30 setembro 2009

Pornografia deixa a alcova para passear à luz do dia (3)

LONGA CRISE - "O único ciúme que existe é o sexual", disse a francesa Catherine Millet na sua palestra, em que foi entrevistada pela psicanalista brasileira Maria Rita Kehl. Definindo-se como "uma exploradora desse pequeno território que sou eu mesma", Millet falou sem constrangimento sobre seu sofrimento durante uma longa crise de ciúmes dos casos extraconjugais de seu marido, relatada em seu livro mais recente, "A outra vida de Catherine M.". Catherine tem com o marido uma relação aberta, e já havia relatado suas aventuras sexuais em "A vida sexual de Catherine M.". Apesar da própria liberdade sexual, porém, há alguns anos, ao se deparar com anotações do marido e cartas das amantes, ela se descobriu ciumenta. “Eu sofria com o ciúme e também com a descoberta desse aspecto desconhecido de mim mesma”, contou.

Ciúme que se combinava a uma fantasia masoquista de traição que era recorrente em suas masturbações, disse, mas que foi avassaladora quando se apresentou como realidade. “Só ao perceber, na análise, que no fundo eu estava gostando de sofrer por ciúmes é que a crise começou a se dissipar”.
A Revista da Cultura traz uma entrevista com Catherine Millet. Ela ficou exposta como uma mulher independente, intelectual e aparentemente bem resolvida na vida conjugal. Mas, talvez essa imagem que alguns poderiam ter de Catherine não fosse tão tranquila assim. No ano passado, ela voltou às livrarias com um novo trabalho Jour de Souffrance (Dia de Sofrimento). Desta vez, surpreendeu seu público ao contar como foi afetada por um incontrolável e violento ciúme que sentiu das relações extraconjugais do seu companheiro: o escritor e fotógrafo Jacques Henric. Eis trechos da entrevista:
Seu livro mostra que mesmo uma moral libertária e o fato de assumir uma sexualidade muito livre não impede que se caia na armadilha do ciúme. Segundo suas palavras, você viveu o ciúme como uma pulsão primária e devastadora. Como foi essa experiência?
Infelizmente, penso que se pode ter uma filosofia de vida e convicções que um dia entram em contradição com movimentos do inconsciente. É algo ainda mais primitivo no fundo da psique humana, e que pode ser da ordem do ciúme. Seguidamente me perguntam se penso que me enganei, se questiono a filosofia libertária, e minha resposta é negativa. Se vejo pessoas ao meu redor que seguem esse modo de vida e que escapam do ciúme, eu lhes direi que ela têm muita sorte e tanto melhor. Eu continuo convencida de que o amor e a sexualidade são coisas distintas, e que nessas condições é melhor preservar no seio do casal uma certa liberdade sexual. Não questiono isso. Uma das razões que me fizeram sofrer quando me descobri ciumenta é que ainda era suficientemente consciente para me dar conta de que estava em contradição com meus princípios. Eu me dava conta, meu companheiro também, ele era o primeiro a me dizer: “Como é que você, com a vida que leva, pode ser ciumenta assim?”. Descobri nessa época que o ciúme é um dos sentimentos que controlamos mais dificilmente. Por isso que digo que é primitivo. Por vezes temos a impressão de sermos levados ao nível do animal que demarca seu território.
Você acredita que possa haver um ciúme … e nocivo?
O ciúme é uma pimenta sexual que pode agir de diferentes formas. Há, por exemplo, o caso desses amigos libertinos (James Joyce e Georges Bataille), que têm prazer em ver suas mulheres com outros homens. Mas pode ser também o desejo de vencer o desafio de ver a tensão daquela pessoa que você ama atraída por outro, e nesse momento você tem vontade de reagir e de atrair novamente a atenção dela. Mas se isso toma uma forma patológica, aí é algo terrível. É um dos sentimentos mais horríveis que se pode experimentar.
Foi o seu caso?
Eu ainda tinha a capacidade de falar com Jacques, de refletir sobre, fiz análise, o que ajudou me livrar disso. Mas se você é realmente prisioneiro desse sentimento, acaba nas páginas policias dos jornais. Mata-se por ciúme.
Você prega uma democratização da sexualidade para que cada um posso revelar sua verdadeira natureza sem sofrer socialmente. Que tipo de democratização seria essa e em que estágio ela está hoje?
Há uma imagem do libertino, herdeira do Marquês de Sade, de pertencer a uma elite. Os personagens de Sade são aristocratas que se isolam do resto do mundo e que submetem aos seus desejos outras pessoas, que se tornam objetos. Ainda hoje há a ideia de que um certo modo de vida sexual seria reservada a um tipo de elite ao mesmo tempo sexual e intelectual, e que essa elite distinta do resto da população humana pode se permitir transgressões proibidas aos outros. Não aprecio essa ideia de uma elite para a qual seria reservada a possibilidade de transgredir certos tabus. Eu me dei conta disso depois da publicação de A Vida Sexual de Catherine M., porque, curiosamente, vi libertinos reagirem de forma negativa ao meu livro. Era curioso, porque, afinal, eu fazia parte do círculo deles. Mas compreendi que de uma certa forma eu traía um pouco essa confraria de libertinos. Eu não considerava a transgressão de tabus como um valor em si, enquanto que para essas pessoas se trata de um valor. Eu milito para que todo o mundo possa dispor dessa liberdade sexual, sem pertencer a nenhuma elite ou ter essa satisfação narcísea de dizer: “Eu fui capaz de transgredir um tabu”.
E os movimentos feministas hoje?
Eu me sinto mais à vontade com jovens de hoje que tentam reinventar o feminismo, se apropriar de formas de expressão que permitem às mulheres exprimir suas visões da sexualidade, do que com mulheres que nos anos 1970 pensavam que todos os esquemas sexuais eram construídos pelos homens e que era necessário rejeitar isso em bloco. Eu me sinto mais próxima das mulheres que não estão nesse feminismo rígido, mas que estão no estado no qual as mulheres se apropriam das “ferramentas simbólicas”. Elas filmam, fotografam, escrevem e falam de sua própria visão da sexualidade, em vez de rejeitar tudo.
A literatura libertina não é algo novo. Já no século 18 imprimiu sua marca, tendo o Marquês de Sade como principal expoente. A que você credita o enorme sucesso, nesse início de século 21, de seu livro A Vida Sexual…?
Penso que os costumes na sociedade evoluíram bastante. Mesmo se ainda há associações que pedem a censura de obras licenciosas ou que condenam certos comportamentos, de uma forma geral o conjunto da população em nossas sociedades é muito mais aberto. Notei com o sucesso de A Vida Sexual… que mesmo se as pessoas não partilham do modo de vida e da filosofia libertária, estão prontas a aceitar que outros o façam. Há essa mínima tolerância. Muitas pessoas me disseram: “Jamais ousaria fazer o que você fez, mas compreendo muito bem que seja a sua escolha”. Isso prova que há uma abertura de espírito, uma abertura aos outros bem maior do que havia antes. Além disso, eu tinha 20 anos em 1968, pertenço a uma geração que acreditou nessa utopia da liberação sexual, que a sociedade evoluiria de uma forma em que os corpos seriam trocados facilmente. Compreendemos que não era tão simples assim. Mas havia um pouco esse sonho.
Existe para o ser humano prazer fora da obscenidade? A pergunta é uma formulação sua.
(Silêncio). Acho que sim. Para mim, a obscenidade é um força erótica. Falar durante o ato sexual, falar palavras obscenas, olhar imagens obscenas, imaginar situações obscenas, são recursos que excitam muito minha libido. Mas também me ocorre ter muito prazer sem passar por essas representações obscenas. E todo o mundo não tem o espírito feito da mesma forma. Penso que quando há uma relação de desejo muito forte, pode-se abster de representações obscenas desse tipo. Por onde passa o desejo é algo muito sutil. Meus dois livros interrogam sobre isso, mas de forma alguma esgotei o tema. Veja os fetichistas, um fetichista do pé, do sapato, como se vê em Le Journal d’une femme de chambre (de Octave Mirbeau, 1900). Um par de sapatos, para você, para o comum dos mortais, não é uma imagem obscena. Talvez que essa imagem de sapatos vá suscitar em um fetichistas um desejo louco pela mulher que calçá-los, algo que para você é algo misterioso. Os caminhos do desejo, de uma pessoa a outra, são tão inapreensíveis, tão difíceis de entender, não posso dar uma resposta categórica a essa questão.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves) e na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

