28 fevereiro 2007

Impunidade, omissão, corrupção

Há uma crise moral, ética, de decência e dignidade que embrulha os três poderes das responsabilidades partilhadas. Nesse novo modelo democrático, apura-se o escândalo, encaminha-se à Justiça e fica por isso mesmo. Nada se pune no reino das mordomias, do sagrado privilégio da imunidade que cobre a bem-aventurada cúpula dos três poderes. O Judiciário é indiferente a reforma dos códigos desatualizados. O Executivo não há o que esperar. E do Congresso pouco se pode esperar – deputados e senadores participam de acordos por baixo do pano para absolver envolvidos nas trapaças da corrupção. Há uma manobra sustentada pelo consenso da maioria.

O desempenho da Justiça é comprometido pela sua morosidade, negligência das autoridades executivas, ardis de advogados chicaneiros e a vista grossa, complacente, das autoridades judiciais em tribunais abarrotados de processos civis e criminais. Uma reforma do Judiciário limitaria os casos de impunidade. E os retrocessos continuam. Deputados e senadores ganham R$12.800 mais benefícios, verbas adicionais, passagens, combustível, moradia, franquia postal e telefônica. Já os magistrados recebem R$24.500. Pois esses dois poderes, Judiciário e Legislativo reivindicam reajustes que segundo eles, é constitucional. Os dois guardiões do equilíbrio de direitos e garantias, asseguram seus ganhos sempre no pico. É justo? O povo não concorda. Os maiores salários do Judiciário estão nos Tribunais de Justiça. Justiça para quem? Para eles.

A reforma das Leis penais no Brasil é necessária e urgente. Um bom exemplo é que a maioria civil é de 18 anos, mas o mesmo não vale para a questão penal. Menores de 21 têm atenuantes nas penas. O Brasil é um dos países que mais oferece possibilidade de apelação ou recursos, ao tempo em que assiste ao franco crescimento da criminalidade e dos índices de violência. O assunto está em discussão há alguns anos e um projeto de reforma do Código de Processo Penal tramita no Congresso Federal há mais de cinco anos. Alguns consideram o Estatuto cada vez mais brando com os criminosos, outros defendem o recuo nas penas punitivas com a privação de liberdade. É preciso estabelecer também a súmula impeditiva de recursos. Isso irá prevenir o excesso de recursos que torna os processos muito lentos. Muitas vezes a lei admite brechas e os advogados usam todos os recursos permitidos a favor dos seus clientes.

A corrupção se tornou prática comum no Brasil. O quer se observa na política é que oposicionista e situacionista se corrompem em maior ou menor grau, quando no exercício do poder. Suas promessas de decoro no desempenho da representação popular chegaram a ser teatral. Eles próprios se imunizam contra acusações, parceiros de uma permissividade geral. O que se nota é que o corporativismo pesa, conforme mostraram os julgamentos de cassação de mandatos. Há uma solidariedade implícita entre eles, na certeza da impunidade. A única punição será pelo voto do eleitor. A impunidade no país tem contribuído para o grande aumento da criminalidade.

A cada dia cresce a crise ética que assola, em graus diversos, os três poderes. A maioria dos deputados rejeita qualquer reforma que reduza privilégios, vantagens e mordomias que compõem o ganho mensal de mais de R$100 mil de um dos melhores empregos do mundo. Há um novo modelo democrático no país, não se deixa escândalo sem resposta: apura-se o fato, encaminha-se à Justiça e fica por isso mesmo. Nada se pune nesse reino de mordomias, do sagrado privilégio da imunidade que cobre a cúpula dos três poderes.

A corrupção no Brasil virou novela pornográfica com capítulos dedicados ao mensalão, caixa dois para financiamento de campanhas eleitorais com o dinheiro público, das ambulâncias superfaturadas pelas trapaças parlamentares com a conivência de órgão público, tráfico de influência e tantos outros. O que se vê é o plenário firmando a norm a da impunidade. Sabemos que nosso país é das desigualdades. Uma desigualdade que favorece alguns poucos e prejudica a todos.

Apesar de toda a crise ética que assola os três poderes e desânimo do eleitor, a sociedade está vigilante. Os meios de comunicação estão acompanhando continuamente as sessões legislativas passando ao leitor informações pertinentes. Agora, ficou mais difícil enganar o povo por muito tempo.


O regime democrático foi restaurado em 1985, depois de quase 21 anos de ditadura militar. Mas o complô do corporativismo ainda domina o plenário e divide as votações. Basta observar a série de absolvições de políticos denunciados. Quando a sociedade exige reformas, eles rejeitam com medo de reduzir os privilégios. É preciso uma faxina completa no executivo, legislativo e judiciário. O Ministério Público lançou uma campanha contra o nepotismo onde o empreguismo de parentes é fato corriqueiro. “Serviço público não é a casa da mãe Joana, não é a casa do pai Francisco, do tio José, da cunhada Maria”, diz o cartaz.

Em meio ao caos e à corrupção da Itália renascentista, Nicolau Maquiavel (1467/1527) armou o palco para a política moderna. O subtexto óbvio de seu famoso tratado, O Príncipe, é que na política não há nada de moral. A política é só manipulação e estratégia, não amor ao povo ou algo tão idealista quanto a responsabilidade cívica.

27 fevereiro 2007

O mar e o rio de Bethânia

O emocional e o intelectual, a água salgada e a doce, o litoral e o interior. São experiências quando se ouve os dois CDs de Maria Bethânia: Mar de Sophia, estruturado em torno do mar e suas metáforas e da poeta portuguesa Sophia de Mello Breyer. O outro, Pirata, traz o rio como inspiração, e Pessoa, Rosa, João Cabral e Vieira como referências. Vale apenas ouvir os dois trabalhos, juntos seguidamente. Com água a cantora cria um ambiente de purificação.

Entre as inéditas está Memórias do Mar, de Vevé Calasans e Jorge Portugal:”A água do mar na beira do cais/vai e volta volta e meia vem e vai//A água do mar na beira do cais/vai e volta volta e meia vem e vai//Quem um dia foi marinheiro audaz/relembra histórias/que feito ondas não voltam mais//Velhos marinheiros do mar da Bahia/o mundo é o mar/maré de lembranças/lembranças de tantas voltas que o mundo dá//Tempestades e ventos/tufões violentos/e arrebatação/hoje é calmaria/que dorme dentro do coração//Velhos marinheiros do mar da Bahia/o mundo é aqui/maré mansa e morna/de Plataforma ou de Peri-Peri//Velhos marinheiros do mar da Bahia/o mundo e o mar/maré de lembranças/lembranças de tantas voltas que o mundo dá”.

Tem uma gravação tocante do samba-enredo “Das maravilhas do mar fez-se o esplendor de uma noite”, de David Corrêa e Jorge Macedo. Diz a letra: “Deixa-me encantar/com tudo teu e revelar/o que vai acontecer/nesta noite de esplendor/o mar subiu na linha do horizonte/desaguando como fonte/ao vento a ilusão teceu/o mar/por onde andei mareou/rolou na dança das ondas/no verso do cantador//Dança quem ta na roda/roda de brincar/prosa na boca do vento/e vem marear//Eis o cortejo irreal/com as maravilhas do mar/fazendo o meu carnaval/é a brisa a brincar/a luz raiou pra clarear a poesia/num sentimento que desperta na folia/amor amor/amor sorria ô ô ô/um novo dia despertou//E lá vou eu/pela imensidão do mar/esse onda que borda a avenida de espuma/me arrasta a sambar”.

Por meio das poesias de Sophia de Mello Breyner, lidas ao longo do álbum Mar de Sophia, Bethânia revela: “O mar azul e branco e as luzidias pedras (...)/Onde o que está lavado se relava/Para o rito do espanto e do começo/Onde sou a mim mesma devolvida/Em sal, espuma e concha regressada/A praia inicial da minha vida”.

E na faixa Memória das Águas, de Roberto Mendes e Jorge Portugal, Bethânia resume o projeto quando canta: “Amores são águas doces/Paixões são águas salgadas/Queria que a vida fosse/Essas águas misturadas// Eu que já fui afluente/Das águas da fantasia/Hoje molho mansamente/As margens da poesia// Cachoeira da Vitória/ Timbó das pedras de seixo/ Vocês são minha memória/Correm em mim desde o começo//Quando o Subaé subia/Beijando o Sergimirim/Um amor de águas limpas/Nascia dentro de mim//E foi assim pela vida/Navegando em tantas águas/Que mesmo as minhas feridas/Viraram ondas ou vagas//Hoje eu lembro dos meus rios/Em mim mesma mergulhada/Águas que movem moinhos/Nunca são águas passadas//Eu sou memória das águas/Eu sou memória das águas”.

Na letra de Ana Carolina e Jorge Vercilo ela confessa: “Garimpeira da beleza/te achei na beira de você me achar/me agarra na cintura, me segura e jura que não vai me soltar/e vem me bebendo toda, me deixando tonta de tanto prazer/navegando nos meus seios, mar partindo ao meio/não vou esquecer//Eu que não sei quase nada do mar/descobri que não sei nada de mim....” (Eu que não sei quase nada do mar).

A poesia de Drummond, musicada por Sueli Costa: “O mundo é grande e cabe nessa janela sob o mar”. E de novo o Mar sonoro de Sophia: “Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim./A tua pureza aumenta quando estamos sós/e tão fundo intimamente a tua vez/segue o mais secreto bailar do meu sonho/que momentos há em que eu sozinho/seres um milagre criado só para mim”. E em águas profundas e algumas vezes escuras Bethânia abre espaço para uma criação coletiva dos Titãs, para as praias desertas de Jobim, uma inserção rápida pela obra de Caymmi, Caetano, um canto de Toquinho e Vinícius numa participação especial da percussão de Nana Vasconcellos. “Só na foz do rio é que se ouvem os murmúrios de todas as fontes” (Guimarães Rosa).

