23 outubro 2017

EXTERMÍNIO (ou a arte de não ver)

A história é crônica da destruição e das ruínas das coisas corroídas pelo tempo. A história é massacre que o presente sem memória converte em progresso. O historicista procura empatia com o vencedor. Os que conseguiram a vitória participam do cortejo triunfal que conduz os dominadores de hoje a tal posição na medida em que passam sobre os vencidos que jazem no chão.


O contato entre culturas diferentes, no passado, foi trágico. O engajamento europeu com os povos nativos das Américas foi trágico. A Europa enriqueceu com os genocídios nas Américas. Em 1492, cerca de 100 mil povos nativos viviam nas Américas. No fim do Século XIX, quase todos eles tinham sido exterminados.

Quando os espanhóis chegaram nas Américas, destruíram tudo e todos que encontraram pelos caminho. Colombo fez pior que Hitler e a História esconde esses fatos. Mataram, estriparam, queimaram, vivos. Esses conquistadores espalharam sua missão civilizatória ao longo das Américas Central e do Sul matando todos os povos indígenas.


Os missionários franciscanos usaram trabalhos escravos em campos de concentração e exterminaram milhares de povos. Os que cometeram atrocidades foram credenciados como heróis. E o Vaticano beatificou muitos desses assassinos. Política e religião quando se junta, haja exterminação.

E o abatedouro continuou até chegar nos dias atuais onde o princípio do genocídio que o oponente é melhor oprimido quando não podemos vê-lo continua. “Nós nos tornamos todos hábeis na arte de não ver”.




22 outubro 2017

Brasil, revisão de uma história (IV)

NAZISTA - Nos anos 30, para quem não se lembra, abrigamos o maior partido de apoio a Hitler fora da Alemanha. Muitos dos imigrantes alemães nazistas eram espiões. São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro entre outros, saudavam a Alemanha de Hitler. Em Salvador, por exemplo, no bucólico bairro da Saúde chegou a morar um desses espiões (dizem a lenda, se desejar vá pesquisar e relatar tal fato). O presidente Getúlio Vargas gostava da Alemanha e não decidia que lado o Brasil ia apoiar na Segunda Guerra Mundial. Sua decisão chegou quando submarinos alemães bombardearam navios brasileiros em agosto de 1942. Então Getúlio declarou guerra a Hitler e Mussolini. As armas secretas no exterior de Hitler (no caso Brasil) estavam nas escolas, clubes e no alto do morro de Santa Tereza (vixe Maria!).


Em 1964, com a tomada do poder pelos militares, ocorreram mudanças que marcaram profundamente duas ou três gerações de brasileiros, até os dias de hoje. Por um lado os militares privilegiaram o desenvolvimento econômico, dispostos que estavam a transformar o Brasil em uma potência emergente. Mas, por outro lado, através de uma série de "Atos Institucionais", suspenderam direitos políticos, eliminaram a possibilidade da população eleger o Presidente da República e os Governadores dos Estados, instauraram uma política de censura, cerceando a liberdade de expressão, e iniciaram uma fase de repressão e perseguições políticas. (Mais sobre o assunto leia “As Ilusões Armadas- A Ditadura Envergonhada”, de Elio Gaspari, Cia das Letras).



JUSCELINO - Veio o Presidente Juscelino Kubitschek que fez o país acreditar que estava entrando no primeiro mundo. Sorridente e jovial ele prometeu fazer o Brasil saltar 50 anos em 5. E se o antecessor queria que todas as grandes empresas que operasse no Brasil fossem nacionais, Juscelino saiu em busca de empresas de todo lugar do mundo para priorizar áreas de energia, industria, transporte, alimentação e educação.. A Volkswagem começou a fabricar aqui Fuscas e Kombis. As pessoas passaram a ter em casa liquidificadores, vitrolas, geladeiras, enceradeiras, televisores. Foi uma grande empolgação.



As rodovias asfaltadas triplicaram, construíram hidrelétricas, Brasília surgiu como a cidade mais moderna do planeta, mas a felicidade estava chegando em um final não tão feliz assim pois o país endividava demais. O governo gastava muito mais que arrecadava e o dinheiro estrangeiro não foi suficiente para segurar o rombo. A inflação saltou de 19% para 30% ao ano (1958). Nas eleições Juscelino estava mal e em 1964 um golpe militar mudou todo o cenário.(Leia: “Feliz 1958 o ano que não devia terminar”, de Joaquim dos Santos, editora Record para sacar mais sobre o assunto) Fecha as cortinas!. O resto você deve ter acompanhado...

21 outubro 2017

Brasil, revisão de uma história (III)

Após abolição da escravidão em 1888, a necessidade de mão de obra, para a agricultura,principalmente a do café, em substituição ao trabalho escravo, abriu espaço para a imigração em larga escala. Até fins da década de 1940 estima-se que o Brasil recebeu aproximadamente 5 milhões de imigrantes. Deste total,  2/3 foram constituídos por italianos, portugueses e espanhóis. No 1/3 restante contam-se principalmente alemães e japoneses, e grupos menores de russos, sírio-libaneses e outros. Em anos mais recentes, após a segunda guerra mundial,  novos contingentes de imigrantes coreanos, chineses e de países sul-americanos, como Bolívia e Paraguai aportaram ao Brasil.


Deste modo, a formação da cultura brasileira encontra fortes raízes nas culturas europeia, indígena, negra além de influências orientais, moldando o brasileiro como indivíduo versátil e adaptável, aberto ao contato e a apreciação das mais diversas influências culturais.


INDEPENDÊNCIA – Com a exploração dos nossos tesouros o Brasil ganhou mais habitantes, alguns deles bem mais ricos e o país mais pobre. A população de Minas Gerais viveu no final do século 17 uma vida agitada. Por causa do ouro, centenas de pessoas mataram e morreram (filmes de bangue bangue perde para esse cenário). E por estar mais perto das minas, o Rio de Janeiro passou a cidade de Salvador para trás e se tornou a capital. Mas a população pobre começou a se movimentar insatisfeita e, entre poema satírico e carta contra o governo, surgiram os primeiros movimentos pela independência.

