31 janeiro 2008

Ratatouille é surpreendente

Surpreendente. Essa é a palavra chave para o desenho animado “Ratatouille” (fala-se Ra-Ta-Tui), da Pixar Animation Studios, favorito ao Oscar de melhor filme de animação. Sem medo de arriscar, o estúdio apresenta a história de um rato em um restaurante francês cinco estrelas e surpreende a cada cena. O nome do filme não poderia ser mais feliz, pois remete à um dos pratos mais representativos da saudável e aromática cozinha do Mediterrâneo. Um refogado com muitos dos ingredientes típicos dessa cozinha, como o azeite de oliva, berinjela, pimentão, abobrinha, cebola e alho. A ratatouille é uma receita típica da Provence e extremamente popular em toda França, onde é servida como entrada ou acompanhando outros pratos. O motivo da sua escolha, além da óbvia referência ao personagem principal, um rato (rato, ratatouille), só vai ser conhecido lá no fim, em um dos melhores monólogos da história do cinema, proferido pelo crítico gastronômico Anton Ego (voz original de Peter O'Toole).

Remy é um rato (cativante) que sonha se tornar um grande chef. Só que sua família é contra a idéia, além do fato de que, por ser um rato, ele sempre é expulso das cozinhas que visita. Um dia, enquanto estava nos esgotos, ele fica bem embaixo do famoso restaurante de seu herói culinário, Auguste Gusteau. Ele decide visitar a cozinha do lugar e lá conhece Linguini, um atrapalhado ajudante que não sabe cozinhar e precisa manter o emprego a qualquer custo. Remy e Linguini realizam uma parceria, em que Remy fica escondido sob o chapéu de Linguini e indica o que ele deve fazer ao cozinhar.

O diretor Brad Bird (“Os Incríveis”) adora experimentar. Depois de se divertir com o mundo de monstros de sonhos, brinquedos que falam, carros irresponsáveis e peixes que se perdem ou mesmo visitar o mundo dos humanos, ele se dedica agora a um bom chef de cuisine louco para experimentar cada vez mais. O resultado e surpreendente. “Ratatouille” revela uma obra cinematográfica exemplar, com trama madura e bem desenvolvida e personagens carismáticos, além de seqüências divertidíssimas.

Cada personagem tem características específicas e feições diversas, com detalhes excepcionais. Observe cada seqüência, as cores, o som. Mesmo com o nome difícil, a trama adulta e a ambientação na França não foram empecilhos para o sucesso da fita. “Ratatouille” trata de temas sérios como a luta contra as expectativas familiares, a busca da própria independência, aceitar o diferente, e a importância de sermos verdadeiros com aquilo que realmente somos. O filme desmistifica aquela famosa pergunta: “você é um rato ou um homem?”. Aqui o rato é humano. Remy deseja fazer aquilo que mais ama e para isso mergulha num universo completamente hostil. Exatamente como nós, que temos que lutar contra um mercado de trabalho espremido e feroz para realizarmos aquilo que amamos. A mensagem é de sentido de equipe, liderança, ética e higiene, vinda de um rato? Pois é, e a tela inteira cheira a pão e condimentos, ajudando o personagem Remy a lutar por seu ideal, sua profissão, mesmo que a família no início seja contra.

Há diversas cenas geniais, mas destaco a do crítico. Anton Ego é um crítico culinário temido por todos os restaurantes de Paris. Ele é feroz em suas críticas, que podem acabar com um empreendimento. Ao explorar a fundo o personagem, o filme também se dispôs a debater o papel do crítico. Ego vive ali seu momento proustiano, o tempo reencontrado do Narrador do monumento literário de Marcel Proust. E o diretor Bird aproveita a ‘locação’ – Paris, capital da gastronomia – para recriar este momento único em que o poder de evocação da memória reúne passado e presente numa sensação. O critico ficou sublime com a voz do Peter O'Toole. A expressão no rosto do personagem quando ele degusta o prato principal é para entrar na historia, emocionante. Observe no final dos créditos onde aparece um selo de garantia afirmando 100% animação genuína. Trata-se de uma alfinetada em filmes como “Happy Feet: O Pingüim”, “O Expresso Polar” e outros que utilizam captura de movimentos. Para ver e rever.

30 janeiro 2008

O ocultamento da trajetória da mulher (2)

A Igreja, ao impor a virgindade e a castidade eternas de Maria e ao estender esse ideal a todas as mulheres, acreditou estar inibindo a sexualidade feminina mas, na medida em que esta sexualidade emana naturalmente da mulher, a proibição acaba provocando um desejo muito maior. O culto à Virgem Maria evoluiu através dos séculos, ocupando lugar de destaque no coração de todos. O amor cortês, que tomou conta da França no século XII, transformou a religião do Amor na religião da Mulher. E a Inquisição nada mais fez que demonstrar o poder da mulher de tal forma exacerbado, que a única solução para atrofiá-la foi a matança indiscriminada.

Até o século IV a Igreja tudo fez para manter um completo silêncio em relação à figura de Maria. No século V, Maria foi aceita no magistério católico. A Igreja, atendendo a necessidade do povo de reivindicar a figura da Mãe, adota uma atitude política, para que a religião do Filho, apoiado na do Pai, não ficasse ameaçada pela religião da Mãe. Acertou-se que se adorasse o Pai, o Filho e o Espírito Santo era o que a Igreja permitia. O culto mariano acabou se desenvolvendo pela impossibilidade da Igreja de eliminá-lo. Os pais da Igreja perceberam que o cristianismo só seria aceito, dentro dos moldes católicos, se admitisse identificações com as crenças anteriores, sobrevivências de práticas e ritos populares.

Da mesma forma que as deusas, a Virgem recebeu diversas denominações, e tornou-se patrona das Igrejas que nomeava, assim como de inúmeros santuários, cidades, localidades. A vitória de Jeová foi duramente conquistada e, enquanto não foi capaz de expulsar os antigos deuses, foi associado ou competiu com eles. Mas ao ganhar a guerra, não só privou os humanos das referências que nortearam sua existência ao longo do tempo, mas também expulsou o princípio feminino, a Mãe, do processo de criação do mundo e da vida.

A Igreja aceitou, depois de muito tempo, que as mulheres se afastassem da sociedade e ingressassem nas abadias. A célula do convento as desligava do mundo, mas por outro lado lhes permitia ter acesso à leitura, ao estudo, à escrita. O que a ortodoxia tentava eliminar era a sexualidade. O cristianismo, que tão poderosamente influenciou todos os campos da civilização ocidental, canalizou o instinto sexual, voltando-o para o matrimônio, concebido como uma união permanente e monogâmica onde, sem jamais esquecer que seu fim primário e essencial é a procriação, poderia o sexo encontrar completa satisfação como extensão e culminância da relação afetiva-amorosa.

O autoritarismo com o qual a Igreja defendia suas crenças como as únicas verdadeiras, encontrou eco no sexo da religião do Pai e do Filho. Excluindo a Mãe do panteão divino, erguiam uma Igreja masculina, em que somente os homens exerciam as funções de padres e bispos, investidos pelos apóstolos que receberam de Cristo o direito de divulgar a Boa Notícia.

29 janeiro 2008

O ocultamento da trajetória da mulher (1)

O tratamento diferenciado entre homem e mulher – presente em todas as sociedades humanas – tem suas raízes plantadas na própria história da humanidade, e tais raízes resistem bravamente à ação do tempo. Os traços de caráter do homem e da mulher estão constituídos desde o nascimento e são definitivos. Em decorrência de tal determinismo, o lugar e o desempenho de ambos no curso da história têm obedecido a uma rígida divisão social. Assim, a história da humanidade tem sido a história de personagens masculinos, sejam eles guerreiros, sacerdotes, heróis ou artistas.

E aqui cabe a indagação: a quem interessava o ocultamento da trajetória da mulher? A influência da tradição sempre foi reforçada e, em certa medida, continua sendo até hoje pela religião, instituição de marcado caráter conservador. Com o passar do tempo a mulher transformou-se, ela mesma, num agente de reprodução do sistema, cooptada pela ideologia paternalista, que tem como premissa a legitimidade da autoridade masculina sobre o conjunto da sociedade.

De todos os milhares de mitos da criação imaginados por povos de todos os lugares, as histórias da criação e de Adão e Eva, que abrem o Gênese, dupla narrativa produzida há muito tempo por obscuros semitas foi a que triunfou nas três principais religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo. A psicanálise considera a sociedade ocidental, de origem judaico-cristã, como uma sociedade falocrata (phalo = pênis; krathós = poder) e patriarcal (sob o poder do Pai). O falo (isto é, o pênis como objeto simbólico), representado consciente e inconscientemente como origem de todas as coisas (poder criador), como autoridade (a Lei como lei do Pai) e sabedoria, é aquilo que a mulher não possui e deseje.