26 fevereiro 2007

2007 pode ser o ano mais quente de toda a história

O ano de 2007 pode entrar para a história da humanidade como o mais quente de todos, gerando conseqüências graves para todo o planeta. O alerta foi feito pelo diretor da Unidade de Pesquisa sobre Clima da Universidade de East Anglia, Phil Jones. Em entrevista ao jornal britânico The Independent, o professor especializado em estudos sobre o tempo afirmou que o aquecimento histórico será fruto da combinação efeito estufa com o fenômeno climático El Niño, causado pelo aumento da temperatura média das águas do Oceano Pacífico.

Juntos, por exemplo, eles devem provocar seca na Indonésia e inundações na Califórnia, Estados Unidos. “O El Niño faz o mundo ficar mais quente. E já há uma tendência de aquecimento que, a cada década, aumenta as temperaturas globais entre um e dois décimos de grau centígrado”, explica o diretor. Com isso, 2007 deve superar 1998 no ranking do calor. Esse ainda é o ano mais quente da história. “Serão 12 meses cruciais para vermos que resposta daremos para tudo isso”, salienta Jones, que não está sozinho na sua visão de caos. Na mesma reportagem do Independent, o cientista norte-americano da Nasa, Jim Hansen, afirma que o aquecimento global pode sair fora de controle e mudar o planeta por completo. “A mudança climática deve aumentar o nível dos mares e causar a extinção de espécies.”

O cientista americano Jim Hansen em 1988 alertou sobre as mudanças climáticas, diz que o aquecimento global pode ficar fora de controle e mudar totalmente o planeta, a menos que medidas sejam tomadas rapidamente para reverter o aumento das emissões de carbono. Sua opinião é compartilhada pelo assessor científico do governo britânico, David King, que considera "essencial" chegar o mais rápido possível a um acordo sobre as emissões de carbono, consideradas causadoras do efeito estufa.

As previsões dos especialistas vão ao encontro da advertência divulgada recentemente pela Organização Mundial de Meteorologia. Entidade ligada à ONU e responsável pelo monitoramento do clima, ela afirma que El Niño pode ser a causa de condições climáticas extremas no continente americano, no Sudeste Asiático e no sul da África já nos primeiros quatro meses de 2007. E o estrago não deve ser pouco. Entre 1997 e 1998, por exemplo, o fenômeno causou a morte de mais de duas mil pessoas e danos materiais estimados em US$ 37,7 bilhões em todo o mundo.

Os governos da Europa vão pressionar por uma solução urgente, porque os efeitos devastadores não são coisas de um futuro de ficção científica. Eles já estão entre nós. Cientistas dizem que reverter o quadro atual já está ficando difícil. Enchentes, incêndios, secas, o Pólo Norte derretendo. As condições climáticas estão cada vez mais extremas. Fábricas, aviões, carros, todos consumindo, poluindo e aquecendo o planeta. Como disse um cientista britânico, ou se faz algo já, ou o preço de não se fazer nada será caro e catastrófico demais.

Existe o temor de que esse fenômeno cause condições climáticas extremas no continente americano, no Sudeste Asiático e no sul da África especialmente nos primeiros quatro meses de 2007, ressalta o "Independent". O El Niño tem esse nome porque costuma se formar na época do Natal e ocorre em intervalos de entre dois e sete anos. Entre 1997 e 1998, o fenômeno causou a morte de mais de 2.000 pessoas e danos materiais estimados em US$ 37,7 bilhões em todo o mundo.

No Brasil, também será um ano de muito calor e ainda marcado por duas situações bem diferentes: seca nas regiões Norte e Nordeste; pancadas de chuvas intensas no Sul e Sudeste do país. São as previsões do Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo. Os efeitos do El Niño muda o clima e mexe com a vida de muita gente. Quando esse fenômeno acontece, a temperatura média do Oceano Pacífico, numa faixa mais próxima à linha do Equador, sobe em até quatro graus. E parte desse calor vai para o ar. Correntes de ar mais quentes do que o normal circulam pelo planeta, principalmente nos trópicos, a faixa central do globo. Isso aumenta ainda mais a temperatura média.

“Os estudos que foram feitos indicam claramente que a tendência de aumento na temperatura do Brasil é similar do resto do mundo", explica Carlos Nobre, pesquisador do Inpe. "Nós já entramos em 2007 com uma grande quantidade de tempestades intensas, enxurradas, fatalidades no Brasil. Então, este ano promete complicado do ponto de vista climático e temos que nos adaptar a esse quadro. Não vai haver nenhum alívio nos próximos anos", alerta. A temperatura média do Brasil aumentou 0,7 grau nos últimos 50 anos e vai continuar subindo. Segundo as projeções científicas menos pessimistas, a média deve aumentar dois ou três graus Celsius até o fim deste século.

"Nós devemos esperar, sim, fenômenos atípicos, fenômenos que nunca aconteceram. O Catarina, em 2004, foi o primeiro furacão registrado no Atlântico Sul. E se vai acontecer novamente esse tipo de fenômeno ou não, ainda não há certeza científica", diz Carlos Nobre. Nosso planeta abriga uma variedade impressionante de paisagens e climas. Desde o início da vida na terra, há cerca de quatro bilhões de anos, o planeta já passou por mudanças climáticas extraordinárias. Mas, agora, parece que a terra está se transformando de maneira diferente. Não mais por conta de eventos naturais, mas pela ação de uma única espécie: o homem. (Fonte: dados divulgados pela mídia)

23 fevereiro 2007

Música & Poesia

Lero lero (Cacaso)

Sou brasileiro de estatura mediana
Gosto muito de fulana mas sicrana é quem me quer
Porque no amor quem perde quase sempre ganha
Veja só que coisa estranha, saia dessa se puder
Não guardo mágoa, não blasfemo, não pondero
Não tolerolero lero devo nada pra ninguém
Sou descasado, minha vida eu levo a muque
Do batente pro batuque faço como me convém
Eu sou poeta e não nego a minha raça
Faço versos por pirraça e também por precisão
De pé quebrado, verso branco, rima rica
Negaceio, dou a dica, tenho a minha solução

Sou brasileiro, tatu-peba taturana
Bom de bola, ruim de grana, tabuada sei de cor
Quatro vez sete vinte e oito nove fora
Ou a onça me devora ou no fim vou rir melhor
Não entro em rifa, não adoço, não tempero
Não remarco, marco zero, se falei não volto atrás
Por onde passo deixo rastro, deixo fama
Desarrumo toda a trama, desacato Satanás
Sou brasileiro de estatura mediana
Gosto muito de fulana mas sicrana é quem me quer
Diz um ditado natural da minha terra

Bom cabrito é o que mais berra onde canta o sabiá
Desacredito no azar da minha sina
Tico-tico de rapina, ninguém leva o meu fubá




Generaciones y semblanzas (João Cabral de Melo Neto)

Há gente para quem
tanto faz dentro e fora
e por isso procura
viver fora de portas.

Há gente que se aquece
por dentro, e há em troca
pessoas que preferem
aquecer-se por fora.

Há gente que se gasta
de dentro para fora,
e há gente que prefere
gastar-se no que choca.

Há gente que se infiltra
dentro de outra,
e aí mora,
vivendo do que filtra,
sem voltar para fora.

22 fevereiro 2007

Química do amor


Estudos científicos identificaram as substâncias responsáveis para iniciar o processo de atração sexual: dopamina, feniletilamina e ocitocina. Esses produtos químicos são todos relativamente comuns no corpo humano e são encontrados apenas durante as fases iniciais do flerte. Segundo a professora Cindy Hazan, da Universidade Cornell de Nova Iorque, “os seres humanos são biologicamente programados para se sentirem apaixonados durante 18 a 30 meses”, tempo suficiente para que o casal se conheça. Copule e produza uma criança.

Com o tempo, o organismo vai se tornando resistente aos efeitos da feniletilamina, e toda a “loucura” da paixão desvanece gradualmente – a fase de atração não dura para sempre. O casal, então, se vê frente a uma dicotomia: ou se separa ou habitua-se a manifestações mais brandas de amor – companheirismo, afeto, e tolerância -, e permanece junto.

A feniletilamina é uma molécula (neurotransmissor) natural semelhante à afetamina e sua produção no cérebro é desencadeada por eventos tão simples como uma troca de olhares ou um aperto de mãos. Esta substância pode responder em grande parte, pelas sensações e modificações fisiológicas que experimentamos quando estamos apaixonados.

Pesquisadores afirmam que exalamos continuamente, pelos bilhões de poros na pele e até mesmo pelo hálito, produtos químicos voláteis chamados feromônios. Assim como os animais, que se deixam guiar pelo olfato durante o acasalamento, os seres humanos usam inconscientemente este sentido no momento de escolher um parceiro. Assim, por meio dos feromonas somos capazes de detectar o cheiro corporal dos demais e responder diante deste estímulo.

O odor corporal é fortemente influenciado pelo tipo de alimentação e influência nossas preferências por certos aromas. Pessoas que gostam de comidas muito temperadas também preferem fragrâncias fortes e penetrantes, como as que contêm patchuli, sândalo ou gengibre. Aquelas que consomem mais laticínios preferem florais, como lavanda e néroli (flor de laranjeira). Os japoneses (alimentação baseada em peixes, verduras e arroz) são atraídos por fragrâncias delicadas. E, enquanto os esquimós são tidos como tendo cheiro de peixe e os africanos cheiro de amoníaco, o resto do mundo concorda que o cheiro azedo dos europeus é o mais nauseante, dizem os pesquisadores.

Os sentidos humanos estimulam a paixão. A visão é, provavelmente, a fonte de estimulação mais importante que existe. No homem, existem numerosos estímulos visuais envolvidos na atração sexual, que vão muito além da visão dos genitais do sexo oposto. A forma de mover-se, um olhar, um gesto, inclusive a forma de vestir-se, são estímulos que podem resultar mais atraentes que a contemplação pura e simples de um corpo nu. O amor entra pelos olhos.

O uso de frases e canções amorosas constitui uma das preliminares mais habituais n as sociedades humanas como meio de solicitação sexual. Através da audição, uma frase erótica, sussurrada ao ouvido, pode resultar tão incitadora quanto um bramido de elefante na imensidão da selva. E não só as primeiras palavras, mas também os tons de voz deverão responder aos padrões de saúde e genética desejados na escolha do (a) parceiro (a).

