31 agosto 2006

Férias


Amanhã, dia 01 de setembro, estarei de férias. Volto a escrever a partir do dia 02 de outubro. Até lá.

Música & Poesia

O Navegante (Sidney Miller)

Quero um montão de tábuas e um motor de pano
Pra passear meu corpo e adormecer meu sono
Na esburacada estrada do oceano

Aportarei meu barco apenas de ano em ano
E onde houver silêncio eu ficarei cantando
Pra não deixar morrer o gesto humano

Entenderei as águas e os peixes passando
E se me perguntarem pra onde vou e quando
Responderei, apenas navegando, apenas navegando

Embarcarei comigo feminino encanto
Pra que não falte à vida quando for preciso
Uma razão mais forte que o espanto, mais forte que o espanto

Semearei meu sangue, meu amor, meu rosto
Pra que depois de mim eu possa estar presente
Entre as canções que eu não houver composto

Naufragarei um dia em pleno mar sem dono
E submerso em lendas como um visitante
Entre os recifes dormirei meu sono.



A felicidade (Vinicius de Moraes e Antonio Carlos Jobim)


Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na quarta-feira

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta noite, passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Pra que ela acorde alegre com o dia
Oferecendo beijos de amor

A felicidade é uma coisa boa
E tão delicada também
Tem flores e amores
De todas as cores
Tem ninhos de passarinhos
Tudo de bom ela tem
E é por ela ser assim tão delicada
Que eu trato dela sempre muito bem

30 agosto 2006

Contemplando o mar

“O mar quando quebra na praia/é bonito, é bonito....” (Mar, de Dorival Caymmi). Durante milhões de anos, a chuva formou cursos de água que iam dissolvendo lentamente rochas de todos os períodos geológicos, nas quais o sal comum é encontrado em abundância. Esses cursos de água desembocavam no mar. Como todos os rios correm para o mar, ele ficou com quase todo o sal. Os oceanos ocupam cerca de 71% da superfície do planeta. As águas da Terra, principalmente dos oceanos, são responsáveis por muitos fatores de equilíbrio do planeta. A Terra sem água, os continentes sem os oceanos seriam praticamente estéreis, e nós talvez nem estivéssemos aqui.

“É bonito se ver/na beira da praia/a gandaia das ondas que o barco balança/batendo na areia/molhando os cocares/dos coqueiros/como guerreiros da dança/oh! quem não viu vá ver/a onda do mar crescer/oh! quem não viu vá ver/a onda do mar crescer..” (Gandaia das Ondas de Lenine e Dudu Falcão). A vida se originou no mar, nos oceanos e na atmosfera primitiva da Terra. O conhecimento sobre o mar, sobre a vida que se expressa em milhares, milhões de formas no mundo submarino, nos ajuda a aprender a respeitar os nossos limites e a expandir os nossos horizontes. O mar, o oceano, as águas salgadas, os rios doces que nos separam e nos unem para fora e para dentro de nossas identidades múltiplas e únicas.

“É água no mar/é maré cheia ô/mareia ô, mareia//Contam que toda tristeza que tem na Bahia/nasceu de uns olhos morenos molhados de mar/não sei se é conto de areia ou se é fantasia/que a luz da candeia alumia pra gente contar...” (Conto de Areia de Romildo e Toninho). A terra possui 71% de sua superfície coberta com água. Desses 71%, o mar é responsável por 97,2%. Dessa forma, é inegável que o mar representa uma parte fundamental da biosfera sendo, também, considerado fonte importante de recursos energéticos, alimentares e minerais, muitos deles renováveis.

“O pescador tem dois amor/um bem na terra, um bem no mar/o bem de terra é aquela que/fica na beira da praia/quando a gente sai/o bem de terra é aquela que chora/mas faz que não chora/quando a gente sai/o bem do mar/é o mar, é o mar/que carrega com a gente/pra gente pescar/o bem do mar/é
o mar, é o mar/que carrega com a gente/pra gente pescar” (O Bem do Mar, de Dorival Caymmi). Tudo na natureza vive em função da água... quase tudo o que é vivo na Terra flui na água grande parte dos seus ciclos de desenvolvimento. A maioria dos rios corre para o mar...

“Deus quere, o homem sonha, a obra nasce/Deus quis que a terra fosse toda uma,/que o mar unisse, já não separasse./Sagroute, e foste desvendando a espuma,//E a orla branca foi de ilha em continente,/clareou, correndo, até ao fim do mundo,/e viu-se a terra inteira, de repente,/surgir, redonda, do azul profundo.//Quem te sagrou criou-te português./Do mar e nós em ti nos deu sinal./
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez./Senhor, falta cumprir-se Portugal!” (O Infante, de Fernando Pessoa). Toda a história do conhecimento segue as trilhas do mar. A navegação começou nos rios e alcançou os estuários, abrindo as portas dos oceanos para o comércio, as grandes viagens, as grandes descobertas.

“Ó mar salgado, quanto do teu sal/são lágrimas de Portugal!/por te cruzarmos, quantas mães choraram,/quantos filhos em vão rezaram!//Quantas noivas ficaram por casar/para que fosses nosso, ó mar!/valeu a pena? Tudo vale a pena/se a alma não é pequena.//Quem quere passar além do Bojador/tem que passar além da dor./Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/mas nele é que espelhou o céu” (Mar Português, de Fernando Pessoa). A origem do Brasil como nação está ligada ao mar, às habilidades dos navegantes de além-mar, aos conhecimentos das tribos litorâneas, dos caiçaras de todas as praias de armação do país. Cada um tem sua própria impressão sobre o mar.

“Amaram o amor urgente/as bocas salgadas pela maresia/as costas lanhadas pela tempestade/ naquela cidade/distante do mar/amaram o amor serenado/das noturnas praias/levantavam as saias/e se enluaravam de felicidade/naquela cidade/que não tem luar/amavam o amor proibido/pois hoje é sabido/todo mundo conta/que uma andava tonta/grávida de lua/e outra andava nua/ávida de mar//E
foram ficando marcadas/ouvindo risadas, sentindo arrepio/olhando pro rio tão cheio de lua/e que continua/correndo pro mar/e foram correnteza abaixo/rolando no leito/engolindo água/boiando com as algas/arrastando folhas/carregando flores/e a se desmanchar/e foram virando peixes/virando conchas/virando seixos/virando areia/prateada areia/cm lua cheia/e à beira-mar” (Mar e Lua, de Chico Buarque). Todos os povos primitivos criaram lendas e mitologias onde a formação das águas desempenha um papel essencial. Os ancestrais do homem viveram, provavelmente, longe do mar, daí talvez o espanto de muitos diante da imensidão dos oceanos. Mas há mais de 8 mil anos o Mar Egeu já recebia um intenso fluxo comercial.

“Lá se vai mais um dia assim/e a vontade que não tenha fim este sol/é viver, ver chegar ao fim/essa
onda que cresceu, morreu ao seus pés/e olhar pro céu que é tão bonito/e olhar pra esse olhar perdido/nesse mar azul/uma onda nasceu, calma desceu sorrindo/lá vem vindo/lá se vai mais um dia assim/nossa praia que não tem mais fim, acabou/vai subindo uma lua assim/e a camélia que flutua nua no céu” (Nós e o Mar, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli). Olhar para o mar é perceber a imensidão do que temos para investigar e o quanto somos pequenos diante desse universo ainda pouco conhecido. Somos os aventureiros que inventam equipamentos sofisticados para navegar profundezas. E ao mesmo tempo somos os destruidores, os apressados devoradores de um pedaço da natureza à qual muitas vezes esquecemos pertencer

“Olha!/que brisa é essa/que atravessa a imensidão do mar?/rezo/paguei promessa/e fui a pé daqui até Dakar/praia, pedra e areia/boto e sereia, os olhos de Iemanjá/água! Mágoa do mundo/por um segundo/achei que estava lá/olha! Que luz é essa/que abre um caminho/pelo chão do mar/lua/onde começa/e onde termina o tempo de sonhar?/praia.../"e tava na beira da praia/ouvindo as pancadas/das ondas do mar"/não vá/oh! Morena/morena lá que o mar tem areia” (Pedra e Areia, de Lenine e Dudu Falcão). Um dos maiores clássicos das histórias em quadrinhos, Balada do Mar Salgado, foi o primeiro da série de aventuras do marinheiro Corto Maltese, personagem de Hugo Pratt. O mar da costa brasileira, o mar de Castro Alves, Gonçalves Dias, João Bosco, Elis Regina, Chico, Tom Jobim, Camões, Fernando Pessoa, dos jangadeiros do nordeste, mar morto de Jorge Amado, mar de todas as canções do exílio, mar da vida.

“Foi assim/como ver o mar/a primeira vez/que meus olhos/se viram no seu olhar/não tive a intenção/de me apaixonar/mera distração e já era/momento de se gostar/quando eu dei por mim/nem tentei fugir/do visgo que me prendeu/dentro do seu olhar/quando eu mergulhei/no azul do mar/sabia que era amor/e vinha pra ficar/daria pra pintar/todo azul do céu/dava pra encher o universo/da vida que eu quis pra mim/tudo que eu fiz/foi me confessar/escravo do seu amor/livre pra amar/quando eu mergulhei/fundo nesse olhar/fui dono do mar azul/de todo azul do mar/foi assim como ver o mar/foi a primeira vez que eu vi o mar/onda azul, todo azul do mar/daria pra beber todo azul do mar/foi quando mergulhei no azul do mar/onda que vem azul, todo azul do mar” (Toda azul do mar, de Ronaldo Bastos e Flávio Venturini).




29 agosto 2006

No canto dos trovadores, a voz rasgada do povo


“Veja só quanta miséria/veja só quanta agonia/veja a que ponto chegou a nossa Bahia/o povo sem trabalhar/por falta de energia” (Cuíca de Santo Amaro). Um dos poetas mais conceituado do Brasil foi o baiano Cuíca de Santo Amaro, autor do famoso “O homem que inventou o trabalho”. Seu verdadeiro nome era José Gomes (1907/1964) e os seus primeiros trabalhos começaram, a ser divulgados em 1927. Figura controvertida, amigo de grandes personalidades da época, inclusive de Getúlio Vargas, preso algumas vezes por causa de sua mordacidade – Cuíca era um poeta satírico na linha de Gregório de Matos -, personagem de livros feitos na Bahia para alguns era um engodo e para outros era a maior expressão em literatura de cordel no Brasil. Em mais de trinta anos de atividade literária, o poeta Cuíca de Santo Amaro documentou da maneira mais completa a vida cotidiana baiana. Problemas como a carestia do povo, os costumes, os usos e a moral vigentes na cidade de Salvador, os crimes, os desastres e os pequenos casos escabrosos da vida particular baiana.

Outro consagrado cordelista é Minelvino Francisco Silva (1926/1999), o trovador Apóstolo. Ele é autor de ABC dos Tubarões, e História do Touro que Engoliu o Fazendeiro. A característica mais marcante do trovador é sem dúvida, o seu acentuado senso crítico, além da sua capacidade para fazer rimas. Mas nem sempre o trovador utiliza dos seus versos para glosar. Há folhetos só de exaltação como “A Chegada de Catulo no Céu”, de Rodolfo Cavalcante. Rodolfo (1917/1987) é autor de obras como ABC da Carestia e As Belezas de Brasília e as Misérias do Nordeste. Ele lutou a favor da classe dos poetas de bancada. Publicou artigos em jornal, organizou congressos e fundou associações e agremiações e com isso, tornou mais digna e representativa a classe dos poetas populares. “Não vês a nossa política/prometendo endireitar/a gente passando fome/tudo subindo subindo/a gente se sucumbindo/o mundo vai se acabar”.

