30 junho 2011

Imagem vinda da pedra

Os métodos de reprodução eram importantes para a evolução da arte e do desenho e da própria história em quadrinhos. Os artistas tinham de mostrar o seu humor satírico através da gravação em chapa de cobre: depois do desenho ser executado, voltava a ser redesenhado (com um estilete) na superfície da chapa, a qual era coberta por fina camada de uma substância resistente ao ácido. Isto fazia com que partes da chapa era, então, imersa em ácido para que essas áreas fossem corroídas. Aplicava-se depois a tinta que ficava retida nos sulcos da placa. Uma folha de papel era apertada firmemente contra a chapa e a impressão estava completa. Era um processo doloroso, a maior parte das vezes executado pelo próprio artista.


A gravação em madeira era igualmente restritiva, ainda que raramente executada pelos próprios artistas. O método não permitia trabalho delicado pois havia perda de qualidade. Era um processo mais simples do que o da gravura em chapa de cobre, e largamente praticado ajudando a reduzir o custo das ilustrações periódicas.


A arte da litografia consiste em executar uma imagem ou texto sobre uma pedra calcária e imprimi-los. Por volta de 1830 a litografia tomou grande impulso, expandindo-se por toda Europa, sendo a cada dia aprimorada, tornando-se assim, muito popular como meio de impressão. Desde sua invenção, diversos aristas procuraram especializar-se na técnica o que a tornou muito difundida e, por conseguinte, um sucesso comercialmente.


Com a evolução industrial do processo, a pedra foi eventualmente substituída por outros materiais, como chapas de zinco ou alumínio flexível especialmente granulados e adequados para gravação.


Por volta de 1870 assistiu-se a uma resolução na técnica de impressão. O processo fotográfico tornou possível a reprodução direta a partir do desenho. Os artistas já não tinham de copiar cada uma das linhas dos seus trabalhos, ou de sujeitarem às interpretações pessoais dos gravadores. Os seus desenhos podiam agora ser fielmente reproduzidos. Isso deu maior liberdade e reduziu os custos de impressão, abrindo o caminho a publicações mais batatas.


A gravura em metal pode ser realizada por meio de várias técnicas e processos. A gravação em “ponta seca” traça sulcos com instrumento de ponta afiada, de aço ou diamante, diretamente numa chapa de metal polido. Já a “água forte” a placa de metal é recoberta com material resistente ao ácido (ceras ou resinas, por exemplo), onde são raspadas as linhas a serem gravadas. Na “água tinta” o efeito (tonalidades e texturas) é produzido pela combinação calculada de ácido e outras substancias, assemelha-se ao da aguada, com uma variedade muito rica, podendo apresentar desde uma tonalidade leve fina até à textura áspera de uma lixa.


A litografia foi a pioneira tecnologia de impressão a permitir que um artista trabalhasse usando técnicas convencionais e criasse impressões que pudessem competir com a pintura tradicional em termos de detalhes e variações de cores. Com ela, a técnica de reproduzir atingia ma etapa essencialmente nova. E, por ser um procedimento mais preciso que a xilogravura, e a reprodução em cobre, “permitiu às artes gráficas pela primeira vez colocar no mercado suas produções em massa e também sob forma de novas criações. Adquirindo, desta forma, os meios de ilustrar a vida Cotidiana” (BENJAMIN, 1944, p.166-167).


A “civilização da imagem” começou a tomar contorno mais nítidos no momento em que a litografia “ao reproduzir em série as obras produzidas pelos artistas do princípio do oitocentos inaugurou o fenômeno do consumo de imagens enquanto produto estético de interesse artístico e documental” (KOSSOY, 2001, p.134-136).


No continente europeu as gravuras começaram sob a forma de estampas. Eram folhas soltas de papel com o formato tabloide (aproximadamente 29 X 38 cm), onde eram contadas histórias através de desenhos, impressas apenas num dos lados e, geralmente, numeradas – o que era útil para o caso de ser uma série. Essas gravuras eram especialmente populares na França e na Alemanha.


As caricaturas eram um tema principal nas gravuras com estampas (também conhecidas como folhas de grande formato). Consistiam numa página de tabloide com diversos desenhos impressos num dos lados e eram em preto e branco ou em versões coloridas.


A 18 de julho de 1841 surgiu a revista Punch em Londres. Repetiu o sucesso do semanário satírico francês Le Charivari. Puch deu origem a muitos imitadores, os mais conhecidos foram Fun (1861) e Judy (1867). O primeiro tinha algumas excelentes gravuras e o mais importante dos seus ilustradores era J.F.Sullivan (1853-1936), que criou uma longa série chamada The British Working Man, contada em desenhos sequenciais com legendas. Judy (com o subtítulo The London Serio Comic Journal) apresentou o atrapalhado Ally Sloper ao público em 1867, criação do inglês Chareles Henry Ross. Foi uma das primeiras personagens de quadrinhos a aparecer regularmente.

Referências:

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.

KOSSOY, Boris. Fotografia e história. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

29 junho 2011

As origens dos quadrinhos (3)

Há milhares de anos, os seres humanos utilizaram sequências de imagens para contar histórias. Das paredes pré-históricas, passando pelos templos do Egito até os livros ilustrados da Europa medieval, diversos povos utilizaram técnicas de desenho e pintura, associadas a símbolos gráficos variados para retratar e registrar aspectos de sua existência. A utilização deliberada de imagens em sequência para relatar um fato (real ou fictício) já podem ser encontradas nas antigas civilizações, como as egípcia e asteca. LUYTEN (2000) relata que a China já possuía histórias ilustradas sequenciais durante a Dinastia Han do Oeste (206 AC – 24 DC); nas Dinastias Sung (960-1279) e Yan (1279-1368) houve um florescimento destas histórias. Podemos ainda citar a Tapeçaria de Bayeux, que em 70 metros relata a conquista da Inglaterra pelos normandos, e as ilustrações demonstram os fatos e textos explicativos na base de cada uma delas, talvez a primeira junção entre texto e História.


