11 junho 2020

País do covering


Você sabe o que é covering! É discriminação disfarçada. Uma forma de discriminação sutil pós fase   não usam seus cabelos crespos naturais de discriminação direta. Trata-se de uma forma introjetada onde o discriminado deixa de manifestar sinais mais marcantes de sua identidade, como por exemplo, os gays que não podem andar de mãos dadas, ou os negros que



O Brasil é o país do covering! Segundo o antropólogo da UERJ, Sérgio Carrari, “na medida em que os negros ascendem socialmente e assumem um certo padrão de comportamento, de vestimenta e de linguagem eles passariam por um processo de branqueamento e deixariam de ser tratados como negros”.




Será que em pleno século 21, especialmente nos grandes centros urbanos onde muita gente que se orgulha de ser livre de qualquer discriminação, tem pessoas que ainda não pode assumir sua identidade cultural? Questões sobre direitos civis, sobre preconceito e sobre assimilação ainda não estão resolvidas. Exemplos? Nas entrevistas para empregos, muitos jovens de Salvador afirmam que não poderiam utilizar cabelo rastafari porque não pegava bem já que os clientes do shopping não gostam do visual afro.



Se antes a discriminação era direta, ou seja, contra mulheres, negros, gays, deficientes físicos. No século 20, onde a luta pelos direitos civis tornou isso ilegal, agora, a nova forma de discriminação é sutil. Não contra todos os negros, mas somente contra aqueles que usam cabelo diferente.




O professor de Direito e reitor na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, Kenji Yoashino, criou um novo termo para essa questão: Covering, algo que pode ser traduzido como um acobertamento, um disfarce. “Na minha pesquisa para escrever sobre o covering, ou a discriminação disfarçada, me deparei com um provérbio brasileiro: ´O dinheiro empobrece´. Os negros americanos também conhecem isso: usam terno para trabalhar porque dizem que são mais respeitados vestidos dessa maneira. Mas, quando estão com roupas de ginástica, são mal vistos até pelos vizinhos, porque, aí, são associados a bandidos. Ter o que eu chamo de disfarce faz toda a diferença entre ser um negro bom ou um negro mau”, explica Yoashino.



O que falta no mundo de hoje é respeito. As pessoas têm que entender que existem diferenças e respeitar isso. Alisar o cabelo para tentar se enquadrar no que a sociedade exige para determinados grupos de pessoas não é o correto. Se enquadrar em certos padrões de respeitabilidade seja no modo de se vestir, de ser, de estar para ficar indistinguível é fazer concessão para ser aceito pela sociedade na sua diferença. Um preço nessa aceitação para ser discreto e não trazer sinais muito visíveis dessa diferença. E quem desafia essa situação? As leis garantem igualdade, mas as pessoas não, sempre cobrando dos outros a sua própria imagem.



É preciso ter força para mostrar que todos são iguais nos direitos, e diferentes na maneira de pensar, de ser e de estar e procurar sempre uma forma de resistência, consciente. Um bom exemplo de resistência é o do escritor americano James Baldwin que, em meados do século passado, usou a literatura para se afirmar como negro e homossexual.




Como bem escreveu o escritor brasileiro Luis Capucho (Rato), as pessoas normais vivem mais à superfície, mais à flor da pele do que outras, sempre submersas, meio sem o fôlego necessário à vida social, como os peixes que vivem mais no fundo do mar, portanto mais nas trevas, mais solitários, parados, diferentes, mais no fundo da vida. Os da superfície que dão movimento, são quem decide para que direção vai a vida, porque, com o temperamento expansivo, as atitudes e as palavras são dominantes. O assunto é complexo e é preciso um novo olhar para denunciar formas nada sutis de discriminação e preconceito. Pense e reflita sobre essa questão. (Texto escrito e publicado neste blog em 2007)

10 junho 2020

Mascarados da pop music (2)


1971 foi o ano dos Secos & Molhados. João Ricardo, Ney Matogrosso e Gerson Conrad explodiram. O rosto pintado, o corpo reluzente de purpurina, o rebolado e uma voz aguda interpretando uma mistura de rock com ritmos latinos e brasileiros, com letras que iam do folclore à poesia de protesto. Assim Ney Matogrosso e seus companheiros Gerson Conrad e João Ricardo levaram à frente um dos maiores fenômenos da história da música brasileira, o Secos & Molhados. Em 1973, saíam o primeiro disco da banda. A capa com as cabeças dos integrantes servidas em bandejas, a atitude e o repertório, fizeram do disco um fenômeno, com 800 mil cópias vendidas.