O tato é outra preciosidade, a pelo com a qual amamos. A superfície do corpo humano, com aproximadamente dois metros quadrados de extensão é, poderíamos dizer, o maior órgão sexual do homem. Mais do que simplesmente um dos sentidos, o tato é a resultante de muitos ingredientes: sensibilidades superficiais, profundas, vontade de explorar e atividade motora, emoções, memória, imaginação. Existe cerca de cinco milhões de receptores do tato na pele – as pontas dos dedos têm uns 3.000 que enviam impulsos nervosos ao cérebro através da medula. O tato é o mais primitivo e elementar dos sentidos.

A boca é a primeira fonte de prazer. Vai da fase em que o bebê se amamenta através do mamilo da sua mãe até a fase adulta, quando o paladar fica cada vez mais apurado. A língua é a base de todo o paladar e a boca é uma das partes mais sensíveis do corpo e mais versáteis. Um beijo combina os três sentidos de tato, paladar e olfato. Favorece o aparelho circulatório, aumento de 70 paras 150 os batimentos do coração e beneficia a oxigenação do sangue. Sem esquecer que o beijo estimula a liberação de hormônios que causam bem-estar.

E quem pensa que o amor começa quando os olhares se encontram está enganado. É um pouco mais embaixo, no nariz. Há circuitos que vão do olfato ao cérebro e leva uma mensagem muito clara: sexo. Os feromônios que falamos no início e exalam pelos bilhões de poros na pele envolve nosso comportamento sexual e a marcação de território. Eles produzem reações químicas que resultam em sensações prazerosas. Quando decidimos que temos química com alguém, o mais provável é que estamos literalmente certos.

15 fevereiro 2007

Cante conosco os anos de folia (7)

O Verão é a estação na medida para quem gosta de sol, mar e som. É a temporada mais badalada do ano se transforma com os ritmos suingados da Bahia. Com a chegada do Verão as pessoas se aproximam, deixando-se envolver pela quente mistura de samba com reggae, rumba, galope, merengue, lambada e pagode. O som dos metais, aliados às batidas africanas, formam um sonoro cartão-postal da Bahia. É a época onde os cantores baianos lançam seus CDs cheios de suingues, um irrecusável convite à dança:

1993:
“Requebra, requebra, requebra assim/pode falar, pode rir de mim (4 vezes)/Requebra!/deusa de marron/jeito sensual/quando ela passa agita a cidade/pois é carnaval//Eu já falei que te quero,/não tenho vergonha de te assumir (não, não)/pois o homem não vive/se o seu sentimento não admitir/pode requebrar, pode requebrar//Requebra, requebra, requebra assim/pode falar, pode rir de mim (4 vezes) requebra.../faça o que quiser, mas eu não vou te esquecer/quero você, amoooor!(bis) Requebra!//Requebra, requebra, requebra assim/pode falar, pode rir de mim (4 vezes) Requebra....
até no chão!//Embaixo, embaixo, embaixo- ôôô/em cima, em cima ,em cima-ôôô/vão la mainha!/embaixo embaixo embaixo –ôôô” (Requebra, de Pierre Onassis)

1994:
“Ah eu tou maluco!.../meu cabelo duro é assim, cabelo duro, de pixaim (bis)/nega não precisa nem falar, nega não precisa nem dizer/que meu cabelo duro se parece é com você/belezaaaaa, uh!! é festaaaa, uh!!/Chiclete com Banana, uh uh !! (bis)//Meu cabelo duro é assim, cabelo duro, de pixaim/lelele le ôôôô Lelele le ôôôô/quem me ligou, não disse alô/tou no chuveiro tou com calor/tou resolvendo, pra onde eu vou/o segurança toca o agogô/eu tou ligado ligado no meu cabelo duro, que é de pixaim/é de pixaim, é de pixaim/oi oi/- E a mão pra cima batendo palma, ah eu tou maluco(refrão)/meu cabelo duro é assim, cabelo duro, de pixaim (bis)/nega não precisa nem falar, nega não precisa nem dizer/que meu cabelo duro se parece é com você” (Meu Cabelo Duro é Assim canta Chiclete com Banana)

2002:
“Festa no gueto,/pode vir, pode chegar/misturando o mundo inteiro/vamos ver no que é que dá//Hoje tem festa no gueto,/pode vir, pode chegar/misturando o mundo inteiro/vamos ver no que é que dá//Tem gente de toda cor/tem raça de toda fé/guitarras de rock'n'roll/batuque de candomblé/vai lá pra ver/a tribo se balançar/e o chão da terra tremer/mãe Preta de lá mandou chamar/avisou, avisou, avisou, avisou...//Que vai rolar a festa/vai rolar/o povo do gueto/mandou avisar” (Festa, canta Ivete Sangalo)

2004:
“Poeiraaa.../poeiraaa.../poeiraaa.../levantou poeiraaa...//A minha sorte grande,/foi você cair do céu,/minha paixão verdadeira./viver a emoção,/ganhar seu coração,/pra ser feliz a vida inteira...//É lindo o teu sorriso,/o brilho dos teus olhos,/meu anjo querubim./doce dos meus beijos,/calor dos meus braços,/perfume de jasmim...//Chegou no meu espaço,/mandando no pedaço,/o amor que não é brincadeira.//Pegou me deu um laço,/dançou bem no compasso,/que prazer levantou poeira.//poeiraaaaaa.../poeiraaaaaa.../poeiraaaaaa.../levantou poeira!” (Sorte Grande, canmta Ivete Sangalo)


“Corre Cosme chegou/doum alabá/Damião jaçanã/pra levar e deixar/alegria de erê/é ver gente sambar//Meu look laquê/mandei cachear/me alise pra ver/meu forte é beijar/vou cantar maimbê/pra você se acabar//Maimbê, maimbê, dandá/maimbê, maimbê, dandá/maimbê, maimbê, dandá/zum, zum, zum, zum zum baba/zum zum baba, zum zum baba/traga a avenida com você/tava esperando maimbê/zum, zum, zum, zum zum baba/zum zum baba, zum zum baba//Corre Cosme chegou/doum alabá/Damião jaçanã/pra levar e deixar/alegria de erê/é ver gente sambar/oiá eparrêi/me ensine a espiar com os olhos de quem me cega de amar/vou cantar maimbê, pra você se acabar” (Maimbê Dandá, de Carlinhos Brown e Mateus)

2005:
“Coração,/para que se apaixonou/por alguém que nunca te amou/alguém que nunca vai te amar/eu vou fazer promessas para nunca mais amar/alguém que só quis me vê sofrer/alguém que só quis me vê chorar/preciso sair dessa/dessa de me apaixonar/por quem só que me fazer sofrer/por quem só que me fazer chorar/e é tão ruim quando alguém machuca a gente/o coração fica doente/sem jeito até pra conversar/dói demais, e só quem ama sabe e sente/o que se passa em nossa mente/na hora de deixar rolar//Nunca mais eu vou provar do teu carinho/nunca mais eu vou poder te abraçar/ou será que eu vivo bem melhor sozinho/e se for mais fácil assim pra perdoar//O amor ás vezes só confunde a gente/não sei com você pode ser bem diferente/o amor ás vezes só confunde a gente/não sei com você pode ser diferente/Coração ...” (Coração de Dorgival Dantas, canta o grupo Rapazolla)

2006:
“Por essa nega/eu ponho roupa nova/uso óculos escuros/desço do muro/ela sabe me fazer feliz//Nega, óculos escuros/na parede, na parede/na parede do meu sonho//Ela pintou alegria/arrumou tudo em mim//Café com pão é bom/à brasileira/é brasileira/à brasileira//Vixe mainha/ó neguinha/tudo é tão bom/Uouoh mainha/ó neguinha/tudo é tempo (2x)/nega” (Café com Pão, do grupo Afrodisíaco)

2007:
“Que som é esse mano,/que o povo tá dançando?/que vem de lá pra cá?//É um som diferente,/que alucina a gente,/faz dançar.//É uma mistura de tambor,/violino e agogô,/que não deixa ninguém parado./lá no fundo tá rolando/o som que vem empurrando,/é o berimbau metalizado!//Tá, tá, ta/Tá arrastando toda a massa./Tá, tá, ta/Tá balançando o chão da praça./Tá tá ta/Tá todo mundo arrepiado,/curtindo o som do berimbau metalizado!” (Berimbau Metalizado, de Gigi na voz de Ivete Sangalo)

14 fevereiro 2007

Cante conosco os anos de folia (6)

Os lundus, chulas, tangos, polcas, marchinhas e sambas foram as delícias dos carnavais de outrora. Hoje o povo se diverte com frevo, galope, axé music, samba reggae, pagode, samba de roda e o que vier pela frente numa mistura de 180 graus. Descendo ou subindo a ladeira a música ainda é o combustível do carnaval.