29 setembro 2009

Pornografia deixa a alcova para passear à luz do dia (2)

Depois de vender mais de um milhão de exemplares pelo planeta, com tradução em 45 idiomas, a obra chocou os leitores principalmente por causa da preferência de Catherine pelo sexo grupal, mais ainda pelo fato de a autora ser também a fundadora da respeitada revista francesa "Art Press". Em meio a tudo isso, ela viveu o casamento com o escritor Jacques Henric, que não participava das experiências de sexo em grupo, e está com a escritora até hoje. Sem pudor algum, a escritora falava abertamente sobre os seus relacionamentos extraconjugais e expôs exatamente como eram as suas relações sexuais. Preferia não observar os rostos dos homens, tampouco saber os seus nomes.
Catherine dizia seu corpo era divido em dois. O físico servia apenas para se explorar o prazer, a prática do sexo em qualquer lugar, seja no cemitério ou até no escritório da revista em que trabalhava. E o amoroso era reservado apenas para o marido, com quem vive há cerca de 30 anos. Entretanto, o mais surpreendente da sua própria vida não são apenas as experiências sexuais, mas sim a sua crise avassaladora de ciúmes que viveu quando descobriu a infidelidade do marido. Como qualquer mulher, a romancista descobriu o gosto amargo da traição e conta no seu mais recente relato autobiográfico "A outra vida de Catherine M" o que sentia quando o espionava: seja lendo suas cartas ou e-mails.
O título original é "Jour de Souffrance", uma expressão francesa com dois significados: “dia de sofrimento” e ainda “janela que se pode abrir para a propriedade do vizinho, deixando passar a luz, sob a condição de que seja guarnecida de uma vidraça fixa e opaca”. Mais fiel a sua vida impossível. O lançamento da tradução desta obra foi durante 7ª edição da FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), realizada em julho.
Como ela mesma revela em entrevistas, a sua filosofia libertária em relação ao corpo e ao sexo não a impediu de sentir o ciúmes, e por conta disso, afinal a sua vida sempre foi um livro aberto, ela se sentiu na obrigação de relatar também os sentimentos de uma mulher ciumenta.
CIÚME SEXUAL
Convidada para participar da sétima edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), a escritora e diretora da revista francesa Art Press Catherine Millet, 51, chocou os leitores parisienses ao revelar no polêmico "A Vida Sexual de Catherine M." (Ediouro, 2001) detalhes da sua intensa vida sexual.
Traduzida para 45 idiomas e com mais de 1 milhão de cópias vendidas em todo o mundo, a autobiografia mostra como após perder a virgindade aos 18 anos, a respeitada crítica de arte passou a manter relações sexuais com desconhecidos em lugares inusitados, como na redação da sua revista, à beira de estradas e em bancos públicos, mesmo sendo casada com o romancista Jacques Henric há 20 anos.
Ao contrário da imagem de mulher liberal (e libertina, para alguns) que a autora transmitia, Millet surpreendeu a todos ao declarar que foi tomada por um ciúme incontrolável ao descobrir que seu marido também mantinha encontros extraconjugais. Enquanto vivia uma crise no casamento, a autora decidiu escrever "A Outra Vida de Catherine M." (Ediouro, 2009), no qual discute este sentimento que é indomável para alguns e presente em relações afetivas diversas, além de descrever as armadilhas do casamento aberto. "Foi muito mais difícil escrever "A Outra Vida de Catherine M." do que "A Vida Sexual...", porque sou muito mais pudica com meus sentimentos do que com meu corpo. Mas faço parte daquele grupo de autores que, para escrever, devem estar muito libertos daquilo que desejam contar. O tempo verbal que utilizo é sempre o imperfeito", disse a autora em uma entrevista.
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28 setembro 2009

Pornografia deixa a alcova para passear à luz do dia (1)

A crítica e curadora francesa Catherine Millet, diretora da revista Art Press, especialista em Salvador Dali e Yves Klein viu o polêmico relato de seu passado libertino se transformar no grande sucesso editorial da França em 2001. Suas orgias por bosques parisiense foram traduzidas para 24 idiomas. No Brasil, “A Vida Sexual de Catherine M” foi lançado pela Ediouro e figurou na lista dos dez livros mais vendidos. O livro se transformou num fenômeno literário mundial, traduzido para 45 línguas, vendeu mais de 1,2 milhão de exemplares e transformou sua autora numa celebridade. Nele, uma mulher de 50 anos conta como se entregava a homens que nunca vira antes, nos locais mais inesperados, como um bosque de Paris, um estacionamento subterrâneo, um cemitério, uma estação de trem e mesmo no escritório da revista Art Press, fundada e dirigida pela própria Millet, crítica de arte e especialista em Salvador Dalí.

