21 novembro 2020

Poemas de Quarentena

A pandemia está mudando a nossa vida. Tudo está sendo afetado. Uma grade mudança está ocorrendo. Se é bom ou ruim só o tempo dirá. Mas esse isolamento social forçado abriu uma porta para descobertas. Mais tempo de solidão, de leitura, de reflexão. Mais “possibilidade de significar e (re) significar o cotidiano e os desafios presentes no dia a dia. Falar de si, das vivências diárias, das faltas, medos, desejos e alegrias pode nos permitir, em particular, tem me permitido transbordar e ao mesmo tempo cuidar da vida. É o grito escondido, a face não revelada, o olhar lacrimeja, os passos impedidos de desbravar o mundo. Permanecer em casa para cuidar da vida.  Permanecer em casa para cuidar dos nossos. Permanecer em casa para cuidar de quantas vidas forem possíveis”.

 

E foi o que fez a doutoranda em Educação e Contemporaneidade, Fernanda Priscila Alves da Silva, mestra em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia. Ela encontrou na poesia a palavra para desvincular-se de seus significados habituais e alcançar diferentes acepções, em um jogo inusitado entre significante e significado, apresentando elementos que subvertem as funções da linguagem e a ela conferem aspectos metafísicos que transcendem o universo das coisas palpáveis (ou explicáveis).

 


Lançou o livro Poemas de Quarentena pela editora curitibana CRV. São 44 poemas que mostram a cabeça rodopiando com “a dor do mundo lá fora”, e espia, “o mundo visto em si, sem frestas e sem `bichinhos´, as crianças “querendo botar a cara na rua”, “mas, ainda, hoje, de novo vocês sorriram e brincaram, coloriram um pouco, esse nosso mundo opaco e cinzento”, os pesadelos, o crescimento (“Quando  eu crescer, se é que ainda há tempo/Quero ser criança de novo/como estas nascidas de mim/E como esta que habita meu ser”), o brilho da lua, o despertar da vida, a chuva “encharca nossa vida de esperança”.

 

E nesse cotidiano tem o acordar o corpo, pavores, quarentena, todos os dias, “respirar no meio do caos”, ser negra “é silêncio e resistência”, observar a noite, solidão, noticias, janelas, luto, “a poesia que me resgata”, vida normal, um dia de cada vez, samba, canto, palavras (“As palavras têm dias que não vem/Esquecem-se de nos visitar/Passam ao largo”), olhar (“Olhar para dentro/É resgatar a força que nos habita”), pausas (“O coração também precisa de tempo”), cotidiano, quarentena,, dor, medos, máscaras (“são sutilezas a nos recordar a humanidade perdida em nós), madrugada, por vezes, saudade (“do mundo se restabelecendo”), licença (“Pedi licença pra tentar/E de novo esperançar”), poesia de criança, silêncio, escrita (“Escrevo porque desejo viver....”), esperança.

 


E com esperança sua poesia pode nos salvar de nós mesmos e dos abismos que a realidade nos coloca. A poeta que se apaixonou pela escrita ainda na adolescência e desde então não parou mais de escrever, se divide entre o trabalho como educadora tem atuado na formação e acompanhamento de grupos populares e na luta pelos direitos das mulheres, especialmente como ativista e militante das trabalhadoras sexuais. Em meio à pandemia de coronavírus, pela qual o mundo tem passado, Fernanda colocou nos versos o sentimento de medo e angústia que todos têm vivido. Ela acredita na arte como um instrumento para alcançar o afeto e a mobilização das pessoas em prol da vida. Vale a pena conferir Poemas de Quarentena! Sua poesia pensa e reflete o mundo. Feito um fenômeno da natureza, seu poema desliza feito um rio silencioso dentro da noite.

06 outubro 2020

Conceição, a garota de cabelos de fogo 02

ESCONDE-ESCONDE - Uma criança fica com os olhos fechados contando até o número que a turma decidir enquanto todos os outros se escondem. Quando acaba a contagem, ela sai à procura dos amigos. Ao encontrar algum, deve encostar nele e voltar correndo para o lugar da contagem. Se conseguir chegar lá antes do amigo encontrado, ele é quem deverá contar e encontrar os amigos na próxima rodada; se o amigo chegar antes, a criança deve procurar outra pessoa escondida e tentar mais uma vez – ou duas, ou três, ou quantas forem necessárias.

 

ESTÁTUA - Coloque uma música e quando a música parar, todo mundo tem que ficar paradinho, igual à uma estátua. Não vale mexer, hein?

 

BOCA DE FORNO - Brincam um mestre e os demais participantes. O diálogo é assim:

MESTRE: Boca de forno

DEMAIS: Forno é

MESTRE: Vão fazer tudo que o mestre mandar?

DEMAIS: Vamos!

MESTRE: E se não fizer?

DEMAIS: Leva bolo

 

Aí, o mestre manda os participantes buscarem algo. Quem trouxer primeiro, será o novo mestre, os demais, levarão palmadas. E assim por diante.

 


DANÇA DA CADEIRA - Colocam-se cadeiras em círculo, cada participante senta-se, sendo que uma criança é destacada para dirigir o jogo, este deve estar vendado. O dirigente da brincadeira grita: já! Todos levantam e andam em roda das cadeiras. O dirigente retira uma cadeira. À voz de já!, todos procuram sentar. Quem ficar sem lugar comandará a nova volta. Assim, as cadeiras vão sendo retiradas e o grupo vai diminuindo. Será o vencedor aquele que conseguir sentar na cadeira no último comando.

 

GATO COMEU - Pegar na mão da criança com a palma para cima e ir tocando cada dedinho, começando pelo dedo mínimo:

 

Dedo Mindinho,

Seu vizinho,

Pai de todos,

Fura-bolo,

Cata-piolho

(Apontando para a palma da mão da criança)

Cadê o toucinho que estava aqui?

Criança responde: O gato comeu!