A professora Maria Nazareth Alvim de Barros em sua premiada obra “As Deusas, as Bruxas e a Igreja” mostra desde o primeiro culto da história religiosa oferecida a uma Deusa, e os séculos de repressão ao culto feminino. A autora parte do Paleolítico e percorre as diversas manifestações culturais e religiosas. Tudo que nos chegou sobre o papel da mulher no mundo greco-romano diz respeito à exclusão, à subordinação, à submissão. Privilegiou-se o homem. A mulher foi afastada do corpo filosófico, literário, religioso. O domínio intelectual passou a ser exclusividade do macho.

O período compreendido entre 152 a.C. e 68 d.C. ficou marcado por uma grande variedade de judaísmos, em que os diferentes grupos rivais lutavam entre si, procurando dominar o cenário religioso. Enquanto uns preocupavam-se mais com a sobrevivência política e econômica do país, transgredindo alguns aspectos dos mandamentos divinos e contribuindo com a adesão do povo a facções divergentes, outros, como os essênios, se retiraram do centro da cena e, funcionando como pano de fundo no imenso deserto, exerceram grande influência no surgimento do cristianismo.

João Batista, por exemplo, é apontado como limite, transição entre o judaísmo e o cristianismo. Em 70 d.C. surgiu um judaísmo único, normativo, que conhecemos como rabínico e que vigora até os dias atuais, e uma outra forma de judaísmo, o cristianismo que, ao longo dos séculos, foi se transformando e dominando o pensamento religioso ocidental. Surge assim o cristianismo, a religião terceira. A Mãe foi ocultada, o Pai afastado, e a humanidade se encontra diante do Filho.

O cristianismo trazido pelo esperado Messias tentou se colocar como a religião do Filho, como aquele que, abandonando Mãe e Pai, acenava com a possibilidade de uma igualdade, porque transformava toda a humanidade numa irmandade. O catolicismo condenou o sexo e a mulher, estigmatizada pela carne. Elevou-se o casamento a sacramento, mas o ato sexual perdeu sua sacralidade e se revestiu da idéia de coisa suja, vergonhosa, pecaminosa.

28 janeiro 2008

Novos transgressores da literatura

O corpo e a violação do corpo, perversão e violência, ruptura do código moral: são esses os temas dos autores da década de 90. A ficção transgressiva como tornou-se conhecida nos Estados Unidos. Eles usam palavras como se fossem agulhas para o bodypiercing.

A escritora espanhola Almudena Grandes, autora de “As Idades de Lulu” (que deu origem ao filme homônimo de Bigas Luna), os norte americanos Dennis Cooper (Safe, Closer e Frisk, Try), Kathy Acker (fio tênue entre o experimental e a pornografia) e William T. Vollman (Butterfly Stories). Além de Breat Easton Ealis (American Psycho) e Will Self (Cock & Bull e Gray Area). Todos escrevem sobre personagens na fronteira da sanidade e recusa qualquer tipo de consolo ao leitor.

Os autores da ficção transgressiva perseguem uma forma sofisticada de literatura. Prezam suas referências, que incluem não apenas Sade, mas outros papas da arte bizarra e mórbida, como William S. Burroughs, Thomas Pynchon e o fotógrafo Robert Mapplethorpe. Filósofos franceses como Georges Bataille e Jean Baudrillard indicam temas. Nesse cruzamento de temas e referências fortes os livros desses novos autores talvez sejam o melhor resultado obtido no sentido de converter em estilo e canalizar para a criação literária a ansiedade da era da Aids.

Nos anos 70 o escritor britânico James Graham Ballard escreveu uma trilogia do desastre urbano: “High-Rise”, “Concrete Island” e “Crash”. Esse último mostra as conexões existentes entre o amor e a morte – a história de pessoas sexualmente motivadas por carros e acidentes. O homem confunde-se com os objetos por ele criados, pela via do erotismo (Crash!) ou da psicose (Concrete Island). Suas visões de apocalipse foram apresentadas em “The Crystal World” (1965) onde o mundo vai lentamente se transformando num cristal estéril, ou é tragado pela fúria das águas (em The Drought). A ciência e a tecnologia não encaminham a humanidade para o controle total da natureza: criam uma nova natureza igualmente cruel. Em “Rushing to Paradise” (1994) o feminismo e ecologismo tornam-se técnicas perversas de destruição.

MORTE DO AFETO

O primeiro romance porno-tech surgiu em 1973 na Inglaterra, escrito por J.G.Ballard foi “Crash!” que procura desnudar a violência de fim de século. O recurso utilizado é a analogia entre acidentes de carros e atos sexuais. Vidraças quebradas, carrocerias destruídas e volantes esmagados são colocados em paralelo a sucessivas carícias entre mãos, seios, salivas, pênis, retos e ânus. Em um pequeno prefácio extraído da edição francesa do livro, Ballard decreta a principal consequência para a vida humana do século XX: a morte do afeto e a substituição pela busca instintiva do sexo. A palavra caos desaparece entre os violentos acidentes e as relações sexuais que permeiam a narrativa. “Crash!” é um romance pornográfico apenas na aparência. Seu verdadeiro tema é a incomunicabilidade humana e o caos da vida contemporânea. Amargo e violento, “Crash!” choca, mas ajuda a refletir sobre os caminhos negros que a humanidade vem tomando o século XX.

Em abril de 2001 de 2001 a crítica de arte Catherine Millet escandalizou Paris com um livro de confidências: “A Vida Sexual de Catherine M”. À mesa ou à cama onde se deitava Catherine nos clubes privados de Paris, vinham degustá-las 20, 50 homens numa noite, não importa. Um após outro. Ou vários ao mesmo tempo. Astros de cinema, executivos, políticos, artistas plásticos, escritores. Nos intervalos das séries de orgasmos nesses clubes privados, ou nos apartamentos, Catherine tomava banhos e descansava, discutindo com seus parceiros arte conceitual, o azul absoluto do pintor Yves Klern ou o erotismo do escritor Georges Bataille. Uma intelectual articulada que nunca se contentou apenas com as bacanais em clubes convencionais. Sempre em companhia de um ou mais amigos, ia para o Bois de Boulogne, transava nos bancos do bosque, na grama, nos carros. O risco de ser flagrada só aumentava o prazer.

A bailarina Toni Bentley dançou na companhia George Balanchine, de Nova York durante dez anos, além de ter uma segunda carreira bem sucedida – a de escritora de livros sobre dança, que descrevem as agonias e sacrifícios de quem se submete aos rigores do balé. Mas foi com um relato pessoas sobre a opção preferencial pela prática de sexo anal, no livro A Entrega – memórias eróticas (no Brasil editado pela Editora Objetiva), que Bentley chegou ao topo em 2004. Trata-se de uma narrativa inteligente sobre um tema tabu. Escrito na primeira pessoa, o texto contabiliza mais de 200 vezes de prática de sexo anal na vida de Toni e ainda associa o vigor físico da prática do balé ao seu preparo para as jornadas de horas de sexo. Ícone de submissão feminina plena, o sexo anal é defendido por Toni como o caminho para o encontro com si mesma, a libertação dos ideais feministas de emancipação, o prazer absoluto de entrega, através do qual se pode aprender a ser amada.

25 janeiro 2008

A vítima do Antigo Regime agonizante

O Marquês de Sade (1740/1814) – Criado na residência de Conde, na familiaridade do príncipe de Bourbon, formado pelos jesuítas em Louis-de-Grab, a quem deverá o amor pela linguagem e uma dialética rigorosa, subtenente aos 15 anos, capitão aos 19, ele prefere freqüentar os bordéis parisiense (os mais refinados da Europa, os mais bem providos de belas mulheres, os mais inventivos em prazeres inéditos) à vida de guarnição e a relação com dançarinas à convivência com seus pares. Ele cria assim, numa idade tenra, uma sólida reputação de devasso, o que não o impede de casar-se legalmente em segunda núpcias com a filha de um rico magistrado. Renée-Pélagie de Montreuil. Longe de acalmá-lo, o casamento o estimula. Ele busca sistematicamente as prostitutas, freqüenta assiduamente o bordel de “la Brissault”, a cafetina dos esnobes, e mantém suas numerosas aventuras nas casas que abriga em Paris, Versalhes, Arcueil.

Quatro meses depois de seu casamento, depois de libertinagens indiscretas, sofre sua primeira prisão, muito breve, na torre de Vincennes. Em 1768 surge o primeiro caso “sádico”, quando chicoteia cruelmente uma mendinga na Páscoa. Ele consegue fugir e Sade fica preso durante sete meses. Libertado, ele vai para o castelo de La Coste, na região de Vaucluse, e, em 1772, promove outra facécia libertina. Trata-se, desta vez, de uma grandiosa bacanal com um batalhão de prostitutas. Desta vez Sade entrega-se ao flagelo ativo e passivo, à sodomia homossexual. Para robustecer seus prazeres, serviu em quantidade de bombons afrodisíacos. Uma das mulheres sentiu-se mal e teve uma crise de vômitos. O caso tem repercussão. Acusado de envenenamento e sodomia, Sade é condenado à morte pelo parlamento da Provença e executado, simbolicamente. Ele consegue fugir e vive na Itália com acunhada, que compartilha não somente de suas viagens, mas também de seus prazeres. Sua sogra, furiosa, faz com que o persigam ativamente e utiliza sua influência para obter uma ordem de prisão.

