31 janeiro 2020

ORALIDADES


A prática da “história oral” remonta à Grécia antiga, quando a narração era a arte de contar histórias e o poeta era o “mestre da verdade”, como Hesíodo e Heródoto. Através da própria história, a arte de morrer perde, aos poucos, seu caráter épico e poético – esgotando as formas tradicionais de comunicação e marcando o fim da narração por uma nova escrita.




A memória se esvazia, se fragiliza nesse abismo entre a prática ancestral de narrar e a técnica moderna de imprimir, ela se precariza nessa relação de ruptura, nessa inadequação entre “contar uma experiência” e “fazer história”.



A educação nas sociedades antigas se ministrava essencialmente na oralidade, informa o historiador Georges Duby em sua obra “Escrever...Para quê? Para quem?” (Lisboa, Portugal, Edições 70, 1975, p.79). Para a Russel Means, liderança indígena americana, em uma entrevista, disse detestar escrever. Ela afirmou que a escrita “resume o conceito europeu do pensamento legítimo: o que é escrito tem uma importância que é negada ao falado. A minha cultura, a cultura lakota, tem tradição oral e, portanto, eu usualmente rejeito escrever. Um dos meios de que se vale o mundo dos brancos para destruir as culturas dos povos não europeus e impor uma abstração à relação falada de um povo. Por isso, o que você lê aqui não é o que escrevi. É o que eu disse e outra pessoa escreveu. Permito que assim seja porque me parece que a única via de comunicação com o mundo dos homens são as folhas mortas e secas dos livros”. (Means, R. Marxismo e as tradições indígenas. In: Religião e Sociedade. Rio de Janeiro. ISER, 1981, p.49).




Ao colocar a oralidade em contraposição à escrita, estamos buscando reinstalar a voz do lugar onde foi, de certa forma, expulsa ou – conforme Paul Zunthor – abafada por uma “mentalidade escritural”. A voz, segundo este autor, entendida como expressão privilegiada da poesia, propiciará o retorno ao poder encantatório da palavra. Não em propiciará o retorno ao poder encantatório da palavra. Não em sua forma original, mítica, mas nos termos da modernidade, ou seja, em series radiofônicas, televisivas e nas revistas em quadrinhos. E aposta que esta voz que “moderniza-se pouco a pouco (…) atestará um dia, em plena sociedade do ter, a permanência de uma sociedade de ser” (Zumthor, Paul. A letra e a voz. São Paulo, Companhia das Letras, 1993).




A oposição entre escrita e oralidade determina o empobrecimento de ambas. Viñao Frago afirma que o “baixo nível de domínio e uso da leitura e escrita é consequência – não só, mas em boa parte – do não reconhecimento e estimulação da oralidade, de não se assentar sobre ela a alfabetização, a linguagem escrita.



Além disso, esta dissociação é causa da progressiva perda do ouvido, da escuta e, por isto, da riqueza, vivacidade e precisão da fala”. (Frago, Antonio Viñao. Alfabetização na sociedade e na História. Porto Alegre. Artes Médicas, 1993, p.21).




Os seres mais antigos contam que quando Oxalá (orixá que representa o ar) veio a esse mundo, criou os seres humanos. E para cada ser humano criou uma árvore.



As árvores carregam o princípio da ancestralidade, representam os ancestrais e são elas que estabelecem a dinâmica da relação entre os seres humanos e a natureza.




Oxalá está relacionado à cor branca. O axe, sangue branco, caracterizado por substâncias minerais como o giz, metais brancos, como prata e chumbo, pela seiva da palmeira igi-opa, pelo algodão, pelo sêmen, pelos ossos e pela cuva.



Pela chuva-sêmen que fertiliza e fecunda a terra regenerando-a e proporcionando o brotar das sementes. 



Apresenta representações simbólicas de progenitora, capacidade de gerar filhos, de expandir a descendência, multiplicação dos seres tanto no aiye como no orun.



Nessa estética do sagrado, as árvores são as responsáveis pela purificação do ar para que os seres humanos tenham plenitude de vida.




O poeta baiano Waly Salomão (1943/2003) aboliu categorias como poesia e prosa, fala e texto, coloquial e erudito para buscar a ponto de liga alquímica – amálgama de oral e de escrita.



Na sua bricolagem semiótica ele apresentou uma dicção confessional, de inflexão babilaque.

30 janeiro 2020

Desenhistas de quadrinhos na Bahia 02




ADA BRITO




Com a força de comunicação do Clube de Quadrinhos na Bahia nos anos 70, além da publicação de uma coluna semanal sobre o assunto no jornal A Tarde e o apoio do jornalista e professor Adroaldo Ribeiro Costa, a desenhista Ada Brito começou a publicar tiras diárias n´A Tarde. Chamava-se Tico, a vida de um garoto negro e todas as suas peripécias. Ela ainda criou uma garotinha chamada Any que adorava apreciar pinturas. Essa tira também foi publicada no jornal A Tarde. 

Em 1973 foi lançada a cartilha A Independência foi guerra na Bahia, com texto de Adroaldo Ribeiro Costa e desenhos de Ada Brito, editada pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia.





REINALDO




Reinaldo Rocha Gonzaga, natural de Buerarema (1952), formado em Belas Artes, já trabalhou como ilustrador, chargista e programador visual. Participou de várias exposições coletivas de pintura. É criador do personagem Joca para o suplemento do Jornal da Bahia. Trabalhou no jornal A Tarde e no Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia. Seus primeiros trabalhos n´A Tarde foi no início dos anos 70. Mais tarde começou a publicar a tira Saravá, um tipo folgado que a todo momento está reclamando da vida, mas nunca para de beber. 

Seu trabalho mais importante nos quadrinhos junto com o historiador baiano Henrique Campos Simões: o álbum O Achamento do Brasil – A carta de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel. O lançamento foi em 1999 e a edição em quadrinhos reproduz a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal. Produzido a partir de uma pareceria entre a Secretaria da Cultura e Turismo e a Universidade Estadual de Santa Cruz, o álbum retrata, de forma lúdica, a chegada dos portugueses às terras brasileiras. As ilustrações foram feitas à mão livre, em bico de pena e pincel, e coloridas no computador. Para compor os personagens, foram estudados os trajes portugueses de época, bem como os costumes dos povos e os traços indígenas. O álbum, foi distribuído na rede de ensino público da Bahia e bibliotecas do estado.