É comum na literatura de cordel – diz o crítico Carlos Alberto Azevedo – o culto do herói: Zé Garcia, João Grilo, Vira Mundo, Padre Cícero, Frei Damião e tantos outros, pois que os folhetos decantam a personalidade de um injustiçado, beato ou “santo”. O herói da literatura popular é forjado na própria estrutura social rural, seja em qualquer zona fisiográfica da região (mata, agreste, sertão). O herói é aquele que se rebela contra o statuo quo. Seja ele sertanejo forte e corado ou um Zéamarelinho ancilostizado da zona da mata.

“Com esse aperto de vida/o povo que nada pode/pra se esquecer da fome/leva tudo no pagode/agora, na eleição/nas urnas de Jaboatão/o povo votou num bode/não é coisa de poeta/nem é boato inventado/o caso foi verdadeiro/o rádio tem divulgado/se a gente que não crê no jornal tem o clichê/do bode fotografado” (A Vitória de Cheiroso, o Bode Vereador, de Delorme Monteiro e Silva). A temática da seca atinge o ápice da expressão comunicativa, enquanto crônica, narrativa, protesto político-social, jornalismo na literatura de cordel. É preciso não esquecer que, até meados do século XX, tanto o folheto quanto o poeta popular, que improvisava e cantava nas feiras livres nordestinas, os casos e "causos", exerciam a função comunicativa que hoje cabe à mídia, em particular, ao rádio e à televisão.

"A Triste partida", de Patativa do Assaré, cantada por Luiz Gonzaga, talvez seja a síntese de tudo que pode acontecer e se relacionar à seca, não passando despercebido da sensibilidade do poeta popular, conforme se observa nos versos: “Setembro passou/Outubro e novembro/Já tamo em dezembro/Meu Deus, que é de nós?/Assim fala o pobre/Do seco Nordeste/Com medo da peste/E da fome feroz/A 13 do mês ele fez experiência/Perdeu sua crença nas pedra de sal/Mas noutra experiência com força se agarra/Pensando na barra do alegre Natal/Rompeu-se o Natal, porém barra não veio/O sol bem vermeio nasceu muito além/Na copa da mata buzina a cigarra/Ninguém vê a barra, pois barra não tem/Sem chuva na terra descamba janeiro/Depois fevereiro e o mermo verão/Entonce o nortista, pensando consigo/Diz: isso é castigo, não chove mais não/Apela pra março, que é o mês preferido/Do santo querido, o senhor São José/Mas nada de chuva, tá tudo sem jeito/Lhe foge do peito o resto de fé/Agora pensando ele segue outra trilha/Chamando a família começa a dizer:/Eu vendo o meu burro, meu jegue, o cavalo/Nós vamo a São Paulo vivê ou morre...”

Juscelino Kubitscheck, João Goulart e Jânio Quadros foram os presidentes cantados sobretudo em poemas circunstanciais, após suas eleições, no momento de sua instalação no poder e no momento do encerramento de suas funções. Convém juntar o nome de Getúlio Vargas onde o número de folhetos sobre o presidente gaúcho, após sua morte em 1954, é bem superior ao número de folhetos de cada um de seus sucessores. “Amigo agora peço/a vossa honrada atenção/vou rimar, entre soluços/que me vêm do coração/as horas, tristes, amargas/da morte de Dr.Vargas/Presidente da Nação” (A Vida e Tragédia do Presidente Getúlio Vargas, de Antonio Teodoro dos Santos).

A literatura de cordel é um importante meio de expressão popular com valor informativo, documental e de crônica poética e histórica. O cordelista ao mesmo tempo é poeta e jornalista, conselheiro do povo e historiador popular. Em 100 anos de existência a literatura de cordel testemunha a longa evolução percorrida durante mais de um milênio pela literatura européia: a transformação de sua “literatura oral” em literatura na concepção moderna do termo. No Brasil, os encontros, as pelejas, as narrativas de encantamento, os folhetos "de época" vão continuar percorrendo o sertão. E hoje, o cordel é objeto de estudo de vários especialistas. Vida longa ao cordel!.

28 agosto 2006

Literatura de cordel, o jornal do sertão


Histórico, moralista, biográfico, humorístico e até mesmo político são alguns temas que a literatura de cordel vem abordando desde o seu aparecimento até os dias atuais. Um dos poetas de cordel mais conceituado do Brasil foi o baiano Cuíca de Santo Amaro, justamente por causa de sua mordacidade – era um poeta satírico na linha de Gregório de Matos. Exibidos ao público em cordas estiradas no alto das barracas das feiras nordestinas – daí a expressão “literatura de cordel” -, os folhetos aparecem com as pequenas tipografias do interior e são consumidos principalmente por vaqueiros, lavradores e vendedores ambulantes.

Os mais variados temas são abordados pelos autores desses folhetos, desde pitorescas histórias, criadas pelo matuto (“A moça que dançou com uma caveira”), à crítica social (“O gozo da mocidade”), passando pela crendice popular (“A moça que sonhou com Padre Cícero e jogou no cavalo”). Também o fato político – real ou resultante da fantasia do povo – mereceu farta bibliografia.

O cordel ainda é o jornal por excelência do povo do interior, e o trovador é o seu repórter. Quando acontece um fato importante, ele tem de escrever o folheto rapidamente, mesmo que não dê lucro. Naqueles tempos, na zona rural, em lugares que nem o rádio alcançava, o povo só acreditava nos acontecimentos depois que lesse sobre eles nos versos do cordel. É famoso (e verídico) o caso do matuto que só acreditou que o homem foi à lua depois que leu os detalhes n um folheto popular. É a literatura de cordel refletindo a problemática social do homem nordestino.

O início da literatura de cordel está ligado à divulgação de histórias tradicionais, narrativas de velhas épocas que a memória popular foi conservando e transmitindo. São os chamados romances ou novelas de cavalaria, de amor, de narrativas de guerras, viagens ou conquistas marítimas. Mas ao mesmo tempo, ou quase ao mesmo tempo, também começaram a aparecer no mesmo tipo de poesia e de apresentação, a descrição de fatos recentes, de acontecimentos sociais que prendiam a atenção popular.

A expressão literatura de cordel surgiu no Brasil entre 1875 e 1880, utilizada pelo folclorista Silvio Romero para definir o conjunto de folhetos de feira. O folheto tem habitualmente de oito a 64 páginas, mede 11 x 16cm e já circulava pelo Nordeste em meados do século XIX. Entre 1893 e 1908 surge a literatura de cordel brasileira, com a publicação de folhetos de pres poetas paraibanos: Leandro Gomes de Barros, Francisco das Chagas Batista e João Martins de Athayde.

As capas dos cordéis antigos eram ilustradas com vinhetas nas tipografias do interior nordestino. É a partir da década de 30 que surgem nas capas de postais, retratos de Padre Cícero e Lampião. E as xilografias (arte de gravar em madeira) só começam a aparecer regularmente a partir da década de 40. Franklin Cerqueira Machado (Maxado), de Feira de Santana, e Francisco Silva (Minelvino), de Itabuna são os xilógrafos mais conhecidos na Bahia.

No início da publicação da literatura de cordel no País, muitos autores de folhetos eram também cantadores, que improvisavam versos, viajando pelas fazendas, vilarejos e cidades pequenas do sertão. Com a criação de imprensas particulares em casas e barracas de poetas, mudou o sistema de divulgação. O autor do folheto podia ficar num mesmo lugar a maior parte do tempo, porque suas obras eram vendidas por folheteiros ou revendedores empregados por ele.

De custo baixo, geralmente estes pequenos livros são vendidos pelos próprios autores. Fazem grande sucesso em estados como Pernambuco, Ceará, Alagoas, Paraíba e Bahia. Este sucesso ocorre em função do preço baixo, do tom humorístico de muitos deles e também por retratarem fatos da vida cotidiana da cidade ou da região. Os principais assuntos retratados nos livretos são festas, política, secas, disputas, brigas, milagres, vida dos cangaceiros, atos de heroísmo, milagres, morte de personalidades.

Em versos de 10 ou 12 sílabas, em rica variação de versos, a poética de cada folheto conta fatos do cotidiano, estórias de bichos, casos pitorescos, de amor, de Lampião, Padre Cícero, Conselheiro, de figuras públicas, acontecimentos colhidos dos jornais, rádio e tevês, enfim, toda a gama do rico universo do nordestino. Os próprios poetas populares classificam a literatura de cordel em cinco temas mais frequentes: romance, valentia (história de um valentão, que sempre acaba mal), gracejo (uma história engraçada), desafio e encantamento (histórias de reinos encantados, com fadas e bruxas). Geralmente, o próprio poeta popular é o editor e vendedor de suas historinhas, que são penduradas num cordão, enquanto o autor, acompanhado de viola, canta trechos de seus poemas.

25 agosto 2006

Música & Poesia

Disritmia (Martinho da Vila)

Eu quero me esconder debaixo
dessa sua saia, pra fugir do mundo
Pretendo também me embrenhar
no emaranhado, desses seus cabelos
Preciso transfundir teu sangue
pro meu coração, que é tão vagabundo
Me deixe te trazer num dengo
Pra num cafuné fazer os meus apelos
me deixe te trazer num dengo
Pra num cafuné fazer os meus apelos
Eu quero ser exorcisado
pela água benta, desse olhar infindo
Que bom é ser fotografado
mas pelas retinas dos seus olhos lindos
Me deixe hipnotizado
pra acabar de vez com essa disritimia
Vem logo, vem curar teu nego
que chegou de porre lá da boemia
Vem logo, vem curar
vem curar teu nego que chegou
que chegou de porre lá da bo...
Lá da Boemia.



Perfeição (Clarice Lispector)

O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.

O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.

Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.

O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.

Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.

24 agosto 2006

Há 120 anos nascia o político baiano Otávio Mangabeira


Deputado, senador, ministro, governador. Otávio Mangabeira foi, em todas essas posições, um incorruptível. Político e patriota, colocava sempre à frente do que postulava ou defendia, os sagrados ideais de liberdade. Por isso sofreu, sem perder o seu caráter. Octávio Cavalcanti Mangabeira nasceu em Salvador a 27 de agosto de 1886. Sua primeira manifestação política e, ao mesmo passo, literária, foi um manifesto contra a reforma da Constituição Baiana,. Em cujo conteúdo havia a exigência dos candidatos ao governo estadual residirem no Estado.

Por essa época fazia o curso de Engenharia Civil, diplomando-se aos 19 anos de idade,m sendo o orador da turma. Um ano antes de formar-se, ingressou no Diário de Notícias assinando uma seção de versos. Trabalhou também na Gazeta do Povo e O Democrata. Em 1906 integrou o corpo docente da Escola Politécnica da Bahia. Mas ele foi atraído pela política.

O seu primeiro posto foi o de vereador (1908 a 1912). Em 1912 foi eleito deputado federal. De 1926/30 foi Ministro das Relações Exteriores do Governo Washington Luis. Exilado político, após a Revolução de 1930. Líder dos autonomistas, entre 1934 e 1937. Novamente exilado entre 1937 e 1945. Deputado federal em 1946. De 1947 a 1951 governou a Bahia. No seu governo construiu o Fórum Rui Barbosa, inaugurou o Instituto Biológico da Bahia, restaurou o Teatro do ICEIA e construiu o Estádio da Fonte Nova.

SENADOR - Eleito, mais tarde, deputado federal (1955) e senador da República (1959), morreria antes de completar seu mandato. Incursionou, com êxito, no terreno das letras, chegando a integrar a Academia Brasileira de Letras, publicou diversos trabalhos. Entre os trabalhos publicados estão Voto de Saudade (1934), A Nação e os Problemas Brasileiros (1930), Pelos Foros do Idioma (1930), As Últimas Horas da Legalidade, Um Pregador da Paixão, etc. Faleceu em 29 de novembro de 1960.

Dois anos depois de sua morte, o distrito de Cabeças na cidade de Muritiba foi emancipado pelo então governador Juraci Montenegro Magalhães, recebendo o nome atual em homenagem ao ex-governador Otávio Mangabeira (dia 14 de março de 1962). Situado no Recôncavo, na zona fumageira do estado, nas margens da BR-101, o município de Governador Mangabeira é administrado atualmente pelo prefeito Antonio Pimentel.