A vida real colocou Millet diante de um problema que consistia em conciliar a vida de mulher totalmente livre com um casamento duradouro. Ela é casada há muitos anos com o escritor e fotógrafo Jacques Henric, autor de Lendas de Catherine M, e viveu um casamento totalmente aberto. Na obra Catherine fala da própria sexualidade com uma espécie de objetividade indiferente, sem um grão de culpa, nem de romantismo, nem de paixão. Fala do que a excita como se descrevesse o que lhe dá sono.

No seu depoimento assumidamente autobiográfico, desde a primeira adolescência, nutria em suas fantasias masturbatórias o desejo de se entregar a muito homens de uma só vez. Perdida a virgindade, aos 18 anos, dedicou-se a pôr a fantasia em prática. Clubes privados em Paris, parques mais ou menos retirados da cidade, em todos os lugares ela serviu a astros do cinema, poderosos homens de negócios e a trabalhadores humildes. Suas orgias na maioria das vezes era com homens dos quais nunca conheceria o rosto.
Mais que uma narrativa picante, porém, o livro ode ser visto como o registro de uma profunda mudança de hábitos sexuais que estaria em curso na sociedade contemporânea. Daí, talvez, venha boa parte de sua enorme força. O relato das orgias de Catherine M não seria apenas uma confissão isolada, mas a crônica de novos costumes, ainda ocultos.
Trata-se da nova idade da pornografia da qual Catherine é uma expoente: agora, a pornografia quer deixar a alcova, já não se contenta com sua existência clandestina. Mas quer passear à luz do dia. Daí a adequação do estilo sem nenhuma culpa que caracteriza a autora. Trata-se de um discurso de afirmação, não de arrependimento.
O próprio marido de Catherine Millet, o romancista e também crítico de arte Jacques Henric poucos dias após o lançamento do livro da mulher, publicou um outro, com fotos dela. São cerca de 30 nus de Catherine clicados por Henric a partir dos anos 70. O título: Lendas de Catherine M. Sete anos após o sucesso mundial de “A Vida Sexual de Catherine M”, ela conta em outro livro, “Dia de Sofrimento”, como o ciúme penetrou em seu casamento.
A diretora da Art Press se mantém no comando da revista desde a sua fundação, e considera que seu trabalho como crítica de arte é o que a torna de fato uma figura relevante. Mas é inegável que foi o livro sobre sua vida sexual que a tornou conhecida mundialmente. "A Vida Sexual de Catherine M." foi traduzido para 45 línguas, vendeu mais de 1 milhão de exemplares e fez com que sua autora passasse três anos viajando pelo mundo para falar sobre ele. Que a repercussão do livro foi tremenda ela não nega, como já publicado pela imprensa inúmeras vezes, mas assume que não era, de maneira nenhuma, esperada.
Millet diz que começou a escrever o livro como forma de explicar como ela e seus amigos haviam praticado uma ideologia de liberdade sexual, assunto muito abordado e discutido na própria Art Press em artigos sobre psicanálise ou sobre escritores voltados para a literatura erótica, como Georges Bataille. Para ela, nada dessa bagagem intelectual realmente explicava suas experiências individuais. Era necessário devolver complexidade ao tema da liberdade sexual; as teorias desenvolvidas a esse respeito, muitas delas feitas por homens, transformaram algo tão polêmico em umas poucas idéias simplistas.
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25 setembro 2009

Tempero da vida (5)

A comida no cinema

Muitos críticos comparam o filme grego “O Tempero da Vida” com o mexicano “Como Água Para Chocolate” por causa, talvez, do efeito transformador da comida sobre as pessoas. A comida como alimento da alma, da vida e do aprendizado da história de cada um. Além de usar a comida como desculpa para falar de temas mais complexos e filosofar sobre a vida, as duas produções também têm em comum os altos valores de produção, resultando num filme bem acabado com o intuito de conquistar as audiências internacionais. “Como Água...” conseguiu ganhar o Oscar de filme estrangeiro. Já “O Tempero” era o representante da Grécia na premiação, mas nem conseguiu ser indicado.

Sucesso na Grécia, o longa O Tempero da Vida estreou no final de 2003, e lida com as conturbadas relações entre turcos e gregos, mas ao invés de apontar as diferenças, através da cozinha mostra as semelhanças das duas culturas. O diretor e roteirista Tassos Boulmetis se baseou em experiências pessoais para escrever o roteiro que se desenvolve como um grande flashback, no qual o professor de física relembra a sua infância e adolescência. No estilo de "A Festa de Babete" - que utiliza a gastronomia como metáfora - "O Tempero da Vida" usa a comida e seus temperos, como um modo de mostrar as pessoas, as simplicidades da vida. O filme é uma experiência sensorial que compara a comida, os temperos aos prazeres e momentos e fases da vida. Pimenta, sal, canela, cada coisa com seu sabor e sua medida, afinal, tanto a comida quanto a vida precisam de um pouquinho de pimenta para ter gosto.


Você tem fome de quê?!

O prazer é algo que está sempre permeando a vida do homem, seja lá de que maneira ele venha. Tem gente que foca todo seu prazer no sexo, outros a voltam para uma outra atividade, como ouvir uma música, praticar esportes, dançar… E há ainda os que voltam seu prazer todinho para a comida É essa a idéia central de “Estômago” (Brasil / Itália 2007).