MENANDRO RAMOS




Natural de Riacho de Santana, teve os primeiros contatos com desenho profissional em 1972 para agências de publicidade. Possui graduação em Licenciatura em Desenho e Plástica pela Universidade Federal da Bahia(1979) e doutorado em Educação pela Universidade Federal da Bahia (2008). Professor assistente da Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Tópicos Específicos de Educação. Atuando principalmente nos seguintes temas: Multimeios, Recursos Audiovisuais, Imagem, Iconografia, Educação e Comunicação e Linguagem.  Realizou algumas exposições de pintura e desenho, incluindo trabalhos de humor. Começou a publicar charges no jornal A Tarde desde 1975, além de ilustrar livros, jornais e onde fez o curso de artes plásticas.





CARLOS FRANÇA




Natural de Itiruçu, Carlos França passou toda a infância em Feira de Santana, onde começou a desenvolver seu lado profissional numa agência de publicidade. Em 1974 entrou para a Escola de Belas Artes da UFBa. Ingressou no jornal A Tarde em 1975 como ilustrador e chargista. Ilustrou livros de Jorge Calmon, Silvio Simões, Adroaldo Ribeiro Costa, Antonio Sobrinho e Sérgio Mattos. Participou do I Salão de Verão (1977) no Museu de Arte da Bahia, da mostra Quadrinhos na Imprensa Baiana (1977) no ICBA, expondo o personagem Bacuri, que era publicado em tiras n´A Tarde.








29 janeiro 2020

Desenhistas de quadrinhos na Bahia 01


ALBERTO ROMERO




Argentino/baiano. Nasceu em Buenos Aires em 1937 e cursou Belas Artes. Aos 17 anos comercializou seus desenhos pela primeira vez. Tornou-se cantor de um conjunto de jazz e em 1958 ganhou o concurso de novos valores do jazz. Aos 20 anos conseguiu o primeiro emprego como desenhista e passou por várias agências de propaganda argentinas. Publicou seus quadrinhos na revista portenha Poncho Negro. Publicitário, artista plástico e jornalista, dedicou mais de 60 anos de sua vida ao estudo e pesquisa da Ufologia. Em 1963 chegou ao Brasil com a família e começou a trabalhar no jornal Folha de S.Paulo, depois foi para a Editora Abril. 

Em 1968 chegou à Bahia e começou a trabalhar na Vínculo Propaganda que mais tarde seria fundida com a Denison Propaganda Nordeste. Depois passou para a Randan Comunicação. Nessa época começou a publicar uma série de reportagens sobre discos voadores no Jornal da Bahia. Nos anos 70 começou a publicar charges. Em novembro de 1976 lançou com Adinoel Motta Mais o suplemento O Mutante com uma HQ central intitulada Experiência. Realizou uma exposição coletiva de cartunistas e chargistas e foi para Alemanha participar da Expo Cartoon 77. Ainda em 1977 publicou no suplemento de domingo do Jornal da Bahia a HQ Missão Genes..(a data maior do mundo cristão). Era fã do desenhista norte americano Alex Raymond. Faleceu em 20 de maio de 2018 em Salvador-BA.







APS




Anildson Pereira dos Santos, conhecido como APS, nasceu em Paulo Afonso em 20 de março de 1954. Cartunista de ocasião, engenheiro mecânico por opção, publicou cartum pela primeira vez em 1973 no fanzine Na Era dos Quadrinhos, de Gutemberg Cruz que foi seu colega no Colégio Central. Em 1975 participou como colaborador do suplemento A Coisa da Tribuna da Bahia. E em 1976 participou do Coisa Nostra. No mesmo ano colabora com vários jornais estudantis: Resistência, Novação, Viração. 

Em 1978 participa do I Salão de Humor da Bahia na Eucatexpo e classifica-se entre os três melhores. Nessa época (1978) começou a publicar uma tira diária no Jornal da Bahia com o personagem Locutor de poste comentando os problemas do dia a dia. A publicação vai até março de 1979. Em seguida deu continuidade ao seu traço criativo e experimental. Um trabalho de grande força visual.





GABRIEL LOPES PONTES




Nasceu basicamente o teatro. Seus pais faziam teatro. Aos sete anos ganhou um prêmio de revelação infantil. Descobriu o desenho e começou a sonhar. Aos 14 anos se entregou completamente ao desenho. Aos 19 anos lançou a exposição de HQ Algo de HQ no Front em agosto de 1985. Entrou na Escola de Belas Artes da UFBa e gostava de ouvir jazz. A partir daí passou a fazer quadros grandes com uma linguagem de quadrinhos usando como tema jazz. Em 1986 realizou a exposição Quadrinhos para Xuxu no Projeto Galeria do Aluno da professora Maria Adair. Apreciava quadrinhos que envolvesse elementos de outras artes, preferia leitura de quadrinhos europeus (Hugo Pratt, Manara, Crepax).

Ganhou um prêmio no Salão Universitário de Artes Plásticas, baseado em HQ, 1988. Autor de História em Quadrinhos Avançada Um Permanente Diálogo Entre A Nona-Arte e as Belas Artes, sob orientação do Professor Doutor Juarez Paraíso. Entre 2005 e 2007, foi professor substituto de História da Arte Contemporânea na EBA / UFBA. Tem experiência nas seguintes áreas: Artes plásticas, com ênfase em pintura, desenho e história em quadrinhos; Teatro, com ênfase em dramaturgia, direção, interpretação, cenografia e figurino; História, com ênfase em História-Imagem, História da Arte e História Contemporânea. Além do romance Absynto Azul e da coletânea de contos e novelas Estórias de Monstrengos & Aberrações. Tem ainda o curta-metragem documental / ficcional Incarcânu a Tiortina, roteirizado e dirigido em parceria com Tau Tourinho, marca seu ingresso no cinema.




28 janeiro 2020

110 anos sem Angelo Agostini


Há 110 anos (dia 28 de janeiro de 2010) morria Angelo Agostini (1843/1910) o mais importante artista gráfico do Segundo Reinado. Colaborou tanto com desenhos quanto com textos com as publicações O Mosquito, Vida Fluminense, Revista Ilustrada, Don Quixote, O Tico Tico, O Malho, Gazeta de Notícias, entre outros. Publicou, a 30 de Janeiro de 1869, Nhô-Quim, ou Impressões de uma Viagem à Corte, considerada a primeira história em quadrinhos brasileira e uma das mais antigas do mundo. Mais tarde publica outro personagem, Zé Caipora. Seu nome serviu de inspiração ao Prêmio Angelo Agostini, concedido anualmente pela Associação de Quadrinistas e Caricaturistas de São Paulo aos melhores do ramo e para a criação do Dia do Quadrinho Nacional. Agostini esteve à frente de sua época, criou um estilo, influenciou e tornou a caricatura, a sátira política e os quadrinhos parte de nossa nascente imprensa.




