22 agosto 2021

40 anos sem Glauber: O homem é mais forte que a morte

 

Ele era capaz das mais apaixonadas adesões e das mais enfáticas críticas a amigos e inimigos.

 

Fazia filmes ao mesmo tempo reflexivos, políticos e formalmente inovadores.

 

Dava declarações sinceras sobre tudo, sem a preocupação de agradar a ninguém, a não ser à sua integridade intelectual.

 


Era um sujeito anacrônico.

 

Para ele, era preciso, urgente, desenvolver o conhecimento da cultura brasileira, vasculhar as raízes, revolver o passado, por mais trabalho que desse.

 

Num 22 de agosto, há 40 anos, ele morria sem ter completado sua obra, mas deixando atrás de si uma marca profunda de sua viagem pelo horizonte social do País.

 


Ideias na cabeça nunca lhe faltaram: o que tinha faltado, muitas vezes, era a câmara na mão. E as mãos, desocupadas, pareciam embaralhar-lhe, muitas vezes, as ideias na cabeça. O remédio, portanto, era botar sempre uma câmara nas mãos desse que foi, no mínimo, a figura mais instigante do cinema brasileiro: Glauber Rocha.

 

O inventor do Cinema Nova, de Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe e de Cabeças Cortadas morreu aos 42 anos. Em seu último filme, A Idade da Terra, numa narração lida por ele mesmo, Glauber diz: “O homem é mais forte que a morte”. Enfant terrible do cinema brasileiro, gênio segundo muitos. Indiscutivelmente, o maior mito do cinema novo.

 

Glauber era um artista, radical, livre e longe das ponderações e conciliações dos políticos. Escreveu sobre o cinema brasileiro com suas dores e contorções. Nas ruas aprendeu o diabo e Deus naqueles chãos de febre, necessidade e sonho, entre livre atiradores, pedintes, passantes, tiros a êsmo e desempregados crônicos – era o cinema nacional.

 


Considerado o mais amado e odiado cineasta brasileiro, era visto pela ditadura militar, que se instalou no país em 1964, como um elemento subversivo. Ao longo de sua carreira, fez 11 longas e seis curtas, tendo a luta pela liberdade como tema recorrente. Liderou o movimento do Cinema Novo, que buscava quebrar radicalmente com o estilo cinematográfico norte-americano, notadamente a narrativa clássica hollywoodiana.

 


Glauber Rocha já foi biografado, de modo competente. Mesmo assim, o produtor musical e jornalista Nelson Motta avalia que há mais a dizer e lança, pela Objetiva, “A Primavera do Dragão”, sobre a juventude do cineasta. Às vésperas dos 30 anos de sua morte, grande parte de sua obra está restaurada e acessível ao público.

 

16 agosto 2021

A lírica agreste do Ser-Tão Profundo

 

Denso, profundo, árido, mas ao mesmo tempo suave, puro, raiz. O encontro  do poeta consigo mesmo, uma viagem em seu interior, o eu essência, caleidoscópio, nordestino. Uma homenagem à mãe (aprendiz de costureira), a caatinga, nômades, Mulungu, Papa-figo, Tapiranga, Brejo Grande e tantas outras recordações. Assim é a obra do poeta Gil Guimarães, Apontamentos Rasos sobre o Ser-Tão Profundo, lançado recentemente na cidade de Miguel Calmon. Trata-se de uma coletânea de poemas, contos e prosa poética.

 

No prefácio, a escritora gaúcha Adriana Beretta informou com muita propriedade que Gil “mostra-se inteiro para que possamos enxergar além da ideia; muito além do ponto final”. Afinal, ele carrega o mar no nome (“eu sou o mar dividido ao meio”) e o  sertão na pele. Guimarães está sempre atento, apesar da dureza da vida, e nem a solidão lhe entristece, pois ele cura, com amor, a ferida. E nessa trajetória intuitiva, veste-se de Drummond, Pessoa e Petrarca, “o meu mistério está debaixo da terra”...”Mais tarde descobri palavras enterradas no fundo do silêncio”...

 


A relação entre o sertão e a civilização é sempre encarada como excludente. É um espaço visto como repositório de uma cultura folclórica, tradicional, base para o estabelecimento da cultura nacional. Para Euclides da Cunha e Monteiro lobato, a civilização devia, no entanto, ser levada ao sertão, resgatando essa cultura e essas populações que aí vivem

 

O sertão aparece como o lugar onde a nacionalidade se esconde, livre das influências estrangeiras. O sertão é muito mais que um recorte territorial preciso; é uma imagem-força que procura conjugar elementos geográficos, linguísticos, culturais, modos de vida, bem como fatos históricos de interiorização como as bandeiras, as entradas, a mineração, a garimpagem, o cangaço, o latifúndio, o messianismo, as pequenas cidades, as secas, os êxodos etc. O sertão surge como a colagem dessas imagens, sempre vistas como exóticas, distantes da civilização litorânea. É uma ideia que remete ao interior, à alma, à essência do país, onde estariam escondidas suas raízes.

