16 fevereiro 2017

1967/2017: Aconteceu há 50 anos (04)



O ano de 1967 foi importantíssimo para as histórias em quadrinhos. Nesse período surgiu o escândalo visual da Saga de Xam, o psicodelismo de Pravda, e as aventuras de Corto Maltese.

Saga de Xam, obra em quadrinhos desenhada por Nicolas Devil e editada por Eric Losfeld em 1967, foi destinada a um público adulto, que misturava erotismo e ficção científica. Conta a viagem de Saga, a bela jovem de pele azul vinda do Planeta Xam para salvar um planeta Terra, que não merece ser salvo, mas foi evoluindo, de forma orgânica, para se transformar num manifesto coectivo, estético e político, que prenuncia o Maio de 68 e onde encontramos como figurantes no último capítulo Barbarella, Bob Dylan, Allan Gingsberg, Zappa Kalfon, Julian Beck, Lovecraft, Valérie Lagrange, John Lennon, Cassius Clay, os Hell's Angels e os Rolling Stones, entre muitos outros.

Ainda na França, Guy Pellaert lança Pravda, La Survireuse. Reforma ao máximo os seus potenciais eróticos: mini-saia pela cintura, coxas enormes e grandes botas pretas. Foi inspirada na cantora Françoise Hardy. A heroína circula no seu bolide de duas rodas, chefiando uma gang feminina, precursora das radicais Woman´s Lib. A personagem é da safra de heroínas eróticas europeias que surgiram no rastro de “Barbarella”. Mas “Pravda” bebia nas águas do psicodélico e da chamada “pop art”. Publicada originalmente em capítulos, na revista francesa Hara-Kiri, a protagonista é líder de uma gangue de motoqueiras que percorre os Estados Unidos quase nua, vestindo vistosas botas pretas e com fisionomia calcada na cantora Françoise Hardy.
 
Já o desenhista Georges Pichard lança nessa época Blanche Epiphanie, uma heroína romântica ingênua. Com um humilde emprego de entregadora de cheques, ela passava as noites remendando os trapos que de dia eram rasgados pelos clientes do banco, que sempre a assediavam. Mas a moça tinha um defensor mascarado, o herói Défendar, identidade secreta de um estudante de ciências, vizinho do quarto da moça. A história foi publicada com muito sucesso pela V Magazine e depois dela vieram outras heroínas criadas por Pichard, a maioria loiras, rechonchudas e com sardas no rosto.

Nos Estados Unidos, Gilbert Sheldon, artista underground bastante representativo, publica Freak Brothers: história de três maconheiros ripongas, que dividem o mesmo
apartamento: Fat Freddy é um gordo com apetite colossal; Phineas, um tímido bicho-grilo, e o último, Freewhelin, um radical de esquerda que odeia o "sistema" e a política. Situações engraçadíssimas baseadas na tríade sexo, drogas e rock-and-roll.

Na Itália, a revista Sgt. Kirk publica pela primeira vez o marinheiro Corto Maltese, criação de Hugo Pratt, cujos álbuns inauguram o chamado "romance em quadrinhos". Corto Maltese é a grande criação de Hugo Pratt. Este marinheiro correu o planeta em aventuras estranhas, sempre acompanhado pela magia e pelo mistério de grandes enigmas da humanidade, misturando factos reais com uma vertente fantástica enorme. É muito natural encontrar Corto sobre a influência de cogumelos, viajando no mundo dos sonhos, tocando por vezes no mundo real.


Ainda em 1967, em São Francisco que surgiam os yuppies ou hippies politizados, nome derivado do YIP (Youth International Party - Partido Internacional da Juventude). Jerry Rubin, ex-líder estudantil de Berkeley, proclamava: “Os yuppies são revolucionários. Misturamos a política da Nova Esquerda com o estilo de vida psicodélico. Nossa maneira de viver, nossa própria existência é a revolução”. Consumava-se, assim, segundo alguns, a mistura da revolução cultural com a revolução política.