Quando se investiga a origem das histórias em quadrinhos no Brasil o principal nome é de Angelo Agostini (08/04/1843, Vercelli/Itália, 23/01/1910, Rio de Janeiro). italiano de nascimento, mas brasileiro por escolha. Artista gráfico, pintor e critico de arte, Agostini trabalhou com os quadrinhos e com as caricaturas, que tinham como alvo os políticos do Segundo Império e da futura República. Nhô-Quim, um caipira que vive inúmeras aventuras cômicas na capital do Império é o nosso legítimo personagem nacional.




Publicada na revista Vida Fluminense, essas histórias não apresentavam os famosos balões de diálogos e o texto narrativo era bastante simples e convencional. Porém, Agostini tinha um traço elegante. Vale lembrar ainda que além do Nhô-Quim, o artista ítalo-brasileiro criou também Zé Caipora e a primeira heroína, a índia Inaiá, que viviam inúmeras aventuras na revista Revista Illustrada, de 1876 a 1891. Agostini publicou também nas revistas O Arlequim, O Mosquito suas caricaturas, suas ilustrações e, principalmente, suas ideias abolicionistas e republicanas, sempre com humor e critica.




Num Brasil em profunda transformação política, econômica e social, repleto de lutas pela abolição dos escravos e pela proclamação da República, Ângelo Agostini produziu uma arte que se recusava a ficar parada, estática. Avançando no tempo e no espaço, o artista criou uma narrativa sequencial com cortes gráficos que futuramente apareceriam nas histórias em quadrinhos. O mesmo pode-se dizer de suas caricaturas, pois elas não foram apenas um retrato de uma época, mas um olhar critico de uma sociedade que crescia em todos os sentidos. Ou seja, o pai de Nhô Quim e de Zé Caipora, nos deixou como legado aventuras e caricaturas que revelam um tempo histórico significativo, de um país que se tornará Nação, porém, com fortes desejos de ser uma República.



Para Herman Lima, estudioso da obra de Angelo Agostini, o artista tem grande valor. Segundo Lima, “durante quarenta e seis anos, de 1840 a 1910, esse formidável polemista do lápis, sem descanso nem folga, [...], sempre se afirmou como irreverente fustigador de homens e de costumes, em milhares de charges, na época em coisa alguma inferior às melhores dos seus contemporâneos europeus” (Cirne, 1990, p. 16-7). Isso significa que esse ítalo-brasileiro foi um crítico feroz, que usou a pena como arma para instigar e mostrar à sociedade seus problemas e falhas, contudo, fez de belíssima e inovadora forma.




Essa inovação se faz presente especialmente nos quadrinhos. Ao publicar as aventuras de Nhô Quim e de Zé Caipora, Agostini traz os principais elementos visuais da narrativa quadrinizada, mas incomuns para o século XIX. Waldomiro Vergueiro, do Núcleo de Pesquisa de História em Quadrinhos da USP, comenta que ele usava “recursos metalingüísticos ou de enquadramentos inovadores para a época (entre estes últimos pode-se destacar, já no primeiro capítulo, uma sucessão de vários quadrinhos utilizando um mesmo cenário de fundo, uma técnica que apenas muito tempo depois foi explorada pelas histórias em quadrinhos)”.



Isso mostra que Angelo Agostini foi, sem sombra de dúvida, o principio dos nossos quadrinhos. E também um artista que por meio das histórias em quadrinhos, muito antes delas existirem como as conhecemos; revelou um país repleto de divisões sociais, econômicas e políticas, que começava a caminhar pelas próprias pernas, apesar delas serem, ainda, bastante frágeis.



Revolucionária no uso de elementos narrativos da linguagem dos quadrinhos que só viriam a ser “descobertos” no século seguinte e por adotar um estilo realista de desenho indo de encontro à estética cartunesca vigente no período, a saga de Zé Caipora começa com uma deliciosa comédia de erros e depois se transforma numa grande aventura, emocionante e realista onde o personagem aos poucos se revela um herói épico. Agostini experimenta ousadas diagramações de página, enquadramentos cinematográficos, grandes cenas panorâmicas, coloca os personagens em situação dramática e cria a primeira heroína universal dos quadrinhos: a índia Inaiá. Toda essa revolução pode ser apreciada no álbum As Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora: os primeiros quadrinhos brasileiros, um belíssimo trabalho organizado pelo professor Athos Eichler Cardoso e publicado pelo Senado Federal em 2002.

25 janeiro 2020

Suingue da negra voz celebra 40 anos de carreira




Ele é ariano nascido e criado no bairro da Garibaldi, perto do terreiro de Mãe Menininha de Gantois que foi amiga de sua avó materna. Assim, desde criança ele ficava ouvindo os cânticos do candomblé. Com o tempo já estava na roda de samba, cantando. Foi o samba que lhe deu base rítmica desenvolvido nos redutos como as agremiações Cacique do Garcia e Bafo de Jegue. Ele participou ainda de grupos folclóricos dos colégios ICEIA e Severino Vieira. Das rodas do Garcia ele foi levado à grande inovação baiana dos anos 70, o Ilê Aiyê, do qual fez parte entre 1979 e 1980. Estamos falando de uma das melhores vozes masculinas da Bahia: Lazzo Matumbi. Conhecido pelas interpretações carregadas de swing e lamento, o cantor é um dos ícones do reggae brasileiro.



“Ôôô/Vem correndo me abraça e me beija/Vem ver, chamar chamar/Vem provar do meu encanto/Vem dizer que eu não fui santo nenén/Onda do mar me levou/E eu resisti//ôôô/Vem correndo me abraça e me beija/Vem me dar, todo o chamego//Vem vem dia 20 de novembro/Se todo dia é santo neném/Onda do mar me levou/Me levou, mas hoje estou aqui/Onda do mar me levou/E eu resisti” (Me abraça e me beija)




Em maio de1980 no antológico show de Gilberto Gil e Jimmy Cliff, onde eu era, na época, editor do caderno de cultura do jornal Correio da Bahia e fazia a cobertura,. Lazzo estava presente e ficou arrebatado pela batida do reggae e da força de sua mensagem política. No ano seguinte ele fazia sua estréia solo: “Luz no escuro”, primeiro show de reggae depois de Gil e Cliff.