 

Imitando um rato, adulto caminha com dos dedinhos pelo braço da criança até o pescoço, fazendo cosquinhas

 


SEU LOBO - Um jogador é escolhido para ser o lobo e se esconde. Os demais dão as mãos e caminham em sua direção, enquanto cantam:

 

Vamos passear na floresta,

enquanto o seu lobo não vem,

tá pronto, seu lobo?

 

O seu lobo responde que ele está ocupado, tomando banho, enxugando-se, vestindo-se, como quiser inventar. Então os demais participantes se distanciam e depois voltam fazendo a mesma pergunta e recebendo respostas semelhantes. A brincadeira se repete até que, numa dada vez, seu lobo, já pronto, sem responder nada, sai correndo atrás dos outros. Quem for pego, passa a ser o novo seu lobo.

 




Essas são algumas das brincadeiras da Conceição para alegrar a criançada. Mas agora tá todo mundo em casa por causa de um vírus que se espalhou pelo mundo.

 

Esse vírus, por ser tão pequenininho, pode ser transmitido pelo ar, através da tosse ou espirro, sem a gente perceber. Se a gente abraçar, der as mãos ou beijar uma pessoa que esteja com o vírus, pode se infectar também. Ele ainda pode ser transmitido se a gente encostar as mãos em algum objeto que esteja contaminado, como telefone, corrimão de escadas, maçaneta de porta e botão de elevador e depois colocar as mãos nos olhos, na boca ou no nariz

 

O coronavírus gosta de viver no corpo humano e pode passar de uma pessoa para outra. Isso quer dizer que ele é contagioso. Esse vírus causa uma doença. A gente fica com tosse e febre e, às vezes, com dificuldade de respirar quando está doente.

 

A única forma de se proteger desse bichinho é ter alguns cuidados:

 

Lave as mãos com água e sabão sempre, sempre, sempre. Várias vezes por dia… Tem

que esfregar entre os dedinhos, lavar na parte de cima, na parte de baixo, as unhas e os

pulsos…

 

Mãos sujas na boca, no olho ou no nariz? Nem pensar! Não deixe que esse vírus entre

no seu corpinho de jeito nenhum, tá?

 

O álcool em gel também é muito bom para deixar as nossas mãos sempre limpinhas.

Peça a ajuda de um adulto antes de usar.

 

O álcool em gel também é muito bom para deixar as nossas mãos sempre limpinhas.

Peça a ajuda de um adulto antes de usar.

 

Use a máscara sempre que precisar sair de casa.

 

O melhor a fazer neste momento é ficar em casa. Invente brincadeiras, desenhe bastante, faça receitas deliciosas, leia historinhas, pule e dance muito. Existem mil maneiras de se divertir!

 

Assim, Conceição, a menina do cabelo de fogo, vive espalhando alegria em todo lugar que passa!.

 

 

 

 

05 outubro 2020

Conceição, a garota de cabelos de fogo 01

O vermelho é a primeira de todas as cores. Quem afirmou isso foi o historiador francês Michel Pastoureau. A simbólica cor vermelha está quase sempre associada à do Sangue e à do Fogo. E, quer um quer outro, pode merecer uma conotação positiva ou negativa.

 

Você já parou para pensar no significado que as cores têm em nossa vida? O vermelho, por exemplo, remete a felicidade, fortuna, força, amor, paixão, energia, poder, excitação. O vermelho foi a primeira cor que o homem batizou e é a mais antiga denominação cromática do mundo.

 

Na cultura cristã o vermelho-sangue positivo, é o que dá a vida, que purifica e santifica. É então sinal de força, energia e redenção. De outro modo, o vermelho tomado negativamente é símbolo de impureza, violência e pecado. O vermelho da carne impura, dos crimes de sangue e até dos homens revoltados contra o seu Deus. O vermelho da cólera, da mancha e da morte.

 


Vermelho é usado contra o mau-olhado. Está aí a explicação das fitinhas do Senhor do Bonfim, das fitinhas amarradas em crianças recém-nascidas, da pimenta vermelha, tudo para espantar os invejosos. Dizem até que Chapeuzinho Vermelho usava o chapéu dessa cor para se proteger do lobo mau.

 

Essa cor é usada intensamente na publicidade e comunicação visual. Vermelho também é conhecida como a Cor do Perigo e da Proibição. Veja nas sinalizações de estradas, ferrovias, vias marítimas ou aéreas, vermelho = perigo, vermelho = não passar, o vermelho dos semáforos. Tem também a linha vermelha, telefone vermelho, alerta.

 

Mas também é a cor do amor, do dinamismo e da criatividade (cor que mexe, atrai, que parece próxima). Cor que aguça o apetite (aperitivos vermelhos). Cor da alegria e da infância, das bolas e brinquedos vermelhos, frutos vermelhos (doces, açúcares e bombons vermelhos)

 


Depois de toda essa introdução, vou falar de uma garota que nasceu com cabelos cor de fogo. Seu nome: Conceição, moradora do bairro da Saúde que fica pertinho do famoso Pelourinho. Desde criança ela se destacava entre as outras por possuir cabelos vermelhos. Isso foi ruim? Ela responde:

 

“Nunca me importei muito com as brincadeiras pesadas de alguns colegas me chamando de cabelos de dragão, vermelho de bruxa ou de sangue. O importante era que eu sempre gostei da cor vermelha. Se eles não gostam não estou nem aí...se mudem!”

 

E assim ela foi vivendo, espalhando alegria aonde ia. Gostava muito de brincar de bonecas, de esconde-esconde,  caça ao tesouro, esconde o anel, entre outras. A garotada de hoje não conhece por isso vou ensinar:

 

AMARELINHA - A criança deve marcar a casa em que não poderá pisar jogando nela uma pedrinha. Pulando, ela atravessará o desenho feito no chão, desviando da casa marcada, e retornará, desta vez recolhendo a pedrinha. Primeiro é escolhida a casa com o número 1, depois o número 2 e assim por diante. Se a criança perder o equilíbrio ou pisar nas linhas, volta para o começo. Ganha quem marcar as dez casas primeiro.