Até 1775 ele se esconde da justiça e dos policiais. Preso, consegue evadir-se de forma romanesca esse esconde em La Coste com sua mulher. Ela também compartilha dos festins que ele organiza com cinco meninas que contratou por seus serviços e que acabarão por denunciá-lo. Preso em 1776, é levado a Vincennes e depois à Bastilha, onde permanece até1788, depois para Charenton, de onde sai somente em 1790 em virtude do decreto da Assembléia Nacional abolindo a ordem de prisão.

Uma condenação à morte e 15 anos de prisão por aos de libertinagem audaciosos e perversos nas barbas da polícia e quase sob sua proteção, nos bordéis da moda, e que nada tem a ver com os verdadeiros atos de sadismo mortal aos quais se entregavam com toda a impunidade contemporâneas melhor protegidos que o marquês de Sade das perseguições de uma sogra que odiava seu genro com uma aversão atuante. A opinião pública, exasperada com os exageros cometidos todos os dias até mesmo por pessoas próximas ao Rei e com a indulgência que a justiça demonstrava em relação aos grandes, teria pressionado as autoridades por atos pelos quais outros eram poupados. Ele confessou: “Sim, sou um libertino, eu confesso, concebi tudo o que é possível conceber nesta matéria; mas seguramente não fiz tudo o que concebi e seguramente não o farei jamais. Eu sou um libertino, mas não sou nem um criminoso, nem um assassino”.

A Revolução lhe devolvera a liberdade. O terror devia retomá-lo. Preso em 1793, Sade foi salvo do cadafalso pelo fim do terror. Foi solto em 1794, viveu alguns anos de tranqüilidade – mas com problemas financeiros – compartilhado com Marie-Christine Quesnet, até 1801. Sob o novo regime foi preso como autor de obras obscenas e encarcerado em Sainte-Pélagie, depois em Bicêtre. Em 1803 foi transferido para a asa de saúde de Charenton, onde o teatro tornou-se sua principal distração e onde morreria, considerado louco, sem ter recuperado a liberdade, em 1814.

A segunda metade do século XVIII parecem desencadear-se numa espécie de corrupção generalizada, sobretudo entre a sociedade dourada que se aproveita da impunidade concedida aos grandes pela autoridade que não quer toca-los. São abundantes os exemplos, na alta aristocracia, de casos de sodomia e de incesto até sobre os degraus do trono, de personalidades em evidência que apenas escapam ao suplício da roda ou do cadafalso graças a sua alta condição social, à tradição de seus nomes e às proteções de que se beneficiam. Existia uma realidade social do sadismo e que Sade apenas teria o trabalho de abeberar-se nos quadros vivos que lhe ofereciam seus contemporâneos. Sade foi a besta negra, o bode expiatório, a vítima do Antigo Regime agonizante, no momento em que este, vendo o mundo que sustentava esboroar-se por toda parte, tentava salvar sua existência com a instauração de uma ordem moral destinada a mascarar sua fraqueza e seu esgotamento.

24 janeiro 2008

O que há por trás das obras do Marquês de Sade (4)


O Marquês de Sade abordou praticamente todos os temas da pornografia moderna e especializou-se na catalogação das práticas pornográficas. Em sua obra, o estupro, o incesto, o parricídio, a profanação, a sodomia e o tribadismo, a pedofilia e todas as mais terríveis formas de torturas e assassinato eram associados à excitação sexual. Ninguém foi capaz de superar Sade, pois ele explorou realmente a derradeira possibilidade lógica da pornografia: a aniquilação do corpo – base real do prazer – em nome do desejo.

Os romances sadianos assinalaram uma importante transição na década de 1790. O marquês levou as possibilidades subversivas da pornografia, política e socialmente, ao seu possível extremo e, ao mesmo tempo e talvez pela mesma ação, abriu o caminho para a pornografia moderna e apolítica. Suas investidas contra todos os aspectos da moralidade convencional abalaram o uso da pornografia com objetivos. A pornografia era, então, identificadas como ataque à própria moralidade, em vez de crítica ao sistema moral do Antigo Regime. Por esse motivo, Sade foi condenado por todos os regimes – Antigo Regime, republicano e napoleônico. A política republicana e, mais tarde, a política napoleônica dedicaram grande energia à perseguição e apreensão de cópias de ”Justine” e “Juliette”.

Sade passou a maior parte desses anos no asilo de loucos de Charenton. Morreu aos 74 anos. Após a morte de Sade suas obras não desapareceram, mas passaram à clandestinidade. No final do século XIX, a atenção dedicada pelos médicos à vida e obra de Sade começou a modificar esse estatuto de paria. A “Psychopatia sexualis” de Krafft-Ebbing (1886) cunhou a palavra “masoquismo” e se apropriou de “sadismo”, que já havia entrado para a língua francesa na década de 1830. Mais tarde chegou ao inglês. Já em, 1901, num livro intitulado “O Marquês de Sade e sua obra vistos pela ciência médica e pela literatura moderna”, o dr. Jacobus alertou para os efeitos da leitura de suas novelas. Foi um médico de Berlim, Iwan Bloch, que em 1904 trouxe à luz o manuscrito de “Os 120 dias de Sodoma”, perdido havia muito tempo, e publicou uma primeira edição limitada e incompleta.

Nas primeiras décadas do século XX o jovem poeta Guillaume Apollinaire editou uma série de obras licenciosas. O título mais importante da coleção, “Obra do marquês de Sade: textos selecionados” foi lançado em 1909 com uma introdução de cinqüenta páginas de Apollinaire intitulada “O divino marquês”.

O primeiro Manifesto Surrealista citou Sade como um “surrealista em sadismo”. Numa conferência feita em Oxford em 1936, o poeta surrealista e comunista Paul Éluard considerou Sade “mais lúcido e puro do que qualquer outro homem de seu tempo” (A evidência poética). Em 1933, o crítico italiano Mario Praz publicou a “versão original” de “A agonia romântica”, um livro sobre a decadência, que faz uma crítica atenta e cuidadosa de Sade. Nos anos seguintes, novas edições sobre Sade.

“Devemos queimar Sade?” (1952), estudo de oitenta páginas de autoria de Simone de Beauvoir. “O erotismo de Sade não leva ao assassinato, mas à literatura”. Lester G. Crocker, um importante estudioso das letras e filosofia francesas do século XVIII escreveu em 1963, “Natureza e cultura: pensamento ético no iluminismo francês”. Outro influente pensador das décadas de 1960 e 1970, titular da cadeira de semiótica no Collége de France, Roland Barthes publicou em 1971, “Sade Fourier, Loyola”. Enquanto Crocker escolhera Sade como representante do niilismo em sua análise do pensamento ético na França do Iluminismo e assim lhe conferiu um lugar na história da filosofia ocidental, Barthes tomou o marquês como teste final e prova de seu sistema semiótico, que interpreta toda escrita como pertencente a um edifício prazeroso de sinais desligados da realidade, independente de qualquer julgamento moral. A conclusão de Barthes é que Sade escreve “poesia” verdadeira, um deslocamento da linguagem comum por meio da pura “escrita”.

O poeta italiano e comunista radical Píer Paolo Pasolini adaptou o romance de Sade e concebeu aquele que se tornou seu último filme, “Saló”, ou “Os 120 dias de Sodoma” (1975). O sensacionalismo em tom de estréia do filme misturou-se à repulsa provocada pelo brutal assassinato que terminou com a vida sofrida de Pasolini, um homossexual assumido em busca de novas conquistas. Depois de Pasolini, Yukio Mishima e Ingmar Bergman terem aberto ainda mais as portas, louvar o universo depravado de Sade, a escritora Camille Paglia não hesitou, em “Personas sexuais” (1990) citar passagens completamente explícitas que ilustram o nexo entre prazer sexual e atos de tortura e assassinato. Em 1990 as obras de Sade foram incluídas nas Bibliothéque de la Plêiade, uma respeitada e bem-acabada coleção francesa. No Brasil várias editoras já colocaram as obras do marquês nas livrarias.

23 janeiro 2008

O que há por trás das obras do Marquês de Sade (3)

O Marquês de Sade, do mesmo modo que Marx e Freud, seria muito mais discutido do que lido, ampliando-se assim o mito do escritor rebelde e sádico que provavelmente não passava de um filósofo desencantado com a humanidade. Depois de sua morte, desse nome derivou-se a palavra sadismo. Em conseqüência de uma série de incidentes escandalosos, fora preso em 1777, em princípio devido à perseguição incansável de sua sogra. As graves acusações morais contra Sade estão registradas em documentos da polícia e dos tribunais e se relacionam em quatro incidentes ocorridos em Paris, Arcueil, Marselha e em seu próprio Château de la Coste perto de Marselha. Entre eles estavam a sodomia, homossexual e heterossexual (ambas passíveis de pena de morte na época), vários espancamentos com chicote e possíveis ferimentos à face em prostitutas, a masturbação com um crucifixo, corrupção de adolescentes, ameaças de morte e outros “excessos”.