A primeira música que gravou foi “Salve a Jamaica” (Raí). Em 1983 lançou “Viver, sentir e amar” com a autoral “Do jeito que seu nego gosta”, um dos seus maiores sucessos. Dois anos depois, em São Paulo, vem “Filho da terra”. Nos anos 90 ele lançou dois discos: Arte de Viver (1990) e Nada de Graça (1999) onde registrou músicas como “Alegria da cidade” (parceria com Jorge Portugal) e “Coração rastafari” (Djalma Luz) ou imprimindo sua releitura para “Gostava tanto de você” (Édson Trindade), “A tonga da milonga do kabuletê” (Toquinho e Vinícius) e “Charlie Brown” (Benito Di Paula). Depois vieram outros sucessos marcantes como “Me abraça e me beija” e “Abolição” (parceria com Capinan).



“Tomara, tomara que a chuva/Tomara que a chuva caia logo/Pra molhar você/Pingo de estrela cai do céu azul/Do jeito que seu nego gosta/O jeito molhado do seu corpo nú/Do jeito que seu nego gosta/Do jeito que seu nego gosta/Te ver brilhando em meu olhar/Do jeito que seu nego gosta/E te amando peço seu cantar/Do jeito que seu nego gosta/Do jeito que seu nego gosta/Do jeito que seu nego gosta/Cortando espaço de norte à sul/Do jeito que seu nego gosta/Gotas de mel no seu sorriso blue/Do jeito que seu nego gosta/Do jeito que seu nego gosta/Te ver brilhando em meu olhar/Do jeito que seu nego gosta/E te amando peço seu cantar/Do jeito que seu nego gosta/Do jeito que seu nego gosta/Do jeito que seu nego gosta/Cortando espaço de norte à sul/Do jeito que seu nego gosta/O jeito molhado do seu corpo nú/Do jeito que seu nego gosta/Do jeito que seu nego gosta/Te ver brilhando em meu olhar/Do jeito que seu nego gosta/E te amando peço seu cantar/Do jeito que seu nego gosta/Do jeito que seu nego gosta” (Do jeito que seu nego gosta)




Entre as várias experiências sem sua trajetória se destaca a turnê ao lado de Jimmy Cliff, dez anos depois daquele show da Fonte Nova que foi fundamental para suas convicções político musicais. Foram três anos de 50 apresentações de abertura para o jamaicano, passando pela Europa, Estados Unidos e Ásia, visitando países como a Jamaica e o Senegal, e conhecendo personalidades como Youssou N´Dour e Salif Keita.



Em maio de 2006 ele comemorou seus 25anos de careira com show no Teatro Vila Velha. Teve uma época que o artista montou um bloco sem cordas, o Coração Rastafari, com grande participação popular. Lazzo trocou o abadá por três quilos de alimentos para distribuir com entidades assistenciais. Por causa dessa ação social, foi muito criticado. “A Bahia e o Brasil são ingratos porque valorizam muito mais o que vem de fora do que o que se produz aqui dentro”, disse em uma entrevista.



“Do horizonte vai rasante o meu grito, vai encontrar/aquele negro bonito/Que transava bem o corpo e o espírito, possuído de/amor e conflito/No seu rosto sempre viam sorrindo/ôooo/No teu corpo moço, moço... onde a paz fez abrigo/Foi no teu corpo moço, moço, moço onde a paz fez/abrigo/Sempre amava a mother negra Jamaica/Era um pedaço da nossa mãe África/Ele queria igualdade entre as raças/E batalhava nos palcos de praças/Cantando reggae/Ele era o seu povo rasta/Falando a dor que fere a negra e oprimida raça/A muita gente que não tem cidade/Ele deixou amor, tristeza e saudades/E uma voz que floresce e invade e fortalece o grito de/liberdade/Liberdade, eu grito, eu grito Liberdade/Grito aflito, eu grito ao meu coração Rastafari/Liberdade, eu grito Liberdade... (Coração rastafari)




Foi no show de estreia Luz no Escuro, no Vila Velha que Baby Santiago, outra grande voz, desta vez da rádio baiana, chamou Lazzo para produzir um disco e perguntou-lhe seu nome. Na época seu nome artístico era Lazinho Diamante Negro. Depois, por causa do Ilê, Lazinho do Ilê. E Baby sugeriu Lazzo com dois zes e Matumbi, que segundo ele era uma pedra sagrada da Nigéria. O nome ficou.



“A minha pele de ébano é.../a minha alma nua/espalhando a luz do sol/espelhando a luz da lua (2x)//Tem a plumagem da noite/e a liberdade da rua/minha pele é linguagem/e a leitura é toda sua//Será que você não viu/não entendeu o meu toque/no coração da América eu sou o jazz, sou o rock//Eu sou parte de você, mesmo que você me negue/na beleza do afroxé, ou no balanço no reggae//Eu sou o sol da Jamaica/sou a cor da Bahia/eu sou você e você não sabia//Liberdade Curuzu, Harlem, Palmares, Soweto//Nosso céu é todo blues e o mundo é um grande gueto//Apesar de tanto não/ tanta dor que nos invade, somos nós a alegria da cidade/apesar de tanto não/tanta marginalidade, somos nós a alegria da cidade (2x)” (Alegria da Cidade)




“Duas coisas me enchem o saco. Uma é as pessoas ficarem o tempo todo dizendo que ´você canta pra caramba´, mas não me dão a oportunidade de cantar. Isso é de uma demagogia que é bem a cara da nossa cidade, do nosso país. Eu adoro você, mas não lhe dou emprego. Acho você um profissional maravilhoso, mas não lhe chamo para fazer nada. Outra, é quando eu vou visitar um amigo, tô querendo curtir a amizade dele, o momento, e aí vem alguém e pede pra que eu cante uma música. Isso é uma coisa que me aborrece e algumas pessoas ainda dizem: ´esse cara é cheio de pose´. Outro dia eu perguntei a um advogado amigo meu se ele podia bater uma petição, depois que ele me pediu pra cantar. Ele pulou fora...”, disse Lazzo em uma das entrevistas que deu. Verdadeiro!




