crescidas nas vivências domésticas e comunitárias das pessoas, como o rádio, a televisão, o cinema e, mais recentemente, as mídias digitais e o advento da Internet. Uma das características que resgata as histórias em quadrinhos como componente geracional, ou seja, traço inerente à geração atual, é determinado pelas propriedades hibridizadas de sua linguagem, devido aos elementos semânticos de sua matriz visual verbal. Assim, a geração de jovens que cresceram sob a égide da informática se identifica com a mídia quadrinhística, sentindo-se atraída também pelas possibilidades que cada leitor tem de criar suas próprias narrativas por meio desta linguagem.


Em seu estudo sobre culturas híbridas, Nestor Garcia Canclini abordou dois “gêneros impuros: grafites e quadrinhos”: “São práticas que desde seu nascimento abandonaram o conceito de coleção patrimonial. Lugares de intersecção entre o visual e o literário, o culto e o popular, aproximam o artesanal da produção industrial e da circulação massiva” (CANCLINI, p. 337)


E mostra a sua aliança inovadora, desde o final do século XIX, entre a cultura icônica e a literária. Participam da arte e do jornalismo, são a “literatura” mais lida, o ramo da indústria editorial que produz maiores lucros: “Poderíamos lembrar que as histórias em quadrinhos, ao gerar novas ordens e técnicas narrativas, mediante a combinação original de tempo e imagens em um relato de quadros descontínuos. Contribuíram para mostrar a potencialidade visual da escrita e o dramatismo que pode ser condensado em imagens estáticas. se analisou como a fascinação de suas técnicas hibridizadoras levou Bourroughs, Cortazar e outros escritores cultos a empregar sua síntese de vários gêneros, sua ´linguagem heteróclita´ e a atração que suscita em públicos de várias classes, em todos os membros da família” (CANCLINI, p. 339).


Mais adiante Canclini informa: “Se a história em quadrinhos mistura gêneros artísticos prévios, se consegue que interajam personagens representativas da parte mais estável do mundoo folclorecom figuras literárias e dos meios massivos, se os introduz em épocas diversas, não faz mais que reproduzir o real, ou, melhor, não faz senão reproduzir as teatralizações da publicidade que nos convencem a comprar aquilo de que não precisamos, as ´manifestações´ da religião, as ´procissões´ da política” (CANCLINI, p. 345).

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

29 agosto 2011

Território da alma humana (4)

A imagem gráfica foi um dos primeiros e mais presente elemento para o estabelecimento de diferentes formas de comunicação e registro narrativo da aventura humana. A pintura rupestre, presente até os nossos dias, é um exemplo das primeiras narrativas por sucessão de imagens (MOYA, 1970).

E em outro momento histórico, em que a comunicação já procedia de uma linguagem falada inteligível e codificada, o nascimento dos primeiros alfabetos reteve o caráter da imagem gráfica. Até os nossos dias, algumas culturas vivas preservam estas estruturas primordiais da escrita em alfabetos ideogramáticos, como é o caso da escrita do idioma chinês. A aproximação entre a escrita e a fala, contudo, foi essencial para a apropriação crescente da leitura como atividade cotidiana das populações, encaminhando sua democratização a constituir-se em um direito e patrimônio da humanidade.


A difusão das linguagens de matriz visual verbal continuou na Europa, nos séculos XVII e XVIII, como forma universal de comunicação impressa, o humor gráfico dá o próximo passo quando um imigrante italiano radicado no Brasil, Ângelo Agostini, lança a obra As Aventuras de Nhô Quim em 1869, considerada a primeira história em quadrinhos do mundo por certos especialistas (RIANI, 2002, p.38). No entanto, para efeito de internacionalização da linguagem, o primeiro registro mundial fica com Yellow Kid, história em quadrinhos de autoria de Richard Felton Outcault, lançada em 1895 (MOYA, 2003, p.95).


Consolidando-se como linguagem da mídia na imprensa norte-americana do século XIX, a história em quadrinhos concentrou-se em conteúdos humorísticos e esteve inicialmente voltada para o público menos letrado, abordando com comicidade as mazelas do operariado, dos núcleos familiares de classe média e baixa, contemplando também a possibilidade do protagonismo feminino, de minorias sociais e étnicas. A distribuição destas primeiras HQs, denominadas na época comic strips (chamadas no Brasil de “tiras”) foram levadas dos EUA para o mundo por meio dos syndicates, que são até hoje organizações distribuidoras de notícias e material de entretenimento para jornais do mundo.