Na Idade Média a utilização de imagens seriadas (através de cartazes ilustrados) tornou-se constante por facilitar as camadas populares e iletradas a compreensão das narrativas feitas pelos cantores e contadores de histórias. Podemos considerar os vitrais ou pinturas encontradas nas igrejas católicas narrando visualmente a Via Sacra de Cristo. Todas essas manifestações denotam a importância da trajetória comunicativa do homem, revelando que não há um século de imagem, simplesmente porque todos o foram, diferenciando-se apenas na questão do alcance de sua difusão, e mostram também que o germe da linguagem dos quadrinhos já se fazia presente.


Povos de diferentes origens e culturas aperfeiçoaram, com o passar do tempo, maneiras de perpetuar suas histórias e mitos, suas conquistas e seus costumes por meio de signos pictóricos (ao lado da comunicação gestual e oral), algumas vezes pintados ou desenhados formando uma sequência, aos quais eram atribuídos significados específicos, que se referiam a fatos reais (a caça, a colheita ou conflitos com outros grupos) ou às crenças e mitos dessas sociedades primitivas. Precursoras da palavra escrita, as imagens tinham por função descrever um dado momento da história de um povo, fixando-o para as gerações futuras.

Os hierógrifos egípcios foram um passo adiante na evolução da linguagem pictórica, uma vez que seus símbolos representam sons que, articulados, formam frases e narram eventos, dando provas de que o ser humano havia maturado como ser pensante e social. Povos como os egípcios e os assírios testemunharam o surgimento da escrita pictográfica, que, relacionada com a voz humana, foi reproduzida graficamente, gerando os caracteres silábicos e alfabéticos, conquista creditada aos fenícios.


A invenção das técnicas de impressão no Ocidente foi um avanço para tornar a comunicação escrita e a própria sociedade mais democrática. Antes da invenção da tipografia, entretanto, outras técnicas de reprodução já eram empregadas. A xilografia, por exemplo, já era utilizada no século VIII, no Japão, para imprimir em papel orações budistas.

As transformações na Europa que levaram à “descoberta” de novos mundos vieram acompanhadas de outra mudança que trouxe de volta à cena as cidades, dando vida a um novo personagem histórico: o burguês. As condições sociais, políticos e econômicos da Europa (a partir da segunda metade do século XVIII) mostraram-se favoráveis à consolidação da imprensa como veículo de comunicação massivo: a Revolução Industrial (que substituiu a produção artesanal pela mecanizada e começava a usar vapor, combustível fóssil e eletricidade) também se verificava na reprodução gráfica, melhorando a qualidade da impressão, por meio de novas técnicas.


Ao mesmo tempo, o processo de urbanização e a alfabetização (que deixava de ser privilégio dos ricos) garantiam público suficiente para os jornais; as ideias liberais e os momentos de trabalhadores propiciavam a discussão e a crítica de valores. Foi nesse contexto histórico que vários artistas, de diferentes países – inclusive no Brasil -, desenvolveram a arte de contar histórias por meio de imagens sequenciais impressas, os quadrinhos.


Referências:

BAGNARIOL, Piero e outros. Guia Ilustrado de Graffiti e Quadrinhos. Belo Horizonte: Fapi, 2004.

GONTIJO, Silvana. O Mundo em Comunicação. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001.

LUYTEN, Sônia Bibe. Manga: o Poder dos Quadrinhos Japoneses, 2ed. São Paulo: Hedra, 2000

MOYA, Álvaro de. Shazam! São Paulo: Perspectiva, 1970


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28 junho 2011

As origens dos quadrinhos (2)

Diferentes dos hebreus, que exaltaram a escrita e inibiram a produção de imagens, os gregos empregam abundantemente as duas linguagens. A importância atribuída à visão, e por extensão a imagem pode ser constatada por histórias como a de Édipo ou de Pigmaleão. Já os romanos religaram o uso de estátuas de divindades aos locais de culto. A diferença de hebreus e muçulmanos, que evitaram a produção realista e desenvolveram manifestações gráficas abstratas como a caligrafia, a iconografia cristã utilizará amplamente a produção figurativa para divulgar sua história. Os episódios bíblicos, que chegam a ocupar as paredes internas, o teto, os portais e os vitrais de basílicas e igrejas, se torna o complemento visual do mais conhecido texto escrito do ocidente, a Bíblia.

A tradição militar dos cavalheiros, transmitida nos romances épicos franceses das chansons de gestes e no ciclo nórdico do Rei Arthur, foi registrada por meio de longas narrativas por imagens. Bordada com fios coloridos sobre uma tira de 50 centímetros de altura com mais de 70 metros de comprimento, a Tapeçaria de Bayeux (realizada por volta de 1077 d.C.) conta a história de Harold (personagem histórico destinado a tornar-se Rei da Inglaterra), regente de Wissex, que desembarca acidentalmente no litoral francês e é feito prisioneiro pelo duque William da Normandia.


A Tapeçaria de Bayeux é uma obra realizada sob a encomenda do bispo Odo de Bayeux (c. 1030-1097), meio-irmão de Guilherme, o Conquistador. Não temos uma informação segura e definitiva a respeito de sua autoria. Uma lenda atribui seu bordado a Matilde de Flandres e suas aias; há quem afirme que a Tapeçaria foi executada em Canterbury com base em desenhos de um artista associado à abadia de Santo Agostinho; por fim, é também possível que o bordado tenha sido feito por religiosas da abadia de Barking (Essex), sob a direção da abadessa Elfgiva. Seja de quem for a autoria, o fato é que a Tapeçaria de Bayeux narra a história da conquista normanda da Inglaterra em 1066 (sob o ponto de vista normando), e representa magnificamente muitas cenas da vida cotidiana nobre do final do século XI, além da derrota anglo-saxã das forças de Haroldo II, rei da Inglaterra (1066) na batalha de Hastings


Um outro exemplo de narrativa por imagens é constituída pelas “vias sacras”, ciclos de afrescos que retratam os episódios da vida de Jesus e dos santos. Se nas igrejas e nos palácios os afrescos adquirem tamanhos cada vez maiores, entre a população mais rica se difunde o hábito de encomendar quadros, principalmente retratos. O acesso às imagens por parte de uma população cada vez maior se reflete na variedade dos temas retratados. E a assinatura torna-se então garantia do valor da obra. Paralelamente à valorização das artes e de seus autores, o mercado de livros do século XV é revolucionado pela introdução do processo mecânico de impressão. A intenção é competir com os belíssimos livros manuscritos, muito caros e de produção limitada.