ADMIRADOR - O escritor Jorge Amado em seu discurso de posse da Academia de Letra falou assim sobre Otávio Mangabeira: “Falar sobre Otávio Mangabeira seria fácil para mim, seu admirador e seu amigo, não me tomasse o peito a emoção da ternura e da saudade. Bem o conheci; honrou o político ilustre, com sua amizade, ao escritor jovem da sua terra pelos idos de 30, quando a revolução veio tirá-lo do Ministério do Exterior para o exílio. Exílio que se repetiria, como as ameaças de prisão e o ostracismo. Porque a vida de Otávio Mangabeira foi uma única batalha, ininterrupta, pela liberdade, pelos direitos do homem, pela democracia brasileira, pela moralidade dos governantes. Poucos homens tão íntegros e coerentes possui nossa vida, e poucos baianos tão conseqüentes em sua condição de baianos quanto este mestre da oratória e da habilidade parlamentar, esse administrador de raras qualidades, esse homem de imensa doçura pessoal.

“Se a política nos roubou o escritor que ele poderia ter sido, nos proporcionou o espetáculo magnífico de um dos maiores tribunos da história parlamentar brasileira. A elegância da forma, a pureza da linguagem, a clareza do pensamento, e, sobretudo, a constante fidelidade aos ideais democráticos, à liberdade, fizeram dele, como bem observou Afrânio Coutinho, ´a personificação da arte da palavra´. Fui seu colega na Câmara dos Deputados e era sempre com renovada alegria que o via subir à tribuna, com certa solenidade na figura e certa gravidade nos gestos precisos, alegria a crescer em puro deleite intelectual ao ouvi-lo, em afirmações das quais por vezes eu discordava, mas ditas de tal maneira que era impossível deixar de admirá-las. Foi o último dos grandes oradores de certa fase de nossa vida política. Hoje a oratória dos comícios e mesmo da tribuna parlamentar perdeu certa unção quase sagrada, certa grandeza de forma e de aspecto, certa magnificência, para ganhar maior vivacidade, colocar-se a par com o nosso tempo. Dessa grande oratória, vinda do Padre Vieira no púlpito da Sé da Bahia a clamar contra os invasores holandeses, foi Otávio Mangabeira mestre inconfundível.

“Se eu tivesse de buscar uma única imagem para definir Otávio Mangabeira, eu vos digo que ele é a Bahia. A Bahia em suas melhores e mais generosas qualidades, aquela finura de civilização que era dele e é do último homem do povo baiano. A Bahia da grande oratória e da extrema habilidade política, a Bahia da delicadeza, da gentileza, da ternura humana, a Bahia afável e afetuosa, a cordial, a acolhedora, a da doce brisa do mar, a dos luares sem igual. Otávio Mangabeira era a Bahia: o amor aos obres ideais, a irredutível luta pela liberdade, a consciência democrática. Quando penso nele, penso na Bahia, na ampla humanidade de sua gente, na alegria do seu povo, em sua constante e fundamental doçura. Penso na Bahia nesta hora de minha vida, quando aqui chego com a responsabilidade de substituir Otávio Mangabeira. Chego coberto com a ternura de minha gente baiana”.

23 agosto 2006

O que diz essa voz



“Minha voz, minha vida/meu segredo e minha revelação/minha luz escondida/minha bússola e minha desorientação/minha voz é precisa/vida que não é menos minha que da canção/por ser feliz, por sofrer, por esperar eu canto” (Minha voz, minha vida, de Caetano Veloso). Voz é o som básico produzido pela laringe, por meio da vibração das cordas vocais. A voz expressa as condições individuais (físicas ou emocionais) e, se o indivíduo não estiver em condições saudáveis, a voz deixará transparecer algum problema, ocasionando qualidade vocal disfônica, que pode vir a comprometer a fala e a comunicação. O filósofo francês Roland Barthes disse que raramente ouvimos uma voz, estamos preocupados apenas com o que ela diz. Achar a própria voz significa descobrir seu estilo, sua singularidade.

“Até quem sabe a voz do dono/gostava do dono da voz/casal igual a nós,/de entrega e de abandono/de guerra e paz, contras e prós/fizeram bolas de acetato - de fato/assim como nossos avós/
o dono prensa a voz/a voz resulta um prato/que gira para todos nós” (A voz do dono e o dono da voz, de Chico Buarque). A voz transmite muito mais que palavras. Ela exprime nossos sentimentos mais ocultos e nos caracteriza perfeitamente. A articulação, a entonação e a velocidade da fala também contribuem para que isso aconteça. Apenas ouvindo a voz de alguém podemos formar conceitos sobre a personalidade: se é agressivo, calmo, ansioso, distraído, afetuoso...

“Saiam luas, desçam rios/virem páginas dos pensamentos/lanço estrelas do meu canto/sobre as camas dos apartamentos/.../que palavras sejam gestos/gestos sejam pensamentos/da voz que move nossos corações” (A Voz, de Vander Lee). A voz é o principal som do ser humano, é a nossa respiração audível. É uma massagem de dentro para fora, é expressão sutil das individualidades. São muitas as formas de expressões rítmicas da voz. Esses ritmos apesar de raramente receberem a atenção consciente, têm um papel importantíssimo no processo da comunicação. O ritmo mais evidente na voz é a respiração. Falamos ou cantamos quando expiramos, e silenciamos quando inspiramos.

“A voz vem da cabeça/feita pela vida/é a voz, a vida/veia cheia pelo pique dos sentidos/ave louca na garganta/solta, livre canta/vai, encontra os delírios, os desejos/instiga, liga/corta com timbre de aço/alivia o cansaço/acarinha e ilumina/deslumbra, apaixona e alucina/dá um beijo no menino/lambe a pele da menina/clareia, contamina, incendeia/coração na boca, na vida, na voz/clareia, contamina, incendeia/coração na boca, na vida, na voz” (A Voz, de Gonzaguinha). Na Idade Média, o ato de ler estava sempre ligado ao de falar: a leitura em voz alta era muito difundida. A tradição foi mantida também na Idade Moderna. Ainda no século 19, lia-se muito em voz alta: poesias, livros e cartas. Com o passar do tempo, diante do avanço da alfabetização, a leitura de um texto foi perdendo sua ligação intrínseca com a voz. Nas famílias, manteve-se quando muito o costume de ler para as crianças, quase sempre antes de adormecerem. De uns anos para cá, livros feitos para ser ouvidos, em vez de lidos, fazem grande sucesso na Alemanha. Em tempos em que a atenção se torna cada vez mais dispersa, eles contribuem para a redescoberta da literatura.

“Pudesse o homem só saber o que é o amor/e lhe entregar o coração e a razão/ainda haveria um poeta em cada ser/se o mundo ouvisse o que o amante quer/então seria a vez e a voz da paz/seu porto é um corpo de mulher/e haja o que houver/seja o que o amor quiser/a paz” (A vez e a voz da Paz, de Paulo Sérgio Valle e Paulo Machado). A literatura de cordel é a voz que ainda canta o Nordeste.

“Cantarei até que a voz me doa/pra cantar, cantar sempre meu fado/como a ave que tão alto voa/e é livre de cantar em qualquer lado//Cantarei até que a voz me doa/ao meu país, à minha terra, à minha gente/à saudade e à tristeza que magoa/o amor de quem ama e morre ausente//Cantarei até que a voz me doa/ao amor, à paz cheia de esperança/ao sorriso e à alegria da criança/cantarei até que a voz me doa” (Até que a voz me doa, de José Luis Gordo e José Fontes Rocha). Nos anos 20, época do cinema mudo, os letreiros eram usados para explicar algumas imagens. Esta combinação de texto e imagens deixava transparecer a idéia de que as imagens eram capazes de focar um espaço e um momento particular, com ações e interações humanas as mais variadas, mas que a capacidade de generalização e de interpretação das imagens ficava por conta do texto.

Posteriormente, com o surgimento do cinema sonoro, a partir de 1928, esse discurso foi transferido dos letreiros para a voz, não por acaso chamada em inglês de voice over, já que a preposição over, em inglês, indica que a voz (voice) está acima da imagem e vai cumprir esse papel explicativo. Esse formato, no qual a autoridade foi transferida a alguém que o cineasta colocava como o sujeito falante, predominou no período mais clássico, nas décadas de 40 e 50.

22 agosto 2006

Ética e política andam juntas ou separadas?


Existe no Brasil compromisso sério entre a ética e a política? A sociedade brasileira está perguntando diante de todo o processo de corrupção que vem assolando o país nesses últimos anos. “Não existe nenhum partido no Brasil, atualmente, que possa empunhar tranquilamente a bandeira da ética”, informa o cientista político da Universidade de Brasília e presidente da Organização Não-Governamental Transparência, Consciência e Cidadania, David Fleischer.

A incredulidade diante da política dá sinais de reação a essa corrupção generalizada e mostra que indignação não é sinônimo de indiferença. O presidente do conselho deliberativo do Instituto Ethos, Oded Grajew encabeçou o Pacto Nacional Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção. No movimento, as empresas que assinaram o documento se comprometem, entre outras coisas, a não financiar campanhas políticas de maneira ilegal.

O promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Roberto Levianu estudou a corrupção no plano institucional público em uma tese de doutorado apresentada na Faculdade de Direito da USP. Dentre as conclusões a que chegou, aponta que uma das soluções para o combate a esse crime passa pela educação. Ele sustenta que o problema da corrupção no Brasil é de ordem cultural.

As origens de nossa cultura da corrupção, segundo o estudo, estariam no período colonial. Naquela época, as capitanias hereditárias e as sesmarias eram utilizadas como instrumento político e em benefício das pessoas escolhidas pelo rei de Portugal para administrá-las. Muitas vezes o rei se utilizava dos Tribunais da Inquisição para punir acusados de traição da Corte. Eram freqüentes as falsas acusações com o objetivo de confiscar os bens do acusado e de sua família. Com a proclamação da República, veio o coronelismo, já nascido no Império, mas que ressurge fortalecido e que estreitou ainda mais a prática de tráfico de influências. È nesse período que o funcionalismo público cresceu, passou a ser usado como moeda de troca pelos políticos, fomentando a corrupção, uma vez que a escolha dos cargos se dava por meio do clientelismo.

Fazendo um rápido raio x da corrupção dos anos 90 até hoje, tudo começou com o favorecimento de instituições financeiras (Marka e FonteCindam) favorecidas com a venda de dólares muito abaixo do preço do mercado, depois o esquema do juiz Nicolau dos Santos Neto então presidente do TRT em São Paulo desviando milhões. Mais tarde o tesoureiro de Fernando Collor de Mello, Paulo César Farias comandou um esquema gigantesco de corrupção. Em seguida, foi denunciado que o Orçamento da União era manipulado por um esquema de corrupção do qual faziam parte governadores, ministros, senadores e deputados. Ficou conhecido como Anões do Orçamento. Em 1997 veio a compra de votos da reeleição. E a então governadora do Maranhão, Roseana Sarney que, em 2002 era uma forte candidata à sucessão do presidente FHC até descobrir o Caixa 2. Em 2003 a Operação Anaconda é descoberto como um poderoso esquema que envolvia agentes federais, delegados de polícia e juízes parta extorsão de empresas. Veio 2004 com o caso Waldomiro Diniz, a corrupção nos Correios, o mensalão e todo o efeito cascata.

Segundo o professor da Uerj, Emir Sader, a ética e política podem ser consideradas inseparáveis ou, ao contrário, fundadas em princípios distintos e obedecendo a lógicas distintas. A inseparabilidade entre ética e política se baseia em que a conduta do indivíduo e os valores da sociedade têm que ser coerentes entre si, porque é na existência compartilhada com os outros que podemos realizar a liberdade, a justiça e a felicidade, como valores humanos. Baseia-se igualmente no caráter moral dos homens, como seres que escolhem seus destinos e podem fazê-lo conforme critérios que decidam por sua própria consciência.