"Passar quarenta anos, e não se corromper, fazer música de qualidade, com compromisso, músicas que passado todo esse tempo todo mundo canta até hoje, é uma 'responsa' que eu tenho, e que eu preciso devolver ao meu público" disse em uma entrevista ao jornal Correio.


24 janeiro 2020

80 anos de nascimento de Ildásio Tavares




“Não existe hora certa, existe o meu relógio,/Lembrando sempre com seu tic-tac/Que há vida/Para ser vivida,/Que houve a vida/Que não se viveu./Não importa que o rádio renitente ruja/São tal hora e tal minuto,/Hora oficial,/Afinal,/Que há de oficial em minha vida?” (O meu tempo, Ildásio Tavares)



Há 80 anos, dia 25 de janeiro, nascia Ildásio Tavares. Poeta, romancista, novelista, dramaturgo, ensaísta, tradutor, compositor, Ildásio Tavares (1940 – 2010) pertenceu à geração da Revista Bahia, ao lado de Cyro de Mattos, Marcos Santarrita, José Carlos Capinam, Ruy Espinheira Filho e tantos outros.



Ildásio Marques Tavares nasceu na fazenda São Carlos, atual município de Gongogi, região cacaueira da Bahia, no dia 25 de janeiro de 1940, filho de Eduardo Tavares dos Santos e Hilda Marques Tavares. Estudou em Salvador, onde se formou em Direito, e em Letras pela Universidade Federal da Bahia. Fez mestrado na Southern Illinois University, dos Estados Unidos, doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós-doutorado na Universidade de Lisboa.



Publicou artigos de filosofia, cotos, poemas e traduções em revistas da Bahia, Rio e São Paulo. Pouco tempo depois ampliou sua colaboração a Minas Gerais, Pernambuco e Portugal. Seu primeiro livro de poesia, Somente um Canto, foi publicado em 1968 e a esse seguiram outros, de poesia e em prosa: romances, teatro e ensaios.




Entre os livros publicados estão Imago, Ditado, O canto do homem cotidiano, Tapete do tempo, Poemas seletos, Livro de salmos, IX Sonetos da Inconfidência, Lídia de Oxum, O amor é um pássaro selvagem, O domador de mulheres, A arte de traduzir... entre outros. É ganhador, entre tantos prêmios, do Leonard Ross Klein, de tradução; do Afrânio Peixoto, de ensaio; do Fernando Chinaglia, de poesia; e do prêmio nacional do centenário de Jorge de Lima.



Seu trabalho como jornalista compreende participação em vários periódicos, entre os quais, Diário de Notícias, Jornal da Cidade, A Tarde e Tribuna da Bahia. Membro praticante do candomblé, foi consagrado Ogan Omi L’arê, na casa de Oxum, e Obá Arê, na casa de Xangô e no Axé Opô Afonjá. Como  compositor teve 46 músicas gravadas por Vinícius de Moraes, Maria Bethania, Alcione, Toquinho, Nelson Gonçalves e Maria Creusa.




Também foi autor da ópera Lídia de Oxum.com música de Lindembergue Cardoso,  regida por Júlio Medaglia, levada às margens da Lagoa do Abaeté, em Salvador, para um público de aproximadamente 30 mil espectadores. Depois, foi apresentada em diversos palcos brasileiros. Tradutor e professor de Inglês, durante quase vinte anos, serviu-se dessa experiência para o seu livro A Arte de Traduzir. Faleceu no dia 31 de outubro de 2010, aos 70 anos, em razão de um grave acidente vascular cerebral, que resultou em falência múltipla dos órgãos. Grande perda. No meu livro Gente da Bahia, publicado em 1997, selecionei 100 personalidades baianas, incluindo Ildásio Tavares.



Restos (Ildásio Tavares)



Há um resto de noite pela rua

Que se dissolve em bruma e madrugada.



Há um resto de tédio inevitável

Que se evola na tênue antemanhã.



Há um resto de sonho em cada passo

Que antes de ser se foi, já não existe.



Há um resto de ontem nas calçadas

Que foi dia de festa e fantasia.



Há um resto de mim em toda parte

Que nunca pude ser inteiramente.


22 janeiro 2020

100 perfis de personalidades negras


O escritor, pesquisador e compositor fluminense Nei Lopes reuniu em sua obra Afro-Brasil Reluzente os perfis de cem personalidades notáveis da afrobrasilidade do século XX. Trata-se de um ABC de intelectuais negros atuantes nas mais diversas áreas do conhecimento humano, do A de Abdias Nascimento ao Z de Zezé Motta. O recorte, de personalidades nascidas nos anos 1900, faz incluir Cartola, mas excluir Pixinguinha, e chega a figuras que se notabilizaram apenas nos anos 2000, como a filósofa Djamila Ribeiro ou a apresentadora de tevê Maju Coutinho.



O formato, limitado por força do número estipulado de cem personalidades, tem as ausências de Paulinho da Viola a Jorge Ben Jor e Tim Maia ou de Leci Brandão e Zeca Pagodinho a Mano Brown, a maioria, no entanto, Lopes se esforça por citar dentro de outros verbetes. As presenças, por outro lado, são de fato reluzentes, de Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus a Joel Rufino dos Santos e Muniz Sodré, de Mãe Stella de Oxóssi a Milton Santos, de Gilberto Gil a Seu Jorge.




Estão lá músicos das antigas, como Cartola, Luiz Gonzaga e Clementina de Jesus, e nomes mais recentes dos palcos, caso de Gilberto Gil, Fabiana Cozza e Seu Jorge. Há escritores e pensadores, entre eles Conceição Evaristo, Milton Santos e Paulo Lins, e gente mais pop da TV, como Maju Coutinho e Lázaro Ramos.



Em um equilíbrio entre gente conhecida (Pelé, Candeia, Marielle Franco, a colunista da Folha Djamila Ribeiro) e surpresas (Alzira Rufino, Sonia Guimarães, Ingrid Silva), o livro plana sobre a presença negra em nossa cultura e formação social e serve como provocação para pesquisas mais aprofundadas sobre essas pessoas. Dos baianos constam Guerreiro Ramos (fundador da sociologia), Goya Lopes (design), Emanoel Araujo (artes plásticas), Muniz Sodré (sociologia), Mestre Didi (artes), Neuza Maria Alves da Silva (juíza) e Gilberto Gil (cantor).