Aos poucos, episódios bíblico e da vida dos santos, até então pintados como afrescos principalmente no interior das igrejas ou esculpidos nos portais, geralmente emoldurados numa grade quadriculada, começam a ser impressos em gravuras popular. Destinados a serem vendidas entre os fiéis, estes cartazes trazem gravados episódios de vidas dos santos, ilustrados com vinhetas legendadas e dispostas em volta da figura principal.


A crescente difusão da impressão levará ao acesso às informações de um modo mais rápido. Um maior número de pessoas terá acesso às letras e à gravura. O desenho passa a ser reproduzido em larga escala e se populariza, roubando um pouco do espaço que até então era exclusivo da pintura. A fusão entre texto e imagem gera a ilustração. Os jornais (do italiano jornale, diário) começam a aparecer nas grandes cidades a partir da metade do século XVII, com o intuito de manter a população informada sobre os acontecimentos que ocorriam ao seu redor. As ilustrações se tornam assim parte importante dos jornais, que demonstram por meio de imagens aquilo que estava escrito. Pouco a pouco, certas imagens de jornais foram se desvinculando das noticias escritas, trazendo a informação por si próprias. Tais imagens são chamadas de charges, ou caricaturas, no Brasil.

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27 junho 2011

As origens dos quadrinhos (1)

Ao lado da comunicação gestual e oral, povos de diferentes origens e culturas aperfeiçoaram, com o passar do tempo, maneiras de perpetuar suas histórias e mitos, suas conquistas e seus costumes por meio de signos pictóricos, algumas vezes pintados ou desenhados formando uma sequência, aos quais eram atribuídas significados específicos, que se referiam a fatos reais (a caça, a colheita ou conflitos com outros grupos) ou às crenças e mitos dessas sociedades primitivas.

Com o advento das civilizações agrícolas, o homem deixa seus itinerários sazonais e se instala nas cidades. O território ao redor desses aglomerados passa a ser identificado então conforme a sua localização em relação a este centro. A planificação da produção agrícola, que fará com que os homens atuem de maneira consciente no ambiente, acompanha o surgimento da escrita. Nos primeiros centros urbanos, os povos se organizaram política e economicamente em torno de seus símbolos. Para as suas anotações e contas empregaram sinais que, aos poucos, passaram a indicar sons, tornando-se um instrumento para transpor a língua falada.


Uma vez decodificados, esses signos podem transmitir conceitos. Nesses centros, a vida religiosa e as atividades do templo são administradas pelos sacerdotes, que praticam a adivinhação através da astronomia e da leitura das entranhas de animais sacrificado. A tradição da linhagem e da herança de títulos acompanha o surgimento de classes sociais com funções e direitos distintos. É nesse contexto de organização política e econômica que surge a escrita. Assírios e sumérios deixaram uma ampla obra literária para a sociedade. Tempos depois, os fenícios, navegadores habilidosos, contribuíram para a difusão do alfabeto em todo o Mar Mediterrâneo. A leitura e a produção de escritas tornou-se então acessível a um grande número de pessoas, fazendo das lendas e das histórias escritas o patrimônio da humanidade.


A imagem sempre fez parte da vida do homem. Desde os primórdios da civilização, na pré-história, encontramos registros como as gravuras, que tornaram-se importantes fontes de análise e estudo, da qual pode-se desvendar alguns rituais antigos, como caça e dança. A primeira forma de comunicação entre os antepassados do homem, num contexto no qual as linguagens faladas e escritas ainda não existiam, se deu através da imagem. Ao representar seu cotidiano através de pinturas nas paredes das cavernas, o homem estabelecia o primeiro passo na Construção de um sistema de signos que resultaria na linguagem escrita. E nas primeiras manifestações escritas das antigas civilizações, a imagem marcaria forte presença, como nos hieróglifos egípcios. Essas representações figurativas foram, com o tempo, caminhando para uma abstração, uma simplificação de seus elementos visuais e ao mesmo tempo ampliando seus campos de significação, dando origem ao alfabeto como hoje o conhecemos. Quando o homem fez a pintura rupestre, deixou marcada a sua impressão da realidade que o cercava, seus sonhos e desejos. Independente de seu objetivo inicial, conseguiu transmitir através do tempo a sua impressão.


A civilização do antigo Egito desenvolveu, paralelamente ao cuneiforme sumério (escrita de forna de cuneo, triangular), a escrita hieroglífica (escrita sagrada). Os hieróglifos foram utilizados por sacerdotes e escribas do faraó, registrando várias atividades, desde assuntos religiosos à comerciais.


Já o Império Bizantino utilizou uma série de mosaicos para passar a mensagem crista aos fiéis analfabetos. E até nos dias atuais, quem entra em uma Igreja Católica logo se depara com a Via Sacra, exposta em doze quadros enfileirados em ordem na parede, mostrando a passagem em que Jesus Cristo carrega a cruz, cai três vezes e por fim é crucificado. Não é necessário alguém explicar cada gravura, o fiel olha a imagem e reconhece seu profeta na penitência final, sacrificando-se em prol da humanidade. São exemplos de como a imagem foi utilizada para propagar os ensinamentos, mesmo para os que não possuíam recursos para aprender a escrita. Através de elementos significativos o conhecimento conseguiu transpor as barreiras e se perpetuar até os nossos dias.


Os hieróglifos desapareceram definitivamente com a dominação árabe (século VII d.C.). A introdução de um culto monoteísta no Egito e a proibição à representação da divindade através de imagens coincide com a presença na região de um povo semita, os hebreus. A escrita passa a ser a transposição direta da vontade de Deus, em forma de lei. Os israelita começam a ser identificados como o “povo do livro”. Enquanto no Ocidente a escrita se distanciava cada vez mais do desenho, no extremo Oriente (China, Coréia e Japão) os dois continuavam muito próximo. Com o advento da era cristã, quando símbolos e desenhos são amplamente empregados para difundir a nova religião, as pinturas voltaram a ser utilizadas também pelos hebreus. Os primeiros judeus-cristãos representaram episódios sucessivos da narrativa bíblica através de cenas delimitadas por molduras e dispostas em sequência não linear.