O jornalista Antônio Calado publicou em 1967 o romance “Quarup”, onde descreve o intelectual da cidade experimentando a realidade da selva. Seus personagens vão viver no Xingu e, no caminho, deparam-se com a repressão no Nordeste nos primeiros anos da Revolução de 1964. E no carnaval de rua de Salvador, em 1967, a presença marcante do bloco Apaches do Tororó, nova agremiação de jovens da comunidade negro mestiça, influenciados pelos filmes de caubói norte americanos. Polêmico, agressivo, pioneiro no uso de música própria e de um tema para cada carnaval, este bloco torna-se um dos mais importantes da década seguinte, chegando a contar cinco mil participantes.


15 fevereiro 2017

1967/2017: Aconteceu há 50 anos (03)



Um grande impacto de rajada de tiros e discursos numa alegoria do caos está presente no filme “Terra em Transe”, de Glauber Rocha. Reflexão amarga sobre a derrota da esquerda, seu fluxo narrativo obedece aos delírios do protagonista (um jornalista de classe média envolvido com um político populista), ferido mortalmente. Na enxurrada de recordações do protagonista podem-se ver as contradições de um país de terceiro mundo e da pequena burguesia urbana, dividida entre o sonho revolucionário romântico e os desejos mesquinhos da realidade.

A trama do filme de Glauber Rocha, Terra em Transe é uma alegoria política, um texto que faz uso de elementos históricos muito próprios do Brasil e da América Latina como um todo, especialmente porque não se nega a mostrar as diferenças sociais, a larga oferta de posturas político-ideológicas, o embate quase infantil entre povo e poder, o uso da força militar ou do assassinato político. Através de todos esses fatos observados no Terceiro Mundo, Glauber Rocha nos mostra a crônica de uma ascensão ao poder e sua subsequente derrocada.

A política é um negócio sujo em Eldorado. O país fictício tem governantes corruptos no poder, partidários e aliados assassinos, fracos e extremistas — à direita e à esquerda — o que não facilita em nada a vida do povo, que não sabe para qual lado seguir; é facilmente enganado por palavras de consolo e de “estou anotando tudo, tudinho!” e festeja a chegada de um líder populista como se esta fosse a resposta para todos os problemas imediatos pelos quais passam: a falta de terra, a falta de
emprego, a falta de comida.

Em A Chinesa, num certo momento, Anne Wiazemski (a personagem universitária que quer destruir as universidades) explica a Juliet Berto (a camponesa que não entende nada de marxismo-leninismo) qual a importância da política na ação de um grupo revolucionário. Ao que a outra pergunta: "quer dizer então que a França de 1967 se assemelha a esses pratos sujos?" Em uma ocasião seguinte, Wiazemski explica a Guillaume (ator revolucionário brecthiano, Jean-Pierre Léaud) o que é lutar em duas frentes: lutar política e esteticamente.

Em A Chinesa, Godard nos dá várias definições de sua profissão de fé. Para além de todas considerações de previsão e análise sociológica a respeito desse filme, A Chinesa é, antes de qualquer coisa, o filme em que Godard mais claramente expõe o seu projeto e sua ideia do que seja fazer cinema.


Catherine Deneuve começa sua carreira como heroína ingênua do cinema francês. Aos poucos, vai se transformando numa deusa loira sofisticada, uma mulher independente que escolhe cada filme que vai fazer. 

Em “A Bela da Tarde” (1967) de Luis Buñuel ela faz o papel de pura e perversa, até fundir num novo modelo de mulher que, desde então, sempre acompanharia a atriz.
 
Libertária do ponto de vista sexual, provocativa em política, conservadora na religião. Pasolini queria captar o discurso do povo e não fazer um discurso sobre o povo. 

Seus filmes mostram a disposição de encontrar essa força primitiva que viria dos estratos populares, livre de contaminação da cultura de elite. Forças primais, as forças da saúde – o sexo, a fome, o riso, o prazer em todas as suas formas, mesmo as mais escatológicas. Contra o racionalismo pragmático, a magia e a força do irracional e do mito em Édipo-Rei (1967)

A peça "O Rei da Vela" é encenada no Teatro Oficina, em São Paulo, e revoluciona o teatro brasileiro. O diretor José Celso Martinez Correa resgata o vigor e a
ousadia do texto de Oswald de Andrade, que permanecia atual mesmo tendo sido escrito na primeira metade da década de 1930. O experimentalismo do espetáculo mesclava linguagem de circo e de chanchada e inaugurou o chamado teatro de agressão. Essa marca da obra atraiu e chocou as plateias de classe média, que durante mais de um ano lotaram o Oficina.