“O principal critério que usei para selecionar as 100 personalidades foi a história de vida, procurando aqueles que efetivamente superaram as dificuldades de ser negro no Brasil e se tornaram ´visíveis´, pois esta é a maior questão que se coloca. Esse é o ponto em comum entre os personagens: a superação da invisibilidade, apesar de tudo. E fizeram isso de diversas formas, até com a `marra`, como é o caso do admirável Paulo Cézar Caju, que pouca gente teria coragem de escalar num time como o dos reluzentes”, explica Nei Lopes.



A escalação do escrete realmente não foi tarefa fácil. O autor mesclou figuras de fama nacional, como Pelé, Dona Ivone Lara e Grande Otelo, a outras que merecem mais notoriedade, como Enedina Alves Marques, primeira negra a se graduar em Engenharia no país, em 1945. As escolhas atravessam todo o século, do capoeirista Mestre Bimba, nascido em 1900, à bailarina Ingrid Silva, de 1989, passando ainda pela escritora Conceição Evaristo, o cineasta Luiz Antonio Pilar, a jornalista Flávia Oliveira e a vereadora Marielle Franco.



“O que eu mais desejo é contribuir para o fortalecimento da autoestima dos meus iguais, sobretudo os jovens. Só assim poderemos alcançar representatividade e mudar o que está aí”, diz Nei Lopes, que se comoveu enquanto escrevia as histórias. “Um dos mais emocionantes foi Carlinhos Sete Cordas, que conheço desde os 16 anos. O cara se tornou um virtuose, reconhecido nas altas rodas, a partir de um violão achado no lixo. É demais, não é? O saudoso Joel Rufino também é sempre lembrado com emoção. E a superação física do venerando Haroldo Costa me toca muito”.

21 janeiro 2020

Obra revolucionária: Carnavais, malandros e heróis


Um novo tipo de antropologia, totalmente revolucionária, iluminada, numa época dde trevas, o regime militar. Carnavais, Malandros e Heróis, do antropólogo Roberto da Matta, 40 anos depois, continua atual. Trata da festa carnavalesca, da malandragem, do clientelismo e do autoritarismo embutido naquela  velha pergunta “você sabe com quem está falando?”.



Carnavais, malandros e heróis completou 40 anos de sua primeira publicação. A obra questiona: por que desrespeitamos tanto as regras enquanto clamamos por elas? No estudo do antropólogo é mostrado que seguimos uma determinada organização social, no entanto, sempre buscando certos privilégios. Roberto conta que surgiu dessa analise a expressão 'sabe com quem você está falando?'.




A obra mostra o dilema entre os aspectos extremamente autoritários, hierarquizados e violentos da sociedade brasileira e a busca de um mundo harmônico, democrático e não conflitivo nesta mesma sociedade. O lado autoritário e hierarquizado da sociedade brasileira tem três dimensões distintas. Uma é a existência de uma ordem formal, baseada em posições de status e prestígio social bem definidos, onde não existem conflitos e onde “cada um sabe o seu lugar”.



A outra é a existência de uma oposição sistemática entre o mundo das “pessoas”, socialmente reconhecidas em seus direitos e privilégios, e um universo igualitário dos indivíduos, onde as leis impessoais funcionam como instrumentos de opressão e de controle (“para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei”).




A terceira é o mundo do sagrado, onde se opera uma suposta equalização da sociedade, mas ao mesmo tempo são mantidas estruturas claramente hierárquicas de santidade. Estes sistemas hierarquizados operam uma dissociação entre dois mundos ideais na mitologia brasileira: o mundo da casa, onde as pessoas valem pelo que são, onde reina a paz e a harmonia, e o mundo da rua, onde os indivíduos “lutam pela vida” em uma batalha impiedosa e anônima. Nesta batalha, as principais armas são, alternativamente, a afirmação dos privilégios de status das pessoas das classes dominantes (“você sabe com quem está falando?”) e a redução dos indivíduos às leis impiedosas do mercado e da burocracia.



Carnavais, malandros e heróis" de Roberto da Matta (Rocco) é um marco da Antropologia e Ciências Sociais. A obra foi progressivamente tornando-se referência uma referência, indispensável para quem quer compreender o país e em particular, o fenômeno do carnaval, deste que é o autor mais citado nas produções acadêmicas brasileiras.


20 janeiro 2020

Centenário de Fellini


Hoje, dia 20 de janeiro de 2020 comemora-se o centenário do nascimento do cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993) um dos maiores mestres do mundo do cinema. Era lírico e humorístico. Filmava como quem pintava, como um contador de histórias. Como realizador rejeitou desde muito cedo o cinéma verité em favor daquilo que ele chamava de cinema-falsidade. Em seu trabalho, tudo e nada é autobiográfico. 


Para ele, as memórias da vida real e as fantasias dos filmes são claramente intercomunicáveis. Fellini deixou uma marca tão grande na história do cinema e das artes que se transformou em adjetivo. Ele se comunica om o público através de símbolos, investigando a realidade pelo viés onírico.


Durante a adolescência, entra em contato com o circo, os filmes de Hollywood e as histórias em quadrinhos americanas, que influenciarão seu estilo. Em 1937 muda-se para Florença, onde trabalha como caricaturista. No ano seguinte vai para Roma estudar direito, mas acaba criando histórias em quadrinhos e canções para o teatro de revista e rádios. Começa no cinema aos 19 anos, escrevendo roteiros de comédia.


Em 1945 colabora no roteiro de um dos marcos inaugurais do neo-realismo italiano, Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rossellini. Estreia na direção em 1952, com Abismo de um Sonho. Casa-se em 1943 com Giulietta Masina, estrela de vários de seus filmes. Em 1953 realiza Os Boas-Vidas. A consagração vem com A Estrada da Vida (1954), ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro e do Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza.


Em 1957 conquista o segundo Oscar com As Noites de Cabíria. Em 1960 filma A Doce Vida, que trata da decadência da burguesia italiana. Três anos depois dirige Fellini Oito e Meio, obra autobiográfica sobre um cineasta em crise. O filme rende-lhe o terceiro Oscar. Com Amarcord (1973) - que quer dizer eu me lembro no dialeto natal de Fellini - ganha o quarto Oscar. No filme, reconstrói sua juventude em Rimini durante a ascensão política do fascismo. O último sucesso de público é E la Nave Va, rodado em 1983. Dez anos depois recebe mais um Oscar, pelo conjunto da obra. Seu último filme é A Voz da Lua (1990).