Como conseqüência dessas acusações, a efígie de Sade foi queimada, ele foi preso diversas vezes por ordem do rei, baleado por um pai enraivecido e condenado à decapitação pelo tribunal superior da Provença. Embora sua perseverante esposa tivesse procurado ajuda-lo, a sogra não o perdoou por ter se escondido na Itália com sua outra filha. Em 1777 uma ordem de prisão emitida diretamente pelo rei, obtida por sua sogra finalmente ocasionou sua prisão em Paris, para onde havia ido por ocasião da morte de sua própria mãe.

Na prisão, Sade imediatamente protestou: “Meu sangue é quente demais para suportar essa terrível desgraça”, e ameaçou suicidar-se. Pouco anos depois, escreveu à mulher dizendo que a revoltante abstinência que lhe era imposta “quase fez meu celebro ferver. Isso faz com que eu imagine em fantasia criaturas que transformarei em realidade”.

OBRA ENCICLOPÉDICA

Na década de 1780 começou a escrever em longas sessões, como numa maratona, e continuou a fazê-lo ao se transferido para a Bastilha. Em 37 dias, utilizando os dois lados de um rolo de papel de doze metros, fez a primeira redação incompleta de sua obra enciclopédica sobre a devassidão e o crime. “Os 120 dias de Sodoma”. Trata-se de um festival de taras e atrocidades sexuais, realizadas por quatro libertinos que se fecham num castelo com um grupo de moças e rapazes. É um livro pesado e difícil, que causa repugnância aos mas sensíveis. Até hoje, críticos polemizam sobre o sentido da obra de Sade. Para o próprio marquês, ela mostrava os vícios a fim d fazer com que o leitor passasse a detestá-los. Mais tarde escreveu uma novela epistolar e picaresca de amor, corrupção e viagens, “Aline e Valcourt”, e pelo menos duas versões de “Justine”, ou “A boa conduta bem castigada”.

Esse nobre de 37 anos, oficial de cavalaria, descendia de duas famílias eminentes e aristocráticas da Provença. Sade cresceu próximo à casa real de Paris numa atmosfera de devassidão e licenciosa. Apesar de suas ligações com o poder e de suas propriedades no sul da França, Sade sempre esteve em dificuldades financeiras. Casou-se por dinheiro, aos 23 anos. Teve com a mulher dois filhos e uma filha, enquanto continuava a freqüentar bordéis e a esbanjar dinheiro com atrizes.

Quando a Assembléia Constitucional aboliu a ordem de prisão em 1790, Sade recuperou a liberdade e perdeu a mulher, que conseguiu a separação judicial. Escreveu peças de teatro e publicou “Aline e Valcourt”(assinada 1793) e “Justine” (anônimo, 1791). Começou então a viver com Constante Quesnet, atriz sem recursos que havia sido abandonada pelo marido, junto com um filho. Foi sua companheira durante os 24 anos seguintes, até sua morte, período em que Sade obteve certa notoriedade mas não conseguiu riqueza sem segurança.

Preso em 1793, como inimigo da Revolução, falso patriota e libertino, quase não escapou da guilhotine. Foi solto em 1794. Os anos seguintes foram de grande penúria. Publicou mais quatro livros licenciosos, inclusive “Filosofia na Alcova” (1795) e “Juliete”. Em seu terceiro período de encarceramento mais prolongado, que durou treze anos, foi causado por suas obras literárias. Escreveu “Os crimes do amor” (1800), ensaio histórico em forma de romance onde apresenta homens modificados pelo vício e pela paixão.

22 janeiro 2008

O que há por trás das obras do Marquês de Sade (2)

“Os 120 dias de Sodoma” aparecem seiscentas perversões, algumas descritas pela primeira vez, é mais do que um catálogo de práticas e inclinações estranhas ou ferozes. Sade imaginou na solidão das celas em que ficou preso. Muitos anos depois a observação científica comprovou que não se tratava de delírios, mas de realidades. Sade descobriu realidades que, por mais explosivas e atrozes que nos pareçam, não deixam de ser nossas. “O principal interesse da obra de Sade é de ordem filosófica. Sua originalidade maior consiste em ter pensado o erotismo como uma realidade total, cósmica, quer dizer, como a realidade. Seu pensamento, não menos rigoroso, é ao mesmo tempo crítico e sistemático”.

Lês 120 Journées de Sodome, escrito no final de 1785, numa sombria cela da Bastilha é considerado uma espécie de bíblia das propostas de Sade: Quatro libertinos – os maiores e mais experientes devassos da França setencista – associam-se para levar a termo o projeto de conhecer, representar e praticar “todas as paixões que existem na face da Terra”. São 46 pessoas – entre prostitutas, súditos, adolescentes, velhos, cozinheiros e jovens que passam 120 dias no castelo. Cada mês é dedicado a uma classe de paixão – simples, complexas, criminosas e assassinas, e cada dia a cinco de suas modalidades. Com isso, ao longo da estadia são apresentadas seiscentas paixões, compondo uma seqüência da qual decorre justamente a idéia de “antologia dos gostos”.

Para o poeta Octávio Paz, “Sade é um autor que merece ser lido. É um autor perigoso? Não acredito que haja autores perigosos; melhor dizendo, o perigo de certos livros não está neles próprios e sim nas paixões de seus leitores. Além do mais, Sade é um autor austero e suas obras procuram mais a aprovação de nosso juízo do que a cumplicidade de nossos sentidos. Sade não quis comover, exaltar ou transformar: quis convencer”.

OBRA QUE ASSOMBRA

“A obra de Sade ainda nos assombra tanto pela imensidade de suas negações como pelo radicalismo monomaníaco de sua afirmação central: o prazer é o agente que guia e move os atos e pensamentos dos homens e das mulheres; e o prazer é intrinsecamente destruidor. Essa idéia não era nova quando Sade a formulou e é sobretudo uma idéia discutível. A interdição que pesava sobre suas obras impedia que ele fosse cabalmente compreendida e discutida. Levantadas essas proibições, passa a ser uma opinião entre outras”.

Justine ou As desgraças da virtude onde existem três versões desse romance. Justine é irmã da perversa e libertina Julietta, heroína de A Prosperidade do Vício. Em Histoire de Juliette, romance que narra, de forma lenta e progressiva, a ascensão da personagem na carreira da libertinagem. No percurso ascendente de Juliette, destaca-se sua admiração no clube secreto (Sociedade dos Amigos do Crime), efetivada somente depois da libertina submeter-se a uma série de provas com todos os protocolos que tal processo exige, como num ritual de iniciação. Para o poeta Octávio Paz “a importância de Sade, mais do que literária, é psicológica e filosófica (...) Sade é um caso. Tudo nele é imenso e único, inclusive as repetições. Por isso nos fascina e alternadamente nos atrai e nos repele, nos irrita e nos cansa. É uma curiosidade moral, intelectual, psicológica e histórica”.

Criador de novelas extremamente imaginativas em que descreve ações eróticas caracterizadas por torturas e violências físicas, o controverso nobre francês viveu mais de duas décadas encarcerado e, posteriormente, se tornou motivo de estudos de Apollinaire, precursor do surrealismo e da feminista Simone de Beauvoir, entre outros. A libertinagem sexual não era um privilégio de Sade, mas a marca de uma época. A França do século XVIII estava imersa em orgias e depravações organizadas por nobres e membros do clero. O arcebispo de Narbonne, o abade Dubois e o célebre cardeal Richelieu são apenas alguns exemplos. Os excessos chegaram a tal ponto que se tornaram insuportáveis. De certa maneira, Sade pode ser visto como um bode expiatório. Considerá-lo um momento e uma aberração era uma maneira de purificar uma sociedade em que os limites entre o liberado e o proibido eram muito tênues.

21 janeiro 2008

O que há por trás das obras do Marquês de Sade (1)


O Marquês de Sade foi um prolífico escritor que, tendo passado 27 de seus 74 anos de vida em prisões e sanatórios criou uma violenta literatura em que prazer e dor, crime e satisfação pessoal, misturam-se nas obsessivas orgias e flagelações de seus personagens. Depois que Guillaume Apollinaire, Georges Bataille, Camus, Simone de Beauvoir, Michel Foucault, Lester G. Crocker, Barthes, Pasolini, Yukio Mishima, Ingmar Bergman e Camille Paglia terem aberto ainda mais as portas, louvar o universo depravado de Sade, tornou-se quase um lugar-comum. A reabilitação de Sade constitui a consagração final. Afirma-se agora que ele foi o mais liberto de todos os revolucionários, um grande moralista da transgressão e um poeta da palavra sem dimensão moral.

A pornografia francesa do século 18 não tem limites, porém não faz da crueldade seu impulso principal. O marquês de Sade difere dos outros precisamente quanto ao sentido da palavra derivada de seu nome. Trata-se do único sádico. Essa associação sistemática da gratificação sexual com a perversidade, a dor, a tortura e o assassinato é uma novidade na história social. No ensaio sobre Sade, o filósofo Roger Shattuck escreveu: “O divino marquês representa um conhecimento proibido que não podemos proibir. Consequentemente, devemos rotular suas obras cuidadosamente: veneno potencial, poluidor de nosso ambiente moral e intelectual.