1985:
“Sementes de cores vivas/acende novas recordações/e o vento solta faíscas/cortando belas constelações/e ronda o céu e o coração/embalando-se nas ondas de um baião/e cor de mel, doce canção/animando o carrossel/no luar do meu sertão//Deixa que o povo semeia na escuridão/o amor ô ô ô ô...” (Sementes, de Missinho e Beto Nascimento)

1987:
“Deuses/divindade Infinita do Universo/predominante/esquema mitológico/a ênfase do espírito original/Exu/formará/no Eden um Novo Cósmico//A emersão/nem Osíris sabe como aconteceu/a emersão/nem Osíris sabe como aconteceu//A ordem ou submissão/do olho seu/transformou-se/na verdadeira humanidade//Epopéia/do Código de Gerbi/eu falei Nuti/e Nuti/gerou as estrelas//Osiris/proclamou matrimônio com Isis/e o mal Seth/Hiradu assassinou/impera-ar/Horus levando avante/a vingança do Pai/derrotando o Império do mal Seth/ao grito da vitória/que nos satisfaz//Cadê ?/Tutacamom/Hei Gize/Akhaenaton/Hei Gize/Tutacamom/Hei Gize/Akhaenaton//Eu falei Faraó/êeeee Faraó/eu clamo Olodum Pelourinho/êeeee Faraó/é pirâmide da paz e do Egito/êeeee Faraó/eu clamo Olodum Pelourinho/êeeee Faraó//É que Mara Mara/maravilha ê/Egito Egito Ê/Egito Egito Ê/é que Mara Mara/maravilha Ê/Egito Egito Ê/Egito Egito Ê/Faraó ó ó ó Ó/Faraó ó ó ó Ó//Hum Pelourinho/uma pequena comunidade/que porém Olodum um dia/em laço de confraternidade//Despertai-vos para/cultura Egipicia no Brazil/em vez de cabelos trançados/veremos turbantes de Tucamom//E nas cabeças/enchei-se de liberdade/O povo negro pede igualdade/deixando de lado as separações//Cadê ?/Tutacamom/Hei Gize/Acainaton/Hei Gize/Acainaton/Tutacamom/Hei Gize//Eu falei Faraó/êeeee Faraó/eu clamo Olodum Pelourinho/êeeee Faraó/é pirâmide da paz e do Egito/êeeee Faraó/é eu clamo Olodum Pelourinho/êeeee Faraó/É que Mara Mara/Maravilha Ê/Egito Egito Ê/Egito Egito Ê/É que Mara Mara/Maravilha Ê/Egito Egito Ê/;Egito Egito Ê/Faraó ó ó ó Ó/Faraó ó ó ó Ó” (Faraó Divindade do Egito, canta Olodum)

1989:
“Foi sem querer/que eu beijei a sua boca/menina tão louca/eu quero te beijar//Beijo na boca/seu corpo no meu, suado/tem sabor de pecado/com jeito de bem me quer//Todo dia é de festa na Bahia/o trio irradia alegria/e o farol ilumina Salvador/ê, ô, ê, ô/todo dia é festa em Salvador/ê, ô, ê, ô/suor, swing maneiro/pecado e amor” (Beijo na Boca, de João Guimarães e George Dias)

1991:
“Ae, ae, ae, ae/ei, ei, ei, ei/oô, oô, oô, oô, oô, oô, o//Quando você chegar/quando você chegar/quando você chegar/numa nova estação/te espero no verão//Salve, Salvador/me bato, me quebro tudo por amor/eu sou do Pelô/o negro é raça é fruto do amor/salve, Salvador/me bato, me quebro tudo por amor/eu sou do Pelô//Ae, ae, ae, ae/ei, ei, ei, ei/oô, oô, oô, oô, oô, oô, o//Ae, ae, ae, ae/ei, ei, ei, ei/oô, oô, o” (Prefixo de Verão, de Robson Morais, Alobened Aeran e Márcia Short)

1992:
“Já pintou verão/calor no coração/a festa vai começar/Salvador se agita/numa só alegria/eternos Dodô e Osmar//Na avenida Sete/da paz eu sou tiete/na barra o Farol a brilhar/Carnaval na Bahia/oitava maravilha/nunca irei te deixar, meu amor/eu vou/atrás do trio elétrico vou/dançar ao negro toque do agogô/curtindo minha baianidade nagô ô ô ô ô//Eu queria/que essa fantasia fosse eterna/quem sabe um dia/a Paz vence a guerra/e viver será só festejar” (Baianidade Nagô, Banda Beijo)

“A cor dessa cidade sou eu/o canto dessa cidade é meu//O gueto, a rua, a fé/eu vou andando a pé/pela cidade bonita/o toque do afoxé/e a força, de onde vem?/ninguém explica/ela é bonita//Uô ô/verdadeiro amor/Uô ô/você vai onde eu vou//Não diga que não me quer/não diga que não quer mais/eu sou o silêncio da noite/o sol da manhã//Mil voltas o mundo tem/mas tem um ponto final/eu sou o primeiro que canta/eu sou o carnaval//A cor dessa cidade sou eu/o canto dessa cidade é meu” (O Canto da Cidade, de Tote Gira e Daniela Mercury)

“O vento faz rende-vous/no seu cabelo alinhado/acostumado com meu embolado/acho que o passo é do seu sapato/Dona Naná tá danada/o santo dela desceu/a jangada tá lavada/entre nela mais eu//Vumbora mar/embora mais eu/vumbora mar/embora mais eu/eu deixaria a areia/coberta de você/no seu cabelo enrolado/leve um cacho de dendê//Salte que o salto/é do seu sapato/passe que o espaço” (Vumbora Amar, de Carlinhos Brow e Alaim Tavares)

13 fevereiro 2007

Cante conosco os anos de folia (5)

A comercialização desenfreada da música popular brasileira, tornada indústria rendosa, movimentando enorme cópia de interesses havia que influir no setor melódico do carnaval. As empresas gravadoras, comerciais que o são, teriam de agir em função dos seus objetivos de lucro. Também os compositores, solidamente organizados, disputaram numa concorrência puramente mercantil, que assume às vezes proporções de batalhas. Intérpretes igualmente participaram da luta que é dura, mas lucrativa. E, como geralmente acontece no carnaval, ou fora dele, nessa feroz competição comercial só o povo é passado para trás. O povo que rebocado pelos conjuntos que o acompanhava, acabou como acompanhante... Cantando e pulando de acordo com alto falantes ou com a orquestra que no baile executa programa previamente elaborado. Assim tudo é controlado, dirigido... Mesmo assim o nosso Carnaval teve pérolas musicais:


1980:
“Quantos aqui ouvem os olhos eram de fé/quantos elementos amam aquela mulher/quantos homens eram inverno outros verão/outonos caindo secos no solo da minha mão//Gemeram entre cabeças a ponta do esporão/a folha do não-me-toque e o medo da solidão/veneno meu companheiro desata no cantador/e desemboca no primeiro açude do meu amor/é quando o vento sacode a cabeleira/a trança toda vermelha/um olho cego vagueia procurando por um...” ( Frevo Mulher, de ZécRamalho)

1981:
“Eu sou o carnaval em cada esquina do seu coração(menina)/eu sou o pierrot e a colombina de Ubarana-Amaralina/que alucina a multidão (eu sou) 2x//Toda a cidade vai navegar no mar azul badauê/fazer tempêro, se namorar na massa, no massapê (2x)//Baba de moça no carapuá é ganzá, bongô, agogô, pirá (2x)” (Carnaval em Cada Esquina, de Moraes Moreira e Rizério)

“Varre, varre, varre vassourinhas/varreu um dia as ruas da Bahia/frevo, chuva de frevo e sombrinhas/metais em brasa, brasa, brasa que ardia/varre, varre, varre vassourinhas/varreu um dia as ruas da Bahia//Abriu alas e caminhos pra depois passar/o trio de Armandinho, Dodô e Osmar (bis)//E o frevo que é pernambucano, ui, ui, ui, ui/sofreu ao chegar na Bahia, ai, ai, ai, ai/um toque, um sotaque baiano, ui, ui, ui, ui/pintou uma nova energia, ai, ai, ai, ai//Desde o tempo da velha fubica, hahahahaha.../parado é que ninguém mais fica//É o frevo, é o trio, é o povo/é o povo, é o frevo, é o trio/sempre junto fazendo o mais novo (bis)/carnaval do Brasil”. (Vassourinha Elétrica, de Moraes Moreira)

“Você sabe o que é tiete?/tiete é uma espécie de admirador/atrás de um bocadinho só do seu amor/afins de estar pertinho, afins do seu calor//Hoje eu sou o seu tiete/às suas ordens, ao seu inteiro dispor/de imediato aonde você for eu vou/no ato, no ato/pro mato, pro motel, de moto ou de metrô//Tititititi/como é bom tietar/seu amor inatingível//Tititititi/e se você deixar/eu farei todo o possível/pra alcançar o nível do seu paladar”. (Marcha da Tiete, de Gilberto Gil)

“No azul de Jezebel/no céu de Calcutá/feliz constelação/reluz no corpo dela/ai tricolor colar//Ás de maracatu/no azul de Zanzibar/ali meu coração/zumbiu no gozo dela/ai mina aperta a minha mão/alá me “only you”/no azul da estrela//Aliás bazar da coisa azul/meu “only you”/é muito mais que o azul de Zanzibar/Paracuru/o azul da estrela/o azul da estrela” ( Zanzibar, de Armandinho e Fausto Nilo)

“Alô, Alô pessoal do alô/vai ter auê, badauê, ebó/chilique do cacique/no ponto chique/atrás do cheirinho da loló/mas qual é o pó?/quem é do roçado/ralando coco se dá melhor/sou pena branca/da zona franca/de Maceió/vendendo peixe/passando piche/sou azeviche/Apache do Tororó”. (Pessoal do Alô, de Moraes Moreira e Risério)

1982:
“Transando o corpo e a cuca numa naice/curtindo um beise bem relex/com a rapeize do arpex/ta bom, ta bom, ta boa/seja no Baixo Leblon/ou na terra da Garoa//E agora que o sol já vem/já vem, já vem/trazendo toda energia/doida não atende ninguém/vive o verão da Bahia/sabendo o que a vida ensina/sina, sina/sabe do bem e do mal/e o ano só termina/quando é carnaval//Primavera no Rio de Janeiro/o verão da Bahia ´[e uma idéia” (As Quatro Curtições do Ano, de Moraes Moreira).

“Fagulhas, pontas de agulhas/brilham estrelas de São João/babados, xotes e xaxados/segura as pontas, meu coração/bombas na guerra magia/ninguém matava/ninguém morria/nas trincheiras da alegria/o que explodia era o amor” (Festa do Interior, de Moraes Moreira e Abel Silva).

1984:
“Eu quero um banho de cheiro/eu quero um banho de lua/eu quero navegar/eu quero uma menina/que me ensine noite e dia/o valor do B-A-BA/O B-A-BA dos seus olhos/morena bonita da Boca do Rio/O B-A-BA da Bahia/sangrando alegria, manhã de folia/magia, magia, dos filhos de Ghandi/no B-A-BA dos baianos/que chame bonito o santo que deu/no B-A-BA do Senhor do Bonfim/no B-A-BA do sertão/sem chover, sem colher, sem comer, sem lazer/do B-A-BA do Brasil” (Banho de Cheiro, de Carlos Fernando).