O cineasta, que morreu em Roma a 31 de outubro de 1993, deixou-nos algumas obras-primas da Sétima Arte, casos de A Estrada da Vida (1954), As Noites de Cabíria (1957), A Doce Vida (1960) e Amarcord (1973). O seu último filme foi A Voz da Lua (1990).


Retratou, de modo exemplar, a burguesia do seu tempo (os seus tiques e maneirismos) através de uma linguagem corrosiva e, por vezes, impiedosa. Escreveu alguns livros e tinha uma grande paixão pelo circo, que considerava uma arte maior. Um realizador que colocamos ao nível de Ingmar Bergman e Akira Kurosawa e, mais recentemente, de Martin Scorsese e Woody Allen.

19 janeiro 2020

Registro do artista gráfico Setúbal pela Criativo




Sketch book é um caderno rascunho para registrar ideias e composições para posteriormente transformar em pinturas em telas ou usar outro suporte como papel e aquarela ou outro tipo de técnica. Alguns fazem os rascunhos e deixam dessa forma em cadernos. Servem para registrar a evolução do artista nos desenhos. E é isso o que a Editora Criativo está fazendo. Já lançou mais de 90 álbuns com os trabalhos de diversos artistas gráficos brasileiros.




O volume 1 foi com o baiano Paulo Setúbal. Registrou o trabalho do artista com esboços e artes-finais em vários estágios, estilos e técnicas, tiradas de seu acervo pessoal, num flagrante não convencional de sua produção ao longo da carreira. O objetivo da coleção é formar uma grande galeria com os mais diversos estilos e traços, indo de nomes consagrados a iniciantes, incentivando o talento individual. Os álbuns têm acabamento com a qualidade, 64 páginas, papel off-set 150g, capas cartonadas com orelhas, no tamanho 21x28 cm, e mostram como cada profissional do desenho é um universo empírico e individualizado, seja ele um autodidata ou com formação acadêmica, havendo alguns pontos em comum na forma de criar e desenvolver os trabalhos.




Paulo Henrique Setúbal é cartunista, ilustrador, desenhista, argumentista, roteirista de quadrinhos, autor de textos de humor e artista plástico. Assina seus trabalhos como Paulo Setúbal ou simplesmente Setúbal. Nasceu na cidade de Candeias, na Bahia, onde viveu até os 9 anos de idade. Nesse período, as revistas de quadrinhos e o cinema eram suas grandes paixões, as primeiras inspirações e os elementos motivadores para seus primeiros desenhos. Buscando reproduzir o que via nas telonas e nos gibis, começou a desenhar e nunca mais parou. Quando seu pai, paulista de Pindorama, resolveu retornar para o interior de São Paulo, inicialmente, a família morou em Bauru por três anos. Pindorama, a terra natal do patriarca, foi o destino seguinte e ali viveram por dez anos. Com a morte do pai, a família mudou-se para a capital paulista.




Em Sampa, disposto a fazer quadrinhos profissionalmente, buscou todas as informações possíveis a respeito dessa arte. Essa busca o levou a procurar o desenhista e editor Minami Keizi, que lhe indicou o também desenhista Ignacio Justo, de quem recebeu inúmeras e valiosas orientações que muito o ajudaram a fazer evoluir o seu desenho. Pensando em aprimorar-se, passou a cursar a Escola Panamericana de Artes, embora seu aprendizado tenha, em sua maior parte, acontecido mesmo de forma empírica.




Passando a residir em Salvador, iniciou a colaborar profissionalmente com jornais e revistas da imprensa baiana. Nela, trabalhou por mais de duas décadas, produzindo charges, caricaturas, cartuns, tiras, histórias em quadrinhos, pôsteres e ilustrações. Fez ilustrações para dezenas de livros de autores diversos. Como cartunista e caricaturista, colaborou com a imprensa alternativa, participou de diversas exposições coletivas e individuais, tendo também participado de Salões de Humor, havendo sido premiado no Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Atuando como artista plástico, fez igualmente diversas exposições, coletivas e individuais, tendo sido premiado por duas vezes com suas pinturas em Salões da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Tem telas adquiridas por colecionadores da Espanha, Portugal, França, Espanha e Itália, entre outros países do mundo.




Sobre o artista, comenta o pesquisador Gonçalo Júnior: “Setúbal é original, dono de um traço único, singular, personalíssimo. Ao mesmo tempo, traz em sua arte todo o sincretismo de raças, credos e ícones da cultura baiana e nordestina – tento de Salvador quanto do interior. Como o cordel e a xilogravura. Desde o começo de sua carreira, que ganhou ênfase nas páginas do jornal A Tarde, até a produção mais recente, Setúbal tem demonstrado talento tanto para a caricatura e o cartum como para a ilustração, para a imprensa e capas de livros e a história em quadrinhos – linguagem próximas, porém com características próprias”.






Mais informações sobre o artista, leia:

SETÚBAL: “Desenhar, para mim, é abraçar o mundo e a mim mesmo”

18 janeiro 2020

Correio da Bahia: um quarentão amadurecido


Para comemorar quatro décadas, o jornal Correio lançou no dia 15 de janeiro no  Marina Summer House o livro CORREIO - 40 Anos de Inovação. Escrito pelo jornalista Nelson Cadena, a obra de 40 capítulos conta os principais momentos vividos pelo jornal criado em 1979. O Correio foi o quinto jornal diário a circular na Bahia. Os outros eram Diário de Notícias, A Tarde, Jornal da Bahia e Tribuna da Bahia. Além dos jornais diários, a cidade contava com três sucursais que produziram notícias diárias para leitores do resto do país: Jornal do Brasil, O Globo e O Estado de S.Paulo.



A descoberta na Bahia da maior mina de ouro do Brasil foi a manchete do número de estreia.. Desde que surgiu, há 40 anos, o Correio da Bahia fez questão de chamar atenção para a forte ligação do jornal com a cultura local. Os dizeres, saberes e figuras que circulam pela cidade da Bahia eram destaques no Caderno de Cultura. Fui contratado para trabalhar no Correio da Bahia no dia 01 de novembro de 1978 e fiquei até 30 de junho de 1987 (como consta na carteira de trabalho) no cargo de Editor do Caderno de Cultura.