Mais de dois séculos depois de questionar duramente os valores de sua época, ao preço de anos de prisão em diferentes estabelecimentos penais, sob três diferentes regimes políticos, Donatien-Alphonse-François (1740/1814), o marquês de Sade acabou verbete de dicionário para designar perversidades inomináveis. Consumida, o mais das vezes, como esquiza pornografia, a “filosofia” bélica e insultuosa de Sade, pretendendo ampliar os recém-conquistados valores da Revolução Francesa, virou de ponta-cabeça a moral judaico-cristão em qualquer lugar em que se imponha ou seja professada, será objeto, no mínimo, de perseguição policial. Não há lugar no mundo que abrigue as radicalidades deste marquês de mais de 200 anos. Vamos conhecer um pouco mais desse autor que revirou a moral de sua época e saber que o que ele fez foi mostrar o reflexo da sociedade que vivia. Fique atento!
]
VENENOS DA ALMA

Os livros do Marquês de Sade foram escritos no século dezoito. Por causa deles foi preso e chamado de monstro. Sade só foi acolhido no jardim das belas letras depois que o poeta Guilhaume Apollinaire, em 1909, escreveu um alentado ensaio sobre sua vida e obra. Em 1836 o poeta Émile Chevé escreveu umas linhas delicadas sobre o marquês, em que dizia que, após ele, ninguém, jamais, poderia reunir “em semelhante buquê todos os venenos da alma”. Em 1865 o psiquiatra Krafft Ebing, na obra “Psychopathia Secualis” escreveu a respeito de “sadismo”... “para designar uma categoria de perverso que procura o prazer na dor infligida”. Quem também se interessou pelo marques foi o filósofo Swimburne. Mas no século XX, depois do famoso Apollinaire, o marquês via ressuscitar. E são particularmente notáveis as leituras que dele fazem Georges Bataille e Pierre Klossowski. Em seguida, Simone de Beauvoir, Pierre Sollers, Alain Robbe-Grillet, Jean Pierre Faye, Roland Barthes e tantos outros nomes mais pensam Sade. E pensar Sade é caminhar em cima de linhas que marginam com o abismo. Abismo da consciência, do coração, do sexo e das relações entre os homens.

“Sade é valorizado como um sexólogo. Seu objetivo não era excitar o leitor mas, como toda literatura erótica de seu tempo, filosofar através do erotismo”, escreveu Eliane Robert Morais no seu ensaio Sade-A Felicidade Libertina. O que em geral se esquece é que Sade viveu sua atribulada vida em plena efervescência do movimento iluminista e enciclopedista, ou seja, no momento em que o conhecimento passa a ser um valor de emancipação do homem, que superaria as trevas do não-conhecido. O projeto de Sade não é coletivo mas se pauta pelo mesmo princípio: superar dogmas e preconceitos para conhecer melhor, só que revelando partes pouco desejáveis do indivíduo e da sociedade.

18 janeiro 2008

Música & Poesia

Tempos Modernos (Lulu Santos)

Eu vejo a vida
Melhor no futuro
Eu vejo isso
Por cima de um muro
De hipocrisia
Que insiste
Em nos rodear...

Eu vejo a vida
Mais clara e farta
Repleta de toda
Satisfação
Que se tem direito
Do firmamento ao chão...

Eu quero crer
No amor numa boa
Que isso valha
Pra qualquer pessoa
Que realizar, a força
Que tem uma paixão...

Eu vejo um novo
Começo de era
De gente fina
Elegante e sincera
Com habilidade
Pra dizer mais sim
Do que não, não, não...

Hoje o tempo voa amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
Não há tempo
Que volte amor
Vamos viver tudo
Que há pra viver
Vamos nos permitir...

Eu quero crer
No amor numa boa
Que isso valha
Pra qualquer pessoa
Que realizar, a força
Que tem uma paixão...

Eu vejo um novo
Começo de era
De gente fina
Elegante e sincera
Com habilidade
Pra dizer mais sim
Do que não...

Hoje o tempo voa amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
E não há tempo
Que volte amor
Vamos viver tudo
Que há prá viver
Vamos nos permitir...

E não há tempo
Que volte amor
Vamos viver tudo
Que há pra viver
Vamos nos permitir...



Poemas de Paulo Leminski

HAI

Eis que nasce completo
e, ao morrer, morre germe,
o desejo, analfabeto,
de saber como reger-me
ah, saber como me ajeito
para que eu seja quem fui,
eis o que nasce perfeito
e, ao crescer, diminui.

KAI

Mínimo templo
para um deus pequeno,
aqui vos guarda,
em vez da dor que peno,
meu extremo anjo de
vanguarda.

De que máscara
se gaba sua lástima,
de que vaga
se vangloria sua história,
saiba quem saiba.
A mim me basta
a sombra que se deixa,
o corpo que se afasta.

A lua no cinema

A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.
Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!
Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.
A lua ficou tão triste
com aquela história de amor
que até hoje a lua insiste:
- Amanheça, por favor!

17 janeiro 2008

O que está por trás da guerra contra o Iraque (3)

Os EUA não são uma sociedade 100% laica, secular, materialista. Ela tem também um forte componente de religião, de idealismo, de messianismo, que estudiosos como Tocqueville, Edmund Wilson e Robert Hughes cansaram de demonstrar. E é esse salvacionismo moralista de parte da sociedade americana que está montado nos Tomahawks agora. O terrorismo faz as vezes do comunismo: justificaria qualquer ação contrária.

O problema de Bush II não é ser contra a expansão de um fundamentalismo islâmico armada sobre a parceria de tiranos e terroristas. Seu problema é representar uma facção da sociedade americana que é muito parecida com esses fundamentalismos quando seus interesses estão em jogo. A comparação entre as sociedades não dá para a saída. A liberdade e a tolerância que se encontram nos EUA, especialmente em Nova York, são inassimiláveis pelas sociedades teocráticas. Mas também incomodam boa parcela dos próprios americanos como Bush II, que, apesar de usar a tecnologia bélica que usa, já deixou bem claro o quanto desconfia da ciência e do agnosticismo. Eis a questão. A desinformação foi bastante utilizada como arma de guerra pela coalização anglo-americana.

História do Iraque

Na Antiguidade, a Mesopotâmia foi o berço das cidades-Estado sumérias, onde floresceram as civilizações acadiana, babilônia e assíria. Sofreu invasões persas e romanas. Mas sua identidade étnica, lingüística e religiosa foi moldada pela invasão árabe do século 7º. Bagdá, fundada para substituir Damasco como sede do califado, tornou-se o centro do mundo árabe-muçulmano que se estendia do Magreb ao Afeganistão. No século 9º, no Iraque, irrompeu a querela de sucessão que originou a dissidência xiita. Sob o califado abácida, o árabe tornou-se uma língua geral dos fiéis do islã, difundindo-se pela África do Norte e grande parte do Oriente Médio. Uma cultura compartilhada assinalou o apogeu do mundo árabe, que contrastava com o atraso, a selvageria européia.

O Império Otomano estabeleceu o seu poder sobre o mundo árabe nos séculos 16 e 17. Bagdá caiu nas mãos otomanas em 1534, foi perdida logo depois e reconquistada em 1638. A estrutura imperial (a maior que se conhecera desde a queda de Roma), conseguiu estabilidade duradoura respeitando a pluralidade de culturas e os privilégios das elites nas diferentes partes do império. Sua lenta decadência, no século 19, abriu caminho para as potências, que colonizaram o norte da África.

A Primeira Guerra assinalou o colapso otomano e a fragmentação geopolítica do Oriente Médio. A França estabeleceu mandatos na Síria e no Líbano. O Reino Unido, que tinha declarado protetorado sobre o Egito, tornou-se potência mandatária na Palestina, na Transjordânia e no Iraque. A Arábia Saudita unificou-se, mas os britânicos, determinados a controlar as fontes e rotas do petróleo, impediram a unidade da península e retalharam a orla do golfo Pérsico em protetorados. Essa é a origem do Kuait, do Qatar, de Barein e dos Emirados Árabes Unidos.

Saddam Hussein chefiou o núcleo baathista das coalizações militares que governaram o Iraque na década de 70. Em 79, num golpe palaciano, assumiu a Presidência. Durante a Guerra Irã-Iraque (80/88), estruturou uma ditadura feroz, baseada na fusão do Baath com o aparelho de Estado.

16 janeiro 2008

O que está por trás da guerra contra o Iraque (2)

O país de Saddam tem o petróleo mais barato do mundo e o de melhor qualidade, enquanto os Estados Unidos, sozinhos, gastam 20 milhões de barris por dia e respondem por 40% do consumo dos países industrializados. Hoje os EUA importa 60% do que gasta e tende a subir. O Oriente Médio que fornece dois terços do petróleo americano é citado em, documentos da Casa Branca como “vital aos interesses americanos”.


Assim, o petróleo é uma das causas da guerra de Bush contra o Iraque. Empreiteiras e diversos grupos que participam da reconstrução do Iraque vão ter a oportunidade de fazer bons negócios. A reconstrução do país deverá dividir as potências ocidentais. França e Rússia deverão perder contratos que mantinham com Saddam Hussein, já EUA e os países que apoiaram a guerra vão tentar garantir a melhor fatia dos negócios para suas próprias empresas.