A monarquia brasileira durou 67 anos e foi uma época confusa. O imperador reinava aqui e em Portugal, fomos até governados por um garoto de 14 anos. Diversos ministros vieram e caíram. Pedro I proclamou a Independência e ninguém ficou sabendo. O Brasil era uma colônia composta por regime muito diferentes. Várias revoluções explodem em todo o país a partir de 1835: Farroupilha (Rio Grande do Sul), Revolta dos Malês (Bahia), Cabanagem (Pará).



MILITARES - Em 1864 começa a Guerra do Paraguai e a vitória aumentou o sentimento de que formávamos uma só povo. Mas em 1889 os republicanos tramavam um golpe e Dom Pedro II é deposto, o império cai e o marechal Deodoro da Fonseca assume. Começa então o período da República. Assim quando um marechal do Exército, herói da Guerra do Paraguai derrubou o imperador, nosso país passou a conviver coma grande influência dos militares. Foi com a ajuda dos militares que Getúlio Vargas assumiu a presidência, e foi por causa deles que caiu, em 1945. E a caserna garantiu a posse de alguns presidentes e chegou ao auge do poder em abril de 1964. Começava então o mais longo período de ditadura da nossa história republicana.


É bom lembrar que até o final da Guerra do Paraguai (1870) não valia a pena ser militar no Brasil. Desde que foi criado o Exército e a Marinha ir para lá era um castigo reservado para as pessoas pobres acusadas de delinquência ou vadiagem. O conflito no país vizinho forçou o Império a criar um exército de verdade. Com a vitória no Paraguai surgiram os heróis Duque de Caxias e o marechal Deodoro da Fonseca. Eles voltaram da guerra querendo mais poder. Conseguiram através de conspirações, tramoias e sabe lá o quê...






20 outubro 2017

Brasil, revisão de uma história (2)

ESCRAVIDÃO - De início, a exploração das novas terras deu-se preferencialmente pela extração de pau-brasil. Com a expansão da presença portuguesa e o cultivo da cana de açúcar os primeiros colonos passaram a escravizar os indígenas para o trabalho agrícola. Por volta da segunda metade do século XVI, a dizimação das populações indígenas pelas doenças trazidas pelos europeus (gripe, varíola, sarampo) e pelos conflitos, aliada à dificuldade de adaptação dos indígenas ao trabalho escravo, levou os primeiros colonos à utilização de escravos negros. Do século XVI ao século XIX, estima-se que de 3 a 4 milhões de africanos foram trazidos ao Brasil.

A partir da segunda metade do século XVI, tornou-se marcante a presença dos jesuítas no trabalho de conversão dos indígenas ao catolicismo e fundando aldeias comunitárias similares às missões presentes na América espanhola. De modo geral, os primeiros colonos chegaram com ânimo de exploração, motivados pelas perspectivas de fazer fortuna com a extração das riquezas da terra. Esta circunstância deixou profundas marcas em nossa formação, por ser determinante na orientação das políticas coloniais da coroa portuguesa.


BANDEIRANTES - Filhos de portugueses com mulheres brasileiras, os bandeirantes descobriram terras que nenhum homem branco tinha visto. Durante 200 anos, entre os séculos 17 e 18, eles se embrenharam no mato para buscar índios, que capturavam para usar em suas próprias fazendas ou vender como escravos. Graças a eles, o Brasil ficou muito maior do que deveria ser, já que o Tratado de Tordesilhas, assinado entre Espanha e Portugal em 1494, dava aos portugueses só o nosso litoral. Os bandeirantes aumentaram o tamanho do nosso país, mas também provocaram um rombo de população. Cometeram o maior assassinato em massa do país. Mataram e prenderam tantos índios que o nosso interior ficou bem mais vazio.

Um dos primeiros bandeirantes da história, o português João Ramalho (século 16) fez amizade com a tribo dos tupiniquins, tinha várias esposas e uma multidão de filhos. Com o apoio do índios fundou a cidade de São Paulo. Mas sua aliança com os tibiriçás provocou a fim dos tupinambás. Surgiram outros bandeirantes que começaram a devastar o sul do Brasil. Antônio Raposo Tavares exterminou os índios guaranis que viviam pacificamente com os padres jesuítas (Missões).


Quando os guaranis ficaram raros, os bandeirantes foram para o Planalto Central dominar os guaicurus. No Nordeste os índios tapuias se rebelaram contra os donos dos engenhos de açúcar e o famoso Domingo Jorge Velho chegou para destruir. Anos depois, as operações de caça (conhecidas como bandeiras) ganharam uma nova motivação – procurar ouro. Com o extermínio dos índios, o Brasil passou a usar os escravos da África e os bandeirantes voltaram para suas terras, para viver como fazendeiros. (Para saber mais, leia: “A Guerra dos Bárbaros”, de Pedro Puntoni, Hucitec e “Negros da Terra – Índios e Bandeirantes nas Origens de São Paulo”, de John Manuel Monteiro, Cia das Letras).Brasil, revisão de uma história (II)


19 outubro 2017

Brasil, revisão de uma história (I)



O Brasil, com 8,5 milhões km² de extensão territorial, comporta uma população de mais de 200 milhões de habitantes. Situa-se na América do Sul sendo português o idioma oficial do país. Nosso país foi favorecido pela natureza em todo o ponto de vista, mas porque continua com desequilíbrio social? Seis motivos fortes, ou seja, uma série de desgastes decisivos para entender a história. Seja na colonização predatória, três séculos de escravidão, a independência proclamada diante do absoluto alheamento da população. Uma república proclamada pelos militares. Fases desesperadas de um país que procurava a modernidade e não conseguia até chegar ao golpe de 1964.