 


CAÇA AO TESOURO - Que tal esconder uma surpresa em alguma parte da casa e dar pistas para que os pequenos a encontrem? Um adulto esconde um “tesouro” (que pode ser qualquer coisa, desde um brinquedinho de uma das crianças o até um saco de frutas ou doces) e elabora pistas que levarão os pequenos a encontrá-lo. As pistas devem ter a ver com o caminho que deverá ser feito até chegar a ele. Juntas, as crianças seguem as pistas e trocam ideias caso haja dúvidas. No final, encontram o tesouro e brincam ou lancham todas juntas.

 


PASSA ANEL - Uma criança fica com o anel entre as mãos enquanto as outras permanecem sentadas uma ao lado da outra e todas com as palmas das mãos unidas. A criança com o anel passa suas mãos pelas mãos dos amiguinhos e solta o anel nas mãos de um deles, sem que os outros notem. Quando acaba, pergunta para um dos participantes (que ela escolhe) com quem ele acha que está o anel. Se ele acertar, será o próximo a passar o anel; se errar, passará o anel quem o tiver recebido.


04 outubro 2020

50 anos sem os gritos e uivos, urros e gemidos

Ela teve um fim precoce e trágico. Há 50 anos, no dia 04 de outubro de 1970, morria a lendária cantora que redefiniu o papel feminino no rock and roll: Janis Joplin, a garota que viveu as cores de seu pesadelo. Insegura, insatisfeita e suicida. Desarmada, depressiva e eufórica. Janis simboliza o protótipo perfeito da cantora de blues, que ela unia ao rock para fazer as plateias passarem da emoção ao fogo, em canções como Piece of my heart, Turtle blues, My and Bob Mcgee, Mercedes Bens, Summertime.

 

Toda sua insegurança, moldada pela crueldade com que sua aparência e seu gênio provocavam na mentalidade estreita vigente em Port Arthur nunca mais a abandonou. O racismo texano também criava conflitos para Janis, que era considerada uma nigger love (amante de negros) só porque não conseguia hostilizá-los como os colegas faziam. Pearl é como gostava de ser chamada, e como se escondia das adversidades.

 


Fazendo sua cabeça com a leitura dos escritores beats, como Jack Kerouac e Allen Ginsberg aos 15 anos, Janis se voltava para a cultura negra, desencantada com os valores da classe média branca dos EUA. Daí para a música negra foi um passo. Foi no Festival Monterey Pop, no verão de 1967 que Janis surgiu como uma jovem branca de longos e despenteados cabelos louros. Mas no instante em que o Big Brothers começou a tocar, aquela figura anteriormente de menina assustada passou a se transformar. A banda tocava Piece of My Heart e a cada nota do contrabaixo, ela dava uma pancada com a mão na perna. Ao final do número, o público entrou em delírio.

 

Apesar do apocalipse do Who, do fogo de Hendrix, Janis agarrou o microfone, gemeu, bateu os pés, sacudiu a cabeça, gritou e incendiou o ar. O canto de Joplin conseguia expressar toda a revolta, as dúvidas e perplexidades que os jovens tinham com o mundo em que viviam. Com seus cabelos longos e despenteados, sua voz áspera, seus gritos roucos, Joplin fez renascer o blues.

 


Carente, angustiada, quando cantava Joplin jogava todos os seus conflitos internos. “Minha música é sobre o sofrimento, sua urgência. Sua presença”. Também no palco se entregava completamente. Acariciava o microfone, gemia, implorava e batia os pés. “Eu canto com a minha voz, meu corpo, meu sexo. Nenhum cara nunca me fez sentir tão bem quanto uma plateia me faz”.

 

A branquela, sardenta e gorducha mocinha texana depois de desestruturar todo o arcabouço do clássico e pretensamente negroide Summertime, pergunta diretamente a Deus por que Ele não lhe compra um Mercedes Benz, uma televisão a cores. A branca cantora de blues que se fez negra pela cor de sua voz interroga e cobra do grande deus consumista as promessas que a sociedade lhe fizera desde o berço. Por quê?.

 

Foi inovadora no vocal e em atuação no palco. Na época, ninguém fazia o que Janis estava fazendo. No final de 1969 ela já estava tensa, cansada, acabada. Bebe desesperadamente, está viciada em heroína e continua só. Transa com vários garotos, mas continua só. Em janeiro de 1970 pede ajuda médica e decide abandonar o vício, começa um tratamento e vem para o Brasil em fevereiro, procurando um lugar onde pudesse descansar e tomar sol. Chegou no Rio de Janeiro, depois para a Bahia onde descansou em Arembepe. Mas, na volta à rotina dos shows, excursões e gravações, os mesmos problemas a encontraram. Assim, do conflito entre duas personalidades (Pearl a garota que surgiu como uma espécie de autopunição e Joplin cantora), nascia o canto animal da única mulher branca a cantar blues com a sexualidade e o desespero que só (raras) intérpretes negras a possuem.

 


No dia 04 de outubro de 1970, aos 27 anos ela foi encontrada morta, depois de injetar acidentalmente uma superdose de heroína. Seu legado é dos mais reduzidos: Cheap Thrills, (I Got Dem'01) Kozmic Blues, Pearl, Big Brother & The Holding Company, Janis Joplin in Concert, Janis (trilha sonora do filme).

 

Assim foi Janis numa carreira fulminante, incendiária. Ela só tinha uma limitação: era basicamente intérprete. E intérprete irreverente a uma escola específica, o blues. Sua luminosidade é ter expressado publicamente uma sensualidade feminina triunfante e positiva, embora – ainda – sofrida. Agora, 50 anos do desaparecimento da estrela, vale essa recordação, um réquiem.

 

02 outubro 2020

70 anos sem o traço de J.Carlos

Há 70 anos morria um dos mais originais caricaturistas brasileiros da primeira metade do século XX, J. Carlos. Ele foi o caricaturista mais importante de seu tempo. O humor, a rapidez e clareza de seu traço registram as mudanças de costumes e comportamento ocorridas no Rio de Janeiro, na virada do século XIX.