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22 junho 2011

São João é comemorado com festa nos municípios gerando empregos e renda

A maior festa popular da Bahia, o São João, atinge quase todas as cidades do interior baiano. Dos 417 municípios baianos, cerca de 350 mantêm a tradição de festejar o São João. Isso comprova que a festa é a mais democrática em termos econômicos que o Carnaval, pois gera emprego e renda em praticamente todas as regiões. Em algumas cidades, onde o festejo é mais badalado, a população quase que triplica nos dias de arraiá na praça, levando as prefeituras a contratarem milhares de pessoas temporariamente, para garantir o sucesso da festa e fazer com que os visitantes retornem no ano seguinte.



É indiscutível o fato que os nordestinos fazem o melhor São João do Brasil. É durante o mês de junho que milhões de pessoas se divertem com as festividades que têm, como ingredientes muito forró, baião, xaxado, diversão, comidas típicas, brincadeiras juninas e eventos que mobilizam cidades inteiras e movimentam a economia, abrindo novas vertentes no ramo do comércio, da indústria e das atividades de serviços.


São João da Bahia é a maior festa regional do Brasil

Hoje em dia, nas cidades que comemoram o São João, ainda mantêm-se a tradição das quadrilhas, dos jogos e das roupas juninas. Além disso, preservam, ainda, as brincadeiras como a cabra-cega, o quebra-pote e o pau-de-sebo, todos eles com grande participação da garotada. As noites de São João transformam a Bahia numa casa aberta para acolher a todos os visitantes para provar do licor de genipapo, do milho verde assado na hora e saborear a canjica da ceia, esquentar do frio no calor das fogueiras, participar das cantorias pelo sertão afora ou mesmo cair no forró porque ninguém é de ferro.

O ciclo de festas juninas é aguardado pelas prefeituras e populações de seus municípios com boas possibilidades turísticas

ESSÊNCIA - A maior festa regional do Brasil é realmente o São João da Bahia e, em sua essência, homenageia três importantes santos católicos: Santo Antonio (dia 13), São João (24) e São Pedro (29). Por habitar uma região árida, o povo do Nordeste, estimulado desde os primórdios da festa pela Igreja Católica, agradece anualmente a São João e a São Pedro pelas chuvas caídas nas lavouras. O ciclo de festas juninas foi aguardado pelas prefeituras e populações de seus municípios com boas possibilidades turísticas. Do extremo sul ao norte da Bahia, atravessando o coração da Chapada, todos cantam “chegou a hora da fogueira, é noite de São João”. As cidades se transformam em arraiais todos embandeirados, onde se revive o que há de mais enraizado na cultura popular.



Hoje em dia, nas cidades que comemoram o São João, ainda mantêm-se a tradição das quadrilhas, dos jogos e das roupas juninas. Além disso, preservam, ainda, as brincadeiras como a cabra-cega, o quebra-pote e o pau-de-sebo, todos eles com grande participação da garotada. As noites de São João transformam a Bahia numa casa aberta para acolher a todos os visitantes para provar do licor de genipapo, do milho verde assado na hora e saborear a canjica da ceia, esquentar do frio no calor das fogueiras, participar das cantorias pelo sertão afora ou mesmo cair no forró porque ninguém é de ferro.

A Bahia se enfeita para os festejos juninos atraindo multidões para dançar o forró e aquecer a economia local

De norte a sul da Bahia, todos os caminhos levam as melhores festas juninas. Na maioria dos municípios baianos as prefeituras promovem os festejos juninos. Pequenas, médias e grandes, não há um só município em que,seja um distrito ou bairro, não se acenda uma fogueira e não se faça um arrasta pé ao som da sanfona, da zabumba e do triângulo. Tão tradicional quanto animado, o poder junino do interior baiano traz o Brasil para a Bahia e movimenta milhões com turistas e amantes do forró. A festa gera emprego e renda. Muito arrasta pé, comidas típicas e gente bonita e animada – essa é a mistura de sucesso da festa junina mais tradicional da Bahia e do Nordeste.



E a Bahia se enfeita de bandeirolas para receber a todos. As noites juninas transformam s Bahia numa casa aberta para acolher a todos os visitantes para provar do licor de genipapo (ou de ameixa, passa, hortelã, pitanga), do suco de laranja, do milho verde sassado na hora e saborear a canjica da ceia, esquentar do frio no calor das fogueiras, participar das cantorias pelo sertão afora ou mesmo cair no forró porque ninguém é de ferro.

Festa junina é sinônimo de muitos negócios, gerados pelos milhares de turistas que invadem as cidades que realizam o festejo

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Logo depois dos festejos juninos até final de agosto o blog vai ser invadido pelos quadrinhos. Aguardem!!!

21 junho 2011

Balada de um Homem Solitário (16)

Impulso

Sentou-se na minha frente, lendo uma revista em quadrinhos de Jules Feiffer enquanto eu lia, no jornal, a queda do presidente Nixon.

-- Quer que eu ligue a vitrola? – Cláudio perguntou – Trouxe discos novos....

-- Pode colocar.

A música penetrou no recinto: “Mora comigo, na minha casa, um rapaz que eu amo. Aquilo que ele não me diz porque não sabe, vai me dizendo com seu corpo que dança para mim. Ele me adora e eu vejo através de seus olhos o menino que aperta o gatilho do coração sem saber o ..........de que pratica. Ele me adora e eu me gratifico só com os olhos que vejo, corto, cruzo as cebolas da casa, rastro os móveis, incensos. ................medo de dizer que me ama. Me aperta a mão e me chama de amigo”. Essas palavras ditas no disco Drama de Maria Bethânia soou como alguma coisa de misterioso que pairava no ar, a música surgiu com outras frases....

Levantei-me, sentindo seu olhar pousar em mim e notei umas malas em cima da mesa.

-- O que é isso? Indaguei.