Vinte e um anos depois os militares se retiram e o Brasil pode ter uma democracia com desigualdade gritante. Aqui temos uma das piores elites do mundo, a mídia brasileira é um dos rostos dessa elite. Ela sempre se coloca de um lado só. Essa mesma mídia chamava o golpe de revolução e outros como ditadura militar ou branda. Eles continuam atrelados a sua tradição: o poder está nas mãos deles. A mídia funciona como instrumento do poder. Os políticos brasileiros não conseguem escapar do vídeo da Globo, SBT, Bandeirantes ou das páginas amarelas da Veja. A Folha de S.Paulo, O Globo, Jornal do Brasil nunca foram censurados. O Estado de S.Paulo sim. Imparcialidade, isenção, independência. E hoje? Hipocrisia que a esta altura faz parte da tradição.


O jornalismo de verdade é investigativo, tem que ir a fundo em todas as questões. Não precisa ter oposição a tudo, mas que tenha que denunciar tudo que estiver “errado”. Imprensa isenta é impossível, já é consenso. Mas é preciso honestidade. E isso significa informar o leitor de que lado está, quais são suas posições. Mas tudo isso sem deixar de buscar a verdade factual, sem deixar a ideologia se sobrepor aos fatos. Mesmo quando a ideologia é explicitada. E a grande imprensa não faz nem uma coisa nem outra, ou seja, não explicita a ideologia, mas deixa que ela se sobreponha aos fatos.

PREDATÓRIA - Mas vamos por parte. Primeiro com a colonização predatória. As enormes extensões de terra que compõem o país, eram habitadas, no início do século XV, por uma população indígena estimada em 2 milhões de pessoas, vivendo da pesca e da agricultura rudimentar, caça e coleta de alimentos. Oficialmente, os portugueses chegaram ao Brasil em 22 de abril de 1500, embora pesquisas históricas indiquem que sua expedição foi precedida por outras incursões.




Quando os portugueses chegaram nas praias da Bahia agasalhados pelo frio europeu encontraram gente nua que vivia da caça e da pesca e tinham muitos deuses e várias mulheres. Foi um grande choque para os dois lados. E era só o começo. Durante décadas, levas e mais levas de europeus chegaram com seu Deus único e suas armas. Depois, começaram a aportar embarcações com um outro tipo de gente. Desta vez eram homens de pele escura, com correntes de ferro nos braços e nas pernas. Desse encontro nasceu um país cordial, mas violento. Acolhedor, mas injusto.

17 outubro 2017

Bule-Bule comemora 50 anos de carreira (02)

Antônio Ribeiro da Conceição, nome artístico Bule Bule, nasceu no dia 22 de outubro de 1947 no município de Antonio Cardoso. Músico, escritor, compositor, poeta, cordelista, repentista, ator e cantador, ao longo de sua carreira gravou diversos CDs (Cantadores da Terra do Sol, Série Grandes Repentistas do Nordeste, A Fome e a Vontade de Comer, Só Não Deixei de Sambar, Repente não tem Fronteiras e Licutixo), quatro livros editados (Bule Bule em Quatro Estações, Gotas de Sentimento, Um Punhado de Cultura Popular, Só Não Deixei de Sambar), mais de 80 cordéis escritos, participação em vários seminários como palestrante, várias peças teatrais e publicitárias, agraciado pelo Prêmio Colunista, além de milhares de apresentações durante a sua carreira.

Atualmente ele é diretor da Associação Baiana de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia e da Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel. Recentemente foi premiado com o Prêmio Hangar de Música no Rio Grande do Norte junto com Margareth Menezes e Ivete Sangalo.


Bule Bule, o cantador do samba rural baiano
Ele fez sua carreira de cantador e sambador circulando pelo interior da Bahia e diversos estados do Nordeste e do Brasil como artista popular e regional. Mesmo com toda essa globalização e tecnologia a arte dessa gente simples não foi totalmente esquecida. Existe a voz dos cantadores e sambadores da zona rural, esquecidos e pouco valorizados, mas prontos para contar e cantar seus casos e causos. Taí Bule Bule, uma lição de vida, de poesia e melodia. Ele semeia sabedoria, uma voz do povo que continua firme.

Bule Bule é músico, escritor, compositor, repentista, poeta, cordelista, ator e cantador.


CORDELIZANDO A CANÇÃO - Legítimo defensor de gêneros musicais nordestinos como chulas do sertão, cocos, martelos, agalopados, xote, marcha de serra e repentes, Bule Bule é escritor de cordéis em sua essência. Depois dos álbuns Licutixo, A fome e a vontade de comer e Simples como a Natureza, ele lançou Cordelizando a Canção com a participação especial de artistas consagrados. Desta vez o repentista baiano traz o show de gravação do seu segundo DVD.

Cordelizando a canção abre com “O Bicho Pega” onde ele não se intimida com cara feia, “me trate direito/não me falte com respeito/que o bicho pega”. Em “O Chifre Esquerdo do Carneiro Preto” ele ensina a ficar com o corpo fechado. “Baticum Danado” narra a saudade do sertanejo, de alma doida, pela partida do seu amor e, por isso, o baticum danado do coração. “De chão de piso batido, de barro de formigueiro, do lado um fogão de lenha para cozinhar buchado”, essa é a “Casinha de Palha” que conta com a participação de Gereba. “Em Defesa do Forró” ele cita Jackson do Pandeiro, Gonzajgão e Dominguinhos (participação de Quininho de Valente).

Ele cresceu sob a influência do samba rural do sertão e do Recôncavo, além dos repentes sertanejos. Seu pai, o tiraneiro Manoel Muniz, lhe ensinou as artes e traquejos da essência sertaneja que ele somou à vivência com os repentistas e seus versos de cordel.



Um pout pourri conta com a participação especial de Téo Guedes, Ellícia Magdaline e Eli Abel Franco cantando “A Máquina de Lavar Roupa/A Fome e a Vontade de Comer/Você Morena”. Com Raimundo Sodré ele canta “Não Brinque Comigo”: “Eu não quero mais/arengar com você/eu não quero mais/a garapa que vou lhe servir é amargosa/o machado que eu lhe arranjei está sem gume/o jardim que você cultiva não brota rosa/e toda a flor que vpcê for colher não tem perfume...”