Para ele “toda política tem que ser ética, o que lhe dá a sua superioridade moral e lhe multiplica a força. E toda ética tem que ser política, tem que, se for correta, encontrar suas formas de realização, fazer da utopia um horizonte concreto e não apenas uma quimera que satisfaz os que se contentam com ter razão, sem nunca conseguir transformar o mundo conforme os nossos sonhos”.

Se hoje, aos olhos da sociedade, o país parece mais corrupto do que em tempos passados, segundo Levianu, isso se deve ao maior acesso da população à informação. Além disso, instituições como o Ministério Público estão mais abertas, investigam casos e trabalhos quase em conjunto com a imprensa.

Roberto Levianu diz que se faz necessária uma reforma no código penal para punir mais severamente o crime de corrupção. Afinal, os índices de percepção da corrupção colocam o Brasil entre os 60 países mais corruptos do mundo. Essa colocação é traduzida pela ausência de medidas decisivas de ataque às causas da corrupção. Assim, parece utópico associar ética à política e possivelmente esse assunto será o tema de muitas campanhas eleitorais. Acredite se quiser.

21 agosto 2006

Onde estão os valores da sociedade?

Antigamente a palavra valia muito quando se fazia algum tipo de negócio. Não se precisava de promissória, recibos ou qualquer outro tipo de documento. A palavra era um dos maiores bens que se tinha. Quarenta anos depois a palavra não vale mais nada. Evolução ou retrocesso? O que aconteceu com os costumes, o caráter, a ética de cada um? Parece que “aquele jeitinho brasileiro”, de levar vantagem em tudo, ficou impregnado no país. É só olhar em volta e observar que muita gente pensa em arranjar carteira de trabalho com informações falsas para enganar a previdência. Outros resolvem tirar a carteira de motorista subornando o funcionário do Departamento Estadual de Trânsito que anda insatisfeito com seu salário. E os que furam a fila do banco porque tem amigo no caixa e assim acha que tem direito acima dos demais.

Essa escalada de corrupção parece indicar a disseminação social de um comportamento sem ética que está afetando o relacionamento entre as pessoas, condicionando-as a querer levar vantagens. Isso tudo tem ocorrido porque a sociedade atual incentiva pessoas a uma busca frenética de "ter" cada vez mais, em detrimento do "ser", com valores de vida distorcidos, valorizando somente o "ter cada vez mais vantagens" sobre os outros (bens financeiros, em especial, bens materiais, etc.) não importando se para isso, elas precisem agir de modo desonesto, utilizando meios escusos e pouco éticos ou lícitos. Em outras palavras, parece ser a disseminação de que "ser desonesto, conseguindo vantagens, é ter mais valor, é ser mais esperto do que os outros".

Onde estão os valores? Um bom exemplo está na profissão de advocacia que são os homens da lei, lutam pelo que é justo. Pois bem, um deles (só para citar um e tem milhares) que foi pego em flagrante levando aparelhos de telefone celular para traficantes de uma facção criminosa. Sim, os traficantes estão cada vez mais contratando advogados para defendê-los e muitos servem para levar e trazer recados para outros traficantes.

Na área médica não está muito diferente. No sul do país foi descoberta uma gangue de médicos que fraudava cirurgias com próteses em pacientes que necessitavam deste tipo de aparelho. O material usado por esses médicos era de quinta categoria. Os empresários querendo ampliar suas contas falsificam produtos diariamente para lançar no mercado. Sejam brinquedos, perfumes, roupas, sapatos e uma série de itens, inclusive remédios.

Da classe política a situação é bem pior. Basta lembrar de Collor, Hidelbrando Pascoal, PC Farias, Maluf e os nomes são milhares, encheria toda uma edição de jornal. A imprensa também não fica de fora e o caso da Veja com a relação de Cuba com Lula e o suposto jabá no caso iPond/Maria Rita é só um exemplo. O que está acontecendo, onde está a conduta desses profissionais? Foi para o ralo.

O coordenador do Núcleo de Estudos de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Evandro Vieira Ouriques, apresentou ao público os conceitos do método de gestão da mente sustentável contra a Lei Gerson. Segundo ele, “do ponto de vista histórico, o estado mental da corrupção e da impunidade foi criado pela dupla colonização que construiu o Brasil, pois em verdade nossa sujeição colonial portuguesa foi escrita em inglês. Ou seja, desta forma nós fomos marcados no passado por um absenteísmo por parte da figura do colonizador (um ausente presente, o inglês, e um presente ausente, o português), absenteísmo ainda marcante no Brasil e em sua dificuldade - compreensível porém inquietante - de exercer os direitos que não conquistou, pois tanto a Independência quanto a República, por exemplo, foram concedidas pela classe dirigente”.

“Para construirmos uma sociedade sustentável precisamos muito mais do que as lutas operárias e proletárias. Muito mais do que o desenvolvimento capitalista. Precisamos saber dosar a componente capitalista de nossa economia psíquica com a componente solidária que nos move e funda. Quando se fala de Responsabilidade Social, está se falando do amor e identificação por aquele que se nomeia de Outro. Um fenômeno biológico que não requer justificação: o amor é um encaixe dinâmico recíproco espontâneo, um acontecimento que acontece ou não acontece. Precisamos ponderar nossas decisões em prol da Responsabilidade Social e da Sustentabilidade levando em conta que é o que chamamos de Natureza que está nos levando a modificar nossos valores. Ainda bem, pois somente assim podemos ter o reconhecimento e a gratidão de nossos descendentes. Por termos deixado, de fato, uma herança que poderá ser usufruída”.

É preciso conhecer mais profundamente esse pessoal que pretende entrar na política, por exemplo (ou mesmo um médico que você deseja se consultar, um advogado, empresário etc). Investigue se o passado deles é de bom caráter, se tem postura transparente, a origem de seus bens, sua plataforma de trabalho. Pesquise caso contrário vai se arrepender mais tarde. “O princípio dos princípios é o respeito da consciência, o amor da verdade”, já dizia Rui Barbosa

18 agosto 2006

Música & Poesia

Pela Luz dos Olhos Teus (Vinicius de Moraes)

Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai, que bom que isso é, meu Deus
Que frio que me dá
O encontro desse olhar

Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus
Só pra me provocar
Meu amor, juro por Deus
Me sinto incendiar

Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus
Já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus
Sem mais lararará

Pela luz dos olhos teus
Eu acho, meu amor
E só se pode achar
Que a luz dos olhos meus
Precisa se casar



Memória (Carlos Drummond de Andrade)

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

17 agosto 2006

Orlando Moscozo



Empresário e político. Orlando Moscozo Barreto de Araújo nasceu no dia 28 de janeiro de 1922 no município de Mundo Novo, na Bahia. Ele se considerava filho da região das Lavras Diamantina, zona de Lençóis onde a família desenvolveu seu potencial econômico. Formou-se na Faculdade de Medicina da UFBA em 1945. Porém não chegou a exercer a profissão, dedicando-se às atividades de político e empresário. Desde os anos de juventude ele tinha postura de líder. Foi presidente da União dos Estudantes da Bahia em 1943/44, ano em que entrou para a Força Expedicionária Brasileira. Nesse período organizou o setor de abastecimento e suprimento às famílias dos soldados convocados para a guerra. Foi nomeado, por causa disso, presidente da Legião Brasileira de Assistência (1947/50). Em 1953 foi vice-presidente da Associação Comercial e presidente da Bolsa de Mercadorias. De 1953 a 1954 foi presidente da Federação do Comércio do Estado da Bahia.

Em 1954 elegeu-se deputado estadual (1955/1959), quando apresentou projetos de larga influência sócio-administrativa, como reorganização dos serviços telefônicos do Estado, criação do Conselho do Comércio da Bahia e reorganização da Bolsa de Mercadorias. Em outubro de 58 exerceu o cargo de vice-governador (1959/1963) de Juracy Magalhães e interinamente o governo do Estado, na ausência do governador. Em abril de 1963 foi reeleito novamente vice-governador, ao lado do governador Lomanto Júnior. Em 68, após cumprir seu mandato de vice-governador, afasta-se da política e se volta para a vida empresarial, ampliando a empresa Barreto de Araújo Produtos de Cacau S/A, que transformou-se na maior fábrica de moagem do mundo, processando mais de 1 milhão de sacas por ano e exportando anualmente algo em torno de US$ 120 milhões. Com o objetivo de promover uma assistência privada de base aos componentes do grupo Barreto de Araújo, organizou a criação da Fundação Barreto de Araújo. Em 1983 foi eleito presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB), função que desempenhou até 1992, sendo reeleito várias vezes. Em 1988 admitiu voltar à política, embora cassado pelo AI-5. Em 1994, já afastado da cena pública, Orlando Moscozo recebeu a Medalha Thomé de Souza outorgada pela Câmara Municipal de Salvador. Em 1996 era presidente do Sindicato da Indústria da Extração de Óleos Vegetais e Animais de Produtos de Cacau e Balas no Estado da Bahia, e conselheiro da FIEB, como membro do Conselho de Representantes e suplente de delegado junto à Confederação Nacional da Indústria.

Entusiasta do desenvolvimento econômico do estado, foi ele quem promoveu a substituição da atividade primária que prevalecia, pela atividade industrial, não somente na capital, mas também no interior. Levou a empresa Barreto de Araújo, herdada de seu pai, a grandes iniciativas. Dentre as realizações do seu grupo empresarial destacam-se a maior fábrica de chocolate amargo do mundo, em Ilhéus, fábrica de óleo de mamona, fábricas de papel, fábrica de sucos, em Sergipe, ao todo 18 empresas, além de outros empreendimentos na agricultura e na pecuária. Era um pioneiro em alguns ramos da atividade empresarial na Bahia. Também no comércio, deixou marcas indeléveis de sua atuação, tornando o seu grupo um dos maiores exportadores de cacau, óleo de mamona, chocolate amargo, sucos etc, com escritórios em Londres, nos Estados Unidos e em outros grandes centros da economia mundial. Igualmente na construção civil, teve atuação de destaque, deixando em Salvador vários empreendimentos arrojados, inclusive os conjuntos Antonio Carlos Magalhães e João Durval Carneiro.

Presidente da Federação do Comércio do Estado da Bahia, deixou instalado um centro de preparo profissional do Senac na Rua Dr. J.J.Seabra e um ginásio do Sesc na Av. Castelo Branco. Na presidência da Federação das Indústrias, assinalou a sua passagem por várias iniciativas no campo da formação de mão-de-obra, inclusive através de convênios com instituições estrangeiras e na assistência social aos industriários, culminando com a aquisição de sede própria em que hoje funcionam a Federação, o Sesi e o Senai. No campo da assistência social, criou a Fundação Joaquim Barreto de Araújo, através da qual ajudava a várias instituições sociais de Salvador e prestava assistência aos milhares de empregados das 18 empresas do grupo Barreto de Araújo, sendo uma das últimas instituições a receber a sua ajuda a Fundação Baiana de Cardiologia, presidida pelo próprio Álvaro Rabelo, uma das organizações hospitalares de doenças do coração mais conceituadas do País.

Orlando Moscozo faleceu no dia 17 de outubro de 1996, aos 74 anos. Acometido por um derrame cerebral que o imobilizou no leito de enfermo por longos meses, a Bahia perdeu uma de suas lideranças mais autênticas, quer no empresariado, quer na política. E deixa à Bahia um legado de pioneirismo e ousadia que serve de exemplo às futuras gerações. Durante a breve missa rezada pelo padre Gilberto Luna, não foi esquecida a atuação positiva de Moscozo, um dos maiores entusiastas do desenvolvimento econômico que o estado já teve, com participação efetiva na vida pública, deixou marcas também na indústria, comércio, entre outros setores. O governador Paulo Souto destacou o pioneirismo de Orlando na indústria e o seu papel no desenvolvimento da Bahia, marcando presença significativa na vida empresarial e política do estado. O secretário da Indústria e Comércio, Jorge Khoury, apontou o empresário como responsável pela implantação de um novo estágio econômico na Bahia. “Orlando Moscozo foi um empresário corajoso que participou de várias atividades e ousou expandir o leque de suas empresas criando um estágio novo para o estado”. Para Walter Pinheiro, na ocasião diretor da Tribuna da Bahia e colega de Rotary de Orlando Moscozo, “ele foi um exemplo de liderança política, empresarial e classista, não lhe faltando tempo para atividades sociais e filantrópicas que dignificaram sua pessoa por este mundo”.