Além de difundir o trabalho de seus artistas gráficos, a distribuição sindicalizada dos quadrinhos norte-americanos colaborou, juntamente com o cinema, para a internacionalização de diversos elementos da cultura e formas de produção de bens culturais nesse país. A ampliação dos parques gráficos norte-americanos, aliado ao aprimoramento da linguagem das HQs, fez com que estes obtivessem um veículo próprio, uma publicação periódica chamada comic book (conhecido no Brasil como gibi).


O efeito de despertar o gosto pela leitura não se perdeu para as histórias em quadrinhos, segundo os especialistas, mesmo quando outras mídias foram crescidas nas vivências domésticas e comunitárias das pessoas, como o rádio, a televisão, o cinema e, mais recentemente, as mídias digitais e o advento da Internet. Uma das características que resgata as histórias em quadrinhos como componente geracional, ou seja, traço inerente à geração atual, é determinado pelas propriedades hibridizadas de sua linguagem, devido aos elementos semânticos de sua matriz visual verbal. Assim, a geração de jovens que cresceram sob a égide da informática se identifica com a mídia quadrinhística, sentindo-se atraída também pelas possibilidades que cada leitor tem de criar suas próprias narrativas por meio desta linguagem.


Em seu estudo sobre culturas híbridas, Nestor Garcia Canclini abordou dois “gêneros impuros: grafites e quadrinhos”: “São práticas que desde seu nascimento abandonaram o conceito de coleção patrimonial. Lugares de intersecção entre o visual e o literário, o culto e o popular, aproximam o artesanal da produção industrial e da circulação massiva” (CANCLINI, p. 337)


E mostra a sua aliança inovadora, desde o final do século XIX, entre a cultura icônica e a literária. Participam da arte e do jornalismo, são a “literatura” mais lida, o ramo da indústria editorial que produz maiores lucros: “Poderíamos lembrar que as histórias em quadrinhos, ao gerar novas ordens e técnicas narrativas, mediante a combinação original de tempo e imagens em um relato de quadros descontínuos. Contribuíram para mostrar a potencialidade visual da escrita e o dramatismo que pode ser condensado em imagens estáticas. se analisou como a fascinação de suas técnicas hibridizadoras levou Bourroughs, Cortazar e outros escritores cultos a empregar sua síntese de vários gêneros, sua ´linguagem heteróclita´ e a atração que suscita em públicos de várias classes, em todos os membros da família” (CANCLINI, p. 339).


Mais adiante Canclini informa: “Se a história em quadrinhos mistura gêneros artísticos prévios, se consegue que interajam personagens representativas da parte mais estável do mundoo folclorecom figuras literárias e dos meios massivos, se os introduz em épocas diversas, não faz mais que reproduzir o real, ou, melhor, não faz senão reproduzir as teatralizações da publicidade que nos convencem a comprar aquilo de que não precisamos, as ´manifestações´ da religião, as ´procissões´ da política” (CANCLINI, p. 345).

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

26 agosto 2011

Território da alma humana (3)

As histórias em quadrinhos apresentam-se como mídia financeiramente acessível, democrática e abrangente em matéria de popularidade, e preparam o cérebro humano para a apropriação de uma ampla oferta de bens culturais. A distinção entre alta e baixa cultura é uma página virada, que não deixa lugar nem para apocalípticos, nem paraintegrados. No livro Apocalípticos e Integrados, Umberto Eco (1979) relaciona as diversas “peças de acusação” e também as de “defesa” para em seguida fazer uma reflexão sobre o tema. Em nenhum momento, Eco toma partido de apocalípticos ou integrados, mas oferece uma análise livre de preconceitos, que, no fim, sugere alternativas para o que chama de uma utilização valorativa dos meios de comunicação de massa.


Confrontando as diversas características “pró” e “contra”, Eco afirma ser possível perceber que os níveis culturais são complementares, o que significa que podemos chegar aos biscoitos finos de Oswald de Andrade pela cultura de massas. Ele chama a atenção para a raiz aristocrática da crítica à cultura de massas, como nostalgia de uma época em que os valores da cultura eram privilégio de uma classe, mas que agora se difundiram junto a massas que não tinham acesso aos bens de cultura. A cultura de massas se desenvolveu diante da crise de um modelo cultural anterior. E, se hoje o excesso de informações sobre o presente pode distorcer o que os conservadores chamam de “consciência histórica”, antes não havia nem isso para a maioria, o que impossibilitava sua inserção na sociedade. A tão criticada homogeneização dos gostos também pode ter servido para eliminar algumas diferenças de castas, ao mesmo tempo que permitiu uma produção cultural que barateasse os custos.