12 fevereiro 2007

Cante conosco os anos de folia (4)



Mas tudo começou no século XIX, com pequenos grupos de negros e gente do povo comemorando o Entrudo à moda de Portugal. Depois de evoluir para uma festa das elites, realizadas primeiro nos grandes salões das casas e depois nos clubes, o carnaval da Bahia reafirmou-se como uma festa de rua, das classes baixas, dos negros e mestiços, que desfilavam nos corsos e cordões até o formato mais recente, dos blocos de carnaval.





1967:
“Tanto riso, oh quanta alegria/mais de mil palhaços no salão/Arlequim está chorando pelo amor da Colombina/no meio da multidão//Foi bom te ver outra vez/tá fazendo um ano/foi no carnaval que passou/eu sou aquele pierrô/que te abraçou/que te beijou, meu amor/a mesma máscara negra/que esconde o teu rosto/eu quero matar a saudade/vou beijar-te agora/não me leve a mal/hoje é carnaval” (Máscara Negra, de Zé Kéti e Pereira Matos)

1968:
“Voltei/aqui é meu lugar/minha emoção é grande/a saudade era maior/e voltei para ficar//Meu bem/como dói a solidão/senti falta do teu beijo/quase morro de desejo/fiz até esta canção/ô ô ô ô ô ô ô ô” (Voltei, de Osvaldo Nunes, Denis Lobo e Celso de Castro)

1969:
“Olha o bloco de sujo,/que não tem fantasia,/mas que traz alegria,/para o povo sambar,/olha o bloco de sujo,/vai batendo na lata,/alegria barata,/Carnaval é pular.//Plac, plac, plac,/bate a lata,/Plac, plac, plac,/bate a lata,/Plac, plac, plac,/se não tem tamborim,/Plac, plac, plac,/bate a lata,/Plac, plac, plac,/ bate a lata,/Plac, plac, plac,/Carnaval é assim”. (Bloco do Sujo, de Luiz Antonio e Luiz Reis)

“Bahia os meus olhos estão brilhando/meu coração palpitando/de tanta felicidade/és a rainha da beleza universal/minha querida Bahia/muitos antes do Império/foi a primeira Capital/preto velho Benedito já dizia/felicidade também mora na Bahia” (Bahia de Todos os Deuses, de Bala “José Nicolau Filho” e Manuel Rosa)

“Atrás do trio elétrico/só não vai quem já morreu/quem já botou pra rachar/aprendeu que é do outro lado/do lado de lá do lado/que é lá do lado de lá/o sol é seu o som é meu/quero morrer,quero morrer já/o som é seu, o sol é meu/quero viver, quero viver lá/nem quero saber se o diabo nasceu/foi na Bahia, foi na Bahia/o trio elétrico só morreu/no meio dia, no meio dia” (Atrás do Trio Elétrico, de Caetano Veloso)

1970:
“Hoje eu não quero sofrer/hoje eu não quero chorar/deixei..a tristeza lá fora/mandei a saudade esperar/hoje eu não quero sofrer/quem quiser que sofra em meu lugar//Quero me afogar em serpentinas/quando ouvir o primeiro clarím tocar/quero ver milhões de colombinas/a cantar..trá-lá-lá/lá-lá-lá//Quero me perder de mão-em-mão/quero ser ninguém na multidão” . (O Primeiro Clarim, de Rutinaldo e Klecius Caldas)

1974:
“Lá vem Portela/com Pixinguinha em seu altar/e altar de escola é o samba/que a gente faz/e na rua vem cantar/Portela/teu carinhoso tema é oração/pra falar de quem ficou/como devoção/em nosso coração (bis)/Pizindin! Pizindin! Pizindin!/era assim que a vovó/Pixinguinha chamava/menino bom na sua língua natal/menino bom que se tornou imortal/a roseira dá/rosa em botão/Pixinguinha dá/rosa, canção/e a canção bonita é como a flor/que tem perfume e cor/e ele/que era um poema de ternura e paz/fez um buquê que/não se esquece mais/de rosas musicais”. Lá vem Portela... (O Mundo Melhor de Pixinguinha -Pizindin, de Jair Amorim, Evaldo Gouveia e Velha “Eusébio Nascimento”)

1977:
“Pombo correio voa depressa/e esta carta leva para o meu amor/leva no bico que eu aqui fico esperando/pela resposta que é prá saber se ela ainda gosta de mim/pombo correio se acaso um desencontro/acontecer não perca nem um só segundo/voar o mundo se preciso for/o mundo voa mas me traga uma notícia boa//Pombo correio voa ligeiro/meu mensageiro e essa mensagem de amor/leva no bico que eu aqui fico cantando/que é prá espantar essa tristeza/que a incerteza que o amor traz/pombo correio nesse caso eu lhe conto/por estas linhas a que ponto quer chegar/meu coração o que mais gosta”. (Pombo Correio, de Moraes Moreira)

1979:
“Meu amor/quem ficou nessa dança/meu amor/tem fé na dança/nossa dor, meu amor/é que balança, nossa dor/o chão da praça//Vê que já detonou o som da praça/porque já todo pranto rolou/olhos negros, cruéis, tentadores/das multidões sem cantor// Eu era menino, menino um beduíno com ouvido de mercador//lá no oriente tem gente com olhar de lança na dança do meu amor(2x)//Tem que dançar a dança que a nossa dor balança o chão da praça ôuôuô/balança o chão da praça Ô u ô u ô balança o chão da praça” (Chão da Praça, de Moraes Moreira e Fausto Nilo)

“Abra alas minha gente/que o frevo vai passar/é o famoso trio de Dodô e Osmar/quando a rua sai, a alegria é geral/é quem mais anima o nosso carnaval//Pula gente bem/pula pau de arara/pula até criança/e velho babaquara//É o frevo da Bahia/alegrias no dá/com o trio elétrico/de Dodô e Osmar” (Frevo do Trio Elétrico de Dodô e Osmar).

09 fevereiro 2007

Cante conosco os anos de folia (3)

De mais de meio século para cá, a partir dos anos 50 a cantiga se tornou o elemento de maior relevo, o fator importante no carnaval, que é essencialmente cantado. Canta-se nas ruas, nos bares, nos desfiles, nos salões. Cantando é que o povo brinca. Bebe-se cantando, come-se cantando,. samba-se cantando. Não basta a música para a alegria coreográfica como o carnaval pernambucano, baiano ou carioca. O cântico é essencial. E o carnaval prossegue, embora se modifique de tempos em tempos. Somente a canção continua a ser índice expressivo da sua animação e alegria. Carnaval taí, cante:

1951:
“Tomara que chova /três dias sem parar (bis)/a minha grande mágoa /é lá em casa não ter água/eu preciso me lavar//De promessa eu ando cheia/quanto conto a minha vida/ninguém quer acreditar/trabalho não me cansa/me cansa é pensar/se lá em casa não tem água/nem pra cozinhar/tomara que chova” (Tomara que Chova, de Paquito e Romeu Gentil)

1953:
“Você pensa que cachaça é água/cachaça não é água não/cachaça vem do alambique/e água vem do ribeirão//Pode me faltar tudo na vida/arroz feijão e pão/pode me faltar manteiga/e tudo mais não faz falta não/pode me faltar o amor/há, há, há, há!/isto até acho graça/só não quero que me falte/a danada da cachaça//can can//Tem francesinha no salão/tem francesinha no cordão/ela é um sonho de mulher/vem do folies bergères/uh lá lá trés bien!/maestro ataca o can can! (Cachaça, de Mirabeau Pinheiro)


1956:
“Mangueira teu cenário é uma beleza/que a natureza criou, ô...ô...//O morro com teus barracões de zinco,/quando amanhece, que esplendor,/todo o mundo te conhece ao longe,/pelo som teus tamborins/e o rufar do teu tambor, chegou, ô... ô.../a mangueira chegou, ô... ô...//Ó Mangueira, teu passado de glória,/ficou gravado na história,/é verde-rosa a cor da tua bandeira,/pra mostrar a essa gente,/que o samba, é lá em Mangueira!” ( Exaltação À Mangueira, de Enéas Brites da Silva e Aloísio Augusto da Costa)

1958:
“Engole ele/engole ele, paletó/engole ele, paletó/que o dono dele era maior//Paletó de gente pobre...” (Engole ele Paletó, de J.Audi)

1960:
“Ei, você aí!/me dá um dinheiro aí!/me dá um dinheiro aí!//Não vai dar?/não vai dar não?/você vai ver a grande confusão/que eu vou fazer bebendo até cair/me dá me dá me dá, ô!/me dá um dinheiro aí!” (Me Dá um Dinheiro Aí, de Ivan Ferreira, Homero Ferreira e Glauco Ferreira)

1961:
“Ê, ê, ê, ê, ê/Índio quer apito/se não der/pau vai comer/lá no banal mulher de branco/levou pra índio colar esquisito/índio viu presente mais bonito/mim não quer colar/índio quer apito” (Índio Quer Apito, de Haroldo Lobo)

“Todos eles estão errados/a lua é dos namorados/lua, ó lua/querem te passar pra trás/lua, ó lua/querem te roubar a paz//Lua que no céu flutua/lua que nos dá luar/lua, ó lua/não deixa ninguém te pisar” (A Lua é dos Namorados, de Armando Cavalcanti, Klecius Caldas e Brasinha)

1964:
“Olha a cabeleira do Zezé/será que ele é/será que ele é//Será que ele é bossa nova/será que ele é Maomé/parece que é transviado/mas isso eu não sei se ele é//Corta o cabelo dele!/corta o cabelo dele!” (Cabeleira do Zezé, de João Roberto Kelly e Roberto Faissal)

1965:
“Mulata bossa nova/caiu no hully gully/e só dá ela iê, iê, iê, iê, iê, iê, iê, iê/na passarela//A boneca está/cheia de fiu,fiu/esnobando as louras/e as morenas do Brasil” (Mulata Iê Iê Iê, de João Roberto Kelly)

1966:
“Ui ui ui/roubaram a mulher do Rui/se pensa que fui eu/eu juro que não fui//Telefona pra radio patrulha/pega pega ladrão!/ta roubando mulher/no meio do salão” (Roubaram a Mulher do Rui, de José Messias)

“Tristeza/por favor vai embora/minha alma que chora/está vendo o meu fim/fez do meu coração a sua moradia/já é demais o meu penar/quero voltar àquela vida de alegria/quero de novo cantar/Lá ra ra ra ra/lá ra ra ra ra ra ra/lá ra ra ra ra ra ra/quero de novo cantar” (Tristeza, de Nilton de Souza-Niltinho e Haroldo Lobo)

08 fevereiro 2007

Cante conosco os anos de folia (2)


Carnaval é festa de ruídos. Dançava-se e cantava-se valsas, quadrilhas, mazurcas e, sobretudo, polcas. Havia a música dos guizos, dos dominós e dos sungas que tanta alegria davam ao carnaval. Nas ruas haviam ainda os sons de tropas e clarins, de bumbos e tambores. Marcha rancho, samba, marchinha, batucada e samba enredo.