-- São minhas malas, vou viajar hoje e não sei quando volto. A revista francesa contratou-me para posar nos novos modelos lançados neste outono. É chato ter que se afastar dos amigos, mas creio que não será por muito tempo, e antes de tudo, agradeço a hospitalidade.

Partiu, fiquei a escutar os discos que ele deixou. Recebi, pouco depois de sua saída, com amargo na boca, a notícia da morte de Álvaro logo no mês quer ele prometia voltar, pobre rapaz, que já começara bem a carreira esportiva... Sobre Ana, nada sabia, escrevia, mas não recebia respostas e já faz tanto tempo que recebi sua última carta. Sua família havia me acompanhado na sua turnê de concertos musicais e creio que resolveram instalar-se por lá, porque já fazia muito tempo...

Dina ficou traumatizada, com o olhar meio vago, feito louca, quando soube da morte de seu amado. Ela ama-o e tornou-se fiel desde a sua partida para a Europa. Procurei confortá-la, mas ela parecia distante. Sua mãe procurou médicos, mas nada a fez voltar ao tempo presente, ela estava como que voltada ao passado. Tristeza, só tristeza rondava-me. Desilusão por tudo.... “Tem dias que a gente se sente/como quem partiu ou morreu/a gente estancou de repente/ou foi o mundo então que cresceu/a gente quer ter voz ativa/no nosso destino mandar/mas eis que chega a roda viva/e carrega o destino pra lá...”, cantava Chico Buarque na vitrola.




Consciência


Comecei a desenterrar o passado, cultivando lembranças e enchendo o peito de silencioso lamento, buscando inutilmente o tempo perdido. Passou tudo muito depressa. Foi como se todos aqueles anos que acompanharam as gerações perdessem, de repente, a significação real na escola do tempo e assumissem proporção estranha e misteriosa, como coisas que acontecem no sonho, numa fração de segundo.

Impossível esquecer as lembranças, impossível libertar-nos do que nos deixaram como marca, por mais que nos esforcemos, por mais que as escondamos, por mais que as disfarcemos, que as queimemos em nossos pensamento, por mais longe que as tenhamos vivido, por mais distante que as lancemos, ainda que as atiremos no fundo do mar, que as mergulhamos no álcool ou enganemos com alegres ou tristes canções, elas estão presentes.

Impossível mudar o passado, impossível esquecer as tardes de peraltices com o amigo Álvaro, impossível esquecer as tardes em que, à hora exata do sol se pondo, eu e Ana, juntinhos, por entre as árvores, olhando o reflexo das águas, e o barulho das ondas do mar. Impossível esquecer Dina em que seus momentos de alegre viver, menina sorriso. Impossível esquecer o Dudu das bolinhas de gude. Impossível esquecer, tudo está gravado tão nítido...Impossível riscvá-los, inútil nega-los, ingênuo tentar esquecer.

De repente, como nos sonhos, sem lógica, sem nexo, aparecem pessoas improváveis, enche-se a sala de fantasmas familiares. Uma balada desesperadamente triste tocou baixinho. Alguma coisa parecia ter morrido em mim. Olhos as fotos dos amigos espalhadas na mesa. Tudo imóvel numa superfície colorida e brilhante. Sempre foi assim e fui assim, estático, mudo. Não estava naquelas pequenas fotos, mas em outra maior. Estava dentro da foto da vida, sem movimentos, sem interior, sem nada...

“Durante toda a minha vida sempre estive a espera de alguma coisa. Agora encontrei..você”. Foram as palavras que vieram no telegrama de ontem....De quem será? Deve ser de Ana...aposto como já está na cidade.

Vejo através do vidro as estrelas que me parece incrivelmente distantes. E, de repente, me dou conta de que estou só, de que sempre estive só – absolutamente só. Chega o momento de uma oportuna tomada de consciência, sinto que é tempo de esbarrar, de parar de uma vez, de recordar e escrever sobre mim e sobre meus amigos, mas batem à porta – da minha mente ou da minha casa? Levantei-me. Queria ficar só, naquela noite, de lembranças.

Sentei-me novamente e tive vontade ficar assim, parado, mas o toque na porta veio com mais força e fui abrir. Encarei a pessoa. Sob um chapéu de veludo, atirado para trás, seu rosto resplandecia. Tinha no rosto, corado de sol, uma expressão tão ansiosa. Fixei o olhar naquela desconcertante personagem de diversas revistas. De vistas que já floreara muitas vezes...Pressentia agora algo, mas não sabia o quê.

-- Cláudio?

Esse nome escapou-me com incrível espontaneidade, como se estivesse sempre em minha boca, aguardando aquele instante para ser dito. Olhei para suas mãos. Subi o olhar até seu resto e sem saber o que dizer...

-- Cláudio – repetiu- , não ele, mas...ela.

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Estamos publicando um folhetim com 16 capítulos dessa história escrita em 1975

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).
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Logo depois dos festejos juninos até final de agosto o blog vai ser invadido pelos quadrinhos. Aguardem!!!

20 junho 2011

Balada de um Homem Solitário (15)

O Carnaval se aproximava e eu, cada vez mais preocupado. Álvaro não estava entre nós. Viajou para a Europa, disputar as olimpíadas. Os jogos estavam atrasados, por causa dos ataques terroristas e Ana, por sua vez, dava concertos musicais nos Estados Unidos. Recebia cartas dos dois e respondia, mas, no Carnaval, não teria a companhia desses amigos. Cláudio resolveu pular no nosso bloco, o que muito nos honrou.

O Carnaval começou desde que os blocos e escolas de samba ensaiaram nos mais diversos bairros da cidade, tomando um impulso maior com a Segunda Feira Gorda da Ribeira, considerado como o grito de nossa festa momesca. Os blocos e cordões, depois dos já famosos trios elétricos, foram os responsáveis pela grande animação do carnaval baiano, reunindo grupos enormes de foliões, arrastando multidões, fazendo todo mundo pular. “O teu cabelo não nega, mulata/por que és mulata na cor/mas como a cor não pega, mulata/mulata eu quero o teu amor”.