Um fenômeno musical e comportamental que dominou a Grã Bretanha entre 1971 a 1974 foi o rock purpurina (ou glam – abreviação de glamour-rock). A banda T. Rex, de Marc Bolan causou sensação com o visual extravagante: plumas e paetês, maquiagem, jaquetas de cetim e sapatos plataforma e de salto alto.




Esse visual tomou conta das ruas, privilegiando o brilho e a androgenia. Amigo de Bolan, David Bowie entrou na onda e tornou-se ainda mais popular, com figurino futurista e cabelo abóbora metálico. Seu álbum The Rise ad Fallof Ziggy Stardust and the Spiders from Mars ele criava o personagem Ziggy, um rockstar androgino e bissexual vindo de outro planeta.



Outro grande nome foi a banda Roxy Music, que revelou Bryan Ferry e Bria Eno. No som, calcado no rock'n'roll dos anos 1950 e no pop melódico, o glitter também era pura sensualidade e diversão.



Ainda da Inglaterra veio a banda Wizzard, que surgiu em 1971. Liderados por Roy Wood, eles faziam um som que misturava rock progressivo, glam rock e hard rock. Wood tinha seu estilo de pintar o rosto e foi um dos grandes influencia na maquiagem do Kiss.




No lado americano surgiram poucas bandas de glam rock. Kiss, Alice Cooper e New York Dools. Esse último visualmente eram os mais escrachados de todos, parecendo verdadeira drag queen em sua maneira debochada de se vestir e se apresentar ao vivo.




Em 1972 o baiano Edy Star, parceiro de Raul Seixas em disco de 1971, é tido como o primeiro artista glitter do Brasil. Ele consagrou-se em shows em boates da Praça Mauá no Rio de Janeiro em 1972 e 1973. E é em 1973 que a banda de hard rock formada em Nova Iorque popularizou a maquiagem – Kiss.



O vocalista e guitarrista Paul Stanley (o da estrela) se tornava em um ser andrógino, encarnação do amor. O guitarrista Ace Frehley (o de maquiagem prateada) se tornava em um alienígena interplanetário. O baterista Peter Cris se tornava em um gato (ou tigre de dentes de sabre conforme outras versões). O baixista e vocalista Gene Simmons (o com cara de mau) por sua vez se transformava em um demônio, encarnação do mal.



Durante anos a identidade real de todos foi guardada a sete chaves. Como se isso tudo já não fosse marketing suficiente os shows eram muito mais do que espetáculos de som, luz e gelo seco. Entre outros pequenos detalhes a guitarra de Ace Frehley soltava fumaça e rojões em meio aos solos, o baixista Gene Simmons voava sobre a plateia, vomitava sangue e cuspia fogo (literalmente, sem truques). A kissmania rapidamente tomou conta dos Estados Unidos. A imagem da banda estava em qualquer coisa que pudesse ser vendida, máquinas de fliperama, bonecos, máscaras, kits de maquiagem, cereais, escovas de dentes..



Na música, o grupo Marilyn Manson buscou como influência Ozzy Osbourne, David Bowie e Ziggy Starter. Sua fórmula de sucesso vem principalmente pela mídia. No palco a banda utiliza satanismo, homossexualismo e sadomasoquismo como ferramentas para atacar a cultura americana. Seu nome artístico foi formado a partir dos nomes Marilyn Monroe e Charles Manson, mostrando o que ele considerava o último e mais perturbante dualismo da cultura estadunidense.