 

Caricaturista, chargista, ilustrador, publicitário e humorista, José Carlos de Brito e Cunha (Rio de Janeiro, 18 de junho de 1884 — Rio de Janeiro, 2 de outubro de 1950), o J. Carlos, nasceu e viveu no Rio de Janeiro. Foi um dos maiores cronistas visuais de seu tempo, retratou com beleza e elegância o cotidiano da cidade e seus habitantes. Com seu traço art déco, criou edifícios, paisagens e personagens, como as melindrosas, com seu figurino sofisticado e penteados modernos, que ilustraram as principais publicações que circularam na primeira metade do século XX.

 


Foi um dos primeiríssimos representantes do modernismo no Brasil, com a leitura – direta ou indireta – que fez do art nouveau e do art déco a partir da década de 1910. Isso está evidente nos desenhos que fez de arranha-céus, em seus interiores, móveis, luminárias, estamparia, nas roupas e nos corpos de suas melindrosas e afrodites. Base sobre a qual rapidamente desenvolveu um estilo completamente seu, inconfundível e inimitável.

 


Ao longo de sua carreira J. Carlos, com suas charges, faz a crônica do processo de urbanização da capital carioca e dos seus efeitos sociais. A vertente política é explorada pelo artista desde o início de sua carreira, sendo ele o responsável pela execução de uma série de charges antibelicistas executadas no período abrangido pelas duas grandes guerras e principalmente durante os dois governos de Getúlio Vargas. Seus desenhos testemunham o surgimento do telefone, da fotografia, do chope, do samba, do bonde elétrico, do automóvel, do cinema, do rádio, do avião, da cultura do futebol, da praia e do carnaval, e no campo político, a República Velha, a Revolução de 30, o Estado Novo e as duas Guerras Mundiais.

 


José Lins do Rego escreveu que J.Carlos está para a caricatura brasileira como Villa Lobos para a Música e Machado de Assis para a Literatura. Sua carreira na imprensa durou quase 50 anos e concentrou-se em torno de sua colaboração com duas grandes empresas editoriais: a Careta e O Malho.

 


Entre 1902, quando viu seu nome impresso pela primeira vez, e 1950, ano em que morreu, José Carlos de Brito e Cunha (1884-1950) publicou mais de 50 mil desenhos. Foram caricaturas, charges, cartuns, ilustrações, letras – capitulares, títulos, cabeçalhos –, vinhetas, adornos, peças de publicidade, enfim, tudo o que é possível fazer a lápis, caneta e pincel para ser impresso. Com meia dúzia de exceções inexpressivas, tudo o que desenhou em 48 anos de trabalho foi para ser publicado em revistas, jornais e livros.

26 setembro 2020

75 anos de Gal Costa

 

Neste sábado, dia 26 de setembro, Gal Costa comemora seus 75 anos. Dona de um dos melhores timbres de nossa música, sua voz era capaz de soar doce e suave cantando os mais simples dos sambas, ao mesmo tempo que podia extravasar toda energia do rock’n’roll do final dos anos 60 nas canções da fase mais experimental de sua carreira. João Gilberto definiu como “a maior cantora do Brasil”. Em sua fase “tropicalista”, que absorveu influências do canto rasgado de Janis Joplin e da psicodelia de Jimi Hendrix, lançou seu primeiro disco solo “Gal Costa” (1969). Em 1971 lançou “Fa-Tal: Gal a Todo Vapor”, gravado ao vivo, que serviu para carregar a bandeira do Tropicalismo, enquanto seus dois principais compositores, Caetano e Gil, estavam no exílio.

 


O disco Índia sai em 1973. Cantar, produzido por Caetano e com arranjos de João Donato foi lançado em 1974. Em 1975 gravou a música de abertura da novela Gabriela, a canção “Modinha para Gabriela”, de Dorival Caymmi, que fez grande sucesso. Gal Canta Caymmi, lançado no ano seguinte, quando Gal, Gil, Caetano e Bethânia se reuniram para o espetáculo Os Doces Bárbaros, que deu origem ao disco homônimo. Em Aquarela do Brasil (1980), a cantora revisitou a obra de Ary Barroso. Fantasia, do ano seguinte, alcançou sucesso nas rádios. O disco “Bem Bom”, de 1985 foi o mais vendido da cantora. Em 1988, recebeu o Prêmio Sharp de melhor cantora. Plural (1990), retomou a parceria com Waly Salomão. Em 1993, a cantora lançou O Sorriso do Gato de Alice, com show dirigido por Gerald Thomas (1954). O disco Mina D’água do Meu Canto, dedicado à obra de Caetano Veloso e Chico Buarque, gravado em 1995. Em 1997, revisitou o repertório no álbum Acústico e, em 1999, um disco com canções de Tom Jobim.

 

Em 2001 foi incluída no Hall of Fame do Carnegie Hall, sendo a única cantora brasileira a entrar no Hall, após participar do show “40 anos de Bossa Nova”, em homenagem a Tom Jobim. Em 2005 lançou o álbum “Hoje”. Em 2011 foi a vez do álbum “Recanto”, concebido e composto por Caetano Veloso. Esse disco tirou a cantora de um autoexílio fonográfico de seis anos. Em 2015, Gal Costa lançou “Estratosférica”, em três formatos: LP, CD e download.

 


Ao lado de Elis Regina (1945-1982) e Maria Bethânia, Gal Costa é considerada uma das principais referências vocais femininas de sua geração e influência para cantoras posteriores, como Marisa Monte, Tulipa Ruiz e Roberta Sá. Em comparação às cantoras de sua geração, Gal diferencia-se por trazer o grito do rock para o canto popular – Bethânia destaca uma interpretação mais teatralizada para seu timbre grave e Elis faz uso de todos recursos vocais para potencializar a expressividade passional. Samba, bossa nova, tropicalismo, ou rock’n’roll, Gal Costa canta com maestria tudo o que lhe vem na voz. Sua voz é doce, bárbara, fatal, estratosférica.