 

Para Monteiro Lobato, o verdadeiro Brasil, o que queria mostrar, era o Brasil do interior, não era o Brasil artificial, macaqueado do estrangeiro. Era o Brasil do campo, não o das grandes cidades. “O Brasil está no interior, onde o sertanejo vestido de couro vasqueja nas coxilhas onde se domam potros. Está nas caatingas estorricadas pela seca...”

 


Enquanto muitos escritores continuavam preso à imagem tradicional de que o homem sábio se encontre na cidade ou no litoral, é só com Guimarães Rosa que o sertão vai irromper como discurso sábio na ficção brasileira. Rosa explora o sertão de maneira poética, comparando a paisagem seca e quase desértica aos sentimentos e às relações humanas. “O sertão é o sonho, o sertão é dentro da gente”, disse ele. “O sertão é o sonho, o sertão é dentro da gente”, disse ele.

 

A terra seca debaixo dos pés sustenta a paixão daqueles que não desistem diante da dor da seca. A caatinga, Fênix Nordestina, adormecida, vai ressurgir. Essa é uma condição de sobrevivência, ou seja: cuidar das raízes. A poesia de Gil exprime a dura realidade do sertanejo, do nordestino. Com chão de poesia e terra batida sobre versos e tragos líricos, ele caminha em sua trajetória. E, em tempos de tantas tragédias, um livro como este chega a ser um bálsamo para os corações machucados ou endurecidos pelas incontáveis tragédias que o país vem passando nos últimos tempos. Afinal, não é todo dia que se tem notícia de uma cidade onde a vida exala poesia raiz. Cada um de nós tem a opção de encarar a vida de várias maneiras. A vida ganha as cores e os contornos que nossos olhos atribuem a ela. Para alguns, talvez, ela nem colorida seja. Mas quem tem olhos de poeta, a flor na beira da estrada é uma fonte inesgotável de beleza, de lembranças, de devaneios.

 

Que os bons ventos tragam mais poesia desse rapaz de luz própria.

 

O livro está disponível para venda na livraria Saronga, em Miguel Calmon. Em breve estará em todas as plataformas digitais como Amazon, Saraiva etc.

06 agosto 2021

Xisto Bahia: 180 anos de nascimento

 

Há 180 anos nascia Xisto Bahia no  bairro de Santo Antônio Além do Carmo, na capital  baiana. Cantor, compositor, violonista e teatrólogo. Filho do major do Exército Francisco de Paula Bahia e de Tereza de Jesus Maria do Sacramento Bahia. Era o caçula dos irmãos Soter, Francisco Bento, Horácio e Eulália e recebeu somente instrução primária. Aos 17 anos já cantava suas primeiras modinhas.  É dele a primeira música gravada no Brasil, pela Casa Edison em 1902, o lundu “Isto é bom”.


 

Desde cedo revelou uma propensão artística, atuando em peças de teatro e cantando em corais, tendo viajado por vários estados do país, e feito grande sucesso, se tornou cantor, compositor, violinista, violonista e dramaturgo. Aos dezessete anos, os baianos já o viam cantando modinhas e lundus, tocando violão e compondo, tal como Iaiá, você quer morrer?. Em 1861, excursionando como ator pelo norte e nordeste do país, tocava e cantava chulas e lundus de sua autoria. Nunca estudou música, foi um músico intuitivo e autodidata.

 

Considerado pelo escritor Artur de Azevedo o “ator mais nacional que tivemos”, Xisto escreveu e representou comédias da qual destaca-se o Duas páginas de um livro e, apenas como ator, Uma véspera de reis, de Artur de Azevedo. Em 1880, no Rio de Janeiro, recebeu aplausos de D. Pedro II, pelo desempenho em Os perigos do coronel. Atuou, além do norte e nordeste, em São Paulo e Minas Gerais, sempre com sucesso.

 


Em 1891 transfere-se para o Rio de Janeiro e, largando por um ano a carreira artística, foi escrevente da penitenciária de Niterói. Era casado com a atriz portuguesa Maria Vitorina de Lacerda Bahia, com quem teve quatro filhos. Ficou célebre, e teve grande popularidade no Segundo Reinado, com a modinha que musicou do poeta Plínio de Lima, Ainda e sempre, e o lundu Isto é bom, que foram lançados no primeiro disco gravado no Brasil, pela Casa Edison, em 1902. Injustamente esquecido, a sua contribuição para a evolução da canção brasileira não terá sido considerável e quase toda a sua produção se perdeu. Doente, em 1893 retirou-se da vida artística dirigindo-se para Caxambu, MG, onde morreu no ano seguinte. (Mais informações no livro Gente da Bahia que lancei em 1997 pela Editora P&A).