1932:
“A..e..i..o..u/dabliu...dabliu.../na cartilha da Juju/Juju/a Juju já sabe ler/a Juju sabe escrever/há dez anos na cartilha/a Juju já saber ler/a Juju sabe escrever/escreve sol com c cedilha//Sabe conta de somar/sabe até multiplicar/mas na divisão se enrasca/outro dia fez um feio/pois partindo um queijo ao meio/quis me dar somente a casca!//Sabe história natural/sabe história universal/mas não sabe geografia/pois com um cabo se atracando/na bacia navegando/foi pra Ásia e teve...asia” (A-E-I-O-U, de Lamartine Babo e Noel Rosa)

“O teu cabelo não nega/mulata/porque és mulata na cor/mas como a cor não pega/mulata/mulata eu quero teu amor//Tens um sabor/bem do Brasil/tens a alma cor de anil/mulata, mulatinha, meu amor/foi nomeado teu tenente interventor//Que te inventou/meu pancadão/teve uma consagração/a lua te invejando fez careta/porque mulata, tu não és deste planeta//Quando meu bem/vieste à terra/Portugal declarou guerra/a concorrência então foi colossal/Vasco da Gama contra o Batalhão Naval” (Teu Cabelo Não Nega, de Lamartine Babo)

1933:
“Até amanhã/se Deus quiser/se não chover eu volto/pra te ver, ó mulher/de ti gosto mais que outra qualquer/não vou por gosto/o destino é quem quer//Adeus é pra quem deixa a vida/é sempre na certa que eu jogo/três palavras vou gritar por despedida/até amanhã, até já, até logo!//O mundo é um samba que eu danço/sem nunca sair do meu trilho/vou cantando o teu nome sem descanso/pois do meu samba tu és o estribilho” (Até Amanhã, de Noel Rosa)

“Quando eu morrer/não quero choro nem ela/quero uma fita amarela/gravada com o nome dela//Se existe alma/se há outra encarnação/eu queria que a mulata/sapateasse no meu caixão//Não quero flores/nem coroa com espinho/só quero choro de flauta/viola e cavaquinho//Estou contente/ consolado por saber/que morenas tão formosas/a terra um dia vai comer/não tenho herdeiros/não possuo um só vintém/eu vivi devendo a todos/mas não paguei a ninguém//Meus inimigos/que hoje falam mal de mim/vão dizer que nunca viram/uma pessoa boa assim” (Fita Amarela, de Noel Rosa)

1934:
“O orvalho vem caindo/vai molhar o meu chapéu/e também vão sumindo/as estrelas lá no céu.../tenho passado tão mal!/a minha cama é uma folha de jornal//Meu cortinado é um vasto céu de anil/e meu despertador é o guarda civil/(que o salário ainda não viu...)/o meu chapéu vai de mal para pior/e o meu terno pertenceu a um defunto maior(dez tostões no belcior)” (O Orvalho vem Caindo, de Noel Rosa e Kid Pepe)

1937:
“Mamãe eu quero/mamãe eu quero/mamãe eu quero mamá/dá a chupeta/dá a chupeta/dá a chupeta pro bebê não chora//Dorme filhinho/do meu coração/pega a mamadeira/e vem entra pro cordão/eu tenho uma irmã/que se chama Ana/de pisca o olho/já ficou sem a pestana//Olha as pequenas/mas daquele jeito/tenho muita pena/não ser criança de peito/eu tenho uma irmã/que é fenomenal;ela é da bossa/e o marido é um bossa” (Mamãe eu Quero, de Vicente Paiva e Jararaca)

1938:
“Eu fui às touradas de Madri/parará tim pum pum pum/parará tim pum pum pum/e quase não volto mais aqui...i...iii/pra ver Peri i...i/beijar Ceci/parará tim pum pum pum/parará tim pum pum pum//Eu conheci uma espanhola/natural da Catalu..unha/queria que eu tocasse castanhola/e pegasse o touro a u...nha/caramba.../caracoles.../sou do samba/não me amoles/pro Brasil eu vou fugir/que isto é conversa mole/para boi dormir/parará tim pum pum pum/parará tim pum pum pum” (Touradas em Madri, de Almirante)

1942:
“Nega do cabelo duro/qual é o pente que te penteia?/qual é o pente que te penteia?/qual é o pente que te penteia?/quando tu entras na roda/o teu corpo serpenteia/teu cabelo está na moda/qual é o pente que te penteia?//Teu cabelo permanente/qualquer coisa de sereia/e a pergunta sai da gente/qual é o pente que te penteia?//Misampli a ferro e fogo/não desmancha nem na areia/tomas banho em Botafogo...” (Nega do Cabelo Duro, de Rubens Soares e David Nasser)

07 fevereiro 2007

Cante conosco os anos de folia (1)

A origem do carnaval se perde no tempo. Suas raízes estão em festividade primitiva, de caráter religioso e ligado à natureza. Em Roma, na época do império romano, já se festejava o carnaval. Através da fantasia, do canto e da dança, o carnaval facilita a comunicação entre os foliões. A festa se apresenta com características distintas de um lugar para outro, mas sempre em torno do mesmo interesse lúdico – a dança, a música e o disfarce. No Brasil, o carnaval é um festejo popular de âmbito nacional, que sofreu transformações ao longo dos anos, recebendo influências das raças que formaram o povo brasileiro – o índio, o negro e o branco.

No Brasil Colonial encontramos o entrudo, uma maneira violenta de brincar o carnaval, com bisnagas ou limões de cera, atirava a água, cal e outros tipos de pós nas pessoas. O primeiro baile de carnaval foi realizado em 1840 na cidade do Rio de Janeiro. A partir de 1870 generaliza-se o baile de carnaval em teatros, clubes e hotéis. Nessa época, a polca, a valsa, o tango e o maxixe eram dançados nos bailes de carnaval, só mais tarde é que surgiram as músicas compostas especialmente para o carnaval. As músicas carnavalescas – sambas, marchas, frevos, etc – eram cantadas, mas sem danças, as pessoas preferiam pular obedecendo ao ritmo marcado pela orquestra. Nos bailes de antigamente era comum o uso de máscaras que foram introduzidas no carnaval brasileiro em meados de 1830, por influência francesa.

1852:
“E viva o Zé Pereira!/que a ninguém faz mal/e viva a bebedeira/nos dias de carnaval/zim, balalá!Zim balalá/e viva o carnaval//Uma tarde passeando/la na rua do sabão/eu fiquei sem meu chapéu/por causa da viração/eu não sinto o meu chapéu/nem que isto aconteça/sinto, só deixar com ele/a minha pobre cabeça/e viva o Zé Pereira!//Uma vez brincava eu/com dois caroços de manga/e em casa sem querer/de vidro.,partir as mas mangas/fujo pra rua que a velha/queira escovar-me o pó/e uma manga d´água ensopa-me/as mangas do paletó//E viva o Zé Pereira...(Zé Pereira)

1899:
“O abre alas/que eu quero passar/eu sou da Lira/não posso negar//Ô abre alas/que céu quero passar/Roda de Ouro/é que vai ganhar...” (Ô Abre Alas, de Chiquinha Gonzaga)

1906:
“Vem cá, mulata/não vou lá não//Sou democrata/sou democrata/sou democrata/de coração//Os Democráticos/gente jovial//Somos fanáticos/do carnaval/do povo vivas/nós recolhemos/de nós cativas/almas fazemos//Ao povo damos/sempre alegria/e batalhamos/pela folia/não receamos/nos sair mal/a letra damos/no carnaval” (Vem Cá Mulata, de Arquimedes de Oliveira)


1912:
“Sempre, sempre em movimento/sempre, sempre em movimento/vassourinha varre o chão/e o abano faz o vento/e o abano faz o vento/para acender o fogão//Rica vassoura/ai quando serás minha/tu queres de abano/passar a varredor//Varre, varre querida vassourinha/abana, abana meu abanador” (Vassourinha, de Felipe Duarte)

1916:
“O chefe da folia/pelo telefone/manda me avisar/que com alegria/não se questione/para se brincar//Ai,ai, ai/e deixar mágoas pra trás/ô rapaz/ai, ai, ai/ficas triste se és capaz/e verás/tomara que tu apanhes/pra não tornar a fazer isso/tirar amores dos outros/depois fazer teu feitiço//Ai, se a rolinha/Sinhô, Sinhô/se embaraçou/Sinhô, Sinhô//É que a avezinha/Sinhô, Sinhô/ nunca sambou/Sinhô, Sinhô/porque este samba/Sinhô, Sinhô/de arrepiar/Sinhô, Sinhô/põe perna bamba/Sinhô, Sinhô/mas faz gozar/Sinhô, sinhô” (Pelo Telefone)

1929:
“Ele é paulista?/é sim senhor/falsificado?/é sim senhor/cabra farrista?/é sim senhor/matriculado?/é sim senhor/ele é estradeiro?/é sim senhor/habilitado?/é sim senhor/mas o cruzeiro?/é sem senhor/ovo gorado?/é sim senhor” (É Sim Senhor, de Eduardo Souto)

1930:
“Oh quebra quebra, gabiroba/eu quero ver quebrar/oh quebra, quebra, gabiroba/eu quero só te amar/oh quebra, quebra, gabiroba/eu quero só brincar/oh quebra aqui e quebra ali/eu quero ver quebrar//E no Rio de Janeiro/que é a terra do amor/não se vive sem dinheiro/mas se goza com calor/toda moça já passada/que não tem mais ambição/dá sorriso por um nada/só não dá seu coração”. (Quebra, Quebra, Gabiroba, de Plínio de Brito)

06 fevereiro 2007

É dengo que esse samba tem

“Em algum lugar entre a natureza e a cultura, a tradição e a invenção, a história e o anacrônico, a obra de Caymmi guarda um mistério tanto mais recôndito quanto mais exposto, na simplicidade plenamente oferta de suas canções”. A opinião é do poeta e letrista Francisco Bosco que traça o retrato de Dorival Caymmi no livro da série “Folha explica”, dedicado ao compositor baiano. Bosco esquadrinhou a obra caymmiana em “sambas sacudidos”, “canções praieiras” e “sambas canções”. Viajando com propriedade e na medida certa sobre um artista cuja singularidade compara à Clarice Lispector na literatura e Iberê Camargo nas artes plásticas.