Enfim, diante de “prós” e “contras”, Umberto Eco sugere que a problemática de apologistas e integrados foi mal formulada. Para Eco não se deve perguntar se a cultura de massas é boa o ruim, mas como se pode veicular valores culturais em seus meios de difusão. Estes valores seriam definidos e veiculados por uma comunidade de cultura, formada por intérpretes das sociedades em que vivem, constituindo-se em grupos de pressão sobre o mercado. Esta seria uma relação dialética e não paterno elitista, na medida em que uns interpretariam as exigências e instâncias dos outros. Fica clara a ideia que Umberto Eco faz de sua pólis. A discussão em torno de seu texto permanece atual, embora, hoje, não haja mais espaço para a divisão entre apocalípticos e integrados, já que a paisagem tecnológica se sobrepõe ao real, praticamente nos obrigando a refletir em cima dela. A sociedade já está impregnada pela estetização (até mesmo virtual), pela culturalização da realidade. As superfícies já se transformaram em interfaces de um universo tecnocultural. E os limites se converteram em passagens.

Os estudos de Richard Hoggart, Raymond Williams e Stuart Hall articularam-se contra as concepções elitistas de cul

tura. A subdivisão entre cultura de elite, cultura de massas e cultura popular torna-se muito mais frágil, com a legitimação dos saberes que todos os membros da civilização produzem, enfatizando também o domínio político que direciona a própria produção cultural. Esses estudiosos redirecionaram a teoria da Comunicação, por meio da inserção do povo como elemento fundamental da cultura. Para eles, e muitos outros, a cultura é emanada das vivê

ncias, das relações inter pessoais e das histórias de vida, ou seja, do modo de vida social. Entre os teóricos latinos que resgataram o

conceito de mediação (desenvolvido pelo soviético Lev Vygotsky nos anos 1930), definido como o estabelecimento da relação inter-pessoal que perpetua e renova a cultura, por meio da linguagem estão Jesus Martin Barbero, Nestor Garcia Canclini e Guilhermo Orozco Gomes.


Estudiosos como Nestor Garcia Canclini, nos recentes aportes dos Estudos Culturais, elencam as histórias em quadrinhos como bens culturais de vital importância para a Cultura. Através desta reconciliação, foi possível a uma comunidade internacional de pesquisadores da pedagogia neo piagetiana inserir, finalmente, as histórias em quadrinhos nas práticas pedagógicas. Mesmo assim, ainda há o conceito da história em quadrinhos como literatura intermediária, precursora da leitura de obras bibliográficas ditas “superiores”, como livros, jornais e revistas. Aparentemente, existe uma associação estranha entre o valor de um bem cultural e sua reprodutibilidade técnica, que prejudica o estabelecimento de políticas culturais voltadas para a indústria cultural. Para Nestor Garcia Canclini,


Sem dúvida, é necessário expandir o apoio à literatura e às artes não industrializadas, mas no final do século XX não parece convincente dizer que estamos promovendo o desenvolvimento e a integração cultural quando carecemos de políticas públicas para os meios de comunicação de massa, através dos quais 90% dos habitantes do continente (americano) se entretêm e se informam (CANCLINI, 1997, p. 211).


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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

25 agosto 2011

Território da alma humana (2)

A aparente quietude das HQs esconde a dinamicidade e a riqueza expressiva que saltam de suas páginas coloridas e transforma esse meio de comunicação impresso em um dos produtos culturais mais ágeis dessa indústria do espírito. E essa indústria organiza a cultura de massa para orientar o indivíduo durante o lazer, convertendo este mesmo lazer no tecido da vida pessoal do indivíduo.

O divertimento, inoculado no cerne do lazer, transforma-se ao maior atrativo dos meios de comunicação de massa. As mesmas imagens e palavras, aparentemente inócuas, que encantam crianças e divertem adultos, escondem por trás de suas cores e traços mensagens tremendamente eficazes que nos fazem falar, escrever, amar, vestir e nos portar como os nossos protagonistas preferidos das histórias em quadrinhos.


Protegido pela tinta e pelo papel, os personagens das HQs materializam representações que são constantemente retomadas, reatualizadas e normatizadas sob a forma de um simples exercício de leitura. E desse jogo lúdico entre palavra e imagem (aparentemente desvinculado do mundo real), retoma, recria e fundamenta modelos e saberes.


Assim, os quadrinhos convertem-se em possibilidades de naturalização de valores, modelos e paradigmas que são decalcados na memória coletiva sob a forma de representações, que são absorvidas como normas e verdades. Sobre a produção dessas verdades, Michel Foucault é claro quando diz que (...) vivemos em uma sociedade que em grande parte marchaao compasso da verdade” – ou seja, que produz e faz circular discursos que funcionam como verdade, que passam por tal e que detêm, por esse motivo, poderes específicos. A produção de discursosverdadeiros” (e que, além disso, mudam incessantemente) é um dos problemas fundamentais do Ocidente. (FOUCAULT, 1979, p. 231).