Ainda em 1967 um livro quebrou os cânones, valorizando a macrovisão histórica e apontando tendências universais: John Kenneth Galbraith lançou O Novo Estado Industrial alertando para uma característica crucial do capitalismo contemporâneo, a separação entre propriedade e gestão. Ele redescobriu e denunciou, as armadilhas do poder coletivo e os fantasmas da organização.






14 fevereiro 2017

1967/2017: Aconteceu há 50 anos (02)



A revolução estava no ar e os Beatles irradiam luz. 1967 era o ano do primeiro disco dos Doors e a experiência radical do Velvet Underground, mas nada comparável no lançamento de Sgt Pepper´s dos Beatles. Introduziu referências da música erudita, sonoridades indianas e uma dissonância vanguardista que influenciou todo mundo.

Gravado na véspera do "verão do amor", no início da era hippie, "Sgt. Pepper" rompeu os limites da música pop e conseguiu fazer com que um disco deixasse de ser uma simples reunião de canções para se transformar em uma obra de arte com identidade própria.

O disco introduziu referências da música erudita, sonoridades indianas e uma dissonância vanguardista influenciando todo mundo. Citado como o maior disco de rock de todos os tempos, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, inaugurava o experimentalismo eletrônico na música popular contemporânea, sendo a primeira vez que músicos do rock aproveitavam todos os recursos e possibilidades, tanto da gravação feita em estúdio quanto da eletrônica. Nesse LP, onde o popular e o erudito se encontravam, instrumentos se misturavam a estranhos sons e a música incorporava cores e gestos. Foi o primeiro “álbum conceitual”.

Foi Paul McCartney quem propôs a seus companheiros que se "transformassem em outro grupo" e sugeriu o nome de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" (A Banda do Clube dos Corações Solitários do Sargento Pimenta, em tradução livre), inspirado nas bandas que surgiam nos Estados Unidos naquela época. Gravaram a faixa título do álbum, uma canção que começava com o ambiente de um concerto - instrumentos sendo afinados, o barulho do público - e que emendava com "With a little help from my friends", a segunda faixa do disco. Esta foi outra novidade de "Sgt. Pepper": as canções se sucediam de forma contínua, sem interrupções.
 
A discoteca tomou o mundo em 1977, na esteira do filme Os Embalos de Sábado à Noite. Mas o gênero já existia desde o início dos anos 1970. O Bee Gees estourou com “Stayin´Aline”

No Brasil uma injeção de criatividade no poético da palavra cantada surgia com “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso. Ele subiu ao palco do 3º Festival de MPB, de cabelos encaracolado e gola rolê, trazendo à retaguarda as guitarras
elétricas de um grupo argentino, Beat Boys cantando Alegria, Alegria, uma injeção de criatividade na poética da palavra cantada brasileira. A letra “nouvelle vague”, feita de estilhaços de imagens para falar de um Brasil fragmentado, moderno e mais jovem. Numa entrevista de quem era o mundo de agora, Cae respondeu: “O mundo realmente é de Batman”, provocou, causando urticálias na esquerda nacionalista.

Na letra feita de estilhaços de imagens para falar de um Brasil fragmentado, moderno e jovem. O mundo das bancas de revista, da comunicação rápida. O ícone vocal da América, Frank Sinatra, curvou-se ao gênio de Tom Jobim e dividiu um disco com ele.

Garcia Márquez e seu reino visionário de Macondo lança a obra Cem Anos de Solidão. Em Macondo, os mortos envelhecem à vista dos vivos e os anjos chegam, sempre, em dezembro. Entretanto, García Márquez nunca aceitou que suas narrativas fossem rotuladas como fantasia. Talvez porque isso exilasse Macondo num outro mundo, que nem a solidão ou a liberdade pudessem alcançar. Cem anos de solidão é a mais pura história do povo latino-americano. Mas ultrapassa o momento e expõe a alma dessa história - ou como é vivenciada.