Praticamente em todo o primeiro dia havia tanta gente na rua que não foi possível a passagem de nenhum veículo na Praça da Sé. Do alto da avenida vinha nosso bloco Os Filhos de Iemanjá com Dina bem à frente, segurando a bandeira e mil requebros que deixavam a turma louca. Mais atrás estavam Cláudio, eu e as garotas brincando e dançando ao ritmo da folia. “Se você fosse sincera/ô ô ô ô Aurora/veja só que bom que era/ô ô ô ô Aurora”. O pessoal que estava instalado ao lado da avenida se espantava com o tem pó que os blocos levavam passando: “É gente que não acaba mais”, gritou um garoto. Como é de costume, houve confusões na passagem do cordão O Bafo do Boi, quando alguém resolveu mexer com a mulata do crioulo e este resolveu ir à desforra. No mais, os três dias de folia ocorreram normalmente bem.

Chegou a quarta-feira de cinzas, não tão triste assim, o céu matinal estava de uma cor azul belíssimo, e as poucas brisas que ainda agitavam as árvores pendentes tinham um sopro leve de brisa fresca. Mais tarde o calor reinou no dia.

Estava tomando banho com as portas abertas quando Cláudio, que estava passando uma semana na minha casa – não o pensionato, mas uma casa em um lugar tranquilo – acordou e aproximando-se do banheiro, virou as costas rápido como se receasse por algo e comentou:

-- Nesse mundo competitivo, não é fácil achar um verdadeiro amigo. Há um ditado que diz que “o único modo de se ter um amigo é ser um”. As pessoas, às vezes, sentem-se solitárias e acham que são deixados por fora das coisas pelos outros jovens, os quais talvez admirem ou talvez tenham tido amigos, mas os perderam. Talvez se sintam magoados por causa disso, mas a verdade é que a amizade é uma rua de duas mãos.

E terminando o banho, saí do banheiro assim como estava, nu, perguntando:

-- Sou um verdadeiro amigo para você?

-- Mais do que isso – respondeu-me -, você é meu irmão. Agora vou tomar um banho, o calor está demais.

O que era verdade, pois mesmo depois de ter tomado banho, sentia calor. Ele entrou e fechou a porta, à chave. Isso causou-me estranheza. Talvez o amigo fosse tímido, mas de chave, não era tão preciso assim fechar...Notei como ficou meio corado ao me ver nu, afinal, somos do mesmo sexo e não há nenhuma vergonha, mas...o melhor é deixar esses pensamentos de lado, pensei.

Meu novo amigo era simpático, e não conseguia deixar de fitá-lo constantemente, mas, assim que ele voltava a vista para mim, eu baixava os olhos receosos. Ele era diverso de todos os amigos que tive, possuía uma marca pessoal que fascinava, mas fazia tudo para aquilo passasse despercebido. No princípio, nossa amizade foi superficial, mesmo frequentando ele constantemente a minha casa. Muitas vezes a presença de certas pessoas causa-nos animação e outras, inconscientemente, nos sentimos desconfortáveis. O novo colega me proporcionava alegria, tinha um temperamento liberal, algumas vezes alegre e extrovertido, outras vezes, triste e inibido. Era, na maioria das vezes, um rapaz calado.

A linha firme da boca com o lábio superior curto e altivo, mudava de expressão quando estava zangado. O queixo pequeno mas resoluto, nos olhos claros e profundos, fiquei a olhar o rosto calmo, atento, inteligente, o que me fez lembrar de Ana, rosto europeu legítimo que parecia dizer silenciosamente à vida – nunca hei de ceder.

Muitas vezes Cláudio, queimadão de praia ficava com aquele suave e delicado olhar meio vago, ligeiramente torturado, despertando incontida carga de apelo maternal e saia apressado – eram seus momentos de mau humor. Certa vez, deparei com uma raridade de menina, uns 14 anos na batata, parada no ponto de ônibus, um rostinho inspirando inocência, moreninha como ele dizia gostar, pele sem pintura, coxas modeladas, peitinhos pequenos, tinha quase sua altura. Excitei-o, empurrando para perto da garota que muito o olhava. Ficou nervoso, não sabia o que falar, pensou várias vezes mas, de sua cabeçada saia, nem tampouco da boca, ficou mudo, só conseguiu movimentar as mãos e quando criou coragem, um ônibus foi se aproximando e a garotinha pegou o veículo. Ele saiu um pouco furioso. Perdeu aquela oportunidade e, muitas que ele via por aí a fora, no momento exato, perdia a coragem, ficava tremulo e mudo.

Muitas namoradas que conseguia foram elas que o paqueravam. Elas, quando o encontram pela primeira vez, procuram se aproximar o máximo dele, mandavam recado, sorriam, davam um psiu e ele, acanhadão, vai se aproximando e diz quase uma bobagem, então, tudo se torna fácil, mas não dura muito e daqui a pouco tudo estará terminando, pois o rapaz nunca é pontual aos encontros e, às vezes enjoa das garotinhas burras que nada sabem lhe dizer para o seu desespero, a não ser seu corpo, e isso, para ele, é pouco. Ele quer mais, sempre querendo mais.

Um dia não tardou a se envolver, ou melhor, a ser envolvido em um caso de amor. Cristina, uma bela viúva apaixonou-se terrivelmente pelos seus olhos, sua boca, seu corpo e ficou a esperar nos lugares onde passava. E, de tanta insistência, Cláudio levou-a a um agradável passeio mas Cristina resolveu fazer um pedido, choramingando amorosamente, desejava dar uma olhada no parque que existia nos arredores da cidade. Sua intenção era levá-lo aos lugares mais silenciosos e mais distantes. Não havia ninguém no parque. Descansaram à sombra das árvores e trocaram palavras até que, em dado momento, ela lhe mostrou os lábios carnudos, ardentes de desejos, sedutores e, quando ele se afastava, ela puxou-o, beijando-o violentamente, mordendo seu rosto, seus olhos, sua boca, querendo mais com fome de amor.

Ele, de uma estranha timidez, simulou uma dor de cabeça, retirando-se bruscamente daquele local e, durante muito tempo não se viram. Agora, sozinho no meu quarto, fico a pensar nas mais estranhas reflexões sobre o amigo..seu comportamento diferente dos demais rapazes, sua beleza de atrair por demais as garotas e...será realmente timidez? Só o tempo dirá, esqueço tudo e vou dormir.