O filme conta a história da ascensão e queda de Raimundo Nonato (João Miguel), um cozinheiro com dotes muito especiais. Trata de dois temas universais: a comida e o poder. Mais especificamente, a comida como meio de adquirir poder. E pode ser definido como “uma fábula nada infantil sobre poder, sexo e culinária”. A trama toda fica passeando entre os prazeres que a comida desperta nas pessoas, além de despertar uma certa ojeriza pela maneira que vemos alguns pratos serem preparados. Estômago é isso, sem trocadilho, um filme pra mexer com o nosso estômago, em todos os sentidos.

Em sua estréia mundial no Festival do Rio 2007, o filme consagrou-se como grande vencedor, tendo recebido quatro prêmios: Melhor Filme pelo Público, Melhor Diretor, Melhor Ator e Prêmio Especial do Júri. Em sua estréia européia, no Festival Internacional de Rotterdam, na Holanda, recebeu o prêmio Lions Award e foi o segundo colocado, entre 200 longas, na preferência do público. Teve participação especial no Festival de Berlim 2008, com direito a jantar inspirado nos pratos do filme, e venceu o Festival Internacional de Punta Del Este, no Uruguai, com os prêmios de Melhor Filme e Menção Especial de Melhor Ator. A fita marca a estréia de Marcos Jorge na direção de longas-metragens, depois de uma bem-sucedida carreira como diretor de curtas-metragens, filmes publicitários e artista-plástico especializado em vídeo-instalações. O filme foi inspirado no conto “Presos pelo Estômago”, de Lusa Silvestre, que assina, junto com Marcos Jorge, o argumento do filme.
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24 setembro 2009

Tempero da vida (4)

No Brasil, o conjunto feijão-com-arroz é a alimentação cotidiana, em todo o território nacional. E a a feijoada é o prato que revela muito sobre a sociedade brasileira. Mas, se todas as culturas atribuem significados ao comer, nem todas dão à culinária, a mesma importância. A culinária francesa, a italiana, a chinesa e a japonesa são classificadas como as mais afamadas e conhecidas, em oposição a outras tais como a inglesa, a alemã e a escandinava, desprestigiadas e mesmo alvo de anedotas. As cozinhas orientais trazem um grau de ritualização muito grande.

Dentre todas, a francesa é considerada a melhor cozinha. Independente do consumo, a França é o ponto de referência em culinária, de famosos cozinheiros (os Chefs) a novas modas alimentares (a Nouvelle Cuisine, por exemplo). Trata-se de uma identidade construída numa determinada primazia, reconhecida dentro e fora de suas fronteiras. Este processo de criar uma "arte" transforma o ato alimentar em profundidade, distanciando-o cada vez mais da simples manutenção do organismo. Um marco neste processo é o livro de Brillat-Savarin, A Fisiologia do Gosto, escrito em inícios do século XIX. Considerado um "tratado de gastronomia", segundo Roland Barthes, ele exprime "a grande aventura do desejo". É de Brillat-Savarin os dizeres: "O Universo nada significa sem a vida, e tudo o que vive come. Os animais se repastam; o homem come; somente o homem de espírito sabe comer".

As cozinhas locais, regionais, nacionais e internacionais são produtos da miscigenação cultural, fazendo com que as culinárias revelem vestígios das trocas culturais. Hoje os estudos sobre a comida e a alimentação invadem as ciências humanas, a partir da premissa que a formação do gosto alimentar não se dá, exclusivamente, pelo seu aspecto nutricional, biológico. O alimento constitui uma categoria histórica, pois os padrões de permanência e mudanças dos hábitos e práticas alimentares têm referências na própria dinâmica social. Os alimentos não são somente alimentos. Alimentar-se é um ato nutricional, comer é um ato social, pois constitui atitudes, ligadas aos usos, costumes, protocolos, condutas e situações.

Nenhum alimento que entra em nossas bocas é neutro. A historicidade da sensibilidade gastronômica explica e é explicada pelas manifestações culturais e sociais, como espelho de uma época e que marcaram uma época. Nesse sentido, o que se come é tão importante quanto quando se come, onde se come, como se come e com quem se come. Enfim, este é lugar da alimentação na História. Do exposto, verifica-se que no cruzamento do biológico com o histórico e cultural, do social e do político, da economia e das tecnologias, emergem os marcos que permitem fazer através da comida uma reflexão sobre o próprio significado e evolução da sociedade.

O historiador e antropólogo Luís da Câmara Cascudo escreveu sobre comidas e bebidas populares do ponto de vista do “paladar”. Na perspectiva de Cascudo, o paladar é determinado por padrões, regras e proibições culturais. Mais que isso, segundo ele, o paladar é um elemento poderoso e permanente na delimitação das preferências alimentares humanas, e está profundamente enraizado em normas culturais. Diz Cascudo: “A escolha de nossos alimentos diários está intimamente ligada a um complexo cultural inflexível. O nosso menu está sujeito a fronteiras intransponíveis, riscadas pelo costume de milênios”. Assim, o paladar não pode ser facilmente modificado por políticas públicas fundadas no argumento médico de que determinados alimentos oferecem um maior valor nutritivo.
Para Cascudo, “é indispensável ter em conta o fator supremo e decisivo do paladar. Para o povo, não há argumento probante, técnico, convincente, contra o paladar...”. Modificações do paladar, argumenta, dependerão da mesma fonte de sua formação: o tempo. Qualquer sociedade ou cultura humana elabora alguma forma de distinção entre a fome e o paladar. É importante, no entanto, focalizar a natureza da relação entre essas categorias. No caso dos escritos de Cascudo, e particularmente das categorias neles expressas, o paladar desempenha uma função dominante, enquanto a fome, uma função subordinada. Em tal perspectiva, são as regras culturais e as trocas sociais que definem a natureza humana, e não as necessidades biológicas.

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23 setembro 2009

Tempero da vida (3)

Onívoro, o homem come de tudo: de formigas a baleias, de alimentos vivos a apodrecidos. Pode-se pensar que comer algo "vivo ou podre" seja algo inadmissível, existente apenas em lugares distantes, "exóticos" e/ou em povos ditos "primitivos". Porém, é bom lembrar que as ostras são comidas vivas (com limão, para o ácido dissolvê-las) assim como alguns queijos muito apreciados, tais como o gorgonzola e o roquefort, são consumidos já embolorados.