16 agosto 2006

O poder dos cinco sentidos (3)


O tato é o nosso sentido mais essencial. É o sentido que apresenta funções e qualidades únicas, mas que, frequentemente se combina com os outros. Afeta todo o organismo, assim como sua cultura e os indivíduos com quem entre em contato. O órgão é a pele que se estende por todo o corpo. Se o tato não fosse uma sensação gostosa, não existiria as espécies, as famílias ou a sobrevivência. Se não gostássemos da sensação de tocar e acariciar as outras pessoas, o sexo não existiria. O tato é a chave da sobrevivência. É o primeiro sentido que se desenvolve no feto e, em uma criança recém-nascida, é automático, sugerindo até mesmo antes que os olhos se abram ou que o bebê comece a ter consciência do mundo que o cerca. Logo depois do nascimento, apesar de não enxergar ou falar, começamos instintivamente a tocar.

O tato ensina-nos que a vida tem profundidade e contornos; faz com que sintam os o mundo e nós mesmos tridimensionalmente. Sem esse intricado conhecimento do mundo, não existiram os artistas, cuja habilidade é fazer mapas sensoriais e emocionais. O sexo é a intimidade em seu grau mais elevado, é o tato em seu mais alto nível. No beijo penetramos a pele um do outro e a mente e o corpo se ativam com deliciosas sensações. Mas o primeiro toque que os namorados trocam, geralmente, é nas mãos. Ou o aperto de mão que continua sendo um a espécie de contrato ou cumprimento comum. O tato é tão importante em situações emocionais que somos levados a tocarmos da maneira que gostaríamos que os outros nos consolassem. As mãos são as mensagens da emoção. O tato é veículo de cura tão poderoso que muitas vezes usamos os profissionais do toque (médicos, cabeleireiros, massagistas, etc). Quando não existe o toque, surge nosso verdadeiro isolamento. O contato aquece nossas vidas.

Na hierarquia dos sentidos, o gosto ocupa o primeiro posto na fase inicial de cada biografia. A primeira interpretação humana é que a criança estabelece ao chupar as coisas. O sábio (palavra de maior prestígio intelectual e humano até há poucos séculos) é o homem que entende de sabores, que sabe a quem sabe as coisas e o que significa isso.

O paladar é sentido íntimo. Não podemos sentir gosto a distância. E o gosto que sentimos das coisas, assim como a composição exata de nossa saliva, pode ser tão individual quanto nossas impressões digitais. Ao longo da história e em muitas culturas, o paladar, ou gosto, sempre teve duplo sentido. Paladar é sempre julgamento ou teste. As pessoas que têm bom gosto são aquelas que apreciam a vida de maneira intensamente pessoal, descobrindo sua parte sublime; o resto não tem gosto. Uma coisa de mau gosto é tida como obscena ou vulgar.

Todas as culturas usam o alimento com o sinal de aprovação ou comem oração. Precisamos comer para viver, da mesma maneira que precisamos respirar. Mas o ato da respiração é involuntário, e a busca da comida não, exige energia e planejamento, para nos obrigar a abandonar nosso torpor natural. Sair de casa pela manhã, ir para o trabalho são para “ganhar o pão de cada dia”, ou, se preferirmos, “merecermos nosso sal”, de onde vem a palavra salário.

A fome sexual e a física sempre estiveram interligadas. Qualquer alimento pode ser julgado afrodisíaco. Aqueles com formas fálicas, como cenouras, pepinos, picles, bananas e aspargos, sempre foram julgados afrodisíacos durante algum período, assim como as ostras e os figos, que lembram os órgãos genitais femininos.

A audição é o quinto sentido. O som engrossa o caldo sensorial de nossas vidas e dependemos dele como auxílio para interpretar, comunicar e expressar o mundo em torno de nós. O espaço sideral é silencioso, mas na Terra, quase tudo produz algum ruído. Os sons cativam tanto a gente que gostamos de ouvir palavras rimadas. A música, o perfume da audição, surgiu provavelmente como um ato religioso, com a finalidade de despertar grupos de pessoas. A música pode agitar ou acalmar, transportando nossas emoções. Escutamos com nossos corpos. É difícil ficarmos parados quando ouvimos música. A música produz estados emocionais específicos compartilhados por todas as pessoas e, como resultado, permite que comuniquem as nossas emoções mais íntimas sem que tenhamos que mencioná-las ou defini-las por meio de uma rede de palavras.

Para Beethoven, a surdez não foi entrave na composição de obras-primas. “Vendo Vozes” de Oliver Sacks (Cia das Letras), o autor conta a história dos surdos e questiona qual a melhor maneira de serem integrados à sociedade. Ariovaldo Franco descreve em sua obra “De Caçador à Gourmet” (Senac) os rituais e costumes que se formaram em torno da alimentação em diferentes civilizações. Já Jean Anthelme Brillat-Savarin aborda em “A Filosofia do Gosto” (Cia das Letras) as origens da gastronomia e do funcionamento do gosto. Para conhecer mais a fundo cada sentido uma obra primordial é “Uma História Natural dos Sentidos”, de Diane Ackerman (Betrand Brasil).

15 agosto 2006

O poder dos cinco sentidos (2)


As maneiras que usamos para deliciar nossos sentidos variam de cultura para cultura. Nossos sentidos transpõem o tempo. Eles nos ligam intimamente ao passado com mais intensidade do que nossas idéias. Vivemos atados por nossos sentidos. Ao mesmo tempo em que nos fazem crescer, eles nos limitam e cerceiam. Temos a necessidade de criar obras de arte para aprimorar nossos sentidos e aumentar as sensações do mundo que nos cerca, para que nós possamos deliciar mais com os espetáculos da vida. Vamos comentar neste segundo artigo de dois importantes sentidos para nossas vidas: a visão e o olfato. O primeiro torna-se mais densamente mais rico quando o percebemos com os olhos, e o poder do olfato sempre foi assunto de povos de todas as culturas.

Vamos começar pelos olhos. Os olhos continuam sendo os grandes monopolizadores de nossos sentidos. Cerca de 70% dos receptores dos sentidos do corpo humano estão localizados nos olhos, e é principalmente por meio da visão do mundo que o podemos julgar e entender. Nossa linguagem está baseada nas imagens. Sem a luz e sem a água a vida existiria? A luz afeta nossos estados de espírito, acelera os hormônios, detona nosso ritmo. Durante as estações em que prevalece a escuridão nas latitudes do norte, aumentam os índices de suicídios, a insanidade surge em vários lares e o alcoolismo torna-se uma constante. Uma característica de nossa espécie é a habilidade de adaptarmo-nos ao ambiente e também de mudá-lo para servir-nos melhor. Quando queremos iluminar o mundo em torno de nós, construímos lâmpadas. Nossas pupilas aumentam naturalmente quando estamos entusiasmados ou excitados.

Há muitas maneiras de ver. O esforço para enxergar projeta uma visão diferente de tudo e de todos. Às vezes as sombras desenham imagens que distorcem a verdade das coisas e das pessoas. E também a visão direta da claridade, sem acostumar os olhos, cegava. Para enxergar bem, é preciso olhar profundamente e isso faz descobrir novas formas e significados e até mesmo outras visões. Os olhos que tudo vêem, não vêm a si mesmos, têm que se adaptar ao desejo de quem olha.

Já os odores detonam suavemente nossas memórias. Basta percebemos um aroma, e as lembranças explodem todas imediatamente. O olfato é o sentido mudo, o que não tem palavras. Vemos somente quando existe luz suficiente, degustamos o paladar quando colocamos coisas na boca, sentimos apenas quando tocamos alguém ou alguma coisa, ouvimos somente quando os sons são audíveis. Mas cheiramos o tempo inteiro, sempre que respiramos. Se cobrirmos os olhos, deixaremos de ver, se taparmos as orelhas, deixaremos de ouvir, mas se bloquearmos o nariz para não sentir mais cheiros, morremos. “Quem dominasse os odores dominaria oi coração das pessoas”, escreveu Patrick Suskind no romance O Perfume.

O olfato está intimamente ligado às emoções, à memória, além de influenciar seu bem-estar, sua imaginação e personalidade. O olfato tem ligação com nosso subconsciente. Os nervos olfativos se ligam com a gente do cérebro que regula a atividade sensório-motora, o sistema límbico. Esta região cerebral é responsável pelos impulsos primitivos de sexo, fome e sede e afeta diretamente o comportamento emocional.

Os cheiros compõem um alfabeto e linguagem particular que têm o poder de provocar reações específicas no corpo e na psique. Assim atingem os mais profundos cantinhos da alma, muitas vezes desconhecidos. Muitos artistas procuram sensações olfativas para estimular a criatividade. Segundo Jean Jacques Rousseau o sentido do olfato é a própria imaginação. O aroma de um pedaço de bolo e uma xícara de chá inspiraram Marcel Proust a descrever, em uma das maiores obras primas da literatura, a recordação infantil de comer bolinhos chamados “madeleines”. O olfato é um sentido muitas vezes menosprezado pela cultura excessivamente visual da atualidade. Os cheiros envolvem-nos, giram ao nosso redor, entram em nossos corpos, emanam de nós. Vivemos em constante banho de odores. O olfato é o mais direto de nossos sentidos. Cada um de nós possui suas próprias memórias aromáticas. O olfato foi o primeiro de nossos sentidos a se desenvolver. Pensamos porque cheiramos.

A cegueira não é empecilho para que o herói do gibi como Demolidor faça justiça. Quem é deveras cego? Pergunta José Saramago (Cia das Letras) no “Ensaio sobre a Cegueira”. Já João Vicente Ganzarolli de Oliveira (Revan) explicita como o belo é concebido pelo cego em “Do Essencial Invisível”. Em “O Perfume, História de um Assassino” (Record), Patrick Suskind busca a fórmula de um perfume ideal, num mundo descrito por odores, enquanto que o poeta Chales Baudelaire em vários poemas do “Flores do Mal”, traz a sinestesia, trabalha muito com o olfato. Isso sem falar na obra maior de Marcel Proust, “Em Buscas do Tempo Perdido”, no qual o odor de uma madeleine no chá traz à tona recordações de infância, inspirou pesquisadores ingleses a investigar a relação olfato-memória, que foi batizada de “proustian phenomena”. O terceiro e último desses artigos sobre sentidos vamos conhecer o tato, o paladar e a audição.

14 agosto 2006

O poder dos cinco sentidos (1)



Ciclo é uma palavra de apenas cinco letras mas muitos significados. No dia a dia vivemos muitos ciclos. A semana, o ano, os meses de gestação, tudo em ciclo. A inspiração e a expiração completa um ciclo que nos mantêm vivos. Em todas as áreas do conhecimento há significados próprios para o ciclo. Os ciclos indicam o fim de uma fase, quando uma termina a outra já começou. Não é o fim de tudo, é o recomeço perene. A idéia do círculo, quer dizer ciclo, simboliza a perfeição exatamente por não ter nem começo e nem fim. A grandeza e importância dos ciclos medem-se pela intensidade dos sentimentos. É esta intensidade que marca o valor das experiências e que nos modifica permanecendo como progresso conseguido.

Na sabedoria chinesa, todo ano a primavera se repete como um a das estações, mas as flores são sempre novas, outras. Se alguém vive bem a experiência de um ciclo, torna-se apto a viver ainda melhor o próximo porque aproveitou e aprendeu com o que viveu na fase anterior. Viver inconseqüente equivale a não ter vivido, não acumulou vivência. A consciência leva a compreensão. Afinal, estar vivo é estar consciente. Se o ciclo não trouxer uma consciência do que fazer de nada nos valerá para o próximo.