Os quadrinhos e demais produções do imaginário reatualizam e revitalizam as narrativas místicas, matrizes de paradigmas seculares, assumindo o lugar dos contos de fadas ou das antigas epopeias heroicas. Esses produtos reintroduzem antigos heróis, seres semidivinos, suas obras, dores, amores e ódios, assim como as ideias de bem e mal em nosso cotidiano, instaurando modelos e criando funções.

Em 1924 Harold Gray começa a publicar sua tira Little Orphan Annie, a pequena órfã conhecida por causa dos olhos redondos desenhados sem pupilas, cabelos encaracolados, sempre protegida pelo milionário da indústria bélica “Daddy” Warbucks. Annie vivia sempre acompanhada de um cachorrinho chamado Sandy e representou talvez o máximo de conservadorismo que as histórias em quadrinhos puderam um dia refletir. Sustentada por um magnata da indústria de guerra que enfrentava greves mandando assassinar os seus cabeças (Daddy Warbucks), a menina personificava o apoio à plutocracia como modelo ideal de sociedade.


Nunca cresceu, permanecendo por mais de cinquenta anos congelada no tempo, vagando pelas regiões inóspitas dos Estados Unidos, sendo raptada por bandoleiros - normalmente ligados a etnias diversas ou a classes pouco privilegiadas -, e esperando que seu papai retornasse de uma de suas intermináveis viagens para salvá-la dos perigos, com os quais parecia ter contrato de exclusividade. Talvez por personificar a mentalidade tacanha e retrógrada que dominava (e domina ainda) boa parte da população de seu país, foi um dos grandes sucessos dos quadrinhos, sendo desenhada por seu autor até a morte deste, em 1968, e depois tendo sua continuação por outras mãos. Virou até musical na Broadway e produção cinematográfica. A série provocou críticas severas em sua época, teóricos da área são unânimes em suas afirmações:


A órfã das pupilas sem luz, sempre perseguida e sempre triunfante, é o pretexto para celebrar as pretensões, os privilégios, os abusos de certa porção da sociedade americana: a necessidade de ganhar muito, o gosto pelas obras de caridade, ou seja, o dinheiro, como fim e como meio”. (BUONO, 2007, p. 7). “As histórias eram parábolas, contos moralistas, cheios de alegorias caracterizações” (MOYA, 1993, p. 55)

Gray, que sempre desenhou Aninha com olhos brancos, foi acentuando na sua série suas convicções políticas de direita extremada, colocando muitas vezes como ´vilões´ sindicalistas, grevistas ou operários simpatizantes do comunismo (GOIDA, 1990, p. 25). “As tiras de Little Orphan Annie são um exemplo da introdução da ideologia de direita nos comics: paternalismo, glorificação do mundo patronal, etc”. (GUBERN , 1979, p. 90). Apesar disso, Aninha, pela forma sentimental e esperançosa com que enfrentava perigos e situações difíceis, conquistou leitores no mundo inteiro.

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Ao meu eterno ariano, amigo, menino...


Ariano, só podia ser. Ariano desassossegado, ansiado, ansioso, nervoso, cuidadoso, extremoso, impetuoso, saudoso. Ariano com fome de felicidade causada pelas pequenas coisas e pelas grandes pessoas que só os arianos têm. Ariano que respira amor e inspira liberdade. Ariano de vida doida, ariano enviesado, perecível ao tempo. Ariano que vive de amor fundo, que vive sempre por um segundo. Ariano libertino como um bom pedaço de mim é. Ariano vidente, que vê tranquilamente todas as horas do fim. Ariano sem grandes segredos e muitos medos. Ariano-Centauro: metade homem, metade menino. Ariano de forças naturais desenfreadas. Ariano-Ogum: primeiro orixá a descer do céu para a Terra. Ariano-sangue. Ariano-guerreiro, que briga sem cessar, que ensina as pessoas como forjar suas armas para a guerra. Ariano que descansa de suas batalhas onde o rio encontra o mar. E se Ogum tecia o ferro e o aço, esse Ariano tece as palavras, e assim vai abrindo caminho no coração e na alma das pessoas. Ariano, eu te saúdo! Agora e sempre! Com toda a minha saudade e o meu amor de sempre...Cathy

Quando sentir saudades de mim

Quando sentir saudades de mim, me lê em algum poema de Quintana, em algum detalhe de Neruda, em algo que te faça feliz. E assim, como poucos homens, entre raros loucos e amados, me terás como um verso que nunca para de sorrir....

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