Porém, se o homem come de tudo, ele não come tudo. Há uma escolha, uma seleção do que é considerado "comida" e, dentro desta grande classificação, quais as permitidas e as proibidas e em que situação isto se aplica. Para o antropólogo Claude Fischler "a variedade de escolhas alimentares humanas procede, sem dúvida, em grande parte da variedade de sistemas culturais: se nós não consumimos tudo o que é biologicamente ingerível, é por que tudo o que é biologicamente ingerível não é culturalmente comestível".

Assim, o que é "comida" em uma cultura, não o é em outra, fato derivado não de seu valor (ou não) nutritivo ou perigo a saúde. Alguns exemplos são muito conhecidos: o cachorro não é, entre nós, comida, ou seja, não é considerado "comestível". Porém, entre alguns grupos orientais, é considerado uma iguaria fina. Da mesma forma com que os caracóis são consumidos sem problemas na França, as formigas o são em certas tribos amazônicas.

E, se o haggis escocês (prato onde são cozidos, dentro de um estômago de carneiro, pulmões de vaca, seus intestinos, pâncreas, fígado e coração, com cebolas, gordura, rim de boi e aveia cozida) pode ser repugnante para alguns, podemos lembrar a "buchada de bode", o "rabo de jacaré" e os "ovos de touro", consumidos no interior de diversas regiões do Brasil.

Mais que alimentar-se conforme o meio a que pertence, o homem se alimenta de acordo com a sociedade a que pertence e, ainda mais precisamente, ao grupo, estabelecendo distinções e marcando fronteiras precisas. Não apenas é escolhido o que se come, mas também o como (vivo, cru, assado, cozido, apodrecido, etc), e qual a técnica utilizada (cozido, assado, etc.), assim como as técnicas de preservação do alimento (defumado, salgado, congelado).

Outro aspecto envolve o quando se come e o quê. Tanto na alimentação do cotidiano (cada cultura define o que é considerado adequado para cada uma das refeições do dia, assim como quantas e quais são estas refeições e como se distribuem ao longo do dia) como nas que marcam momentos especiais, prescrevendo o que, em determinada situação, pode ou não ser consumido.

BALANCEADA - “Somos aquilo que comemos”. A frase, espécie de sentença moral recorrente na fala de médicos e nutricionistas é reveladora da vinculação cada vez maior entre alimentação e saúde presente na nossa sociedade. A preocupação com o corpo, o esforço para se evitar doenças através daquilo que seria uma “alimentação balanceada” ou mesmo o prazer à mesa sendo posto em segundo plano em nome de uma suposta “qualidade de vida”. Tudo isso descreve a forma como atualmente se configura a nossa relação com a comida: o aspecto nutricional tem preponderado na nossa alimentação. O comportamento em relação à comida revela a cultura em que cada um está inserido.

Todas as sociedades proíbem certas classes de alimentos e recomendam outras. A criação de regras, de prescrições e proibições, seja para a comida, mas também em relação a outras atividades – ao casamento, ao parentesco, à política, etc – faz parte da chamada natureza humana. Por conta disso é que muitos antropólogos têm se dedicado à antropologia da comida ou da alimentação.

Se a ciência, através dos tabus e proibições criados pela nutrição, é que tem, predominantemente, ditado as regras e os valores em relação à comida na nossa sociedade, não se pode esquecer das barreiras de outras ordens (religiosas, ideológicas, folclóricas) presentes à mesa. Há interdição da carne de porco entre os judeus.

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22 setembro 2009

Tempero da vida (2)

TABUS - Para o antropólogo norte-americano Marvin Harris, os tabus religiosos em relação à alimentação seriam regras culturais criadas a partir de problemas de adaptação ecológica. Ao explicar a origem do tabu da carne de porco no judaísmo no livro Vacas, porcos, guerras e bruxas: os enigmas da cultura, Harris afirma que a criação de suínos seria uma atividade incompatível com o nomadismo dos pastores judeus que habitavam os desertos nos tempos bíblicos: os porcos se alimentam diariamente, ao contrário dos animais ruminantes prescritos pelo Velho Testamento. A proibição seria, assim, uma forma de se impedir o consumo de uma carne cuja criação era inviável economicamente para o grupo.

“As cozinhas locais, regionais são produtos da miscigenação cultural, fazendo com que as culinárias revelem vestígios das trocas culturais. Hoje os estudos sobre a comida e a alimentação invadem as ciências humanas, a partir da premissa que a formação do gosto alimentar não se dá, exclusivamente, pelo seu aspecto nutricional, biológico. O alimento constitui uma categoria histórica, pois os padrões de permanência e mudanças dos hábitos e práticas alimentares têm referências na própria dinâmica social. Os alimentos não são somente alimentos. Alimentar-se é um ato nutricional, comer é um ato social, pois se constitui de atitudes, ligadas aos usos, costumes, protocolos, condutas e situações”, escreveu o professor Carlos Roberto Antunes dos Santos na abertura do livro Brasil Bom de Boca.

A sensibilidade gastronômica é explicada pelas manifestações culturais e sociais, como espelho de uma época e que marcaram uma época. Sendo a cozinha um microcosmo da sociedade e uma fonte inesgotável de história, é importante que algumas das suas produções sejam consideradas como patrimônio gustativo da sociedade. Desta forma, constata-se que a culinária brasileira demonstra agora a sua vitalidade, pois diz muito sobre a educação, a civilidade e a cultura dos indivíduos.

Os significados antropológicos e históricos da alimentação permitem captar traços da dinâmica de uma tríade - memória, tradição e identidade -, fazendo com que a comida seja constitutiva da identidade de um grupo, que se mantém viva nas tradições e na memória. Na cozinha prevalece a arte de elaborar os alimentos e de lhes dar sabor e sentido. Há na cozinha a intimidade familiar, os investimentos afetivos, simbólicos, estéticos e econômicos.