As transformações conseguidas num ciclo de experiências vão reorganizar as energias para o próximo ciclo de vida. Assim, a espiral da vida é um momento circular que vamos ascendendo, crescendo na compreensão da vida pelas experiências vividas. O sol, a lua, os elementos da natureza, as estações do ano, o dia e a noite, as horas, todos os seres, tudo está relacionado, nada é separado. E o universo é regido por dois princípios, duas energias opostas e complementares a que chamam de Yin e Yang. Yin é tudo que se concentre, que está no interior, que converge para o centro, que resfria e pacifica.

Yang é tudo o que se expande, se movimenta, aparece e dinamiza. Yin é a energia materializada e Yang é a energia fluída. Yin é a terra, Yang o céu. Yin o escuro, noite, frio, interior. Yang é céu, dia, calor, exterior. Yin é água, Yang fogo. Yin o universo, a lua e a noite. Yang é o verão, sol e o sal. Yin é o conservador, Yang o inovador. Yin é a mulher, Yang o homem, Yin é a intuição e Yang racionalidade. Para cada qualidade Yin, você encontrará uma oposta e complementar Yang. Tanto Yin quanto Yang são necessários.

Para os chineses, entre a água (Yin) e o fogo (Yang) existe a madeira, a terra e o metal. Assim Yin e Yang que são dois se tornam cinco. Na natureza cinco elementos (madeira, fogo, terra, metal e água), relacionados a cinco direções (leste, norte, centro, oeste e sul), relacionados a cinco estações do ano: primavera, verão, canícula (os últimos 18 dias de cada estação), outono e inverno. Cada estação apresenta um dos cinco fatores climáticos: vento, calor, umidade, secura e frio. E na natureza prevalecem cinco cores: verde, vermelho, amarelo, branco e preto. Também são cinco as fases da vida: nascimento, desenvolvimento e crescimento, vida adulta, velhice e morte.

São cinco os órgãos internos do ser humano (fígado, coração, baço, pulmão e rim), cinco as vísceras complementares (vesícula biliar, intestino delgado, estômago, intestino grosso e bexiga), cinco os órgãos dos sentidos (olhos, língua, boca, nariz e ouvidos), cinco os tipos de tecidos (tendões, vasos, músculos, pele e ossos), cinco os sabores (ácido, amargo, doce, picante e salgado) e cinco as emoções relativas ao desequilíbrio de cada órgãos (raiva, euforia, preocupação, tristeza e medo).

O homem, “por meio dos sentidos, suspeita o mundo” (como diz o poeta Bartolomeu Campos de Queirós, Os cinco sentidos), simboliza, se expressa, diz para si mesmo e para o outro. Nossos sentidos não apenas percebem e enviam sinais nervosos para o cérebro, mas dão significados ao que nos cerca, criam, transformam, estabelecem relações, revelam, mostram e se comunicam. Com os olhos, olhamos a vida, imaginamos, acordamos sentimentos, criamos imagens. O olfato e o sabor despertam a memória, fazem o pensamento ir longe entre cheiros e sabores da história individual e coletiva. Com os ouvidos escutamos os sons e os silêncios dos nossos interlocutores e do mundo, nos encantamos e inventamos novos ritmos e melodias.

A pele envolvendo o corpo inteiro, estremece, se arrepia, toca e é tocada, dança, chora, ri, registra e se deixa registrar. Assim, “por meio dos sentidos suspeitamos o mundo”, o recriamos e o damos à compreensão do outro. Todos os sentidos participam de cada linguagem, inclusive o sexto sentido, o que nos faz suspeitar, pois, como revela o filósofo e crítico da modernidade Walter Benjamin, a clarividência, o extra-sensorial estão presentes na linguagem.

11 agosto 2006

Música & Poesia

Ninguém Faz Idéia (Lenine/Ivan Santos)

Malucos e donas de casa
Vocês aí na porta do bar
os cães sem dono, os boiadeiros
as putas, babalorixás

Os gênios, os caminhoneiros
Os sem terra e sem teto, atores, maestros, djs
os undergrounds, os megastars, os rolling stones e o rei

ninguém faz idéia de quem vem lá, de quem vem lá, de quem vem lá,
ninguém faz idéia de quem vem lá,

Ciganas e neo – nazistas, o bruxo, o mago pajé
os escritores de science fiction
quem diz e quem nega o que é
Os que fazem greve de fome
Bandidos, cientistas do espaço
os prêmios nobel da paz
o Dalai Lama, o Mister Bean, burros, intelectuais

Eu pensei: ninguém faz idéia de quem vem lá, de quem vem lá, de quem vem lá,
ninguém faz idéia de quem vem lá,

Os líderes de última hora
os que são a bola da vez
os encanados, divertidos
os tais que traficam bebês
o que bebe e passa da conta
os do cyber espaço, a capa do mês da playboy
o novo membro da academia
e o mito que se auto destroi

Eu sei: ninguém faz idéia de quem vem lá, de quem vem lá, de quem vem lá,
ninguém faz idéia de quem vem lá,

Os duros, os desclassificados, a vanguarda e quem fica pra traz
Os dorme sujos, os emergentes, os espiões industriais
os que catam restos de feira, milicos piratas da rede, crianças excepcionais Os exilados, os executivos, os clones e os originais

É a lei ninguém faz idéia de quem vem lá, de quem vem lá, de quem vem lá,
ninguém faz idéia de quem vem lá,

Os anjos, os exterminadores
Os velhos jogando bilhar, o Vaticano, a CIA, o boy que controla o radar anarquistas, Mercenários, quem é e quem fabrica notícia
quem crê na reencarnação, os clandestinos, os ilegais, os gays, os chefes da nação
Ninguém faz idéia de quem vem lá.



Aquarela (Vinicius de Moraes, Toquinho, Guido Morra e Maurizio Fabrizio)

Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo
Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva
E se faço chover com dois riscos tenho um guarda-chuva
Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel
Num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu

Vai voando, contornando
A imensa curva norte-sul
Vou com ela viajando
Havaí, Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela branco navegando
É tanto céu e mar num beijo azul
Entre as nuvens vem surgindo
Um lindo avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar
Basta imaginar e ele está partindo
Sereno indo
E se a gente quiser
Ele vai pousar

Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida
Com alguns bons amigos, bebendo de bem com a vida
De uma América a outra consigo passar num segundo
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo
Um menino caminha e caminhando chega num muro
E ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está

E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença muda nossa vida
E depois convida a rir ou chorar
Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Vamos todos numa linda passarela
De uma aquarela que um dia enfim
Descolorirá

Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo
Que descolorirá
E se faço chover com dois riscos tenho um guarda-chuva
Que descolorirá
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo
Que descolorirá

10 agosto 2006

Balada de Hugo Pratt, desenhista sem fronteiras

O personagem é fascinante, verdadeira ode a liberdade. Corto Maltese está sempre em busca de aventuras. Para os novos leitores uma oportunidade de conhecer esse marinheiro, “alter ego” do autor. “A Balada do Mar Salgado” está sendo (re) lançada no Brasil pela editora especializada em quadrinhos, a Pixel. È o ponto inicial nos vários títulos do italiano Hugo Pratt que pinta sonhos com as cores da realidade. Nascido em Rimini (a cidade do cineasta Fellini) em 1927, o pequeno Pratt foi levado por seus pais em uma longa viagem pela África, onde entrou em contato com os costumes e tradições culturais que marcariam sua formação. Morou na Etiópia, retornou à Itália, fixando-se na casa da família em Veneza, onde cresceu e se educou. Ingressou na Cruz Vermelha quando estourou a Segunda Guerra Mundial. É ali que faz seus primeiros registros iconográficos, desenhando uniformes, construções e costumes dos países por onde passou.

Quando a guerra terminou, criou com os roteiristas Faustinelli e Ongaro uma revista onde desenhou o personagem Ás de Espadas. Fracasso. Parte então numa viagem pelo mundo como marinheiro. Nos anos 50 desenvolveu junto com o roteirista Oesterheld os personagens Sargento Kirk, Ticonderoga e Ernie Pike. É nessa época que escreve seus próprios roteiros a partir de suas experiências de guerra e de suas viagens pela áfrica.

Em 1967 escreve e desenha o personagem Corto Maltese, um marinheiro romântico do início do século que vive viajando pelo mundo, como seu autor. A suave melancolia do personagem transformou Pratt numa celebridade. Com Corto Maltese, conquistou os mais importantes prêmios mundiais, entre eles o Yellow Kid, conferido pelo Festival de Lucca. Corto foi inspirado em Lord Jim, de Conrad, o escritor de sua juventude. Corto Maltese é uma verdadeira febre na Europa, e foi um sucesso ao ser editado nos EUA sob o aval do jovem mestre dos quadrinhos americano Frank Miller.

Alto, esguio, sempre vestido com uma capa azul de marinheiro acompanhado de um quepe branco com a aba inclinada sobre os olhos, o cabelo negro e a pele morena, brinco na orelha, Corto Maltese, garboso e intrépido aventureiro, é fascinado pelo mar, esse eterno desconhecido. A aventura corre em suas veias. Nascido na Ilha de Malta, na virada do século, cedo descobriu que o mar era o seu meio natural. E rodou meio mundo perseguindo seus ideais. Forneceu armas para os exércitos de Zapata e Sandino. Lutou pela libertação da Etiópia das mãos dos colonizadores europeus. Organizou o cangaço em seu combate ao coronelismo no sertão brasileiro.

A trajetória se inicia com “A Balada do Mar Salgado” (lançado no Brasil pela L&PM e agora relançado pela Pixel) onde mistura ação, história, filosofia e misticismo. De lá para cá o marinheiro romântico e aventureiro participou de várias histórias na companhia de muitos personagens, entre os quais se destacam Rasputim (um bandido sanguinário), o professor Steiner (um cientista), Cush, o Etíope (guia do deserto), Tarao (indígena da Nova Zelândia), Duquesa Marina Seminova (aristocrata e cativante), Shangai Lil (jovem ativista da seita dos Lanternas Vermelhas) e Boca Dourada (feiticeira baiana). Em suas andanças, Corto também encontra diversas figuras históricas como Jack London (jornalista e romancista americano), John Reed (cuja vida salva durante um motim), Stalin (que lhe salva a vida), o Barão Vermelho, Butch Cassidy, Sundance Kid e Herman Hesse. Pratt tem um desenho muito particular, marcado pelo traço quase cinematográfico, e suas histórias têm um forte conteúdo literário e poético.

Os álbuns com suas aventuras são as mais autênticas graphic novels (quadrinho com estrutura de romance). Afinal o fôlego de romancista é a marca registrada de seu estilo. Quando se pôs a serviço de Corto e passou a mapear suas aventuras, partiu numa viagem sem volta em busca do sentimento da natureza humana. A necessidade de aventuras de Corto passou a ser a sua própria. Pratt visitou muitas vezes o Brasil, teve vários amigos na Bahia com os quais se correspondia. Basta ler as séries “Sob o Signo de Capricórnio” e “Corto Malteses na Amazônia”. A exemplo de seu marinheiro de argola na orelha, que escolhe o destino desenhando uma linha da vida na palma da mão, à navalha (lembram de sua história quando garoto?), Pratt “parte à procura de si mesmo em lugares conhecidos”. Há algo de alquimia, de colecionador neste ficcionista que revisita perpetuamente a vida, suas certezas e sonhos. E, de passagem, ver “contando histórias de uma geração apaixonada pela existência, pois possuía o sentimento de haver sobrevivido”.