“Chorando e Soluçando” e “Vai Vai”, de domínio público e improvisos reunem Bule Bule e Antonio Queiroz. A décima sexta composição, “No Pé de Serra/Estrela D´Alva”, também de domínio público e com improvisos conta com a participação de Dona Nildes e Grupo Espermacete.


A obra traz essa coletânea do trabalho musical do artista com a riqueza dos seus cordéis com a participação ativa de amigos. A arte de Bule Bule passa pelo lirismo mas não abandona a crítica construtiva às injustiças sociais. Sua carreira de cantador e sambador circula pelo interior da Bahia e diversos estados do Brasil como artista popular e regional.


Bule-Bule escreveu diversos cordéis de tom contemplativo existencial e, também, de cunho político. Durante o regime militar, fez diversos cordéis clamando por liberdade de justiça social. Até cordel de fundo ecológico ele confeccionou.

16 outubro 2017

Bule-Bule comemora 50 anos de carreira (01)

Um dos mais importantes artistas populares da Bahia celebra seus 50 anos de carreira,  além completar 70 anos de vida no próximo dia 22 de outubro.Para festejar, Bule Bule  volta aos palcos da Bahia para apresentar o show Antônio 70, Bule-Bule 50. No dia 22, canta na Cidade do Saber. No dia 28, se apresenta em Salvador, no Sesc Senac Pelourinho.

Ele é considerado um legítimo defensor de gêneros musicais nordestinos como das chulas do sertão, cocos, martelos, agalopados, xote, marche de pé-de-serra e repentes. Consegue unir o lado negro e mouro da cultura do sertão com alguns elementos da cultura do Recôncavo. Escritor de cordéis, Bule-Bule é sinônimo de celebração nordestina em alta voltagem, mas desplugado da tomada.


“Cordelista de primeira geração, escritor, poeta, repentista, compositor, Antônio Ribeiro da Conceição, o Mestre Bule Bule, parece ser muitos em um, tantos são os significados do seu trabalho. Talvez porque a essência de tudo o que faz seja mesmo a cultura tradicional do Brasil nordestino, com suas múltiplas faces, mil vezes redesenhadas com as tintas das necessidades e do senso de sobrevivência”, escreveu a gestora cultural Rosiane Oliveira na apresentação do livro Bule Bule Literatura de Cordel.

De chapéu e casaco de couro, Bule Bule se tornou um grande representante da cultura brasileira. Em suas mãos, a poesia vai entrando no tom e os acordes embalam a riqueza de um país rural.




A obra traz uma coletânea do trabalho literário do artista, com a riqueza dos seus cordéis, aliada as contribuições de alguns outros amigos escritores, estes conquistados ao longo dos seus 40 anos de carreira e de fortalecimento à cultura nordestina e brasileira. A arte de Bule-Bule passa pelo lirismo, mas não abandona a crítica construtiva às injustiças sociais e ao sistema deste Brasil tão bonito e cheio de contraste.

Tem a “Saudação a Bule Bule”, versos do poeta Klévisson Vieira por ocasião da posse do mestre na Academia Brasileira de Literatura de Cordel, e seus cordéis: A Tragedia de Três Amante, O Encontro Sangrento de José Caso Sério com Manoel Qualquer Hora, Irmã Dulce da Bahia – Santa Mãe de todos nós, O Encontro da Aranha com o Reumatismo, O Tremendo Duelo de Quirino Beiçola com Tomaz Tribuzana, Peço pra não Acabar o Raso da Catarina, Judith mulher divina que salvou o marginal, Bimba espalhou capoeira nas praças do mundo inteiro, Chora o Nordeste com a morte de Rodolfo Cavalcante, Beleza de Bule Bule com Zé Maria de Fortaleza e Tancredo foi prestar contas no Tribunal de Jesus.



SAMBA RURAL - Bule-Bule cresceu sob a influência do samba rural do sertão e do Recôncavo, além dos repentes sertanejos. Ele não esconde a paixão pela figura do pai, o tiraneiro Manoel Muniz, que faleceu em 1996, aos 81 anos de idade. Por ele, que era sambador, lhe ensinou as artes e traquejos da essência sertaneja que ele somou à vivência com os repentistas e seus versos de cordel. Criado numa região que fica na entrada do sertão e próximo ao Recôncavo, Bule-Bule mergulhou no samba rural derivado da região sertaneja, mas com ligeira influência da chula do Recôncavo. Muitos dos camponeses da região de Bule-Bule vão cortar cana-de-açucar quando retornam com a influência da chula típica do Recôncavo, mais sincopada e menos “gritada” do que a chula rural sertaneja.

“Eu vou do coco de embolada com pandeiro, a vaquejada, a tirana, ao licutixo, a chula, ao repente, a literatura de cordel, eu mexo em todas essas áreas culturais, graças a Deus e faço com qualidade”

Escreveu diversos cordéis de tom contemplativo existencial e, também, de cunho político. Fez cordel clamando por liberdade de justiça social durante o regime militar. Cordel de fundo ecológico ele também produziu: “A alma de Lampião resolveu dar um passeio/ Mas achou o Raso feio, não quis nem pisar no chão/ Rezou uma oração sobrevoando a campina/ Apontou a carabina, somente pra ameaçar/ Peço pra não acabar o Raso da Catarina”.



11 outubro 2017

HQ mostra dificuldades de ser criança no Brasil


O premiado quadrinista curitibano José Aguiar lança seu olhar sobre a história brasileira através da graphic novel A Infância do Brasil, lançamento da AVEC Editora. O autor narra vários momentos das crianças. Pelo viés da infância. Com ênfase nas contradições, abusos, descasos, abandonos e outras situações que insistem em não ficar para trás.

Um bebê nasce numa pequena casa de madeira do Brasil do século 16. Ao saber que a criança nasceu, o pai entra afobado no quarto querendo saber se sua mulher finalmente deu à luz um menino, porque ele não quer mais filhas. Esse é o primeiro capítulo da história em quadrinho de José Aguiar.