Outro elemento importante nesta guerra: as questões ideológicas e de geopolítica que parecem mover o presidente George Bush. Ele acredita que está fazendo o que é melhor para seu país. Os Estados Unidos, colonizados por europeus que venceram tribos indígenas seminômades, é o líder do grupo dos sete países mais ricos, o G-7. Já o Iraque, com 26 milhões de habitantes, detém 11% das reservas de petróleo do Golfo Pérsico, a segunda maior depois da Arábia Saudita. Os EUA produzem tudo que consomem e exportam grãos para o mundo inteiro.

O resultado disso tudo é que Bush está mandando jovens americanos à guerra – matando iraquianos indefesos – para manter os lucros da Esso e garantir que a classe média continue rodando em utilitários esportivos. Controlando o petróleo e a água, os Estados Unidos controlam todo o Oriente Médio. O Iraque lutou oito anos contra o Irã, venceu e, agora, estava pronto para ser uma nova nação. Mesmo divididos,os iraquianos não gostam dos EUA. Depois que os americanos pegarem todo o petróleo, os iraquianos não terão nenhuma vantagem. Após fracassadas incursão militar no Irã, os EUA resolveram apoiar o Iraque de Saddam Hussein, que parte para a guerra contra o Irã, iniciada em 1980.

Os norte americanos ocuparam o Haiti durante 19 anos e fundaram um poder militar que desembocou na ditadura de Duvalier. O mesmo aconteceu com a República Dominicana, ocupada por nove anos e fundaram a ditadura de Trujillo. Mais tarde foi a vez da Nicarágua durante 21 anos e fundaram a ditadura da família Somoza. Incapaz de ouvir alguém além dos ecos de sua voz, Bush se apodera do “defensor da paz mundial” tentando esconder o que todos já sabem”os EUA são o país que mais armas fabrica e vende no mundo. Foi o único país que lançou bombas atômicas contra a população civil. Por tradição, sempre está em guerra contra alguém. A matéria-prima para fabricar armas químicas e biológicas foi vendida a Saddam Hussein pelos EUA paras asfixiar os curdos. O Iraque foi arrasado em 1992 pela guerra de Bush pai e deixado esfomeado pelo posterior bloqueio.

O povo americano está sendo chamado a pagar a conta com dotações orçamentárias e este pode ser um fator de enfraquecimento do apoio que hoje Bush desfruta para manter a guerra. Bush necessita formar a posição dos Estados Unidos como potência hegemônica no mundo. Saddam ganha com a guerra, porque os iraquianos, como qualquer povo agredido, precisam de um líder para centralizar a resistência. E assim ele garante mais tempo no poder. E o que dizer da fraude financeira e delírio otimista com novas tecnologias criada nos EUA no período 1995/2001

15 janeiro 2008

Nildão lança "Penso, logotipo"

O cartunista e designer Nildão promove uma big festa dançante para o lançamento do seu décimo primeiro livro: "Penso, logotipo". O evento acontece dia 22 de janeiro, terça-feira, a partir das 21 horas no 2º piso do Bar Santa Maria, Pinta e Nina que fica no Largo de Santana, próximo a Dinha do acarajé, no Rio Vermelho. A animação fica por conta do DJ Roger N'Roll nos pic-ups e o ingresso no valor de R$ 15,00 dá direito a um exemplar.

Nesse novo trabalho Nildão mudou radicalmente e em vez de trabalhar com a palavra decidiu transitar pelo universo da imagem sem abandonar sua veia humorística. Dividido em capítulos, o novo trabalho busca uma releitura dos ícones da cultura pop mundial. No primeiro capítulo "Logotrip" o autor explora de maneira bem humorada as alterações nas marcas e nos logotipos mais famosos do planeta. Em "Não vá na propagonda" Nildão brinca com a criação de falsos anúncios e sugere empresas fictícias que propõem produtos inimagináveis. No capítulo "Nunca fui Santa" o tema central é a criação de novos santos para o imaginário religioso Ocidental. Em "bicho também é gente" o foco é a relação entre nós humanos com os animais inclusive propondo a criação de novos seres para a zoologia. Todo o material que compõem o livro foi selecionado e editado por Renatinho da Silveira, designer e professor da Facom.

Nildão como cartunista publicou em 1980 o livro "Me segura qu'eu vou dar um traço", em 88 lançou o livro "Bahia - Odara ou desce", em 89 colocou no mercado o livro de grafites "Quem não risca não petisca", em 98 lançou "Ivo viu o óbvio" além do flip-book "Capoeira Ligeira" realizado em parceria com o fotógrafo Aristides Alves. Em 2001, foi a vez do livro de cartuns "É duro ser estátua". Em 2003 lançou "Poesia - Remédio contra azia", sua primeira experiência no gênero, em 2005 lançou "Colíricas", em 2006 colocou nas ruas "O sol nasce para toldos" além coleção de postais "São será o Benedito e outros santos geneticamente modificados" criada em parceria com Renato da Silveira. Em 2007 publica "Borboletras" seu último trabalho composto de pequenos textos e nanodelicadezas.

Nildão já ganhou inúmeros prêmios em Salões de Humor além de ser premiado no meio publicitário com a vitoriosa campanha de cartuns feita para a Bahiatursa que o levou a participar como concorrente do Festival de Cannes. Teve poemas selecionados para o projeto Mídia Poesia 1 e 2, veiculado pela Rede Bahia e uma das frases do livro "Poesia-Remédio contra Azia" serviu de tema para o programa "Saia Justa", na época apresentado por Rita Lee, Marisa Orth, Mônica Waldvogel e Fernanda Young.

"Penso, logotipo" e os demais livros de Nildão podem ser encontrados na Pérola Negra (Canela), Mídialouca (Fonte do Boi - Rio Vermelho), no restaurante Ramma (Barra), na Livraria Tom do Saber (Rio Vermelho) e no Espaço (Parque Cruz Aguiar, Rio Vermelho). (Fonte: Assessoria do artista)


O que está por trás da guerra contra o Iraque (1)

Desde o início os EUA se mostraram dispostos a levar avante o ataque ao Iraque, a despeito de qualquer que fosse a decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O motivo: para a economia americana, a guerra dinamiza vários segmentos, como a indústria bélica e a reconstrução civil, e isso se traduz na criação de novos empregos e manutenção dos existentes.

Os invasores procuraram as armas de destruição em massa que venderam (quando o inimigo era amigo) ao ex-ditador do Iraque, e que foi o principal pretexto para a invasão. Como os inspetores da ONU não encontraram as armas proibidas no Iraque, Bush apressou o ataque ao povo iraquiano. Ele temia que os inspetores, ao terminar a inspeção declarassem que nada encontraram e aí o que seria de Bush que já não conseguira prender Bin Laden?. Milhões de pessoas em todo o mundo compartilha o sentimento de desapontamento diante dessa guerra insana.

Muitos inocentes perderam a vida neste conflito. O objetivo primário das forças invasoras era a destituição de Saddam. Até o momento, armas de destruição em massa, cuja existência era a principal justificativa para o ataque, não foram encontradas. A tarefa mais urgente que se impõe às tropas anglo-americanas agora é garantir segurança às cidades ocupadas para que a ajuda humanitária possa chegar.


O principal objetivo do presidente dos Estados Unidos, George Bush é recuperar para empresas norte americanas o controle sobre os campos petrolíferos do Iraque. Britânicos e americanos confrontam-se com a França e a Rússia, porque essas nações já têm empresas explorando a extração de petróleo no Iraque. São as empresas Total Efe (francesa) e a Lukoil (russa). Na verdade a guerra do Iraque é em grande parte acerca do petróleo

Saddam Hussein assinou contratos para a abertura de 417 novos poços de petróleo em território iraquiano. Se sobreviver à invasão americana, esses poços serão escavados por empresas russas, chinesas e francesas. Nenhuma empresa americana ou britânica foi contemplada nos projetos iraquianos, que podem somar US$ 30 bilhões ao longo de cinco anos. Assim, quem tem negócio com o ditador iraquiano defende a continuidade do regime. Quem ficou de fora quer a guerra e a troca de contratos. Assim, é o petróleo que está causando toda esta guerra. Afinal, o petróleo iraquiano rende US$ 15 bilhões ao ano.

14 janeiro 2008

Amor natural de Drummond

Carlos Drummond de Andrade (1902/1987) – É considerado o maior poeta moderno em língua portuguesa. A temática amorosa pode ser rastreada em toda a obra de Drummond. Mas as últimas publicações do poeta e o livro “O Amor Natural”, ultrapassam o simplesmente amoroso para desembocarem em uma representação estética do amor erótico, que se propõe como encontro também carnal, condição do amor-totalidade. “Em todos os poemas – como analisou a professora Rita de Cássia Barbosa no livro Poemas Eróticos de Carlos Drummond de Andrade -, desnuda-se a mulher, a presença indispensável para acender o impulso erótico do poeta. Explícita ou figuradamente, o eu lírico detém-se na região pubiana feminina, em seios, coxas, nádegas, tomados como objetos de desejo ou instrumento de gozo realizado. Ou são também revividos os encontros sexuais, ocasião em que a femina evolui de objeto desejável a objeto desejado, chegando, como sujeito desejoso, a fonte e receptáculo de prazer. A instância desejante, o homo, expressando-se pela voz do eu lírico, é sempre quem cuida da figuração”.