Os animais são simplesmente animais, dizia-me, os homens fazem visitas, mantém conversações, trabalham, frequentam boates, clubes, tudo forçosamente e sem na realidade quere-lo fazer, vivem nesta coisa chamada sociedade... tão falsa como um apelo comercial aos dias das mães ou mesmo no natal. Assim, fui apreciando o seu modo de ser e me interessei por ele, desejando saber o que se passava no seu interior. Parecia que alguma coisa lhe agradava nas minhas confissões e, vez por outra, conversa sobre meus problemas. Os meus pais distantes, Ana, minha amada que não me escreveu mais, Álvaro sempre escrevendo e demorando de chegar e o pior, uma notícia que seus pais enviaram: “Álvaro contraíra o câncer não se sabe como, e restavam-lhe poucos dias de vida”. Seus pais pediram por tudo que ele passasse alguns dias em casa, os últimos talvez, mas ele sempre teimoso, não voltou. O pedido de Dina fez até com que ele marcasse uma data quando voltaria, em outubro....

Lembro-me do dia de sua vitória nas corridas. Há uma taça com vinho sobre o balcão. Ele bebia. Deixaram-0no beber o seu costumeiro vinho que gostava de tomar nas festas. Não lhe dirão jamais que está com câncer. Mas, por que logo ele. Por que? Estava precisando desabafar e Cláudio mais ainda. Quando reprovava alguma coisa, dizendo-lhe ser infantil demais, apesar do seu alto cargo profissional de modelo e conhecido em diversos países – e isso achava a coisa mais genial nele: a simplicidade e sua infantilidade – não sabendo a pureza que levava n´alma, percebia desde logo, com sobressalto a vergonha que havia desferido um golpe, ferindo o seu coração. Esta observação ele próprio o fizera a si mesmo. Certa vez, com ironias, respondendo-lhe outra coisa, após uma longa e penosa pausa, percebi em seu tom de voz a dor da ferida. Tive que conter as lágrimas. Quis falar-lhe cordialmente, pedir perdão, palavras cheias de emoção acudiram-me ao pensamento, mas foi impossível pronunciá-lo.

Precisava de um amigo, dizia-me. Não precisava ser homem, bastava ser humano e ter sentimento, coração. Precisava saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Deve ter amor, um grande amor a alguém, ou então sentir falta de não ter este amor. Devendo amar o próximo e respeitar a dor que todos os passantes levam consigo. Devendo, também – acrescentava -, ter um ideal e medo de perde-lo, e, o caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. E que o principal objetivo deve ser o de ser amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Precisava de um amigo para se parar de chorar. Para não viver debruçado no passado em busca de memórias queridas. Que nos bata no ombro, sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo. E isto eu encontrei.

-- Posso saber quem foi?, perguntei.

-- Claro! Está falando comigo.

-- Ora, deixa disso, rapaz....

Certo dia, encontrei em um dos bolsos de sua roupa, uma caderneta na qual estava escrito: “Logo que nasci, meu pai meio decepcionado, pois queria que nascesse um menino, batizou-me com um nome masculino e tudo fez para que nascesse homem. Quando cresci, com tal idéia na cabeça, fugi apavorada sem rumo definitivo, até conseguir um ótimo emprego e que estabeleceu um pouco de equilíbrio na minha vida financeira. Já tive idade em que pensei entender o homem. Naquela época, nada sabia...pensava que os outros eram fáceis de entender. O tempo me forjou o diálogo aprendizado da incompreensão. Aprendi que eu era mulher e ele, homem. Brinco de boneca, ele de carrinho. Ele urina contra muros e eu me agacho entre plantas. Me escondia, ele se exibia, me preservava e ele se oferecia, me defendia e ele agredia. Aprendi que eles eram mais fortes do que eu, mais inteligentes e que deviam ser servidos e que amavam de forma diferente. Acreditei e fui servil e recebi como dádiva o pouco que me dava. Mas chegou o dia em que descobri a verdade e a culpa era minha de não ter entendido ou de ter acreditado...”.

“Vi o homem deformar-se dentro do meu olho, e aquilo que acreditava ser dele hoje já não lhe pertence amanhã, e aquilo que pensava ter vislumbrado hoje será mais um caminho errado que seguirei amanhã. Hoje sou uma e amanhã serei outra, não queria ser para ele, a mulher, essa desconhecida, preferi ser o homem. Minha natureza sexual é o que menos importa. Vivo personagens, segmentos do meu eu. Nunca vivi completamente aquilo que penso, só as idéias que vivemos é que tem valor. Percebi que o “mundo permitiu ( ) apenas a metade do mundo, e tratei de ocultar a outra metade, como fazem os religiosos e outros. Jamais consegui ser o que sou biologicamente, a partir do momento que comecei a pensar naquilo que faço. Tentei viver aquilo que brotava espontaneamente em mim, mas isso era difícil por causa da frustração, lembranças passadas...meus pais. Procurei então a mim mesmo afirmar em mim e seguir sempre adiante o meu próprio caminho, sem me preocupar com o fim a que possa conduzir-me. Talvez assim poderia ter a força de chegar em mim mesmo e encontrar algo de que verdadeiramente necessito para completar-me”.

Toda aquela narrativa literária era para mim confusa e inexplicável. Quando Cláudio voltou, perguntei se era aquilo o seu diário. Ele, furioso, como nunca vira antes, mortalmente pálido e com, voz trêmula disse-me que “era de uma moça frustrada...”. O som da sua voz era incerto, e as lágrimas estavam prestes a lhe arrebentar dos olhos, “que entrou em minha vida – continuou ele – e deixou apenas isso...mas você não entenderá, talvez algum dia....”. Mesmo assim a resposta não me convenceu, mas, devido ao seu sentimento, não tentei fazer novas perguntas a esse respeito, preferi calar-me e concluir com meus próprios pensamentos pois cada ser humano é uma ilha, carregando mistérios e esperanças. Muitas vezes essa ilha é visitada por outras pessoas que, não entendendo sua natureza, querem modificá-la. Mas se a ilha tem base fortificada, resiste a essas mudanças bruscas. Seria tão bom se o ser humano em, vez de ilha, fosse continente...Sonhar é bom! O tempo todo seria primavera e o sol brilharia todos os dias, iluminando o verde nas folhas, o azul do mar e o moreno na pele das mulheres. Sim, sonhar na beleza da vida, apagando as misérias do mundo, reinando a harmonia em todas as coisas. E mais ainda, ver a felicidade nos rostos de todos. A vitória desse sonho seria uma vitória para a humanidade. Mas tudo nos sonhos passa a se tornar passado.