CULTURAL - No primeiro estágio as sociedades primitivas sobreviviam da caça, pesca e colheita natural, ou seja, do que pescavam, caçavam e das raízes e frutos que colhiam naturalmente, sem plantações e esforços para produzir. Depois surge o segundo estágio, que é praticamente a produção de alimentos onde ocorre uma domesticalização de plantas e animais, passando o homem a ser um produtor e não caçador de alimentos. A agricultura e agropecuária tomaram formas bem expressivas na alimentação de uma sociedade, e esta procurava viver em regiões férteis. O terceiro estágio é o da Revolução Urbana e Revolução Industrial, em que há a grande concentração de pessoas nos centros urbanos, ocorrendo assim, a necessidade de produção em grandes escalas de alimentos e inserção da produção industrial. A comida é uma expressão cultural distinta que envolve aspectos relacionais e interação social no ato de ingestão de alguns alimentos.

Na Espanha, o mastigar a semente de girassol é um atividade social. No Paraguai, o momento sociocultural mais expressivo é a hora do Tererê, palavra que vem do guarani (Tê = chá, Rerê = circulo, roda). O momento em que a roda dos amigos e famílias estão juntos conversando e tomando um chá gelado enquanto conversam. No sul do Brasil, o Chimarrão é outro fator cultural. O chimarrão é tomado numa roda de amigos em momento de relaxamento, descanso e prosa entre amigos. Na Itália, uma refeição é um momento de profunda comunhão familiar. Uma refeição na Itália dura até mais de 3 horas, pois este momento é reservado para estarem juntos, e o comer é um fator social. É um grande prazer participar de uma verdadeira e típica refeição italiana. Na cultura árabe, o momento das refeições é a hora de confraternização da família. As donas de casa gastam muito tempo no preparo da alimentação, fazendo com que a refeição seja o mais saborosa possível.
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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves) e na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela)

21 setembro 2009

Tempero da vida (1)

A comida é o verdadeiro tempero da vida. Cada prato ou alimento revela alguns ingredientes importantes da personalidade da pessoa. “Para viver mais, é preciso comer menos”. A frase é do médico e escritor Drauzio Varella acrescentando que uma dieta pobre em calorias retarda o envelhecimento e prolonga a vida humana. Dessa forma, comer é mais que ingerir um alimento, significa também as relações pessoais, sociais e culturais que estão envolvidas naquele ato. “A comida é tão importante e identificadora de uma sociedade, de um grupo, de um país, como é o idioma, a língua falada, funcionando como um dos mais importantes canais de comunicação”, informa o antropólogo Raul Lody em seu livro Brasil Bom de Boca (Editora Senac, 2008).


Comer é mais que ingerir um alimento, significa também as relações pessoais, sociais e culturais que estão envolvidas naquele ato. A cultura alimentar está diretamente ligada com a manifestação desta pessoa na sociedade. Alimento é um dos requerimentos básicos para a existência de um povo, e a aquisição desta comida desempenha um papel importante na formação de qualquer cultura. Os métodos de procurar e processar estes alimentos estão intimamente ligados à expressão cultural e social de um povo.

A alimentação brasileira é mais voltada para o prazer de comer, do que para o valor nutritivo do alimento. Come-se por prazer e não pelo que aquele alimento representa nutricionalmente. Não se dá ênfase ao valor nutricional do alimento, mas ao gosto e prazer da alimentação. Em síntese a comida brasileira, a comida do povo, se concentra em massas, gorduras, açúcares e carne. Na cultura alimentar brasileira não há lugar de destaque para as frutas e hortaliças. O prazer alimentar está centrado nesta mistura de massas, gorduras, doces e carnes. É necessário uma mudança na cultura alimentar, uma educação nos valores e hábitos alimentares do povo brasileiro.

MUDANÇA - Toda mudança implica transformação mais ou menos súbita e profunda de certo sistema de equilíbrio, uma fase, pois, de ruptura, até a instauração de novo equilíbrio. O poder manipulador de hábitos é outro aspecto importante, onde certos hábitos são transmitidos. Certos interesses comerciais de um produto se transformam em poder absoluto quando ocorre indução e coerção à aquisição do mesmo produto. O abalo dos modelos tradicionais de autoridade e poder decorrem na medida em que uma proposta de mudança é feita.

Se quisermos introduzir uma mudança, precisamos mudar os equilíbrios já estacionários no hábito, num sentido escolhido. Quando há um hábito estacionário já formado, a existência de forças que resistem à mudança são maiores que as forças orientadas para a mudança. Se quisermos introduzir uma mudança, é necessário diminuir as resistências a estas mudanças e aumentar as idéias e pressões em favor da mudança. A quebra de um hábito será dado mediante uma evolução nas informações transmitidas para que as pessoas façam uma tomada de decisão. Para que isto ocorra, é necessário o descobrimento de uma nova direção, a fixação de objetivo estimulante e a construção de programa coerente para atingi-la.

RÁPIDA - Na cultura ocidental, a ênfase não é no momento social da alimentação, mas se come porque é necessário ao corpo. Tudo é “fast food” (comida rápida), na visão de que não se deve perder tempo no preparo da comida, tudo deve ser preparado rápido e sem perda de tempo, pois na verdade a vida lá fora corre depressa, e você tem que comer rapidamente também. Não há um fator de interação social no processo de alimentar, se come para manter o corpo e a saúde. Não há laços de amizade e comunhão neste momento. “Fast food”, é o termo e a mentalidade da vida urbana, retirando das pessoas o valor nutritivo, a saúde integral, e as relações familiares e de amor envolvidos no momento de uma alimentação. Quando a mãe alimenta o seu bebê, ela não dá somente leite e nutrientes, dá também amor e afeto. Em todas as etapas da vida, deverá sempre haver este complemento de amor, carinho e confraternização nas refeições. “Fast food” é o corte da vida social intensa.

As práticas alimentares estão profundamente ligadas aos gostos que variam pouco, pois eles remetem a imagens inconscientes, a aprendizados e a lembranças de infância. Assim como há carnes “burguesas” como o carneiro e a vitela e carnes “populares” como o porco, coelho e salsichas frescas (na França). Há também uma hierarquia dos legumes frescos, indo dos mais sofisticados (as endívias) aos mais camponeses (os aipos) e aos mais operários (batata). O modo de preparo culinário é também revelador dos gostos de classe. Comer é então um modo de marcar sua vinculação a uma classe social particular.
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18 setembro 2009

Boilet lança o nouvelle manga

A mistura das culturas ocidental e oriental marca a obra do premiado francês Frédéric Boilet. Cansado da velha fórmula de HQ européia, em cores, 46 páginas de formato grande, o autor adotou o modelo dos orientais que, desde os anos 40 fazem mangás de uma forma mais livre, priorizando a história, a narrativa do dia a dia, podendo ultrapassar as 46 páginas limites. Boilet é dono de um traço refinado, longe de estereótipos dos quadrinhos japoneses, e cria suas histórias a partir de uma fusão entre o lápis, o nanquim e a fotografia.