Nossas editoras demoraram para publicar algo mais desse profundo marinheiro. Restaram as publicações portuguesas das Edições 70 e distribuídas pela Martins Fontes. Agora, em boa hora a Pixel publica seus álbuns. Vamos aguardar: "Sob o Signo do Capricórnio", "As Célticas", “Corto Maltese na Etiópia", "Corto Maltese na Sibéria", "Fábula de Veneza", "A Casa Dourada de Samarcanda", "Tango", "Mû", “As Mulheres de Corto” (que reúne todas as personagens femininas que se envolveram com ele), e “O Labirinto de Corto Maltese”, livro esotérico listando todos os lugares, culturas e mitos que o personagem conheceu em suas viagens.

Aclamado como um dos maiores autores das histórias em quadrinhos de todo o mundo, Hugo Pratt faleceu em1995, na Suiça, mas sua obra artística permanece sendo continuamente republicada em todas as partes do mundo. (Gutemberg Cruz)





09 agosto 2006

Oito jeitos de mudar o mundo

A Organização das Nações Unidas (ONU) em conjunto com 191 países, inclusive o Brasil, estabeleceu no ano 2000 os oito objetivos de desenvolvimento do milênio. A Declaração do Milênio foi aprovada pelas Nações Unidas em setembro de 2000. O Brasil, em conjunto com os países-membros da ONU, assinou o pacto e estabeleceu um compromisso compartilhado com a sustentabilidade do Planeta. Os Objetivos do Milênio é composto por oito macro-objetivos, a serem atingidos pelos países até o ano de 2015, através de ações concretas realizadas entre governo e sociedade. É o conteúdo da Semana Nacional pela Cidadania e Solidariedade.

As oito formas de mudar o mundo serão os parâmetros para que cada brasileiro faça algo na sua comunidade, no seu espaço de atuação e de vivência, doando-se um pouco mais num projeto nacional de solidariedade e ajudando a transformar a sociedade em que vive e melhorar a qualidade de vida de sua região São elas 1. Erradicar a extrema pobreza e a fome. 2. Atingir o ensino básico universal. 3. Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres. 4.Reduzir a mortalidade infantil. 5 Melhorar a saúde materna. Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças. 7. Garantir a sustentabilidade ambiental, e 8.Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento.

O primeiro objetivo visa reduzir pela metade o número de pessoas que ganham menos de um dólar por dia e que passam fome. Pobreza extrema afeta cerca de um bilhão de seres humanos, e a fome, 815 milhões. O segundo objetivo é permitir que todas as crianças, meninos e meninas igualmente, terminem o ensino primário. A ONU calcula que há 115 milhões de crianças sem escolaridade nos países em desenvolvimento.

O terceiro é permitir que as meninas freqüentem todos os níveis de escolarização, em número igual ao dos meninos. A igualdade entre sexos é um princípio assumido cada vez mais pelos países, apesar das importantes barreiras legais, econômicas, culturais e sociais com que a mulher ainda se defronta. O alvo do quarto objetivo é reduzir em dois terços o número de mortes de crianças com menos de cinco anos. A ONU calcula que 11 milhões de pessoas – 30 mil por dia – morrem antes de chegar a essa idade.

Um dos alvos do quinto objetivo é reduzir em três quartos o número de mulheres que morrem durante o parto. A cada ano, mais de 50 milhões de mulheres dão à luz sem ajuda. O parto tem sido a causa de morte de centenas de mulheres. As causas mais comuns das mortes são: 25% hemorragia (sangramento excessivo), 15% infecção, 13% abortos arriscados, 12% eclâmpsia (uma doença perigosa no final da gravidez, com pressão alta e convulsões) e 8% parto obstruído.

O sexto objetivo é interromper e começar a diminuir a propagação do vírus da imunideficiência humana (HIV, na sigla em inglês) e a incidência de malária e outras doenças graves até 2015. Garantir a sustentabilidade, ou seja, promover o desenvolvimento com o uso racional dos recursos naturais, assegurando a qualidade de vida da população e a sobrevivência das gerações futuras, é o grande alvo do sétimo objetivo de desenvolvimento do milênio. O Brasil possui 30% das florestas tropicais e 12% da cobertura florestal restante no mundo, 13,7% do total de água doce superficial do planeta e a maior biodiversidade da Terra. Assim, conseguir o desenvolvimento sustentável com a conseqüente redução das desigualdades sociais é uma questão de sobrevivência para o país e para toda a humanidade.

O último objetivo, o oitavo, está voltado para os governos do Norte e consistem em grandes aumentos na assistência de desenvolvimento, no alívio da dívida em países pobres em recursos e na criação de um sistema de comércio internacional justo. Quase 90% da dívida do terceiro mundo continua. Os países do Sul continuam a pagar $200 milhões de dólares por dia com o serviço da dívida. A maioria dos países ricos está longe de cumprir a sua promessa de assistência de 0,7 por cento da receita nacional. Se os países ricos honrassem a sua promessa, os $120 bilhões de dólares gerados por ano seriam suficientes para reduzir a pobreza pela metade. O sistema de comércio internacional continua a favorecer os países ricos e as empresas poderosas. As regras do comércio injusto roubam dos países pobres £1,3 bilhões de libras esterlinas a cada ano – 14 vezes o que eles recebem em assistência.

Criar uma consciência nacional entre os diversos segmentos da sociedade sobre o significado e a importância do alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio até 2015, não é uma tarefa fácil, porém não impossível. Cada parcela da sociedade pode exercitar sua cidadania e solidariedade ao incentivar e desenvolver ações voluntárias em prol de iniciativas pontuais no bairro, na cidade, unindo-se na tarefa de contribuir para a mudança do mundo. O alcance de forma sustentável dos Objetivos do Milênio se dá pelas clássicas políticas e inclusão social: educação pública de qualidade; saúde pública de qualidade; assistência social como direito e não como favor; geração de trabalho e renda, todas complementadas por uma política pública ainda pouco valorizada no debate sobre o combate sustentável à pobreza: acesso à justiça ágil e de qualidade.

08 agosto 2006

O poder da palavra

Uma escritora que tem pleno domínio do ofício, uma verdadeira artesã da palavra, Adriana Falcão assim escreveu: “As palavras têm corpo e alma mas não são diferentes das pessoas em vários pontos. As palavras dizem o que querem, está dito e ponto. As palavras são sinceras, as segundas intenções são sempre das pessoas. A palavra puro não mente. A palavra mando não rouba. A palavra cor não destoa. A palavra sou não vira casaca. A palavra liberdade não se prende. A palavra amor não se acaba. A palavra idéia não muda. Palavras nunca mudam de idéia”.

Palavras são chicotes, palavras são carinhos, as palavras podem mudar radicalmente de efeito, mas nunca serão desprovidas de algum poder de mexer com a realidade, e com as pessoas que fazem parte dessa. Não é só escritores e jornalistas que possuem o atributo de escrever. A fórmula simples e sedutora de agrupar palavras ultrapassa, cada vez mais, as barreiras dos diários, para atrair público diversificado.

Estudantes, médicos, advogados, engenheiros, todos buscam um estilo simples, claro, agradável de escrever. A escrita é um instrumento pessoal, mas, em função das mudanças da língua, somos influenciados até pela internet. Somos poliglotas da nossa língua. Reparem em um jornal, por exemplo, o horóscopo é uma língua, o editorial é outra, os artigos seguem determinado estilo. O estilo é o homem quem faz, cada um tem seu texto.

“As gramáticas classificam as palavras em substantivo, adjetivo, verbo, advérbio, conjunção, pronome, numeral, artigo e preposição. Os poetas classificam as palavras pela alma porque gostam de brincar com elas e pra brincar com elas é preciso ter intimidade primeiro. É a alma da palavra que define, explica, ofende ou elogia, se coloca entre o significante e o significado pra dizer o que quer, dar sentimento às coisas, fazer sentido”, escreveu Adriana Falcão.

Para Falcão as palavras agem, sentem e falam por elas próprias. E enumerou: “A palavra nuvem, chove. A palavra triste, chora. A palavra sono, dorme. A palavra tempo, passa. Porta é uma palavra que fecha. Janela é uma palavra que abre. Existem palavras que dispensam imagens: nunca, vazio, nada, escuridão. Existem palavras sozinhas: eu, um, apenas, sertão. Existem palavras que são palavrão. Existem palavras pesadas: chumbo, elefante, tonelada. Existem palavras doces: goiaba, marshmallow, quindim, bombom. Existem palavras que andam: automóvel. Existem palavras imóveis: montanha”.

Na música popular brasileira, por exemplo, Chico Buarque tem o dom de descrever sentimentos como quem vive cada dor ou alegria, um verdadeiro modelador de palavras. Caetano Veloso na canção “Outras Palavras” declamou: “Nada dessa cica de palavra triste em mim na boca/travo, trava mãe e papai, alma buena, dicha louca/neca desse sono de nunca jamais nem never more/sim, dizer que sim pra Cilu, pra Dedé, pra Dadi e Dó/crista do desejo o destino deslinda-se em beleza:/outras palavras”. Já Cássia Eller em “Palavras ao Vento” cantou: “Ando por aí querendo te encontrar/em cada esquina paro em cada olhar/deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar/que o nosso amor pra sempre viva, minha dádiva/quero poder jurar que essa paixão jamais será//Palavras apenas/palavras pequenas/palavras momento”.

Saindo do lado poético para o lado discriminatório, das palavras injuriosas, agressivas. Há palavras e expressões que carregam uma visão racista do mundo e deveriam ser evitadas, como por exemplo “preto de alma branca” ou “a coisa ficou preta”. Há outras palavras cujo sentido ofensivo existe apenas na cabeça preconceituosa de quem as pronuncia. É o caso de “negro” e de “comunista”. Agora essas palavras quando ditas com intenção de agredir, são acompanhadas de adjetivos pejorativos. Exemplos: “negro safado”, “comunista sem vergonha”. E o uso do termo deficiente para designar privação física é outro termo humilhante.
Esse assunto do banimento de determinadas palavras e expressões discriminatórias foi muito discutido com a polêmica da divulgação de uma cartilha politicamente correta. Mas existe uma outra frente de luta lingüística – a da língua inclusiva. Trata-se de buscar através da linguagem a inclusão de grupos discriminados. Defensores da linguagem inclusiva evitam usar o plural no masculino quando se referem a um grupo de homens e de mulheres. Em vez disso, optam por construções que evitam a distinção de gênero.

Todas essas ações geram reflexões e debates, importantes para a conscientização do povo quanto às desigualdades e preconceitos contidos em nossa linguagem. Sabemos também que a linguagem é preconceituosa, por si só, tudo depende muito mais do leitor, quem tem a liberdade de interpretação, de que do escritor. A linguagem embute significados, tem uma carga enorme de cognições e exatamente tudo isso é riquíssimo. Agora, o bom senso é sempre necessário. É bom e a gente gosta.

07 agosto 2006

Pasolini, o diagnosticador dos tempos



Píer Paolo Pasolini (1922/1975), artista que hoje se chamaria de um multimídia – era prosador, poeta, repórter, articulador, pintor, e “também” cineasta. Quer dizer, o cinema era um meio de expressão, entre outros. E esse meio lhe servia para dar forma a uma posição determinada diante do mundo. Posição de esquerda, porém fora da esquerda oficial. Libertária do ponto de vista sexual, provocativa em política, conservadora na religião. Ele queria captar o discurso do povo e não fazer um discurso sobre o povo. Seus filmes mostram a disposição de encontrar essa força primitiva que viria dos estratos populares, livre de contaminação da cultura de elite. Forças primais, as forças da saúde – o sexo, a fome, o riso, o prazer em todas as suas formas, mesmo as mais escatológicas.

Pasolini nunca foi uma unanimidade, mas foi, incontestavelmente, um personagem decisivo da cena cultural italiana e não apenas da cinematográfica. Como Glauber Rocha no Brasil, ele foi acima de tudo um agitador. Revolucionou – e talvez tenha convulsionado – a estética e a política. Emerge do neo-realismo do após-guerra e mescla temas sociais a um cristianismo popular muito à sua feição. Ele é um retratista de primeira da periferia romana, como se vê em “Desajuste Social” (1962), e “Mama Roma”. Seu “Evangelho Segundo São Mateus” mostra um Cristo revolucionário e a crítica política em “Gaviões e Passarinhos”. Em “Teorema” é a sexualidade que vem desarranjar a sonolenta estabilidade da família burguesa. Da mesma forma, os filmes míticos como “Medeia” e “Édipo Rei”, seriam buscas de salvação na luta de classe sem-fim.