O que se passa na cama

(o que se passa na cama
é segredo de quem ama.)


É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
elaborado na terra
e tão fora deste mundo
que o corpo, encontrando o corpo
e por ele navegando,
atinge a paz de outro horto,
noutro mundo: paz de morto,
nirvana, sono do pênis.

Ai, cama, canção de cuna,
dorme, menina, nanana,
dorme a onça suçuarana,
dorme a cândida vagina,
dorme a última sirena
ou a penúltima...O pênis
dorme, puma, americana
fera exausta. Dorme, fulva
grinalda de tua vulva.
E silenciem os que amam,
entre lençol e cortina
ainda úmidos de sêmen,
estes segredos de cama.

“O que se passa na cama” reporta-se ao presente, insistindo no “segredo” que assinala a realização do ato amoroso. Segredo e intimidade percorrem todo o poema, graças à freqüência das vogais fechadas e dos sons nasais. Recursos que, associado à utilização da redondilha maior, contribui para a musicalidade do poema, intradenominado “canção de cuna”. Os quatro versos finais, envoltos pelo silêncio de “lençol” e “cortina”, mas “úmidos de sêmen”, reiteram o caráter crítico do poema. Não é na menção explícita aos órgãos sexuais, a sêmen, contudo, o que o erotismo se registra no poema.
No pequeno poema “A Paixão Medida” (1980), que dá título a um de seus livros, o erotismo se oculta, lúdico e malicioso, por detrás dos vocábulos, e se sutiliza, e se resolve em pura poesia: “Trocaica te amei, com ternura dáctila/e gesto espondeu./Teus iambos aos meus com força entrelacei./Em dia alcmânico, o instinto ropálico/rompeu, leonino,/a porta pentâmetra./Gemido trilongo entre breves murmúrios./E que mais, e que mais, no crepúsculo ecóico,/senão a quebrada lembrança/de latina, de grega, inumerável delícia?”.

No livro O Amor Natural, publicado em 1992, cinco anos depois da morte do escritor, se surpreende um Drummond fogosamente audacioso, deliciosamente irreverente. Um Drummond de língua, e boca, e mãos, e falo, e desejo, a cantar o sexo em tom de elegia, entre o exaltado e o melancólico, como a lamentar a fugacidade de prazeres que, de tão humanos, extravasam o divino. É uma coletânea de poemas sensuais, a maioria deles mantida em segredo pelo poeta enquanto estava vivo.

“Ao delicioso toque do clitóris
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando”.

Livros como Amor Amores (1975), Corpo (1984), Amar se Aprende Amando (1985) e Amor, Sinal Estranho (1985) é diferente de Amor Natural. Aqui, o lúdico se torna provocante. Aqui, Drummond é erótico sem jamais tocar no pornográfico. Ele fala de corpos noutros corpos estrelaçados, de mãos que separam pétalas e as acariciam, tendo o céu por testemunha e metáfora do orgasmo.

“A língua lambe as pétalas vermelhas
de rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilongo, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,

entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos” (A Língua Lambe).

A publicação póstuma dos poemas ditos eróticos de Carlos Drummond de Andrade, O Amor Natural, suscitou a velha questão dos limites entre erotismo e pornografia. Ocupando o lugar de nosso maior bardo, o único talvez capaz de romper as barreiras do nosso paroquialismo para atingir os grandes espaços da poesia universal afirmou certa vez: “Agora que ficou chato ser moderno/serei eterno”. Em 1985, quando lançada a segunda edição de seus “Contos Plausíveis”, o poeta disse em entrevista que tinha medo de, publicado Amor Natural, ser chamado de “velho bandalho”. “Há no Brasil – não sei se no mundo -, no momento, uma onda que não é de erotismo. É de pornografia”, acrescentou Drummond. “Eu não gostaria que meus poemas fossem rotulados de pornográficos”. Os poemas pouco acrescentam à obra do poeta, que sempre foi abençoado por Eros.

11 janeiro 2008

Música & Poesia

Até o Fim (Chico Buarque)

Quando nasci veio um anjo safado
O chato do querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
"inda" garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão , eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim
Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim
Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, a minha mula empacou
Mas vou até o fim
Não tem cigarro acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim ?
Eu já nem lembro "pronde" mesmo que eu vou
Mas vou até o fim
Como já disse era um anjo safado
O chato dum querubim
Que decretou que eu estava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim



À espera dos bárbaros (Konstantinos Kaváfis)


O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.

10 janeiro 2008

Mail Art/Arte Postal (2)

O mail art se demonstra uma das alternativas encontradas pelos artistas para explorar novos recursos perceptivos e, ao mesmo tempo para descobrir novas possibilidades de fazer sentir sua presença na coletividade. Verifica-se a utilização de um média que se presta ao relacionamento à distância – e que impõe a periodicidade – entre emissor e receptor, mas que na verdade vai além, desta convenção.

A mensagem é, com efeito, reciclada passando desse estágio de correspondência a dois ou mais participantes para o domínio exterior, como o demonstram as várias exposições de arte postal realizadas no decorrer da época. O cartão postal, criado pelo próprio artista, e o cartão comercial alterado, parecem ter sido os primeiros veículos de exploração dessa arte essencialmente processual. A idéia de arte postal, entretanto, logo ganhou dimensões operacionais maiores e é hoje um campo que se expande continuamente como transmissão de mensagens utilizando a carta, a circular, o telegrama, o boletim e outros meios que se adequam pelo formato e peso à circulação postal.

A arte postal pertence à classe dos sistemas que desfazem as fortes barreiras que tem separado os níveis da arte daqueles da vida. As motivações para esta nova expressão são múltiplas e não dependem de qualquer circunstância especial. Artistas, em número considerável, rompendo com o conceito tradicional de obra, afastando-se dos esquemas de exposições oficiais e comerciais, desconfiados da função crítica e, no mínimo, indiferentes às revistas de arte dominantes – ou seja, hostis a todo o status quo poderia parecer indispensável à carreira artística – passara,m a organizare-se para enfrentar uma situação inteiramente diversa, criando suas próprias associações, seus próprios intercâmbios, suas próprias publicações, e selecionando os locais para suas exposições.

Tornaram-se economicamente independentes dos mecanismos centralizadores da arte, ao dedicar-se a atividades paralelas. As comunicações através da correspondência postal logo se fizeram elemento de peso para a consolidação e expansão desse comportamento autônomo. Essa atividade de arte correio representa um grande incentivo para as novas gerações. Significa um passo à frente no sentido de uma democratização de hábitos, de questionamento efetivo das exigências burocráticas e poderá ser uma contribuição sempre crescente na formação de uma cultura nova.

O poema experimental, postal – disse o baiano Almandrade – é uma técnica atuando na criação de linguagens. O espectador não está mais diante de uma obra acabada, a comunicação direta (visual) transforma o consumidor em participante. O experimentalismo vai de encontro à cultura burguesa, do objeto único e redundante.

TROCA DE INFORMAÇÕES

Os artistas de todo o mundo começaram a trocar criações entre si através do correio, trabalhando desde o envelope, onde se faz colagem, se escreve, colam-se fotos e, tudo junto, com endereçamento e selo, ganhando uma função estética bastante viva. Assim, a arte adquiriu uma linguagem crítica e atualíssima. Um processo mais que estético-visual-conceitual cumpre um círculo de revelações humanas – importante entre a incompreensão de muitos. Uma forma de arte multilateral.

A origem da arte postal está ligada ao dadaísmo, noveau réalisme, Grupo Fluxus e à Escola Postal de Nova York. Inúmeros acontecimentos em diferentes regiões do mundo levaram a sua origem. A criação do cartão postal em 1869 pelo australiano Manuel Herman pode ter sido o ponto de partida. Van Gogh e o poeta futurista russo Maiakovsky já enviavam a seus amigos correspondências repletas de ilustrações. Marcel Duchamp, em 1916, enviou a seus vizinhos, o casal Arensberg, um cartão postal que era uma colagem de outros cartões. Os integrantes do Grupo Fluxus passaram a fazer uso sistemático do cartão postal com intenções artísticas. Estava então criado um novo movimento artístico. Na década de 1950, Ray Johnson, nos Estados Unidos, foi considerado o fundador da mail art.

Nas décadas de 1960 e 70, a arte postal se difundiu rapidamente por todo o mundo, escapando à lei da massificação da arte, tornando-se uma prática – considerada anárquica por muitos – contra o fechado e extremamente comercial circuito de artes plásticas. Nessa época, foi a única forma encontrada por centenas de artistas de pequenas cidades, de países longínquos ou com sistemas fechados de governo, para participar de mostras internacionais de artes visuais.