“O olhar flui melhor de um quadro ao outro, o que dá um aspecto cinematográfico à obra”, explicou Boilet que cria suas HQ a partir de filmagens. Enquanto o cinema faz desenhos conhecidos storyboards para depois gerar imagens em movimento, Boilet faz justamente o contrário: constrói seus esboços a partir de uma câmara filmadora para então criar suas tirinhas.

Contando histórias cotidianas, o mangá se aproxima do cinema francês dos anos 60. Essa semelhança levou Boilet a criar o movimento Nouvelle Manga. O traço realista em preto-e-branco reflete sua proposta. Assim como o nouvelle vague, o nouvelle manga prioriza a narrativa dos relacionamentos tal como eles são no dia a dia: com naturalidade, sem retoques ou truques. “A nouvelle manga oriental se diferencia da GQ européia porque transmite sensações, faz o leitor salivar, envolvendo-o na história”, disse Boilet.
Para ele, as HQs eróticas ma Europa atraem um público predominantemente masculino por se limitar a retratar mulheres nuas em diversas posições, sem nenhuma ou pouca preocupação com a trama. Mas no Japão, metade do público é masculino, e a outra metade feminino, justamente por construir uma narrativa do cotidiano.
Boilet queria escrever sobre um francês que vai pela primeira vez ao Japão sem falar japonês. Ele passou seis semanas em solo nipônico e contou o que viveu em Love Hotel (1993). Algum tempo depois, fez outra “viagem antropológica! E passou um ano e meio em Tóquio e outros seis meses em Quioto. Dessa vez, Boilet escreveu sobre um francês que estava se adaptando à cultura oriental. Essa é a trama de Tóquio é meu Jardim (1999) e acabou se casando com a musa inspiradora dessa HQ. Os laços com o Japão se estruturaram e, no ano seguinte, ele se mudou definitivamente para Tóquio. Mais tarde lança O Espinafre de Yukiko, ganhador do prêmio de Angoulême em 2004.
Em entrevista Boilet afirmou que estava com vontade de sair pelo mundo fazendo quadrinhos-reportagem. “O Japão era o lugar certo para começar. Pela dificuldade de acesso, por não falar a língua e não conhecer praticamente nada do país, me coloquei o desafio: se conseguir fazer quadrinhos lá vou conseguir fazer em qualquer lugar do mundo!” Sobre sua obra, o autor diz que “Meu interesse sempre foi falar do cotidiano, de todos os elementos de uma relação entre um homem e uma mulher. Sedução, primeiro encontro, separação. Não há sentido em contar uma história de amor que termina quando a luz do quarto é apagada.” E mais, sobre a cultura japonesa relata que “por não viverem numa sociedade judaica nem cristã, os japoneses não ensinam suas crianças para que se sintam culpadas com relação ao desejo sexual. O sexo é considerado um jogo. No lugar da culpa, o que eles têm é uma noção de vergonha. Se alguém te olha com olhar desaprovador, aí você sabe que aquilo é ruim. Mas, no quarto, quando os dois estão com as portas fechadas, não existe essa pressão.”
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17 setembro 2009

Arte de borracharia

De 1900 a meados dos anos 60 artistas como George Petty, Earl Moran, Zoê Mozert, Gil Elvgren, Peter Dribén e Alberto Vasgas se dedicaram a pintar mulheres em trajes sumários e provocantes, num estilo hiper-realista, quase fotográfico. Os críticos de arte esnobavam esse tipo de trabalho, discriminavam com a resposta que era “comercial”. Acusação babal uma vez que obras de arte de um Cézanne ou Renois também são comercializadas. Mas quem responde a essa discriminação são os pesquisadores Vharles G. Martignette e Louis K. Meisel. Em 1966 eles lançaram pela editora Taschen, o livro The Great American Pin Up. São 380 páginas com reproduções em cores de exemplares do gênero.


São as pin ups como os americanos se referem ao que seria essa “arte de borracharia”. Isso porque no começo significava apenas um desenho de mulher na parede da oficina. Ela representava o tipo de mulher que muitas garotas americanas gostariam de ser e, sem dúvida, que os homens gostariam que elas fossem. E nas primeiras seis décadas do século XX não havia suporte gráfico que não os usasse: cartões postais, calendários, baralhos, revistas, cartazes de cinema ou teatro, espelhos, anúncios publicitários, capas de livros e discos.

Num universo dominado pelos valores masculinos, as pin-ups (e outras representações artísticas femininas, como as femme fatales ou as vamps) usaram da sexualidade, a principal arma ao seu dispor, para se contrapor ao poder patriarcal e controlar os homens. Esse fenômeno começou com o aumento da influência da burguesia, o surgimento das modernas técnicas de reprodução na imprensa e a invenção da fotografia. Fatores que possibilitaram a popularização da sensualidade feminina como um produto de consumo.

No decorrer do século 20, o fenômeno evoluiu em diferentes manifestações nas artes. Uma delas misturou sensualidade e bom-humor e criou retratos de garotas com seios volumosos, cinturas finas, pernas longas e torneadas e rostos sensuais. Esses retratos, por terem sido feitos originalmente para serem pendurados nas paredes, e por extensão as garotas que serviram de modelos para eles passaram a ser chamados de pin-ups.


Em fins dos anos 60 os borracheiros deixaram de pendurar as pin ups em suas oficinas, preferindo a página central da revista Playboy (a edição de julho da revista Playboy traz a Mulher Melancia em um ensaio fotográfico que homenageia as pin-ups que marcaram época, como Marilyn Monroe e Betty Page). Mas, além do desprestígio crítico, dos preconceitos da época, e da campanha feminista contra o que consideravam uma “exploração machista” do corpo da mulher (apesar de algumas delas como Mabel Rollins Harris, Pearl Frush, Joyce Ballatyne e Zaê Mozert fazerem sucesso pintando garotas).