A obra, pequena quantitativamente e imensa qualitativamente, é formada, em sua maior parte, por clássicos da canção popular brasileira. Segundo Bosco, os princípios composicionais norteadores da obra caymmiana são sinceridade, simplicidade e elaboração. “Em sentido geral, a obra de Caymmi é feliz, afirmativa e solar, apresenta uma Bahia pré-industrial, alegre e sensual”.

A obra de Caymmi não tem antes nem depois na tradição da canção popular brasileira. “Um estilo inconfundível quase sem seguidores na música popular brasileira”, comenta o pesquisador André Diniz. “Não tendo antecessores, imprimiu sua marca inconfundível em tudo o que fez (...) Caymmi não se filia a nenhuma corrente, escola ou modismo”, declarou outro pesquisador, Jairo Severiano. “Ele é um autor inaugural. A música dele, e como ele casa música e letra, com tanta maestria, é sem igual na MPB”, enfatizou Chico Buarque. Para Francisco Bosco, Caymmi é um grande mestre cancionista porque, justamente, pensa e cria a canção levando em conta essa totalidade indiscernível. “Dentro de sua obra tem –se a impressão de que letra e música nasceram juntas, ou antes, nunca nasceram – sempre existiram”.

Vamos nos deter aos sambas sacudidos, repletos de remelexos e requebrados. Para muitos, as ladeiras de Salvador entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta pode ter sido de extrema importância para os sambas de Caymmi. Foram elas as principais responsáveis pela beleza das pernas e os glúteos torneados das baianas. Caymmi, como afirma Antonio Risério, “é o poeta do bumbum em movimento”. A vizinha quando passa “mexe com as cadeiras pra cá/mexe com as cadeiras pra lá/ela mexe com o juízo/do homem que vai trabalhar” (A Vizinha do Lado). E “quando você se requebrar/caia por cima de mim” (O Que é Que a Baiana Tem?).

E sondando o segredo do samba de Caymmi, Francisco Bosco descobre que o requebrado das mulheres em Caymmi possui uma qualidade especial, “trata-se de um rebolado gracioso, a um tempo sensual e discreto, extremamente feminino, poderoso e consciente de seu poder, mas como que brejeiro, delicado, sutil”. Até chegar a palavra chave desse feminino-poderoso: o dengo. “O dengo é a qualidade presente em todos os gestos e movimentos da mulher: ´É dengo, é dengo, é dengo, meu bem!/é dengo que a nega tem/tem dengo no remelexo, meu bem!/tem dengo no falar também//-Quando se diz que no falar tem dengo/-tem dengo!tem dengo! tem dengo! tem.../-quando se diz que no andar tem dengo/-tem dengo! Tem dengo! Tem dengo!tem.../-quando se diz que no sorrir tem dengo(...)/-quando se diz que no sambar tem dengo (...)´.”.

Em sua biografia sobre o avô (Dorival Caymmi, Cancioneiro da Bahia, Stella Caymmi), o compositor comenta a singularidade do dengo, procurando relacioná-lo a um certo mudus vivendi baiano: “Não sei de palavra tão bonito quanto ´dengo´. Dengo...Denguice...dengosa...Palavras que dizem muita coisa, que definem, por vezes, a personalidade de uma mulher. O sol do Nordeste, aquele calor das tarde pedindo rede e água de coco, pedindo cafuné e dando ao corpo certa moleza gostosa, produz o dengo, que por vezes está apenas no quebranto de um olhar, às vezes na modulação da voz terna, de súbito no gesto, como um convite. Não sei definir certas mulheres senão pelo dengo que possuem”.

Com o diz o letrista Aldir Blanc, “o Dorival foi quem inventou o gênero `samba Caymmi`(...). Perguntar se existe estilo de samba é como duvidar da existência do vatapá”. “Se “com qualquer dez mil-réis e uma nega” se faz um vatapá, com que ingredientes se faz, então, o samba Caymmi? Aldir Blanc dá o recado: “um bocadinho mais de sensualidade, uma pitada generosa de preguiça da boa, sorrisos morenos de Dora, das Rosas e da Marina (no Brasil, as louras também são morenas), roupa branca em pele escura, brisa de mar, a ousadia das jangadas, ciúmes, dengos, uma vasta dose de sacanagem, rir como quem reza em 365 igrejas (..). Sensualidade, preguiça, mulheres, dengo e religiosidade estão nos sambas de Caymmi”.

“O samba de Caymmi - escreveu Bosco – é `sacudido`, `rebolado´, buliçoso; deixa a gente mole e, quando se samba, todo mundo bole. Através da qualidade feminina do dengo, tornada um princípio estético, pode-se entender um aspecto decisivo da singularidade do samba de Caymmi”. E Francisco diz mais: “Simples, coloquiais, apimentados, dengosos, rebolados, os sambas de Caymmi possuem aquela que seja talvez a virtude maior da canção popular: provocam a vontade de ouvi-los e reouvi-los, de decorá-los (o que se faz sem se dar conta) e cantá-los e cantá-los e cantá-los. São canções que parecem anônima, parecem ter surgido espontaneamente das igrejas, dos sobrados, das ladeiras, do dendê, do vatapá, do requebrado das baianas”. O encantamento da obra de Caymmi vem da representação de uma Bahia alegre, sensual, solar, mestiça, erótica, bela, em suma, feliz. “Não sou de dores nem queixas”, diria Caymmi, já do alto de seus noventa anos.

05 fevereiro 2007

Pulp, uma paixão pela leitura


Há 110 anos surgia uma revista de ficção com formato de 17 por 25cm, papel descartável (feito da polpa da árvore, daí o nome pulp), custando apenas um centavo e que fez muito sucesso. Trata-se da “Argosy”, editada por Frank Monsey. Preço baixo e grande tiragem eram a receita de sucesso dos pulps até meados do século passado. Os pulps surgiram como uma opção de leitura e diversão para uma grande massa de trabalhadores que emigrava do campo para a cidade, formando o que seria chamado de sociedade de massas. Monsey foi além, ele lançou a célebre “All Story Magazine” que em 1912 publicou o conto “Sob as Luas de Marte”, de Edgar Rice Burroughs, que pouco tempo depois escreveu Tarzan dos Macacos.

As publicações eram grossas e baratas, impressas em uma tinta
de um tom marrom escuro, com centenas de páginas de ficção em cada número. As capas eram coloridas, pintadas para inspirar terror, excitação, desejo e curiosidade. Os enredos eram cheios de brutamontes, orientais sinistros e namoradas seminuas de gângsteres. Algumas eram destinadas ao público adulto, mas a maioria visava garotos de 8 a 14 anos – a idade dos heróis como um editor a chamou. Não era possível encontrar essas revistas em biblioteca escolar e poucos pais as compravam. Mas os garotos tinham sede dessas revistas. A ficção científica era uma invenção perfeita para a América no final da década de 20. Os horrores da industrialização e o inferno tecnológico da Primeira Guerra já se apagaram da memória. Rádios, carros e correio aéreo facilitavam a comunicação de forma imediata e davam ao desenvolvimento industrial um rosto novo e humano. A geração dos anos 20 acreditava no progresso científico e no individualismo competitivo.

No início dos anos 30 a fonte principal de entretenimento, tanto para jovens quanto para velhos, era a leitura. Para eles, havia os pulps, revistas baratas de ficção que foram publicadas aproximadamente de 1900 até 1955, e lidava com todo tipo imaginável de ficção, de western a romance, passando por esportes e mistério, até ficção científica. O elo comum em toda ficção pulp não era violência, sangue ou mesmo vingança. As histórias eram escritas para entreter, e por cinco décadas eles agradaram milhões de leitores. Centenas de diferentes pulps lotaram as bancas. De 1920 até 1930 os pulps foram o lar da maior parte da literatura de ficção científica e fantasia dos estados Unidos. E dessas raízes pulps surgiram os gibis de super-heróis. Tiras de quadrinhos de aventuras para crianças e adultos eram publicadas de forma de seriado há décadas nos jornais. No início dos anos 30, Tarzan e Buck Rogers emergiram dos pulps.

A forte concorrência do rádio e do cinema colaborou com a decadência do gênero pulp até seu ressurgimento em publicações temáticas na década de 30, onde a profusão de títulos era enorme: guerra, terror, ficção cientifica, faroeste, crime. As revistas de crime geraram muitos títulos e revelaram um dos maiores escritores norte americanos: Dashiell Hammett, autor de O Falcão Maltês e criador do romance noir. As revistas de ficção científica revelaram nomes como Isaac Assimov e Ray Bradbury. E o que marcou na maioria das pessoas foram os personagens criados para essas publicações. Além de Tarzan, desfilaram pelas páginas dos pulps O Sombra, Doc Savage, Capitão Futuro, Conan, Buck Rogers, Fu Manchu e muitos outros. Os personagens foram sucessos em sua época, e atravessaram os anos em livros, quadrinhos e cinema, fossem como adaptações dos mesmos ou como influência na criação de outros personagens.