 

 


DISCOGRAFIA BÁSICA

 

Domingo (1967), com Caetano Veloso.gal-costa-capa-cd-3

Tropicalia (1968), com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé.

Gal Costa (1969).

Gal (1969).

Legal (1970).


Índia (1973).

Cantar (1974).

Gal canta Caymmi (1976).

Caras e Bocas (1977).

Água Viva (1978).

Gal Tropical (1979).

Aquarela do Brasil (1980).

Fantasia (1981).


Minha Voz (1982).

Baby Gal (1983).

Profana (1984).

Bem Bom (1985).

Lua de Mel como o Diabo gosta (1987).

Plural (1990).

Gal (1992).

O Sorriso do Gato de Alice (1993).gal-costa-capa-cd-0

Mina d´Água do Meu Canto (1995).

Aquele Frevo Axé (1998).

Gal de Tantos Amores (2001).

Bossa Tropical (2002).

Todas as Coisas e Eu (2003).

Hoje (2005).

Recanto (2011).

Estratosférica (2015).

A Pele do Futuro (2018).

 

Álbuns ao vivo

 

Fa-Tal – Gal a Todo Vapor (1971).

Temporada de Verão (1974), com Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Doces Bárbaros (1976), com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia.

Acústico MTV (1997)

Gal Costa Canta Tom Jobim (1999).

Ao Vivo (2006).

Live at the Blue Note (2006).

Recanto ao Vivo (2013).

Live in London 71 (2014), com Gilberto Gil.

Estratosférica ao Vivo (2017).

Trinca de Ases (2018), com Gilberto Gil e Nando Reis.

21 setembro 2020

Árvores, os pulmões da Terra

O poeta St. John Perse gostava de dizer que todo livro nasce da morte de uma árvore. E como escreve o jornalista Sérgio Augusto, a dívida da palavra impressa com a celulose de que se alimenta é grande. Basta observar que book, bouquin e Buch derivam de boscus, bosque, e livro vem de líber, o tecido condutor da seiva das árvores. Poetas e prosadores utilizaram, a árvore como fonte de inspiração. Pinhos e magnólias eram celebrados por Francis Ponge, o baobá no imaginário de Antoine de St. Exupéry e Roger Caillois, no tronco do ipê de José de Alencar ou no meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos. E os versos que Drummond criou pensando nas mangueiras de sua infância e nas amendoeiras de sua idade adulta.

 

E não ficou só na literatura. A árvore encontrou campo fértil na gravura e na pintura a partir do Renascimento. Durer, Bruegel, Corot, Poussim, Cézanne e muitos outros desenharam de tudo quanto é jeito. Nos desenhos animados, Walt Disney é imbatível. As árvores falam e contam todo o seu sofrimento e alegrias com os humanos.

 


Pulmões da Terra e abrigos seguros, sem as árvores as paisagens murcham e o ar empobrece. Elas nos dão além de brisa e vento, flores, frutas, êxtase, lenha e matéria-prima para uma infinidade de coisas: casas, móveis, papel, rolhas, embarcações, talheres, armas, tamancos, instrumentos musicais, pneus, etc... O biólogo australiano Tim Flannery, autor do livro “The Weather Makers” lembrou que, até hoje, nós mal sabemos o que vem a ser, precisamente, uma árvore. Até duas décadas atrás podíamos estar convencido de sabermos, mas o estudo do DNA balançou todo o conhecimento, colocando o cogumelo mais perto do homem que da couve-flor e provando que a teça, árvore indiana de grande porte, é parente muito próxima do orégamo e do manjericão. Flannery se espanta ao registrar que, últimamente, os botânicos põem os carvalhos mais ou menos ao lado dos pepinos. Desta forma, as árvores têm uma história épica, com grandes aventuras migratórias gravadas em seu genoma.

 

Colin Tudge, autor de “The Tree” informa que há espécies que podem ser árvores ou arbustos, dependendo d onde resolvam fincar raízes. Além de árvores que, no passado, foram trepadeiras ou mesmo ervas rasteiras. E árvores já é assunto do momento. Enquanto o inglês Thomas Pakenham retrata com sua câmara Linhof plantas de vários continentes, o engenheiro florestal Harri Lorenzi já está na nova edição de “Árvores Brasileiras”.

 


Uma pesquisa publicada na Califórnia afirma que remover as árvores do planeta pode esfriá-lo. Segundo o novo estudo, como as florestas são muito verdes e fechadas, elas conseguem absorver mais o calor do sol que outra vegetação, tornando o clima mais quente. As árvores, até hoje, eram consideradas fundamentais por sequestrar o carbono da atmosfera (presente nas moléculas de CO2 que aquecem o clima).

 

As árvores se transformaram num símbolo ímpar, apresenta em quase todas as religiões arcaicas. Sejam maias, babilônicos, nórdicos e germânicos representavam com eles o cosmo. Os gregos as veneravam. Os lituanos (antes de serem convertidos ao cristianismo) praticavam abertamente a dendrolatria, o culto à árvore. E até o cristianismo tem uma simbólica macieira em sua mitologia. Suas características morfológicas, sua verticalidade, imobilidade, frondosidade e longevidade, pela força de sua presença e seu poder de regeneração, elas são símbolo ímpar, presente em quase todas as religiões arcaicas.

 


As árvores exercem um fascínio imenso sobre nós. No livro “O Homem e Seus Símbolos”, sobre a obra de Carl Gustav Jung, Marie Louise von Franz compara o desenvolvimento do ser humano ao das plantas. A semente contém o futuro pinheiro. Mas reage às circunstâncias, como qualidade do solo e vento, inclinando-se em direção ao sol e modelando o crescimento da árvore. Assim também acontece com o homem, de maneira espontânea e inconsciente, ela escreveu. Os celtas acreditavam que há muito em comum entre as árvores e as características das pessoas. Tanto que criaram um oráculo baseado nas plantas. Há 20 anos, Liz e Colin Murray resgataram esse conhecimento e escreveram The Celtic Tree Oracle, com 24 cartas, que incluem bétula, álamo, freixo, árvores típicas da Europa. Esse oráculo tem relação com o alfabeto celta, e criado pelos druidas com base em gestos dos dedos, conta a pesquisadora Wicca Mirela Fahur, autora do livro O Legado da Deusa. Adaptado para o Hemisfério Sul, o oráculo traz árvores tropicais, como coqueiro e goiabeira. Carvalho, ipê, oliveira e jacarandá representam as pessoas que nasceram em datas especiais de mudança de estação no Hemisfério Norte.