O circo de horrores de Marilyn Manson não ficou sozinho. No final da década de 90 aparece o Slipknot, banda que adotou o visual de máscara de Hallowen, inspirado no personagem Jason, do filme Sexta Feira 13. Em 1995 o Slipknot é o heavy metal do grupo, surgido em Iowa, já é decorrência de quase tudo que veio antes, com acréscimo de pirotecnia e uma imagem de fim de mundo. As letras da banda sempre foram niilistas, sombrias, raivosas e melancólicas, o que estava em alta no mercado musical da época. Tem ainda Rob Zyumbie, Panic'at the Disco... 
(Publicado anteriormente neste blog em dezembro de 2012)

09 junho 2020

Mascarados da pop music (1)


A década de 1970 foi de explosão da música de grupos de mascarados. Tinha Alice Cooper, David Bowie, Secos & Molhados, Kisss... Mas bem antes desses existia Os Mamíferos na cena musical de Vitória, Espírito Santo, a partir de 1966. O trio era composto de Afonso Abreu, Mário Ruy e Marco Antônio Grijó. Eles assanhavam as plateias com uma performance psicodélicas, os rostos pintado, maquiagem pesada e a atuação insana e performática de um cantor andrógino (Aprígio Lírio).




A banda tornou-se uma espécie de célula vanguardista no decorrer dos anos e foi amealhando intelectuais e músicos pelo caminho. Torquato Neto, por exemplo, menciona a banda no livro póstumo Os Últimos Dias de Pompeia. Depois disso ninguém mais nunca ouviu falar do grupo, entrou no limbo junto com o movimento beat americano que eles eram tão fans.



Em 1969, Vincent Furnier trouxe um circo de excessos para o rock na virada dos anos 1960 para os 70. Alice Cooper chegou. Ele inventou o rock teatral, afrontou costumes, criou tendência, incitou uma verdadeira revolução sexual e acima de tudo, escreveu em forma de música uma verdadeira biblioteca de rock clássico. Vincent Furnier começou usando o nome Alice Cooper para o personagem andrógino que encanava durante seus shows. As apresentações eram regadas de violência performática como um verdadeiro circo repleto por psicodelia e rock progressivo.



Alice Cooper no palco era um espetáculo à parte. Um maluco numa camisa de força que escapa e estrangula a enfermeira, Alice sempre usou uma série de elementos de teatro para representar suas músicas e em todos os shows ele era executado como uma tentativa de redimir a plateia que o acompanhava ensandecida. No início ele era executado numa cadeira elétrica, mas conforme suas transgressões aumentavam, sua morte também foi sendo cada vez mais fantástica. Ele foi enforcado e chegou a ser guilhotinado em seus shows. Mas outro assunto com o qual Alice sempre gostou de mexer é a ressurreição. Alice sempre voltava dos mortos a tempo de fazer o último bis!




O ano de 1970 o Major Tom chegou na música inglesa, e em 1972 a androgenia definitiva de David Bowie com a explosão do glam rock trazendo Ziggy Stardust e o disco The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. É a história de um alienígena, encarnado pelo cantor inglês, que vem à Terra com o intuito de passar uma mensagem de esperança nos últimos cinco anos de existência do planeta, que iria acabar devido à falta de recursos naturais



Bowie utilizou toda a sua apurada imaginação e senso estético para criar o personagem do rock star alienígena que vinha do espaço para salvar a Terra. O disco reúne algumas das composições mais famosas de Bowie como “Starman”, Sufragette City” e a homônima “Ziggy Stardust”, e se tornou um verdadeiro marco do chamado glam rock. Pouco tempo depois, Bowie assassinaria seu personagem em pleno palco. Era o fim de uma verdadeira febre que tomou de assalto a Inglaterra e, posteriormente, o mundo. Mas errou quem profetizou que o fim de Ziggy Stardust era o fim de Bowie. O camaleão ainda tinha planos muito ambiciosos para o futuro. Depois viriam o andrógino Aladdin Sane, o sombrio Thin White e o isolado artista kraut dos discos gravados durante o autoexílio na então murada cidade alemã de Berlim. Até que vieram os anos 80 e a confirmação de Bowie como um megastar do rock´n´roll, agora desprovido de personas e alter-egos.




Na época, aqui no Brasil, Os Brazões, criado pelo baiano Miguel de Deus (o mesmo mentor de Assim Assado), inspirava-se principalmente na umbanda. Miguel nasceu em Ilhéus, na Bahia. Já morando no Rio de Janeiro em meados de 1969, formou a banda Os Brazões que explorava as influências africanas na música e na maneira de vestir e dançar. A banda fazia uma mistura de rock e psicodelia com elementos da música brasileira e africana e chegou a acompanhar Gal Costa em uma de suas turnês no final dos anos 60. Em 1974, Miguel de Deus criou a banda “Assim Assado”, muito bem “inspirado” no grupo Secos e Molhados. A banda fez sucesso como Gotham City, em 1969, música de Jards Macalé que o grupo defendia no IV Festival Internacional da Canção. Em 1974 o progressivo Assim Assado surgiu como uma continuidade de Os Brazões e fez um só disco. Depois disso, Miguel de Deus enveredaria pelo funk.