A obra surgiu junto com as preocupações do autor, enquanto pai. Ele comenta ter redescoberto a infância a partir do nascimento de seu primeiro filho: “O que me levou a questionar como foram as infâncias de meus pais, dos pais deles e assim por diante”. Seu próximo passo foi elaborar um projeto aprovado no edital do Mecenato Municipal de Curitiba que viabilizou a criação de uma webcomic lançada online entre 2015 e 2016.

Dividida em seis capítulos, cada um dedicado a um século desde o início da colonização do Brasil por Portugal. E, em cada capítulo, o autor mostra as dificuldades enfrentadas pelas crianças, principalmente as mais pobres e de minorias étnicas, no país, como a desigualdade de gênero, o preconceito racial, o trabalho infantil, a mortalidade infantil e a pobreza. Tudo isso usando, como pano de fundo, episódios históricos como as bandeiras paulistas, a promulgação da Lei do Ventre Livre e a consolidação das leis trabalhistas.


“A Infância no Brasil” também contou com a consultoria da historiadora Claudia Regina Moreira para melhor retratar cada época em que se passam os capítulos. Ela também escreve textos complementares, contextualizado nossa sociedade desde o século XVI até o XXI “A partir dos temas que propus, levantou para mim leituras e contextualizou cada século em que se passa a trama, escrevi narrativas fictícias que pudessem dialogar com o presente”, revela o quadrinista.

O projeto também teve cores de Joel de Souza – que já havia trabalhado com Aguiar em outra HQ, Folheteen. Para o autor, a participação do colorista foi fundamental para dar a atmosfera exigida pela narrativa histórica.


Infância Perdida
A graphic novel trata de um arco formado de pequenos personagens que atravessam quase seis séculos de abusos, sexismo, intolerância, preconceito e violência não só física. “São os problemas que estão nos alicerces de nossa sociedade e que todos com um mínimo de sensibilidade gostariam de sanar”, explica Aguiar.


O autor define sua obra não como uma história de grandes feitos, batalhas, tratados, políticos ou soldados. Mas como “uma HQ sobre pessoas que poderiam ter realmente existido ou que podem estar hoje na sua esquina. Ou quem sabe, ser você.”

“O brasileiro de hoje cresceu acostumado com a ideia de que vive num país jovem. Mas, inevitavelmente, o país está crescendo, amadurecendo e deixando sua infância para trás. Mas crescer não significa deixar nossa infância de lado. Ela sempre fará parte de nós por se tratar de uma etapa fundamental na vida de todos. Período de experimentação, aprendizado, descobertas, conquistas e, por que não, também de tristezas. Afinal, é nela que se esboça o adulto, o cidadão, o ser humano pleno que faz parte de nossa sociedade”.


Para a historiadora Mary Del Priore, no prefácio do álbum, “ainda pouco explorados, os quadrinhos são capazes de provocar emoções, animar uma narrativa, inspirar sentimentos, explicar situações e ´fazer a história do Brasil´. E, mais importante, desenhar é contar. E contar é fazer compreender. E para compreender, as técnicas da HQ são fundamentais. Em cada episódio, panoramas, zoom, cenografia dos detalhes, ponto de vista dos personagens e diálogos arrastam o leitor para um enredo fascinante e tão instigante quanto histórico. Aprendemos enquanto nos divertimos!”.


A Infância do Brasil foi publicado em formato de revista, pela editora Avec, e conquistou neste ano o Troféu HQMix, a principal premiação brasileira do segmento. A obra pode ser adquirida na loja online da AVEC editora, na Amazon ou aqui mesmo em Salvador, na RV Cultura & Arte, no Rio Vermelho..

06 outubro 2017

Jovens mutilados em nome do louvor a Deus (2)

Há 139 anos (1878) o Vaticano deixava de usar homens emasculados no seu coral. Numa época em que o palco da ópera era proibido às mulheres, o talento dos eunucos (homens castrados) encantava as exigentes platéias da Europa. Desde a antiguidade até tempos recentes, homens sexualmente mutilados foram usados para vigiar haréns, fazer tarefas domésticas ou servir como espiões para reis e imperadores. Eram comuns em Roma, na Grécia, no norte da África, nas terras bíblicas e na Índia. Até mesmo a Europa do século XVIII idolatrava os castrati, cantores que tinham sido emasculados na infância para preservar sua voz masculina de soprano.


O Vaticano, por exemplo, só deixou de usar homens emasculados no seu coral em 1878. Entretanto, em nenhum outro lugar os eunucos tiveram uma importância histórica tão grande quanto nos palácios da China Imperial. A partir do século VIII e, provavelmente até antes disso, homens sexualmente mutilados serviam o detentor do "mandato do céu", suas inúmeras esposas e concubinas. Desde tempos remotos e especialmente depois do advento do confucionismo, os chineses exigiam severa "pureza" moral das suas mulheres. E verdadeiras hordas de eunucos eram empregadas para vigiar a castidade das suas esposas e concubinas. Homens "inteiros" eram mortos se simplesmente se aproximassem do harém, uma vez que a certeza da paternidade era essencial para os governantes. Do contrário, não haveria descendentes para honrá-los por meio do culto dos ancestrais, quebrando assim a frágil harmonia entre o Céu e a Terra.


Por causa da sua proximidade dos governantes, o que lhes permitia influenciar e conseguir favores especiais dos soberanos, e por não poderem constituir família, os eunucos eram a única força política que escapava às restrições do mundo oficial. Por isso, eram odiados pela classe dos mandarins. Mas apesar da forte oposição, os eunucos não perderam sua importância e poder de influência. Ao contrário de outros lugares, os eunucos chineses não eram apenas castrados, mas totalmente emasculados. Um número enorme de meninos era comprado das suas famílias, emasculado e levado ao palácio onde serviam as mulheres do harém e os jovens príncipes.