Enquanto o homem moderno acostumou-se a tratar com desdém a Idade Média, chamando-a de época das trevas, Pasolini lançou a sua trilogia da Vida como “Decameron”, “Os Contos de Canterbury” e “As Mil e Uma Noites” onde haveria alguma esperança no homem. Para ele, a idade da escuridão era esta, a nossa, a do capitalismo e da sociedade de consumo. Essa profecia do caos ele a realizou por completo no filme que acabou como sendo seu testamento, “Saló”, no qual identifica o fascismo com a obra de Sade. Ele fala da cidade de Saló, onde Mussolini fundou a República Social Italiana, sob proteção alemã, em 1943, já no epílogo da sua aventura. O filme é trágico, profético e fundamental.

“Pasolini foi um crítico radical da sociedade de seu tempo”, afirma a professora da Unicamp, Maria Betânia Amoroso no livro Píer Paolo Pasolini (Cosac & Naify). “Ele foi um dos que, por primeiro, souberam enxergar a virada irreversível do mundo”. A estudiosa preferiu tratar, entre as várias facetas de Pasolini, a do “diagnosticador” dos tempos que viriam, ressaltando os dois pontos que ele defendeu ao longo da vida. “O primeiro é que, para ele, o mundo está constituído de forças contrastantes, sem que, todavia, isso signifique o conformismo estéril; e o segundo é que a arte exige conhecimento prévio e técnico, não sendo ato de pura vontade nem dom natural. Quando fez crítica à ideologia, nunca foi cínico”. Ele radicalizou, como poucos pensadores, o discurso anticomunista e antifascista. Teve a intuição do que seria o mundo globalizado e o criticou com veemência. É esse seu maior legado.

Nos seus filmes, Pasolini se deslocava e se distanciava cada vez mais dos centros industriais. Suas criações desse período foram instrumentos de uma batalha desesperada contra a degradação neocapitalista do mundo. Temos, por exemplo, contra o materialismo burguês, o senso metafísico e o irracionalismo religioso em O Evangelho Segundo São Mateus (1964) e em Teorema (1968); contra o racionalismo pragmático, a magia e a força do irracional e do mito em Édipo-Rei (1967), Medéia (1970) e nas Notas por uma Oréstia Africana (1970); contra a ideologia do desenvolvimento e da eficácia tecnológica, o caos e a barbárie em Pocilga (1969). A partir de 1970 ele resolveu lutar contra seu pessimismo e consagrou sua “trilogia da vida” à exaltação da realidade corporal simbolizada no corpo nu e no sexo nos filmes Decameron (1971), Os Contos de Canterbury (1972) e As Mil e uma Noites (1974). O sexo é também o principal protagonista de Saló, ou Os 120 Dias de Sodoma (1975), o último filme de Pasolini. O sexo, não como fonte de prazer, mas como objeto de tortura: é com esta imagem da desrealização fascista do corpo – isto é, justamente do último reduto da realidade – que Pasolini compõe o retrato final do seu mais absoluto desespero.

Talvez o filme mais deliberadamente abusivo produzido por um diretor de primeira linha, Saló mostra perversões sexuais tão cruéis que uma cena comum de amor heterossexual logo é punida com a execução dos amantes. Apesar do realismo apocalíptico ser a tônica da narrativa de Saló, a força ficcional tem inspiração no romance Os 120 Dias de Sodoma, de Marquês de Sade, que faz Pasolini aproximar sadismo e fascismo como práticas correntes do mundo moderno. Ambos, para ele, refletem a economia política e o aviltamento consumista da sexualidade. Pasolini sintetiza sua luta contra o terror – da direita e da esquerda. É o grito contra o poder e sua força de manipulação, contra a violência ao pensamento e à mercantilização do corpo, no sentido do aprisionamento às regras de uma sociedade de consumo. Talvez o filme mais cruel, o grau máximo da ficção cotidiana mais subversiva em seu poder de crítica e desespero que o cinema produziu no século XX. Foi o último delírio de Pasolini.

04 agosto 2006

Música & Poesia

Do It (Lenine/Ivan Santos)

Tá cansada senta
Se acredita tenta
Se tá frio esquenta
Se tá fora entra
Se pediu agüenta

Se sujou cai fora
Se dá pé namora
Tá doendo chora
Tá caindo escora
Não tá bom melhora

Se aperta grite
Se tá chato agite
Se não tem credite
Se foi falta apite
Se não é imite

Se é do mato amanse
Trabalhou descanse
Se tem festa dance
Se tá longe alcance
Use sua chance

Se tá puto quebre
Ta feliz requebre
Se venceu celebre
Se tá velho alquebre
Corra atrás da lebre

Se perdeu procure
Se é seu segure
Se tá mal se cure
Se é verdade jure
Quer saber apure

Se sobrou congele
Se não vai cancele
Se é inocente apele
Escravo se rebele
Nunca se atropele

Se escreveu remeta
Engrossou se meta
Quer dever prometa
Pra moldar derreta
Não se submeta

José (Carlos Drummond de Andrade)


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, proptesta?
e agora, José?


Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?


E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?


Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?


Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você consasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!


Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

03 agosto 2006

Mãe Hilda


Hilda Dias dos Santos nasceu na Quinta das Beatas, atual bairro de Cosme de Farias, em Brotas no dia 06 de janeiro de 1923, e foi para o Curuzu com os pais, ainda menina, em 1930. Ali tornou-se ialorixá, assumindo a missa para a qual fora destinada desde o nascimento. “Entrei no Candomblé porque era uma pessoa muito doente. Podia sentir-me mal em qualquer lugar, tanto fazia estar na alegria como na tristeza. E por esse motivo, indo pro médico não tendo solução, fui parar realmente num lugar que praticamente apesar de meus parentes serem todos de Candomblé, e eu já ter o meu começo, mas que não eram de acordo que eu entrasse, mas fui me bater na casa de uma pessoa (Cassiano), aí me tratei, daí pra cá fiquei boa, fazendo santo e assumindo”, declarou no seu livro autobiográfico. Casou, teve seus filhos, dos quais uma faleceu, e tem oito netos. O pai de santo da ialorixá Hilda era da nação Gegê Marin, chamava-se Cassiano Manoel Lima, sua Digina era Gegê, cujo terreiro era localizado na Caixa D’Água. O nome Jitolu foi dado a mãe Hilda no dia 24 de dezembro de 1942. Depois da morte do pai de santo de Mãe Hilda, ela começou as suas obrigações no Terreiro Cacunda de Iaiá, com Mãe Tança.

Suas obrigações de 03 a 25 anos com o pessoal do Terreiro Cacunda de Iaiá foram todas feitas na casa de Mãe Hilda. Ela teve de lutar muito, vender comidas em obras, em fábricas para juntar dinheiro e fazer o Terreiro. Assim nasceu no dia 06 de agosto de 1952 o Terreiro Ilê Axé Jitolu. Uma instituição muito importante para o Brasil e que está ligada a esta casa é o Ilê Aiyê, a primeira instituição brasileira a mostrar a identidade negra. “O nome foi escolhido, em Yorubá, justamente um nome que é adequado e se usa dentro do axé, um nome de uma casa. Bom, essa Casa ia reunir vários membros, então dá esse nome, se idealizou, combinou, eu vi que era uma coisa que realmente é o destino do povo negro que estava em jogo, aplaudi as opiniões da mentalidades deles. (...) Então eu disse: muito bem, é Casa, vocês vão abrigar seus amigos, seus colegas, aquelas pessoas. Então é o negro da Casa Grande. Ilê Aiyê quer dizer a casa universal, para todos, é a Senzala do Barro Preto no Curuzu. Taí o Ilê Aiyê então o que eu faço é zelar, pedir licença aos orixás”.

Mãe Hilda teve participação decisiva para o surgimento do primeiro bloco afro no Brasil. Deu apoio ao filho, Antonio Carlos Vovô, na criação de bloco, em 1974. Trata-se da primeira entidade cultural na Bahia a se propor fazer um trabalho voltado para restabelecer a auto-estima e a identidade negras. A ialorixá se coloca como o esteiro natural de sustentação da arrojada iniciativa. Mãe Preta do Curuzu, cantada em numerosos versos pelos compositores do bloco, a ialorixá e a personagem principal na cerimônia de saída do Ilê Aiyê a cada carnaval. Em 1975 foi o primeiro ano que o bloco foi para rua. A cada ano o Ilê participa também da festa da Lavagem do Bonfim.

Hilda foi a primeira mãe-de-santo a subir a Serra da Barriga para fazer homenagem a Zumbi, em 1980. Nos anos 80, Mãe Hilda amplia a ação social do terreiro abrindo as suas portas para o funcionamento de uma escola primária - a Escola Mãe Hilda. Foi a experiência dessa escola que permitiu em 1995, o surgimento de uma proposta arrojada em termos de educação pluricultural: o Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê que atua em escolas públicas do bairro da Liberdade e nas escolas mantidas pelo bloco. Em 1993 foi celebrada uma grande festa em comemoração aos seus 50 anos de santo. Na ocasião foi lançado um selo e um cartão postal para a Mãe Preta do Ilê. No dia 20 de novembro de 1995, Mãe Hilda Jitolu recebeu da prefeita de Salvador, Lídice da Mata, a Medalha Dois de Julho: “Considerando que o Dia Nacional da Consciência Negra, esse ano se reverte de caráter especial, por se comemorar os 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares. Considerando tratar-se de personalidade, cujas atividades profissionais nas áreas culturais, artísticas, religiosas e científicas reflete os ideais libertários de Zumbi no resgate da cidadania, da dignidade, da igualdade ou da cultura afro brasileira, considerando que as personalidades sob referência representam as mais altas expressões de nossa sociedade, quer em sua ação prática, quer no desempenho de sua função criativa, contribuindo para uma melhor compreensão da história do nosso povo e de seus valores espirituais, considerando para uma melhor compreensão da história do nosso povo e de seus valores espirituais, considerando que essas personalidades em momentos diversos e com invulgar brilho vem projetando a Cidade de Salvador no cenário nacional e até internacional como pólo de cultura permanente libertária, resolve artigo primeiro conceber a medalha 02 de Julho em ouro as personalidades a seguir nomeadas entre outras a Iyalorixá Hilda Dias dos Santos, Mãe Hilda Jitolu do Ilê Axé Jitolu”.

Em 1996 ela lançou o livro autobiográfico “Mãe Hilda - A História da Minha Vida”, no qual conta a sua trajetória existencial, desde a iniciação religiosa, nos anos 40, a luta pessoal para criar os cinco filhos e, ao mesmo tempo, estruturar o seu terreiro, no Curuzu (Liberdade), até suas ações sociais a partir dos anos 70, que incluem a criação do Ilê Aiyê, as oferendas a Babá Zumbi dos Palmares, na Serra da Barriga, a Escola Mãe Hilda, a Banda Erê e o Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê. A professora da Uneb, Ana Célia da Silva (filha de santo da ialorixá), que organizou o livro com a também professora Maria de Lourdes Siqueira, afirma que o que mais chama a atenção na obra, além da crônica da experiência de vida da mãe espiritual do Ilê Aiyê, é a extrema fé da ialorixá e o exemplo dado por ela, de como a mulher negra, mesmo sem as mínimas condições, pode chegar até onde ela chegou, somando conquistas importantíssimas para a sua comunidade. Mãe Hilda de Jitolu é, hoje, a grande Mãe Preta da Bahia e do Brasil. Com mais de 50 anos de santo dedicados ao trabalho de preservação e expansão do patrimônio cultural africano no Brasil, ela é herdeira direta da tradição de luta empreendida por Zumbi e seus guerreiros.