05 junho 2020

Ecologia é a heroína dos quadrinhos*


*(Artigo publicado no jornal A Tarde, Caderno2, página 1, 09/06/1992 por Gutemberg Cruz)



Uma coleção em quadrinhos de seis álbuns coloridos com aventuras de Jacques Cousteau está à disposição dos amantes da ecologia. A série foi lançada em 1985 pela Editora Robert Laffont, de Paris, e agora (1992) chega às livrarias brasileiras publicadas pela Siciliano. Os argumentos e desenhos são de Dominique Sérafini, que não apenas imaginou aventuras envolvendo a equipe do oceanógrafo francês Jacques Yves Cousteau. Sérafini participou delas. O realismo dos seus desenhos e a riqueza dos detalhes transportam facilmente o leitor para a aventura, como se fizesse parte da equipe Cousteau. Na aventura O Boto Cor de Rosa da Amazonia, Sérafin conta a saga do barco Calypso no Rio Amazonas. O boto cor de rosa é uma espécie em extinção, e o álbum adota uma posição preservacionista. A equipe teve que se virar em busca de ilustrações já perdidas, como astecas, fenícios e maias, pra contar a saga da Atlântida.




Lutar pela proteção do “planeta azul” e contra as ameaças que as atividades humanas fazem pesar sobre ele são os objetivos fundamentais da equipe Cousteau. Há anos, os homens do Calypso vêm vivendo mil aventuras, tais como cavalgar baleias, identificar tubarões, filmar jacarés, brincar com polvos e enguias, explorar ruínas, encontrar vestígios das civilizações submersas. Tudo está registrado na série que começa com A Ilha dos Tubarões e vai até A Onda de Fogo, passando no caminho por Leões do Calypso, O Boto Cor de Rosa da Amazonia, O Mistério da Atlântida e A Selva de Coral.




ECOLOGIA



A questão ecológica já frequenta as páginas das histórias em quadrinhos desde o início de 1980, década que marcou a ascensão dos quadrinhos adultos. Muitos autores se preocupam com o meio ambiente e discutem em suas obras a melhor maneira de como a civilização pode continuar a viver, sem que, para isso, a natureza deixe de existir. Com a onda verde que atingiu os meios de comunicação, a ecologia entrou com mais força nos gibis. Basta lembrar o Monstro do Pântano, Homem Animal, Orquidea Negra, o caipira Chico Bento, o baiano Mero, dentre outros.




Um personagem obscuro e com poucas histórias publicadas nos anos 1960 surgiu através dos traços de Carmine Infantino. Trata-se do Homem Animal, cujo poder era a capacidade de absorver as características de animais que estivessem por perto. A partir de 1988, o argumentista inglês Grant Morrison iniciou a sua versão do herói e, em pouco tempo, a revista Animal Man passou a ser uma das mais elogiadas pela crítica e público. Motivo: as histórias têm sido a sua aproximação real com os animais, não apenas para extrair poderes, mas para sentir o que eles sentem. A partir daí, Morrison humaniza os animais que aparecem nas histórias: um golfinho relata ao impressionado herói como foi a festa anual da matança de uma aldeia de pesadores; a agonia de um chipanzé aidético e estágio terminal, propositadamente contaminado pelo homem. O Homem Animal se envolveu tanto com as causas ecológicas que, ao chegar em casa e encontrar a geladeira cheia de pedaços de amigos seus, virou vegetariano. O enredo é consistente, e os desenhos de Chas Troug e Doug Hazlewood, bem estruturados.




VEGETAL



A febre verde continuou ainda pelas mãos de outro inglês. Desta vez, Alan Moore, que utilizou o Monstro do Pântano, a criatura idealizada por Len Wein e Bernie Wrightson como uma mutação humana em contato com produtos químicos e a vida dos pântanos do Sul dos EUA. Para ele, o Monstro do Pântano não era uma aberração e sim um vegetal capaz de pensar e, como tal, sentir o sofrimento das plantas, infligido pelo homem. Moore começou a revitalizar o personagem em 1983 e criou o Parlamento das Árvores.