 


E o nome Brasil foi tirado de uma leguminosa, imortalizamos a chegada da corte de D. João VI com o plantio de uma palmeira imperial, cultuamos o mito de que “nossos bosques têm mais vida” e cultivamos o hábito de dar as pessoas e lugares patronímicos como Oliveira, Carvalho, Laranjeiras e Mangueira. Agora falta ter um relacionamento mais afetuoso com as árvores.

 

 

18 setembro 2020

Cinquentenário da morte de Jimi Hendrix

 

Há 50 anos, no dia 18 de setembro de 1970 morria o guitarrista Jimi Hendrix (1942-1970), com apenas 27 anos. 50 anos após a sua morte ele continua sendo um dos maiores ícones do mundo da guitarra, e imortalizou a sua obra através de músicas como "Foxy Lady", "Purple Haze", "Hey Joe", "May This Be Love", "Voodoo Child" e "Gypsy Eyes". Mais do que qualquer outro artista, Hendrix alterou radicalmente o conceito que as pessoas tinham da guitarra. Independentemente de estilo, ele se tornou o mais importante guitarrista do século 20.

 


 

Jimi Hendrix era autodidata e canhoto, tocava de maneira completamente estranha uma guitarra Fender Stratocaster para destros, com as cordas invertidas. Ele revolucionou a maneira de tocar guitarra, desenvolvendo o uso da alavanca e principalmente dos pedais conhecidos como wha-wha. Mais do que isso, colocou a figura do guitarrista como principal personagem nas bandas de rock. Seus solos e riffs foram uma das principais raízes para o nascimento do heavy metal. Em todo seu trabalho misturou elementos do rock e do blues, até hoje é considerado o guitarrista número 1 de toda a história do rock e música pop de todos os tempos. Um guitarrista que segurou a chama do blues preservando sua mensagem para que as novas gerações a descobrissem. Em sua viagem explorou territórios desconhecidos para depois recontar em suas músicas.

 

“Para mudar o mundo, você precisa antes mudar a sua cabeça."

 


O som é incendiário, elétrico, faiscante. Quem ouve não esquece jamais. Como um alquimista do som, ele buscava novos acordes, efeitos, sonoridades. Tentava imitar ao máximo os sons e músicas que vinham de sua mente. Excelente compositor e arranjador, ele era, antes de tudo, um experimentador. A experiência em misturar os sons para descobrir o que cada nota revelava, as cores que transcendia. E tudo isso porque ele tinha uma intensa relação com seu instrumento que não era apenas uma simples ferramenta de trabalho, mas uma extensão de seu corpo e alma. Seu universo sonoro cheio de estranhas e, ao mesmo tempo atrativas texturas e timbres, produzidas na sua uivante Stratocaster, jamais foi repetida. Ninguém ousou como ele. Sua guitarra elétrica não era mais obrigada a tocar só meras notas ou ritmo. Nas suas mãos, a guitarra transformou-se numa máquina geradora de sons tridimensionais. Eram cores e sons feito caleidoscópio na pele de quem ouvia, no som que irradia. E foi assim que ele revolucionou todo o conceito de música de sua época.

 

"Me dá licença que vou beijar o céu."

 


Seu primeiro nome artístico foi Jimmy James, montou a banda “Jimmy James and The Blues Flames”, Chas Chandler, baixista do The Animals, torna-se empresário da banda, no momento em que já haviam conseguido contrato com a Columbia. Rapidamente deixa de ser figurante e monta sua própria banda, Jimmy James and The Blue Flames. O jovem guitarrista canhoto chama a atenção não apenas pelos solos imprevisíveis e de estilo inédito até a época, mas também pela extrema habilidade em tocar a guitarra com os dentes ou nas costas. Depois de algumas reformulações no grupo, a banda mudou de nome, para “The Jimi Hendrix Experience”. Com o novo nome foram para Londres, nesta viagem surge a gravação da imortalizada música “Hey Joe”, além de “Purple Haze” e “The Wind Cries Mary”, fizeram grande sucesso na Inglaterra, desta viagem amadureceu a idéia do primeiro álbum “Are you Experienced”, lançado em 1967. Após uma turnê como banda de apoio na Europa fazem sua estréia na America no Monterey Pop Festival na California, logo após seguindo em turnê americana como banda de abertura dos Monkees.

 

“O dia em que o poder do amor for maior que o amor pelo poder, o mundo encontrará paz”

 

Este álbum até hoje é considerado um marco na história do rock. No mesmo ano lançaram o segundo trabalho, “Axis : Bold as Love”, e em 1968, “Eletric Ladyland”. A banda acaba em 1969, Hendriz monta com Mitch Mitchell, Billy Cox , Larry Lee , Juma Sultan e Jerry Vélez, a “Bando of Gypsys”. Em agosto de 1969, a banda estoura no festival de Woodstock. Em 1970 a banda Experience seria reformulada e lançariam The First Rays of the New Rising Sun, logo depois mudando novamente de nome para Cry Of Love. Em 18 de setembro de 1970 Jimi Hendrix entrou em coma em um quarto de hotel de Londres, sozinho, sendo encontrado desacordado por uma equipe de paramédicos. A caminho do hospital foi constatada a sua morte em virtude de sufocamento por seu próprio vômito. Existem muitas controvérsias sobre a real causa da morte, mas provavelmente Hendrix sofreu uma overdose de comprimidos tranquilizantes. Ele morreu, mas sua enorme influencia exerce até hoje sobre o mundo da música.