Na década de 1980, a mail art passou a ser considerada um dos maiores movimentos artísticos do mundo, com exposições que até hoje acontecem em grandes centros culturais, principalmente na Itália, Estados Unidos, Bélgica, Inglaterra, França, Alemanha e Japão. No Brasil, a primeira mostra internacional de arte postal aconteceu em 1975, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Em 1981, a 16ª Bienal Internacional de São Paulo dedicou grande espaço a mail art, recebendo mais de 8 mil obras de todo o mundo. Hoje, ainda é comum o menosprezo a essa manifestação artística, tida por muitos como um modismo passageiro restrito das décadas de 1970 e 80. Mas a troca de trabalhos artísticos ainda persiste no mundo via correio ou e-mail.

09 janeiro 2008

Mail Art/Arte Postal (1)

Nos anos 60/70 e principio dos anos 80 começou a se desenvolver em várias partes do mundo a arte-postal (mail art), que era transgressiva, ate no suporte. Agora com a internet ela está voltando com toda força. Um e-mail pode ser concebido sob a forma de mail-art. Essa forma de comunicação criativa teve origem na revolução científico-industrial que permitiu o funcionamento a nível universal dos serviços dos correios desde logo se assumindo como uma ruptura com a tradição artística que significaram os movimentos e escolas artísticas do início do século e do pós-guerra. Dadaístas, futuristas e surrealistas como Schwitters e Duchamp aderiram à arte postal para divulgar os seus pontos de vista e trocar mensagens criativas.

Esse tipo de arte reveste um caráter anti-comercial e anti-consumista, personalizado que se opõe aos fenômenos de massas que as tecnologias introduziram na difusão de certas formas de expressão artística. O circuito da arte postal convencionou que todas as obras recebidas serão exibidas na totalidade sem sujeição a uma seleção ou júri. Quem provoca a manifestação "obriga-se" a enviar um catálogo aos participantes onde constem os seus contactos. As obras recebidas não podem ser comercializadas e não serão devolvidas.

A liberdade de suporte e de técnica só é limitada pela possibilidade de envio pelos serviços postais. As propostas chegam ao destino, enriquecidas pelos selos, tarjetas, carimbos do remetente, após uma viagem que acrescenta à obra criada signos e imagens, dando-lhes um caráter alternativo, renovando cada objeto, tornando-o mais tarde em frente e verso.

O QUE É?

Circuito ou tendência alternativa de arte por correspondência onde participam todos que tenha como objetivo central a comunicação e o contato através do intercâmbio de informação e propostas criativas. Além de uma corrente artística, a arte postal é um fenômeno das comunicações, onde o criador das mensagens é, ao mesmo tempo, o emissor e receptor dos mesmos. Fenômeno vivo de resposta e criação, que não reconhece fronteiras, onde se incluem técnicas e suportes mais diversos; gráfica, postais, adesivos, poesia visual, timbres e livros de artistas, selos, fax, vídeos, etc. Busca além disso, contactar e trocar com todos os circuitos existentes em distintas latitudes, dedicados a as mais diversas disciplinas.

Assim como a pintura está ligada aos museus (sentido estático da contemplação), a literatura está ligada às livrarias, os quadrinhos às bancas de revista e o cinema às salas de projeção (sendo da escolha individualista do que consumir) – a vanguarda atual está ligada ao correio (sentido da surpresa, quando o carteiro faz circular/redistribuir novos produtos explosivos de informação contemporânea; ou por e-mail via internet).

O postal, como veículo e suporte do poema, data dos anos 60, sob o domínio da poesia concreta internacional. O uso do envelope como veículo para a divulgação do poema sistematizou-se através do movimento/processo a partir de 1968, como forma alternativa de veiculação de materiais produzidos no âmbito da experimentação (anti) literária. O emprego regular do envelope, pelo movimento, começou em 1968, através de publicações paralelas às revistas Processo (Rio, 1968), Projeto (Natal, 1970), Levante (Campina Grande, PB, 1970), Vírgula (Rio, 1972).

08 janeiro 2008

Livro de bolso avança no mercado (2)

A segunda maior coleção de livros de bolso, a Leitura, da Paz & Terra, com mais de 50 títulos, tem como best-seller uma obra que paga direitos autorais, "Pedagogia da Autonomia", de Paulo Freire, que já vendeu mais de 500 mil exemplares. É de títulos exclusivos também a nova série "Aplauso", da Imprensa Oficial. Assim, no Brasil, esse formato de livro demorou a emplacar, mas chegou a sua hora. A Companhia das Letras, a exemplo da L&PM Pocket (uma ramificação da L&PM), segue na mesma direção, está investindo em colocar no bolso do leitor uma literatura mais densa – mas, assim mesmo, barata. Obras de autores como Vinicius de Moraes, Drauzio Varella, Friedrich Nietzsche e Carl Sagan (selo Companhia de Bolso) saem por preços que variam entre R$ 14 e R$ 22. O selo é hoje a “nave-mãe da empresa”, com 65% dos lançamentos e seis milhões de exemplares vendidos nos últimos seis anos.

A Sextante reúne clássicos em versões resumidas a preços em torno de R$ 9,90 e tiragem de 12 mil exemplares. A Jorge Zahar aposta que a consolidação desse segmento atrairá novos leitores. E lançou livros de bolso de arte, que custam R$ 19,50. Também nessa linha segue a editora Cosacnaify com a coleção FotoPortátil, que a preços populares democratiza a rica e belíssima produção fotográfica nacional. Outras editoras estão seguindo esse rico filão do mercado. E pensar que tudo isso começou séculos atrás...

Desde os finais do século XVIII até ao século XX foram-se desenvolvendo vários métodos de impressão, tanto de texto como de imagem, como por exemplo: a introdução da prensa mecanizada, a invenção da fotografia que permitiu o desenvolvimento da fotogravura, a litografia e a fotolitografia, a fotocomposição, entre outros. Estas novas tecnologias, necessárias para responder de forma eficaz ao aumento de consumo de material impresso, vão provocar alterações profundas ao nível da produção, distribuição, comercialização e recepção dos livros. Ao possibilitarem a reprodução mais rápida e em grandes quantidades, facilmente as relacionamos com o aparecimento do livro de bolso (“modern paperback”) que, na primeira metade do século XX, revolucionou o mercado literário.

É no século XX, principalmente nos anos 30, que este novo formato se impõe no mercado literário britânico e altera a sua organização econômica, tendo como consequências a separação dos vários agentes do mercado, o aumento das edições e das tiragens, o aumento da dimensão das empresas tipográficas e das editoras, o crescimento do público de leitores, o crescimento da imprensa periódica, do romance e dos textos escolares (três das áreas mais rentáveis do mercado), o desenvolvimento de organismos de auto-regulação num contexto de grande concorrência, entre outras.

O sucesso e a importância econômica que este novo formato conseguiu adquirir é de certa forma curioso se tivermos em consideração a crise generalizada, marcada pela elevada taxa de desemprego, que caracterizou o período entre as duas Grandes Guerras. Esta situação talvez se explique pelo acentuado aumento da alfabetização e pelo surgimento de novas ideologias (comunismo, fascismo, nacional socialismo) que, para se afirmarem, recorreram à propaganda política, facilmente conseguida através da imprensa, onde destacamos o livro de bolso pelo seu custo, portabilidade e leitura mais fáceis. Novamente se comprova a capacidade de conduzir e manipular as massas não só por parte da imprensa como dos outros media no geral; na verdade, estas instituições de comunicação “licenciam” a nossa liberdade de opinião.

Tradicionalmente, os livros de bolso eram livros de literatura popular, também conhecida como literatura de cordel (designação que provém da forma como os livros eram vendidos - estavam pendurados num cordel). A partir dos finais do século XIX, os editores deste novo formato começaram a negociar o copyright de alguns clássicos da literatura ou, mais frequentemente, a editar clássicos que estavam no domínio publico, cuja viabilidade econômica estava garantida, dadas as vendas em grandes quantidades dos exemplares em formato tradicional, e dedicaram-se à sua publicação em “paperback”. Exemplo típico é a publicação de Ulysses, de Joyce pela Penguin. Desta forma, foi aberto às camadas da população com menos possibilidades econômicas um universo literário até então “desconhecido”.

O alargamento do ensino obrigatório para 15 anos em 1947 - integrado no conjunto de medidas levadas a cabo pelo Estado Providência (“Welfare State”) - contribuiu para o desenvolvimento acelerado dos livros de bolso, instrumento de fácil acessibilidade para os estudantes. Assim, o livro de bolso representou uma revolução não só a nível econômico como também a nível social - verifica-se um aumento da circulação do livro dentro de um público cada vez mais diversificado.






Fe licidade
O cartunista Nildão aperfeiçoando cada vez mais o jogo de palavras com imagens, criou uma poética específica. Do belo álbum "Bahia, Odara ou Desce", passando por "Quem não Risca não Petisca", "Ivo viu o òbvio", "ABC Cara de Quê" e muitos outros, ele lança agora, no próximo dia 22 de janeiro, no Rio Vermelho, "Fe licidade". A logomarca da energia do livro está ao lado. Confira e vamos lá conhecer seus novos traços porque ninguém segura Nildão, é bom demais!