Outra personagem dos anos 1970 que foi revisitada nos aos 1980, a Orquídea Negra, ressurge como a mais rara das flores. Na verdade, ela é um ser híbrido, que necessita das mesmas condições que uma planta precisa para sobreviver. Mas ela não é uma planta...Nem uma mulher. A Orquídea Negra é um enigma de rara beleza e poesia. O autor dessa nova origem é o escritor inglês Neil Gaiman, junto com o desenhista Dave Mckrean, que usou uma técnica mista de tinta e óleo com tinta spray para carros e filtros de tecido sobre aquarelas. Em cada imagem sequenciada, a fusão do expressionismo figurativo e abstrato com o impressionismo numa atmosfera de sonho, imaginação, memória.



O personagem de Paul Chadwick, Concreto, chegou a ser profético numa história, ao ponderar a seus amigos sobre os perigos dos acidentes com petroleiros em alto mar, citando explicitamente a Exxon. Dias após a publicação dessa história, o petroleiro Exxon Valdez poluiu a costa do Alasca. E até o Príncipe Submarino, Namor, em sua fase idealizada por John Byrne, tornou-se um empresário que dedica seu tempo a comprar indústrias poluidoras. Mais recentemente, a Editora Abril colocou no mercado uma revista em quadrinhos para as meninas: Barbie, onde o ponto alto, além da moda, é o movimento ecológico. Frank Miller em sua obra Give Me Liberty questionou a respeito do futuro da Floresta Amazônica.



AMAZÔNIA



No Brasil, a Brasiliense vem lançando a importante coleção Ecologia em Quadrinhos. O terceiro volume enfocou o tema Amazônia. A autora é uma jovem advogada, que começou fazendo tiras nos jornais de São Paulo. Dotada de grande talento, senso de humor original e texto de primeira, Cláudia Lévay fez um trabalho de fundamento científico na base das aventuras do jacaré-tinga Jorge Ginga e do papagaio urbano Eurico. Os dois embrenham-se nos mistérios da Floresta Amazônica, e juntos explicam o funcionamento do maior ecossistema florestal do mundo. É visível a qualidade literária do texto. “Tanto uma criança quando um ativista verde  podem utilizar este livro de linguagem simples e acessível, tal o rigor de seus dados científicos básicos”, escreveu no prefácio o professor e jornalista Alvaro de Moya.



A obra despertou interesse da Organização Mundial da Saúde, na Suíça, e a Brasiliense lança, dentro da mesma coleção e da mesma autora, Pantanal, Mata Atlântica e outros. Um importante trabalho na luta pela relação do homem e seu meio. Maurício de Sousa, autor da Mônica e sua turma (Cebolinha, Magali, Tina, Cascão dentre outros), considerado o Walt Disney brasileiro pelo alto índice de vendagem e tiragem de seus gibis, sempre se preocupou com a flora e a fauna. Seus personagens Papa Capim, Chico Bento e Horácio, dentre outros, discutem a questão do meio ambiente. Em 1990, a Superintendência Estadual de Rios e Lagos, distribuiu em todas as escolas do Rio de Janeiro, 30 mil exemplares da cartilha A Turma do Pererê, de Ziraldo, esclarecendo que jogar lixo no rio polui e entope o curso d´água; que o desmatamento, além de provocar deslizamentos, encher o rio de lama, e que não se deve construir nada nas margens do rio.





Na Bahia, há mais de 20 anos, o cartunista Paulo Serra vem divulgando o seu personagem Mero na luta ecológica. Mero surgiu para criticar e alertar sobre a devastação do meio ambiente. “Mero – diz o autor – nasceu em plena metrópole paulista, de uma rachadura de parede, um ser de forma arqueada e corcunda que, passado para o papel, ganhou uma cabeça com quatro pontas, em forma de coroa, óculos redondos, terno e gravata, estereotipo de um cidadão urbano. Com o desenrolar de suas atitudes, sempre dosadas de forte cunho ecológico, recebeu o nome de Mero, que, como substantivo, quer dizer piche e, como adjetivo, puro, simples, genuíno, sem mistura. Portanto, achei este adjetivo ideal, pois o tema natureza sugere pureza e simplicidade”. Filiado, hoje ao grupo ecológico Germen, Paulo Serra vem trabalhando durante todos esses anos em favor da causa ecológica.