Muitas damas da corte tinham esses meninos eunucos como animais de estimação. Seu órgão amputado era chamado de "pao" ou "precioso". Preservado num vaso hermeticamente selado, era realmente muito valorizado pelo eunuco, pois a cada vez que ele era promovido tinha de exibir sua preciosidade e ser reexaminado pelo eunuco chefe. Se o pao fosse perdido ou roubado, nessa ocasião ele tinha de comprar outro na clínica que realizava castrações ou alugar o "precioso" de outro eunuco. Também era vital que o órgão fosse enterrado com ele numa tentativa de ludibriar os deuses, fazendo-os acreditar que ele era um homem "inteiro". Do contrário, ele iria para o além como uma mula.

GUARDIÕES DE PALÁCIOS

A palavra Eunuco se refere a homens castrados que guardavam Haréns de Sultões na Ásia. O costume de empregar homens eunucos como guardiões de palácios, de tesouros, de haréns e de exércitos é bastante antigo. Os sultões otomanos, na realidade, adotaram este costume dos Imperadores Bizantinos, nas cortes de Constantinopla. Os eunucos comumente ascendiam a posições de elevada hierarquia e posição política nas cortes onde serviam. Os eunucos mais famosos da História são: Mordecai, Hegai, Saasgaz, Ebede-Meleque, o Eunuco da Rainha de Candace e o General Narses de Bizâncio.


O mais famoso castrato do século XVIII terá sido Carlo Broschi, conhecido por Farinelli, tendo sido realizado um filme sobre a sua vida, Farinelli il Castrato. O filme "Farinelli", de Gérard Corbiau (1994) focaliza a vida do mítico cantor italiano Carlo Broschi (1705-1782), que iniciou sua carreira ao lado do irmão, o pianista Ricardo Broschi. Fora aluno de Nicola Porpora e ganhou muito prestígio em toda a Europa. Aparece como um galã, de olhar triste e solitário, que encerrou carreira como cantor exclusivo do rei Felipe V da Espanha, que o contratou porque seu canto era a única coisa que o tirava da depressão.


"Cry to heaven" é uma obra de Anne Rice de 1982, que descreve a vida de "castrati" italianos, cantores de ópera, na sociedade do séc. XVIII. Homens que foram adulados por multidões, como hoje o são os ídolos pop, sujeitos de paixões por homens e mulheres, mas que, no entanto, não deixavam de ser considerados apenas como meios-homens (ou meio-humanos). (Texto publicado neste blog dia 20 de maio de 2008)

05 outubro 2017

Jovens mutilados em nome do louvor a Deus (1)

Um capítulo obscuro da história da música precisa ser revelado. A Igreja Católica praticava impunemente sua calculada e cortante moral dupla. Desde 1587 os papas castigavam a castração com excomunhão ou pena de morte, mas aceitavam com deleite os castrados em seus corais ou como solistas. Ninguém mais que o apóstolo Paulo foi o culpado por essa dupla estratégia, já que, segundo sua pronunciação bíblica, as mulheres deviam se calar na igreja.

A prática de castração de jovens cantores (ou castratismo) teve início no século XVI, tendo surgido devido à necessidade de vozes agudas nos coros das igrejas da Europa Ocidental, já que a Igreja Católica Romana não aceitava mulheres no coro das igrejas. No fim da década de 1550, o duque de Ferrara tinha castrati no coro da sua capela. Está documentada a sua existência no coro da igreja de Munique a partir de 1574 e no coro da Capela Sistina a partir de 1599. Na bula papal de 1589, o papa Sisto V aprovou formalmente o recrutamento de castrati para o coro da Igreja de S. Pedro.


Na ópera, esta prática atingiu o seu auge nos séculos XVII e XVIII. O papel do herói era muitas vezes escrito para castrati, como por exemplo, nas óperas de Handel. Nos dias de hoje, esses papéis são frequentemente desempenhados por cantoras ou por contra tenores. Todavia, a parte composta para castrati de algumas óperas barrocas é de execução tão complexa e difícil que é quase impossível cantá-la.

Muitos rapazes que eram alvo da castração eram crianças órfãs ou abandonadas. Algumas famílias pobres, incapazes de criar a sua prole numerosa, entregavam um filho para ser castrado. Em Nápoles, recebiam a sua instrução em conservatórios pertencentes à Igreja, onde lecionavam músicos de renome. Algumas fontes referem que muitas barbearias napolitanas tinham à entrada um dístico com a indicação "Qui si castrano ragazzi" (Aqui castram-se rapazes).


Em 1870, a prática de castração destinada a este fim foi proibida em Itália, o último país onde ainda era efetuada. Em 1902, o papa Leão XIII proibiu definitivamente a utilização de castrati nos coros das igrejas. O último castrado a abandonar o coro da Capela Sistina foi Alessandro Moreschi, em 1913. Na segunda metade do século XVIII, a chegada do verismo na ópera fez com que a popularidade dos castrati entrasse em declínio. Por alguns anos, ainda existiram desses cantores na Itália. Com o tempo, porém, esses papéis foram transferidos aos contra tenores e, algumas vezes, às sopranos.

FÁBRICA DE VOZES

A Igreja Católica não queria perder o som de vozes angelicais, assexuadas, porém potentes. Assim, retornou-se uma prática comum na Antiguidade. E o mal, que soava grave demais aos ouvidos clericais, foi cortado pela raiz. Antes da puberdade, os rapazes de canto firme perdiam suas glândulas generativas em um procedimento doloroso e, por falta de hormônios, ficavam com suas vozes infantis de soprano ou de contralto. Tudo pelo “louvor a Deus”, expressão com que o papa Clemente VIII sancionou em 1592 a brutal intervenção.


Assim os eunucos tinham vozes de mulheres e pulmões de homens. Com poderosos pulmões e pomos-de-Adão infantis, eles tinham cachê e prestígios ilimitados. Muitos pais não conseguiam resistir à tentação do Vaticano e vendiam seus filhos a conservatórios de eunucos. Nessas fábricas de vozes, os moços castrados treinavam sob um regime militar de no mínimo sete anos, os tons corretos, os altos tons. Dos milhares de rapazes que eram castrados anualmente nos séculos XVI e XVII na Itália, mais de 60% morriam em conseqüência de operação, realizada com instrumentos muito primitivos.