 


“O conhecimento fala mas a sabedoria escuta”

 

Desde os singles “Purple Haze”, “Little Wing”, até “All Along the Watchtower” e “Voodoo Child”, Hendrix conduziu com maestria seu trabalho musical que percorria o Blues, R&B, Jazz e por fim chegava nos acordes estridentes e concisos de sua guitarra. Canhoto, inovou diversos novos estilos, seja com o uso de pedais, amplificação dos efeitos sonoros, ou até mesmo a utilização da alavanca de trêmolo, fator que possibilitava o guitarrista “entortar” acordes e inventar novos efeitos com a guitarra.

13 setembro 2020

Personagens do cartunista Lage

Quem quiser entender a Bahia de 1969 a 2006 precisa levar a sério o trabalho do cartunista Helio Roberto Lage (1946-2006) e olhar com atenção o comentário cáustico e agudo de suas charges. Mais do que jornalistas, são cronistas do desenho, que respondem diretamente aos acontecimentos com traço e legenda. De traço simples, ele conseguiu captar todo o momento histórico político vivenciado nacionalmente. Cartunzão, L´amou tuju L´amu, Tudo Bem, Brega Brasil, Ânsia de Amar mostra um humor sem retoques – autêntico e mordaz. O humor caligráfico de Lage tem uma marca pessoal muito forte e traz, por inteiro, a perplexidade nossa de cada dia.

Em 1969 começou a desenvolver charge e tiras de humor no jornal recém fundado, Tribuna da Bahia. Na série Estorinha do Lage começou a publicar um herói espacial, sátira ao super-herói. Ainda na tira ele criou o papagaio Put. Nos anos 70 começou a desenhar uma página inteira de humor no jornal O Dia, de Piauí. Durou um ano. Em seguida começou a ilustrar a coluna esportiva de Carlos Eduardo Novaes no Jornal do Brasil. Depois veio a serie Cartunzão, muito irreverente. Para o suplemento A Coisa criou L´amu tuju L´amu abordando os costumes e comportamentos populares. Nos anos 80 começou outra serie de tiras diárias, Tudo Bem onde a mulher, Kátia Regina por exemplo, era a personagem principal, mesmo com a presença constante de Arlindo Orlando.

 


De 1976 a 1980 foi editor de arte da revista Viverbahia quando começou a fazer quadrinhos coloridos. Em 1981 passou a ser editor de arte da revista Axé Bahia e publica os quadrinhos da sensual Dora Mulata. Em 1994 no Jornal da Pituba cria o quadrinho Pituboião, satirizando o dia a dia da comunidade.

 

Segue abaixo algumas das tiras de Lage incluídas em minha pesquisa inédita A,B,C dos personagens do quadrinho brasileiro (De Nhô Quim, de Agostini aos Zeróis, de Ziraldo) para ser publicada em livro:

 


ÂNSIA DE AMAR – Tira diária publicado no rodapé da página 2 do  Caderno de Cultura da Tribuna da Bahia a partir de 1993 mostrando os problemas afetivos. Aborto, traição, ciúme são analisados nas tirinhas. Do preconceito ao amor sublime, a tira diária Ânsia de Amar é um retrato das relações contemporâneas entre homens e mulheres. Com a mesma sagacidade, retratada em seus cartuns, a hipocrisia social e política são vistas nessa obra. A proposta é desmistificar o sexo e até mesmo a pornografia. Sua fonte de trabalho: as conversas em mesas de bar, telefones públicos, histórias contadas por amigos e ele próprio. Neste último caso, Lage (1946-2006), o autor,  aproveita para fazer uma autocrítica. Ou seja, nem o próprio escapa.

 


ÂNSIA DE MAMAR – Publicada na Tribuna da Bahia esta série criada pelo cartunista baiano Lage (1946-2006) nos anos 1990 desnudava de forma satírica e impiedosa as maracutaias tramadas por um parlamentar e sua incorrigível genitora. O lápis, o espírito crítico e o talento eram os seus materiais de trabalho. As grandes festas do verão baiano, o sofrimento do povo e as artimanhas políticas, sua fonte de inspiração. Rapidamente conquistou o seu mercado. Começou sua carreira em 1967, fazendo charges para a Tribuna da Bahia, jornal onde permaneceu até seu falecimento. Em 1997, foi eleito o melhor cartunista brasileiro pelo Troféu HQ Mix. Treze anos depois de sua morte, é um patrimônio da cidade de Salvador. Ele criou tipos, retratando situações, um grande cronista local. Lage atravessou 40 anos de charges, cartuns e quadrinhos como um observador vigilante e de fino espírito crítico. Como conseqüência, submeteu a seu olhar os presidentes, governadores e prefeitos que administraram o País e a cidade de Salvador durante os anos em que trabalhou em jornais e revistas.

 


BREGA BRAZIL – Série publicada na Tribuna da Bahia a partir de 1991, do cartunista baiano Lage (1946-2006). A tira Brega Brazil satirizava os desmandos do governo Fernando Collor de Mello (1990-1992) através de caricatos personagens. O desenhista contava também as peripécias entre o tesoureiro Paulo César Farias, o PC Farias e seu filho Faria Junior, um garoto de respostas rápidas e muitos dólares na cabeça. Depois da ditadura, finalmente os brasileiros iriam escolher direta e abertamente o seu presidente da República. A primeira eleição da Constituição Cidadã de 1988 elegeu o desconhecido governador das Alagoas, Fernando Collor de Mello. Ele juntou um discurso oposicionista com a moralidade administrativa e conseguiu mobilizar a multidão. Personalista, autocrata, demagogo, conseguiu mobilizara multidão. Ao chegar no poder congelou as contas bancárias para conter a inflação. Não adiantou. Com a economia enfraquecida, uma turbulência política começou a inviabilizar o governo: acusações de corrupção ficaram cada vez mais intenso. Em vez de mandar apurar, Collor reagia atacando a oposição, o Congresso e a mídia com diversas manifestações, passeatas e protestos, a OAB e a ABI deram entrada no Congresso a um pedido de impeachment do presidente. Para tentar fugir da perda dos direitos políticos, Collor renuncia à Presidência da República. Foi o mais negro capítulo da história política do Brasil. Assim, com o apoio das elites, o jovem alagoano vence as eleições e o palácio do governo começava a se tornar o centro de uma vasta rede de corrupção e negociatas, na qual projetos só andam se movidos a propina (e ainda continua hoje). Multidões saem às ruas e o presidente sofre impeachment, mas se livra da prisão. Meses depois ele e a esposa estavam numa ilha do Taiti. Mais tarde o casal se muda para Miami, onde o ex-presidente nega ter a Ferrari de US$120 mil e a casa com torneiras folheadas a ouro que estaria construindo... A suposta quadrilha durante a era Collor em Brasília não seria a única a saquear os cofres da nação. Em suas tiras Lage mostra o povo sem pão nem circo, reclamando de melhorias de vida. Já não existe mais amor em Brega Brazil, o povo lá só quer saber de sexo. Brega Brasil, para o autor, será sempre um país falido, um mero pedaço de terra de ninguém que anos atrás foi confundida como uma pátria e agora grande parte do povo é composta de bichos escrotos, reflexo do grande poder escrotão. E graças ao poder corrupto, irresponsável e inconseqüente, as coisas se deteriora em ritmo acelerado.