Também o baiano Cedraz, criador de Joinha, Pipoca, Birita, Turma do Xaxado e muitos outros desde os anos 1970 discutia a questão ecológica e seus quadrinhos. Assim, todos esses personagens como Homem Animal, Monstro do Pântano, Orquidea Negra, Jorge Ginga, Chico Bento e Mero, cada um a seu modo, fazer parte da preservação da natureza. Seria bom que essa consciência ecológica pudesse passar das páginas dos gibis para a realidade. Mas é um passo. Sonho também se torna realidade.


04 junho 2020

A revolta do verde


No início tudo era verde. A relva, a selva, a seiva. A floresta, a mata, o jardim. As plantações se espalhavam por toda a região e a vida florescia. As flores eram cheias de cores, as folhas verdejantes, as árvores gigantes, e o ar exuberante. Tudo era vida e amor.




Nesse mundão esverdeado não havia barulho, só silêncio que as vezes era quebrado pelo soprar do vento, as folhas do coqueiro balançando, as palmeiras se agitando e tudo mais refrescando.



O rio corria solto para o encontro do mar. O sol brilhava tanto para dar mais vida no pomar e a lua chegava sorrateira logo após o sol se deitar. Mas houve uma quebra do silêncio, a presença do ser humano chegou a quebrar esse encantamento, e o homem severo deu fim no firmamento.




Começou derrubando árvores, queimando o mato para construir casas, apartamentos, edifícios. E o concreto se espalhou em todas as direções. As plantas gemiam, sofriam a devastação. Mas o homem nem socorria, queria mais espaço para construção.



Cada vez mais o verde foi desaparecendo e a fumaça da indústria crescendo. A poluição chegou forte, os rios ficaram à deriva, na morte. Foi secando, secando a toda sorte.




E logo o que era verde amarronzou-se em todo sertão. A vida verde se apagou em muitas regiões. Mas a natureza não aguentou tanta devastação. Reuniu todas as árvores mais resistentes, espalhando sementes pelo poente e semeando a terra novamente.



Primeiro foi crescendo no norte, depois no sul, ao chegar na cidade, o chão tremeu de verdade, e a natureza reclamou seu espaço na cidade.




As casas foram tombando, a enchente dos poucos rios foram chegando, o mar se aproximando e depois tudo foi se arrumando.



O homem que devastou agora agoniza no morro, as terras se abrindo, buracos negros surgindo e a morte emergindo. Logo tudo virou cinzas e pó. Ressurgindo a natureza feito nó. Nó de galhos secos revigorados, plantas verdes nos telhados e todo verde revigorado.



Agora volta o silêncio. O sol brilhou novamente e a selva tomou de volta o que era seu. Nesse planeta, o verde rejuvenesceu.




Nada mais para se dizer, o silencio cresceu.



E a vida verde se estabeleceu. Dou ponto final  nessa história que o verde venceu. Não se toma de ninguém aquilo que é seu! (Gutemberg Cruz. Outono de 2014)

02 junho 2020

Um enigma de rara beleza e poesia: Orquídea Negra


Quando a minissérie foi publicada no Brasil em 1990 pela Editora Globo o sucesso foi imediato. Agora a minissérie escrita por Neil Gaiman e ilustrada por Dave Mckean é republicada numa edição de luxo com direito a capa dura, pela Opera Graphica Editora. Trata-se de Orquídea Negra. A personagem surgiu pela primeira vez no nº428 da revista Adventure Comics, agosto de 1972. Participou das histórias da Supermoça, apareceu na revista Super Friends e foi integrante da antiga legião dos Super Heróis, sempre sem passado nem futuro, apenas com o presente. Depois passou a fazer parte do Esquadrão Suicida na série Crise nas Infinitas Terras para logo em seguida desaparecer.





Gaiman e McKean pegaram a personagem totalmente obscura e criaram uma obra-prima. A graphic novel tem visual inovador. A história da personagem é recontada de outra maneira e toma novos rumos cheios de beleza e poesia. Num ambiente cinzento e corrompido pelo poder de um magnata sem escrúpulos chamado Lex Luthor, a Orquídea Negra ressurgir como a mais rara das flores. Na verdade, ela é um ser híbrido que necessita das mesmas condições que uma planta precisa para sobreviver. Mas ela não é uma planta...nem uma mulher...A Orquídea Negra é um enigma cuja solução encontra-se em seu próprio passado.