Os que conseguiram sobreviver à delicada intervenção ficaram surdos, mudos ou paralisados – as feridas ensangüentadas não eram desinfetadas, mas sim queimadas ou tratadas com cinzas. Somente 10% dos mutilados revelavam-se suficientemente bons para serem aceitos como solistas nos renomados elencos. Cinco em cada cem castrados conseguiram chegar à efeminada elite. Alessandro Moreschi, o último dos sacrificados em nome do louvor a Deus, morreu, em 1922, aos 63 anos, e pôs fim a um capítulo obscuro da história da música. (Texto publicado neste blog no dia 19 de maio de 2008)

04 outubro 2017

V de Vingança, uma revolução nos quadrinhos

A narrativa se passa numa Inglaterra futurista. Após uma Terceira Guerra Mundial e assolada por bombardeios, a cidade está mergulhada no caos. Depois de algum tempo, a ordem é estabelecida, mas por meio de manipulações políticas e ideológicas de um governo fascista que caça os direitos civis, impõe uma forte censura aos meios de comunicação e reprime violentamente os opositores e livros, músicas e obras de arte considerados perigosos para a manutenção da ordem são destruídos.

Dentre aqueles considerados não adequados à nova ordem estão os estrangeiros, muçulmanos, negros e os homossexuais que são encaminhados aos chamados campos de readaptação, onde são torturados e feitos como cobaias de experiências. V é um homem que sobreviveu às experiências e, usando sempre uma máscara, vai eliminando os líderes fascistas. Tanto a HQ quanto o filme são sobre o amor e sobre o que regimes totalitários podem fazer com a vida das pessoas, no que elas podem se transformar, no que elas podem ser roubadas, na sua essência e dignidade e na possibilidade de lutarem contra a submissão.


V de Vingança permanece como uma das maiores obras dos quadrinhos. O trabalho revelou ao mundo seus criadores, Alan Moore e David Lloyd. Trata-se de uma poderosa e aterradora história sobre perda de liberdade e cidadania em um mundo bem possível.

V de Vingança foi a primeira tentativa de Alan Moore de produzir uma série continuada, ao longo de vários meses e anos – começou a ser publicada em 1982 na revista britânica Warrior e seguiu até 1983, para depois ser relançada pela DC Comics em seu selo adulto, Vertigo. Hoje, é relativamente fácil de ser encontrada nas livrarias brasileiras em uma edição encadernada lançada pela Panini, e ganhou adaptação cinematográfica em 2006, por James McTeigue.


V for Vendetta é um sombrio thriller futurista, encenado sob uma atmosfera orwelliana, que une a tradição do suspense britânico a paralelos com a ascensão do nazismo na Alemanha dos anos 30. O hiper-realismo dos desenhos de David Lloyd, utilizando reproduções de fotos xerocadas, sugere ao leitor imagens de um filme antigo, de colorido desbotado.

A obra original é um drama político denso, ilustrado em tons de história noir, repleto de personagens e tramas complementares que rodeiam o personagem principal, V, mascarado que desafia o governo fascista de uma Inglaterra futurista. Após salvar a adolescente Evey Hammond de um ataque de agentes do governo, ele arregimenta a garota para sua causa, manipulando-a e criando com ela uma estranha relação, às vezes sádica, às vezes quase fraternal.


Ao longo de dois anos, V embarca em uma série de maquinações e ataques com o objetivo direto de instaurar o caos e derrubar o status quo vigente, substituindo o fascismo pela completa anarquia. No meio do caminho, tenta abrir os olhos dos cidadãos para a tirania do governo, não os eximindo de culpa por terem permitido que o partido atual chegasse ao poder.

O texto-fonte é uma alegoria política que critica as mazelas da política imperialista da Inglaterra de Margareth Tatcher, a “dama de ferro”, e, de quebra, a restrição dos direitos individuais nos EUA. Moore utiliza-se de uma agressiva visão neoliberal, muito próxima ao anarquismo, para levantar uma série de críticas a Estados totalitários, que espalham o medo generalizado e utilizam-se da mídia para manipular a população.


O filme é do diretor James McTeigue e produzido por Joel Silver e os irmãos Wachowski, que também contribuíram com o roteiro. Os cineastas removeram muitos dos temas anarquistas e as referências a drogas que estavam na história original e também alteraram a mensagem política para o que eles acreditavam que seria mais relevante para um público de 2006. O filme foi visto por muitos grupos políticos como uma alegoria da opressão do governo. Libertários usaram isso como uma afirmação conservadora contra a intervenção governamental na vida dos cidadãos. Posteriormente a mascara virou um símbolo dos anarquistas para divulgar a teoria política do anarquismo.

A fita mostra como a indústria cultural (representado pela mídia), o terrorismo e as teorias política agem e se relacionam como instrumentos de manipulação e inibição das reflexões da sociedade. O filme tem como grande ícone da liberdade e vingança a mascara de V, que não por coincidência representa o número cinco em algarismo romano (V), e também o dia da comemoração do evento de cinco de novembro, “Não existe coincidência, apenas a ilusão de uma coincidência."(V de Vingança).


A poética do filme está nas cenas em que o protagonista V recita versos de Shakespeare, “Mac Beth” e “Noite de Reis”, e o clássico “O Conde de Monte Cristo” (referência esta que já existia nos gibis de Moore e Lloyd). Também está inserido nela a teoria anarquista de Mikhail Bakunin e Alexandre Dumas.

“V” é o homem da máscara branca, sempre sorridente, de capa preta e atitudes teatrais; inspirado visualmente no extremista Guy Fawkes, que tentou detonar o parlamento inglês em 1605. Mas V é, acima de tudo, a representação de uma filosofia, de um ideal político e social, da luta dos oprimidos, da busca pela liberdade e igualdade. V simboliza a nova ordem, o futuro melhor. Alan Moore construiu um personagem universal, um “símbolo”. Por isso não é difícil entender como que a máscara de V, hoje em dia, simboliza todo esse anseio por liberdade de uma nova geração, estando presente em quase todo tipo de protesto e manifestação ao redor do mundo. É como se a HQ tomasse vida própria e todo o conjunto de valores do personagem viessem à tona.