Minha equipe era formada por jovens jornalistas como Shirley Pinheiro, Osmar Martins, Luís Claudio Garrido e Vera Gondim. Esta última indicada pela família de ACM. Mais tarde integrou a equipe Rogerio Menezes e Clodoaldo Lobo (Lobo antes era repórter do Caderno Cidade). Uma das coisas que mais me impressionava no trabalho de Clodoaldo Lobo é que muitas vezes, ele entrevistava o artista, anotava poucas linhas e quando chegava na redação transcrevia na integra tudo o que foi analisado na entrevista. E sempre teve (e tem) uma postura ética na profissão. Admirável!




A língua adequada do soteropolitano, os assuntos de interesses dos baianos, a quebra da invisibilidade de uma certa parte da cultura baiana (os demais jornais só focavam em artistas de grande sucesso), o mapeamento da cultura suburbana, tudo isso ajudou a alavancar a credibilidade do Caderno de Cultura que alcançou altos picos na primeira década de existência do jornal.



Ana Lúcia Magalhães entrou para escrever a coluna Gente do início até 1986. Diferente das outras colunas sociais, Ana atualizava o cotidiano e a cultura da sociedade baiana. Muitas vezes ela acompanhava a gente nos bastidores da noticia (show no TCA para ir ao camarim dos cantores ou atores etc), passávamos muitas informações de primeira. E ela era uma pessoa muito simples e direta. No Circo Troca de Segredos, um dos grandes momentos da cultura alternativa da Bahia, ela frequentava com a gente os espetáculos.




Vale registrar que depois que saí do Correio, já nos anos 2000 a 2007 nas edições de domingo, o jornal começou a publicar o Correio Reporter, com grandes histórias da cultura local: museus, cinemas antigos, teatros, grandes atores, atrizes, escritores, bailarinos etc, além de dar grande ênfase nas questões de identidade negra e racial.



O Caderno de Cultura foi também o primeiro na cidade a publicar matérias de comportamento. Ou seja, pessoas simples mas que tinham uma marca forte na localidade como o vendedor de picolé da praia da Barra que era muito conhecido pela sua forma peculiar de vender o produto, cantando versos, ou mesmo uma senhora que morava nos Barris e tinha uma coleção valioso de bonecas (mais de 600). Como não conseguia ter filhos, essas bonecas eram tratadas como filha. A matéria teve boa repercussão e até virou capa de um dos LPs do grupo Chiclete com Banana. Também matéria das garotas de faziam toples na praia da Boca do Rio, os cantores iniciantes do subúrbio, as peças de teatro alternativos e toda voz que era invisível, mas tinha força na comunidade teve espaço no jornal.



Na época o editor do caderno não poderia assinar as matérias, mesmo que escrevesse. Então, além de publicar matérias especiais (como comemorar 30 ou 40 anos de algum personagem de HQ, Pasquim, etc), escrevia colunas de literatura, música e quadrinhos. Em 1980 publiquei a coluna diária, “Cronologia das HQs”. É bom lembrar que na época o CBa foi o primeiro do Nordeste a registrar fatos cronológicos dos quadrinhos no Brasil, EUA e Europa desde o século XVIII até o século XX.   



Na época do Carnaval conseguir publicar trechos de músicas carnavalescas que mais fizeram sucesso. “Cante conosco os anos de folia” registrou de 1852: “E viva o Zé Pereira” até 1984: “Eu quero um banho de cheiro na Bahia”. Sucesso que resolvi décadas depois registrar no meu  blog: http://blogdogutemberg.blogspot.com/2007/02/cante-conosco-os-anos-de-folia-1.html



Além disso, todas as segundas tínhamos uma página inteira para mostrar o que iria acontecer na semana na área cultural da cidade (cinema, teatro, música, literatura, artes plásticas etc) e na sexta outras páginas para os acontecimentos do fim de semana. Eram edições que tinham vendagem certa. O público leitor se acostumou a ter todos os momentos culturais da localidade naqueles dois dias da semana. Fazíamos também grandes debates com os artistas para discutir entraves, saídas, soluções e alternativas da cultura no Estado. Na época tinha todos os contatos com agencias cinematográficas, empresários, programadores, artistas plásticos, músicos, atores e atrizes, cineastas etc. Isso facilitava muito o desenvolvimento das pautas culturais que tinha que produzir com editor do caderno.



A imprensa baiana sempre deu espaço para a cultura, importante segmento que interessa ao público leitor. Mas só a partir da década de 80 com o surgimento do Correio da Bahia que a cultura local teve mais visibilidade. Já que as ações de cultura não são noticiadas na condição de agentes transformadores da condição de indivíduos, esta nossa sociedade em sentido mais amplo por sua vez não tem conhecimento de que elas existem. Apenas os indivíduos que são beneficiados diretamente têm a condição de percebê-las, pois, a imprensa convencional ainda é a fala autorizada comum e principal fonte de informações para o conjunto da maioria das pessoas.




A imprensa, por se tratar de um produto do mundo moderno e por fazer parte de um sistema complexo de mercado, a transformação social através da cultura pode lhe passar despercebida ou desinteressante. A imprensa baiana sempre deu destaque aos grandes artistas, mas o que dizer da nova geração que surgia naquela época cuja efervescência era o axe music, o teatro alternativo e debochado, o cinema free, as artes plásticas que revolucionavam com nomes como Cesar Romero, Justino Marinho e tantos outros, a literatura marginal, a poesia rebelde dos novos e dos poetas da praça, as artes gráficas que ressurgia com força com a presença de um clube de quadrinhos que reforçava os artistas baianos, os grafites, e toda uma arte transformadora. Começando a perder o medo de ser negra, a Bahia atravessou a década no passo do Ilê Ayê e do Olodum, que ocuparam as ruas num rito de contagiante liberdade.



Vale destacar que Setúbal foi o principal chargista do jornal. Um equívoco de Cadena: o nome completo de Setúbal é Paulo Henrique Setúbal (e não Paulo Roberto). Na reforma editorial o Correio deixou de publicar a charge diária (1990), e a partir de 1992 passou a contar apenas com ilustradores: Carlos Simas, Caó, Rezende e Daniel. Na década seguinte, Franklin Mendes, Juha Vasku, Flávio Luiz e Wilton Bernardo.