 


DORA MULATA – Quadrinho criado pelo cartunista baiano Lage (1946-2006) na revista Viverbahia a partir de 1981. A sensual Dora era uma nativa da ilha de Itaparica, na Bahia. Ela se relaciona com um gringo, um francês e um nativo. Triângulo amoroso onde ela tinha preferência pelo francês. Foi publicada também na revista Axé Bahia. Sua maneira objetiva de apresentar, com a simplicidade de seu traço, os vários problemas diferentes ao ser humano, descrevendo com capacidade, firmeza os muitos quadros públicos. O olhar “malandro” das suas personagens, desta vez apresenta o empoderamento da mulher que começa a se emancipar do machismo da época. Artista consciente do seu trabalho e possuidor de um senso crítico bastante apurado, as personagens de Lage são aparentemente simples, feitas de poucos traços que demonstram, na maioria das vezes, a perplexidade das situações de desumanização da vida cotidiana, mas não perde a alegria do viver, seja na orla de Salvador ou nas festas de largo.

 

HISTORIHA DO LAGE – Tira diária publicada pelo cartunista baiano Lage (1946-2006) na Tribuna da Bahia a partir de 1969. Conta as aventuras de um herói espacial, sátira ao super heroi. Um sujeito que vivia no futuro, mas tinha muitas coisas no presente e passado, ambientado na Bahia. Na série ele criou o papagaio Put, personagem irreverente.

 


L´AMU TUJU L ´AMU – Série cômica de autoria do cartunista baiano Lage (1946-2006) em 1975 no suplemento A Coisa da Tribuna da Bahia e no independente Coisa Nostra, em 1976. Trata-se do comportamento amoroso, o relacionamento homem/mulher. O desgaste, a rotina e os problemas que afetam os relacionamentos são abordados no diálogo de um casal que, na maioria das vezes, aparece no ambiente de um quarto. Lage utiliza uma linguagem coloquial, simples, bem popular. “São textos pequenos, mas cheios de malandragem e de erotismo característicos do povo baiano”, atesta Hilda Guanais Fausto no seu projeto de pesquisa para análise do Curso de Comunicação da UFBa. Talvez influenciado até pela sua vida de casado, o autor resolveu apresentar um personagem ligado ao problema de sexo e amor. A tira ajudou também aos leitores. Seu humor é baiano em cada traço, em cada frase e atinge em cheio o alvo traduzindo o estado de espírito, as frustrações e os desejos de cada um dos baianos. Humor que se mistura na multidão, nas festas de largo, que persegue o trio elétrico, que mija a vista de todos nas ladeiras íngremes, que passa fome na semana e vai ao estádio da Fonte Nova aos domingos. Humor moleque, humor povo...

 


PITUBOIÃO – História em quadrinhos criada por Lage (desenho) e Helcio, Ethel Viña, Cesio Roberto, Wander Pinheiro e Renato Oliveira em 1984. A narrativa é construída em torno do candidato a política de Salvador, Bahia, Adalberto Pituboião, sujeito engravatado cuja cabeça não passa de um “tôloco de merda”. Ele está sempre cabisbaixo, meditabundo, desolado e em profunda depressão. Sempre que é possível, consulta na tenda dos milagres de Madame Ethel Vinna, mas, aconselhado por assessores, recorre à psicanálise; E, tomando algumas preocupações, o famoso analista Valter Setubal de Castro Lacerda aceita o caso de Adalberto que quase iria parar numa mesa de bar para “enchera cara”, num boteco lá na Boca do Rio. Na consulta, o psicanalista não agüentava o fedor exalado pelo político baiano mas preocupado procura acalmar o paciente e aconselha a rever suas alianças. Mais tarde na Câmara, diante de toda a mídia presente, Pituboião faz seu discurso: “Neste momento solene em que todo `covarde faz força e todo valente se caga`, quero declarar de pronto a minha renúncia, deixando claro porém, que forças ocultas determinaram esta minha atitude. Portanto, companheiros, sinto-me premido a abandonar esta arena de trabalho inolvidáveis e partir saudoso...”. E Adalberto Pituboião levanta ancoras no seu belíssimo iate `flauta de pan` com destino ao Morro de S.Paulo. “Voltará o nosso herói às lides políticas?. Os leitores suportará tal retorno?. Aguardem”, anuncia o letreiro final da historieta que ocupava duas páginas do Jornal da Pituba (bairro de Salvador) que circulou em 1984 e 1985, publicação da Empresa Jornalística Expansão. Com muito humor, além de política, a série do jornal independente, do bairro, satirizava o dia adiada comunidade. A historieta ocupava duas páginas do jornal criticando o quadro sucessório político, as músicas de sucesso, os buracos de rua, a poluição do Rio Camurugipe, do trânsito caótico e dos problemas sociais da cidade.