Em busca de suas origens, ela depara-se com seres bastante incomuns como o Monstro do Pântano, Hera Venenosa e o Homem Morcego. O autor dessa nova origem é o escritor inglês Neil Gaiman (Sandman, o Mestre dos Sonhos). Usando uma técnica mista que mistura tinta e óleo com tinta spray para carros e filtros de tecido sobre aquarelas, o desenhista Dave Mckean trabalhou as imagens da minissérie mantendo apenas o tom do uniforme da Orquídea, cor púrpura, intacto. Os cenários mudavam de tonalidade de acordo com a situação e o estado de espírito dos personagens. Lembra o filme de Bergman, “Gritos e Sussurros”, ou mesmo o trabalho do desenhista Bill Sienckiewicz.




A narrativa mostra como Philip Sylvian, um botânico que estudou na mesma classe de Pamela Isley (futura Hera Venenosa, inimiga de Batman) e Alec Holland (que se tornaria o Monstro do Pântano), desenvolveram criaturas mistas de planta e ser humano. Essas criaturas, geradas a partir de orquídeas, foram feitas à imagem de uma outra botânica por quem Sylvian era apaixonado. Mas cada uma das plantas carrega em si uma espécie de memória genética que é despertada conforme cresce, e uma série de incidentes pode impedir essas memórias de despertarem totalmente. As criaturas têm poderes enormes e uma tendência a fazer o bem, mas não sabem se devem se importar mais com plantas ou seres humanos.



O problema começa a surgir no momento em que o ex-marido da musa que inspirou as orquídeas de Philip sair da cadeia e envolver Lex Luthor na história. Luthor passa a fazer de tudo para dominar o segredo das orquídeas. Ao mesmo tempo, duas delas - uma adulta e uma criança - tentam manterem-se vivas, longe de Luthor e reiniciar o plantio de sua raça.




Na obra, Orquídea Negra busca sua identidade tal qual uma criança inocente que começa a conhecer o lado negro do mundo: o Asilo Arkham. “Ela é uma flor – conta Neil Gaiman -, não uma divindade da natureza como o Monstro do Pântano. O termo técnico que usei para ela foi Rainha da Primavera com todas as implicações que isso traz, inclusive vida curta. Os Monstros do Pântano vivem eternamente, as Rainhas da Primavera não. Elas representam beleza, inocência, pureza e paz”.



Antes que Dave pegasse o lápis – conta Neil – nós conversamos sobre o que queríamos fazer com a atmosfera de cada número da minissérie. A decisão inicial foi de que a primeira parte seria muito direta, ousadamente realista. Tudo acontece em cidades e salas dentro de um mundo feito pelo homem”. Os tons arroxeados da Orquídea convivem com o cinza, o preto e o branco, do mundo ao seu redor. “Na segunda parte, começamos a explorar outras coisas como o Central Park de Gotham City e o cemitério nos fundos do Asilo Arkham. Ainda são locais feitos pelo homem, mas há profundezas estranhas neles”. As cores se misturam gradativamente.




Ao fazer a última parte, sabíamos que tudo aquilo tinha que sair bonito, porque tudo acontecia em áreas selvagens: as flores tropicais da Amazônia e os pântanos da Louisiana. Em vez de minúsculos borrifos de cor num mundo cinzento, nós temos minúsculas pessoas cinzentas movendo-se dentro da bela floresta tropical. E é neste último número que há uma explosão de cores. Orquídea encontra o Monstro do Pântano, e acaba na Amazônia, onde enfrenta agentes de Lex Luthor. Em cada imagem sequenciada, a fusão do expressionismo figurativo e abstrato com o impressionismo numa atmosfera de sonho, imaginação, memória. Essa viagem através da arte estonteante de Mckean atravessa caminhos que parecerão novos, mas que sempre estiveram lá, apenas nunca havia sido trilhados. E tudo começa com uma orquídea e um pôr-do-sol. Belo. (Texto publicado neste blog inicialmente em 28 junho 2006).