As posições defendidas pelo personagem fizeram com que em novembro de 2006, manifestantes do grupo americano "Fundação para a Educação Constitucional" protestassem fantasiados das personagens de "V da Vingança" em Washington. O grupo
caminhou em frente à Casa Branca exigindo o direto de fazer uma petição ao governo e
receber respostas para as violações à educação na Constituição.

A máscara de Guy Fawkes, o principal ícone de V de Vingança, é constantemente usada em protestos ao redor do mundo. Começou com o Occupy Wall Street e até nas manifestações no Brasil, sem esquecer do grupo hacker Anonymous, usam a máscara.

“Você usa tanto uma mascara que, acaba esquecendo de quem você é” sugere que o protagonista luta não somente uma guerra contra o governo totalitário da Inglaterra, mas também uma luta interna, o personagem havia sido preso e torturado e posto às experiências, quando a prisão explode, o espectador vê o protagonista saindo das chamas, em um acidente na prisão. Ele parte para uma grande batalha contra si, seus instintos e seus desejos. Sua mascara simboliza a luta de um governo que mente para a população sobre o massacre, portanto, ela também vai simbolizar esta mentira. Essa mascara, que já foi utilizada em passeatas e manifestos na vida real tem um simbolismo muito forte, representa uma vontade de justiça mascarada pela ideia de vingança, o autor da HQ Moore tem uma concepção anarquista da existência, seu personagem propõe uma sociedade sem representantes, portanto, uma sociedade auto governável, de ausência de governantes, portanto, pode ser a HQ como uma carta aberta ao povo sobre a possibilidade de retirar o poder da elite e devolver ao povo a direção de suas vidas.


A hora é certa para uma revolução, canta Mick Jagger nos créditos finais do filme, na clássica Street Fighting Man. 

01 outubro 2017

80 anos sem Theodoro Sampaio

Há 80 anos morria o engenheiro, geógrafo, urbanista, historiador, cartógrafo, arquiteto, etnólogo e gravurista Theodoro Sampaio (1855-1937). Ele combinou a precisão técnica com aguçado olhar antropológico e sociológico. O homem que nomeia duas cidades – uma na Bahia e outra em São Paulo – era filho de uma escrava (ou ex-escrava) do Engenho Canabrava, no Recôncavo Baiano, de propriedade dos Costa Pinto. Desenvolveu trabalho marcante no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), instituição que presidiu enquanto esteve na Bahia.

Suas obras sobre navegação, povos indígenas e saneamento, apesar de datadas, converteram-se em registros eloquentes de um Brasil que começava a se desenvolver e conhecer. O intelectual negro que, sem negar sua cor, silenciou sobre o passado e naturalizou uma certa igualdade, mesmo às custas da história que conheceu tão bem.


Após 18 anos em São Paulo, em 1905 ele volta à Bahia, onde permaneceu por 32 anos. Na trajetória profissional, somam-se suas contribuições ao desenvolvimento da região do São Francisco, criação de infraestrutura para o desenvolvimento de São Paulo, e a reforma e ampliação da rede de esgotos em Salvador. Foi presidente do IGHB, de 1922 a 1937 e reformou prédios como a Faculdade de Medicina e a Igreja da Vitória. Também projetou o bairro da Pituba (Cidade Luz) em 1919.
União

Da união entre a escrava Domingas da Paixão e do engenheiro Antônio da Costa Pinto nasceu Theodoro Sampaio. Negro, nascido em 1855, no Engenho Canabrava, local que hoje pertence ao município baiano que leva o nome desta personalidade, ele foi um dos maiores pensadores brasileiros de seu tempo. Engenheiro por profissão, também foi geógrafo e historiador, deixando o legado de uma bibliografia de vasta erudição geográfica e histórica sobre a contribuição das bandeiras paulistas à formação do território nacional, entre outros temas.


Ainda em Santo Amaro, Theodoro Sampaio estuda as primeiras letras no colégio do professor José Joaquim Passos. É levado, em 1864 para São Paulo e depois para o Rio de Janeiro, onde estuda no Colégio São Salvador e, em seguida, ingressa no curso de Engenharia do Colégio Central. Ao tempo em que estuda, leciona nos Colégios São Salvador e Abílio, do também baiano Abílio César Borges (Barão de Macaúbas), sendo ainda contratado como desenhista do Museu Nacional.


Engenheiro

Formou-se em 1877, quando finalmente volta a Santo Amaro, na Bahia, onde nasceu. Ali, revê a mãe e os irmãos, onde no ano seguinte, compra a carta de alforria de seu três irmãos. Por ser filho de branco, Theodoro Sampaio nunca fora um escravo. Em 1879 integra a “Comissão Hidráulica”, nomeada pelo imperador Dom Pedro II, sendo o único engenheiro brasileiro entre estadunidenses. A convite de Orville Derby, que conhecera na expedição aos sertões sanfranciscanos, participa de nova comissão que realiza o levantamento geológico do Estado de São Paulo (1886).


Antes havia realizado o trabalho de prolongamento da linha férrea de Salvador ao São Francisco (1882). No ano seguinte é nomeado engenheiro chefe da Comissão de Desobstrução do Rio São Francisco, que deixa quando do convite de Derby para ir a São Paulo. Ali, dentre outra realizações, participa em 1990 da Companhia Cantareira (engenheiro-chefe), é nomeado Diretor e Engenheiro Chefe do Saneamento do Estado de São Paulo (de 1898 a 1903). Theodoro Sampaio também participou da fundação da Escola Politécnica.


Entre seus livros e artigos estão: O rio São Francisco e a chapada Diamantina, O tupi na geografia nacional, Atlas dos Estados Unidos do Brasil, Dicionário histórico, geográfico e etnográfico do Brasil, História da Fundação da Cidade do Salvador, Os kraôs do Rio Preto no Estado da Bahia, com um vocabulário e uma carta etnográfica, e Contribuição para a história da catequese e civilização dos índios do Brasil.