Lester Dent (que assinava sob o pseudônimo de Kenneth Roberson) criou Doc Savage, mestre da mente e do corpo. A história “O Homem de Bronze” foi o título que acabou sendo incorporado no nome do personagem nas edições seguintes. Ele falava qualquer língua deste planeta, possuía conhecimentos avançados em física, química, psicologia e mecânica, tinha resistência física excepcional e muitas vezes se isolava na Fortaleza da Solidão (lembrou-se do Super Homem?) sua base secreta localizada no Ártico onde planejava sua próxima empreitada.

George C. Jenks (sob o pseudônimo de Frank S. Lawton) escreveu O Sombra, herói destemido e misterioso que combate o mal ajudado por uma equipe de especialistas. Um programa de rádio aproveitou o personagem e o levou aos lares americanos com suas histórias de mistério e suspense. A gargalhada sinistra e a voz cavernosa que dizia “quem sabe o mal que se esconde no coração dos homens? O Sombra sabe...” espantaram os norte americanos. O Detetive Fantasma, O Aranha, Tarzan, Fu Manchu, G-8 e o Capitão Futuro agradavam ao público leitor. Assim, a mitologia criada pelos pulps é tão forte que impregnou o cinema, o rádio, os quadrinhos e a imaginação de milhares de pessoas no mundo todo.

Dos anos 40 até os 60 a ficção popular nos EUA passou por grandes mudanças. Os pulps aos poucos se tornaram livros de bolso. Histórias de mistério com detetives durões, uma das fontes dos pulps, tornaram-se respeitáveis. A ficção científica, outrora considerada subliteratura, ganhou em popularidade e tornou-se matéria prima do mercado editorial dos livros de bolso, embora somente na década de 70 o gênero finalmente tinha se tornado aceito como literatura. O que foi considerado um gênero ordinário, um lixo, em 1940, tornou-se ficção reconhecida nos anos 50, exceto os gibis; Mas aí é outra história...

02 fevereiro 2007

Música & Poesia

Tanta Saudade (Chico Buarque)

Era tanta saudade, é pra matar
Eu fiquei até doente, eu fiquei até doente menina
Se eu não mato a saudade, é deixa estar
Saudade mata a gente, saudade mata a gente menina
Quis saber o que é o desejo, de onde ele vem
Fui até o centro da Terra e é mais além
Procurei uma saída e amor não tem
Estava ficando louco, louco de querer bem
Quis chegar até o limite de uma paixão
Baldear o oceano com a minha mão
Encontrar o sal da vida e a solidão
Esgotar o apetite, todo o apetite do coração
Mas voltou a saudade
É pra ficar, aí eu encarei de frente
Aí eu encarei de frente, menina
Se eu ficar na saudade, é deixa estar
Saudade engole a gente, sau...dade engole a gente menina

Quis saber o que é .... apetite do coração
Ai amor, miragem minha, minha linha do horizonte
É monte atrás de monte, é monte
A fonte nunca mais que seca, ai saudade ainda sou moço
Aquele poço não tem fundo, é um mundo, dentro um mundo


Mulher remota (Pablo Neruda)

Esta mulher cabe em minhas mãos. É branca e ruiva, e em minhas mãos a levaria como a uma cesta de magnólias.

Esta mulher cabe em meus olhos. Envolvem-na os meus olhares, meus olhares que nada vêem quando a envolvem.

Esta mulher cabe em meus desejos. Desnuda está sob a anelante labareda de minha vida e o meu desejo queima-a como uma brasa.

Porém, mulher remota, minhas mãos, meus olhos e meus desejos guardam inteira para ti a sua carícia porque só tu, mulher remota, só tu cabes em meu coração.

01 fevereiro 2007

Camafeu de Oxossi

Solista de berimbau, cantor. Ápio Patrocínio da Conceição, andarilho do Pelourinho, é um homem de sorte. Tanto no jogo, quanto no amor, daí o nome Camafeu. Ele nasceu no dia 04 de outubro de 1915, no bairro do Gravatá, em Salvador, e se criou no Pelourinho. Filho de Faustino José do Patrocínio e Maria Firmina da Conceição. Seu pai era mestre-pedreiro, descendente de africano. Conviveu com ele até os sete anos. Sua mãe veio de Camamu, era negociante de tabuleiro. Negociava frutas, doces, acarajé, tudo na Baixa dos Sapateiros. Sua mãe teve 16 filhos. Ele, Raimundo e João, cada um de um pai. Como ficou órfão de pai aos sete anos, seu padrasto dava mais atenção ao Raimundo. Não suportando aquilo, resolveu sair de casa. De menino de rua que passou fome e perdeu toda a família, estudou na Escola de Aprendiz de Artífice, trabalhando na fundição, vendeu cordão de sapato (cadarço) na porta do Elevador Lacerda. Dali passou para o passeio do Mercado Modelo como engraxate, além de vender os jornais de modinha nas feiras de Água de Meninos, Dois de Julho e Sete Portas. Saiu de lá para ser marítimo e foi parar na Estiva - Companhia Docas da Bahia até se tornar proprietário da famosa barraca de São Jorge, no velho Mercado Modelo, e de um restaurante de fama internacional.

A música entrou em sua vida desde garoto. Foi criado na roda de samba, tocando berimbau, ensinando aos turistas como tocar o instrumento. Era um homem de muitas palavras, casos e lendas para contar. Chegou a ser diretor das escolas de samba Só Falta Você, Deixa Pra Lá, Gato Preto, onde aproveitava para cantar seus sambas. No Mercado Modelo ele começou a cantar música de capoeira e ijexá, tocando berimbau e atraindo a clientela. A partir daí começou a fazer sucesso. Na sua Barraca São Jorge, aberto em riso, cercado de objetos rituais de obis e orobôs, ele ensinava os mistérios da Bahia. Na década de 60, a Universidade Federal da Bahia criou o curso de língua ioruba e Camafeu foi um dos primeiros alunos. Foi convidado para ir à África, representando a Bahia no Primeiro Festival de Arte Negra do Senegal, junto com Pastinha e outras pessoas. Lá ele cantou em iorubá para Oxum e para Oxómi. Sobrinho de Mãe Aninha e filho-de-santo de Mãe Senhora, o obá de Xangó do terreiro Axé Opô Afonjá esbanjou alegria. Figura baiana conhecida em todo o Brasil, personagens de muitos livros de Jorge Amado (Tereza Batista, Dona Flor, Tenda dos Milagres, Tieta do Agreste, entre outros) de quem era amigo particular. Seu nome está presente em dezenas de músicas: aquela que diz “Camafeu, cadê Maria de São Pedro”, gravada por Martinho da Vila, outra gravada por Maria Alcina e também o conjunto Os Originais do Samba gravou um samba em sua homenagem.

Tocador de berimbau, batuqueiro, ex-presidente dos Filhos de Gandhi, Camafeu de Oxossi gravou dois discos, um deles Berimbau da Bahia com os cantos de capoeira mais belos, alguns velhos do tempo da escravidão ou da Guerra do Paraguai: “Volta do mundo, ê!/volta do mungo, ah!/ Eu estava lá em casa/sem pensá, sem maginá/e viero me buscá/para ajudar a vencê/a guerra do Paraguá/camarado ê/camaradinho/camarado...”. Esses cantos estão cheios de lembranças da vida dos escravos: “No tempo em que eu tinha dinheiro, camarado ê, comia na mesa com ioiô, deitava na cama com iaiá... Depois que dinheiro acabou, mulher que chega prá lá, camarado. camaradinho ê....”. Contam da guerra, da escravidão, das lutas dos negros. Outros são improvisados no repente da brincadeira e, repetidos, permanecem e se tornam clássicos: “Bahia, minha Bahia,/Bahia do Salvador,/Quem não conhece capoeira/Não lhe pode dar valor//Todos podem aprender/General e até doutor”. Com o tempo, a voz rouca não cantava mais, porém se emprestava a histórias e nomes com quem conviveu numa cidade que não existe mais.

“No mercado, em meio a seus orixás, aos colares e às figas, queimando o incenso purificador, rindo sua gargalhada, saudando São Jorge. Oxóssi, rei de Ketu, o grande caçador. Camafeu comanda a música, o canto e a dança. Um baiano dos mais autênticos, um dos guardiães da cultura popular. Homem que possui o saber do povo, um desses que preservam o passado e constróem o futuro”, segundo Jorge Amado no livro Bahia de Todos os Santos. E diz mais: “Compositor, mestre solista de berimbau, obá de Xangô, Osi Obá Aresá, filho de Oxóssi, preferido de Senhora, amigo de Menininha e de Olga de Alaketu, o riso cortando o rosto, dono da amizade. Em sua barraca, em prosa sem compromisso, numa conversa largada como só na Bahia ainda existe, sem horário e sem obrigações temáticas, podem ser vistos o pescador, a filha-de-santo, o pintor Carybé, o passista de afoxé, o Governador do Estado, o compositor Caymmi, a turista loira e esnobe, a mulata mais sestrosa e Pierre Verger, carregado de saber e de mistério. A barraca de Camafeu é ponto de reunião, é mesa de debates, é conservatório de música. Na cidade do Salvador a cultura nasce, se forma e se afirma em bem estranhos lugares, como por exemplo, uma barraca do mercado (...) lá se vai Camafeu pelos caminhos da Bahia, invencível com seu santo guerreiro. Vir à Bahia e não ver Camafeu é perder o melhor da viagem. Ele é um obá, um chefe, um mestre”.

Um ritual religioso marcou no dia 27 de março de 1994 o sepultamento de uma das figuras mais conhecidas da Bahia: Apio Patrocínio da Silva, o Camafeu de Oxossi. O enterro foi no Cemitério da Ordem Terceira do São Francisco, e contou com a presença de vários amigos e admiradores daquele que era uma das maiores autoridades do culto afro-brasileiro na Bahia. Camafeu ficou conhecido não só como proprietário de um dos mais famosos restaurantes de comidas típicas da Bahia, localizado no Mercado Modelo, como também pelo posto Obá de Xangô, que ocupava no Terreiro Ilê Axe Opô Afonjá. Era querido pelas principais mães-de-santo da Bahia e amigo de Dorival Caymmi, Jorge Amado e Gilberto Gil. Doente há muito tempo, Camafeu foi vencido por um câncer na garganta e faleceu no Hospital Aristides Maltez, aos 78 anos.