Aqui o leitor acompanhará as vicissitudes da numerosa descendência da família Buendía ao longo de várias gerações. Todos em luta contra uma realidade truculenta, excessiva, sempre à beira da destruição total. Todos com as paixões à flor da pele. E o "realismo mágico" de García Márquez não dilui a matéria de que trata --no caso, a história brutal e às vezes inacreditável dos países latino-americanos. Pelo contrário: só a torna mais viva. 

13 fevereiro 2017

1967/2017: Aconteceu há 50 anos (01)



Há 50 anos o mundo estava em ebulição na efervescente contracultura. A “febre do fazer” (na opinião de Lina Bo Barde) estava em alta.

No cinema, Glauber Rocha mostrava as contradições do Brasil em “Terra em Transe”.

Na teatro Zé Celso Martinez Corrêa estreou sua famosa montagem de “O Rei da Vela”, no Teatro Oficina.

Na música Caetano Veloso e Gilberto Gil apresentaram “Alegria, Alegria” e “Domingo no Parque”, inaugurando o tropicalismo.

Na literatura o colombiano Gabriel García Márquez consolidava o “realismo mágico” com seu “Cem Anos de Solidão” e o romantismo revolucionário do continente chegava ao fim com a morte, na Bolívia, de Che Guevara, o guerreiro imortalizado no mundo inteiro.

A ciência marcava pontos com o primeiro transplante de coração, realizado pelo médico sul-africano Christiaan Barnard. Ele entrou para a história em 1967 por ter realizado o primeiro transplante de coração em um ser humano. Ele transplanta o coração de uma jovem de 25 anos para um homem de 55 anos.

E a pílula anticoncepcional desencadeou a revolução sexual. O sexo (antes para a reprodução) pendeu para o lado do prazer. Um dos gatilhos para a revolução sexual moderna foi o desenvolvimento da pílula anticoncepcional, que deu o acesso das mulheres à contracepção fácil e confiável. Outro fator provável eram as vastas melhorias em obstetrícia, o que reduziu o número de mulheres que morrem durante o parto o que, portanto, aumentou a expectativa de vida das mulheres.

ROCK - Há exatamente 50 anos os Beatles lançavam o mais importante disco de rock de todos os tempos, o LP “Sgt. Peppers´s Loneley Hearts Club Band”.

McLuhan publica O Meio é a Massagem.

O cineasta Godard filma A Chinesa.

Gabriel Garcia Márquez escreve Cem Anos de Solidão. Zé Celso monta O Rei da Vela.  Galbraith edita O Novo Estado Industrial. Pasoline lança Edipo Rei.

Na época a tevê era em preto em branco.

O professor McLuham produziu um livro-poema-produção-visual-performance gráfico-multiautoral “O Meio é a Massagem”. Textos curtos, citações, imagens, fotos, close up, referências publicitárias, propaganda política, ilustrações clássicas, documentos etnográficos, fotograma\as. Artes gráficas e fotomontagens, tudo fundido e integrado numa complexa rede de significados cruzados e mensagem político radical. Ele introduziu a história da comunicação no estudo das mudanças culturais. Ele reagia aos que não acreditavam no seu pensamento com a frase: “Nós olhamos o presente pelo espelho retrovisor. Adentramos o futuro marchando para trás” (A roda é um prolongamento do pé). Se estivesse vivo ele ia assustar o rei!.

Quando o homem inventou a escrita já introduziu um fator restritivo no seu modo de conhecer e ser: até então, a disseminação das ideias era feita oralmente e a vida se desenrolava sob o influxo da palavra, da experiência e da percepção sensorial. Recorrendo à história antiga, McLuhan afirma que os gregos somente promoveram a inovação artística e científica depois que interiorizaram o alfabeto, partindo para uma “ênfase visual”, que os alienou da arte primitiva. O mesmo está acontecendo agora, quando a idade eletrônica reforjou o primitivismo, depois de “interiorizar o campo unificado da simultaneidade elétrica”.