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17 junho 2011

Balada de um Homem Solitário (14)

A sua presença

O dia amanheceu nublado com pancadas de chuva. Aviso: isto não é nenhum serviço metereológico. Aquela chuvinha fina que molha o orvalho, que limpa a cidade, que purifica o ar e acaba com a poluição. A brisa fresca soprava na cidade adormecida. As ruas estava, vazias, o silencio pairava no ar. Aos poucos, algumas pessoas começaram a passar pelas ruas, depois o movimento cresceu, as pessoas andaram de um lado e do outro, apressadas, os carros iniciaram suas corridas loucas pela estrada, o silencio foi cortado. Gente para o trabalho, gente para a escola, gente para a feira. A chuva foi diminuindo, as nuvens desapareceram e o sol veio iluminar mais um dia na vida de todos. O sol nasceu, mas não rompeu a cortina de nuvens. Era um desses dias prateados, cheios de luminosidade e calor.

Estava assim da janela a olhar as pessoas com minha máquina fotográfica, não a mesma do tempo de adolescente, mas outra, mais possante. O tempo e eu a olhar, tranquilo, sem nenhuma preocupação. Restavam, alguns dias de férias do trabalho e aproveitava para fotografar gente simplesmente. Nisso, uma pessoa estranha cruzou a rua e veio em minha direção, a multidão passava um pelo outro apressados no passeio. Resolvi bater uma foto, era a última da máquina.

Como já havia tirado várias, fui descansar e, à tarde, que chegou luminosa e quente como todas as outras, revelei as fotos quando me deparo com a última, a do rapaz novato da cidade. Tenho certeza de já ter visto aquele rosto...pensei. Sim, lembro-me agora...na revista Vogue, sim, manequim da revista. Creio que tenho uma aqui. E revirando os jornais, encontrei a revista, folheei rápido e olhei algumas fotos de modelo de inverno para homens. Lá estava ele, os olhos azuis e a figura apolínea garantindo-lhe sua carreira profissional. Mais um turista na velha Bahia.

A noite fria e melancólica chegou, abri a janela e fiquei a olhar as pessoas. Ele estava lá em frente, parado. Suas roupas dançavam ao som do vento. Vestia-se com uma calça creme e uma camisa alva, desnudando o peito sem pelos. Sua idade era um enigma. Em seu rosto não havia idade. Ele era sem que se pudesse atribuir. Não era rosto de criança, não era rosto de homem, não era rosto de velho, era o rosto de uma pessoa colhido num instante.

Decifrar aonde teria estado antes daquela idade seria difícil, pois ele tinha um só sorriso para todas as horas. Seus cabelos castanhos e cobre, seus olhos esverdeados faziam um contraste com a pele quase morena. É alto, mais para magro, mas nem tanto, “fausse maigre”, para ser preciso. Usa óculos e vendo-se uma vez não mais se esquece.

Na semana seguinte, acordei mais cedo a fim de retornar ao trabalho e parti para a redação. Encontrei o mesmo rapaz dos dias anteriores conversando com o chefe da redação. Este me chamou para entrevistar o manequim e assistir a uma apresentação de desfile de moda masculina. Não era a primeira vez que escrevia para jornal, desde que iniciei uma série de artigos sobre música popular, o chefe deixou-me livre não só com a máquina fotográfica, mas com o lápis, a mente e o papel. Apresentamo-nos para a entrevista, e me surpreendeu aquele moço afável, bem diferente do que se imagina, que vai respondendo com uma franqueza de quem ainda não foi atingido pelo sucesso.

-- Como é que você se envolveu em manequim?

-- Sempre me interessei por moda, mas foi mesmo por acaso que fui contratado para posar na capa de uma revista. Nessa época, ganhava tão pouco que nem podia pensar. Mas outras publicações começaram a me oferecer ofertas para desfilar com modelos novos e fui aceitando. Trabalho para Photography Agency como modelo, e não manequim como andam anunciando, pois manequim é quem desfila e já não faço mais isso, e sim, publicidade em revistas e jornais, e também como ator em comerciais de televisão.

-- E sobre garotas, o que achou das mulatas daqui?

-- Adoro as meninas que não usam uma sombra de maquilagem, deixar o cabelo natural, usam vestidos simples e compridos, andam descalças. Em geral a mulher brasileira ainda quer um apartamento, um carro, tudo o que as mulheres europeias estão tratando de jogar fora, e se isolar numa ilha.

Ele usava uma camisa esporte de tons muito vivos e calças largas. Parecia mais jovem, com seu cabelo castanho cor de cobre e escovado, seus gestos animados e desinibidos, seu sorriso tão franco e inocente quanto o de uma criança. No caminho, começamos a conversar....

-- Sabe – falou-me -, Salvador é a reprodução religiosa da atual Roma decadente.

-- Esta é a primeira vez que veio à nossa terra?, perguntei.

-- Sim, isto aqui é realmente belo demais, acho que não só ficarei uma temporada, como resolverei instalar-me por aqui.

-- Ótimo – exclamei -, logo assim teremos novidades em moda masculina.

Fiquei sabendo, no decorrer da conversa, que seu nome era Cláudio e nascera no Paraná, mais precisamente em Londrina. Daí em diante tornamo-nos amigos. Enquanto conversávamos, verifiquei que ia aprendendo muitas coisas referentes a ele. Por exemplo, deu-se conta de que ele não morava com os pais, era muito tímido apesar das grandes manchetes publicitárias em revistas e jornais de que era alvo. O que mais me impressionou no rapaz, na verdade, nada tinha do sexo indicado pelo vestuário, quase de forma feminina, apesar de falar másculo, suavizando ao máximo a voz.

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