Para que vocês apreciem o trabalho desses artistas, observem que a pin up é sensual, glamourosa e moleca, mas nunca ofensivo.
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16 setembro 2009

Invenção da baianidade (3)

A cultura baiana não é homogênea. Basta observar a cultura do litoral extremo sul, da região cacaueira, bem diferente da região do rio São Francisco. Ou mesmo do sertão e do oeste. E a culinária com sabores diversos em cada região, o sotaque difere tanto de um lugar a outro. São várias particularidades que diferem uma região da outra, até mesmo nas músicas escutadas nas ruas (em alto volume como se fosse trio elétrico) tem ritmos variáveis. Portanto, falar sobre uma cultura baiana merece um estudo mais aprofundado. Mas, para a maioria dos brasileiros, a Bahia está intimamente ligada à cidade de Salvador que muitas vezes é chamada a Cidade da Bahia.

O conceito de baianidade também conhecido como identidade baiana, idéia de Bahia ou o que faz ser baiano, tornou-se tão frequente que mereceu um verbete no Aurélio, dicionário da língua portuguesa no Brasil: “1. Maneiras, atitudes, sentimento, próprios de baiano. 2. Amor intenso à Bahia, à sua gente, aos seus costumes”. O sociólogo baiano Milton Moura definiu a baianidade como um ethos baseado em três pilares: a familiaridade, a sensualidade e a religiosidade. Assim os conceitos da baianidade (alegria, familiaridade, cordialidade, hospitalidade, sensualidade, religiosidade, primazia) são atributos a todos baianos e passam a ser a marca registrada da Bahia. Mas o baiano também é depreciado – o de ser burro, e do mito de preguiçoso.
Existe a idéia de Bahia como o discurso construído em torno da articulação específica entre povo, tradição e cultura, ideologicamente definidos. A idéia de nação emerge, segundo o pensador Homi Bhabha (A questão do ´outro´: diferença, discriminação e o discurso do colonialismo, 1992), através de narrativas e de discursos, como uma entidade ambígua. O nacionalismo é, por natureza, ambivalente. Um domínio onde interesses privados assumem sentidos públicos. Assim a `cultura baiana´ é um aparelho de interpretação e definição de uma realidade social cruel que foi transformada em festiva. Objeto discursivo construído como argamassa ideológica para a construção do consenso político. As contradições e desigualdades raciais, alto índice de analfabetos permanecem sem resposta no plano das relações sociais concretas.
DISCURSO - “O samba nasceu lá na Bahia”, diz uma canção famosa. A Bahia é considerada como o Estado principal da musicalidade brasileira. A importância creditada à música e aos músicos na construção do discurso de baianidade de baianidade é notável porque são estes a quem é atribuído o papel de representantes oficiais, em,baixadores, porta-vozes da Bahia.

Quando Salvador foi fundada, em 1549, a idéia principal do projeto era torná-la não apenas uma cidade fortaleza, mas o mais importante símbolo do império português nas Américas. Por conta da sua história sócio-política, as Bahia se transformou num território multifacetado.
Do século 16 ao século 18, Salvador e o Recôncavo baiano tiveram uma hegemonia sobre todas as outras regiões. Na capital e no seu entorno, estava o cultivo na cana de açúcar, a rede de engenhos para produzir o açúcar e as vias de transporte e, consequentemente, comunicação com o resto do mundo.
A partir do século 19 a Chapada Diamantina ganha notoriedade com a sua exploração de minério. Depois chega o sul cacaueiro e, por fim ganha proeminência nesta geografia estadual o extremo sul, tendo o turismo como principal atividade econômica e o oeste. A chegada das rodovias, que passaram a ser o ponto de ligação entre as diversas regiões do Estado, ao mesmo tempo que aproximou algumas de Salvador, caso do norte, afastou outras – o oeste e o extremo sul.
O oeste está mais próximo de Brasília e Goiania. O extremo sul a proximidade é maior com o Espírito Santo e com Minas Gerais. Isso fez com que o desenho econômico, cultural e social da Bahia tenha se modificado. A combinação entre a extensão do seu território e uma ênfase na capital as outras regiões baianas se aproximaram culturalmente de estados com os quais faz fronteiras.
TERCIÁRIO - A Bahia que pensávamos conhecer (como lembrou bem o economista Armando Avena) e cuja liderança econômica estava solidamente centrada o setor industrial (gerava 48% do PIB, tendo a indústria de transformação 35% desse percentual) era uma ficção. A verdadeira Bahia é um Estado terciário, fortemente vinculado ao setor de serviços, que gera 60% do Produto Interno Bruto, enquanto a indústria de transformação detém apenas 16% do produto. Essa é a Bahia que está a merecer uma ampla discussão sobre suas prioridades, planos e projetos sobre seu futuro.
CORONELISMO - A Bahia é o terceiro Estado brasileiro com o maior número de parlamentares donos de emissoras de rádio e televisão. O que se convencionou chamar de “coronelismo eletrônico”, ou seja, utilização pelo político de uma concessão estatal para usar veículo de comunicação para influenciar a opinião pública. Apenas Minas Gerais (16) e São Paulo (11) estão à frente da Bahia. Paraná e Piauí, como nove, vão na sequência. Na Bahia, 65 emissoras (radio e TV) estão nas mãos de políticos no exercício de cargo elegível
Perguntas que não ofendem:
Por que os intelectuais silenciam sobre:
O traçado da Ferrovia Oeste Leste?
A localização mais conveniente do Porto Sul?
As perspectivas da agricultura familiar?
A ampliação do Porto de Salvador?
As políticas para reduzir o desemprego, o combate à miséria?

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15 setembro 2009

Invenção da baianidade (2)

No terceiro capítulo do livro A Invenção da Baianidade (Agnes Mariano. Ed. Annablume) é analisado o que há de comum, de semelhante, o que se mantém como marca da retórica da baianidade, independente do período histórico. Assim o discurso da baianidade constrói uma explicação do mundo e define um código de conduta. O discurso indica valores, princípios, crenças, normas de conduta, habilidades, aponta problemas, arrisca justificativas, soluções, alimenta esperanças.

A evolução do pioneirismo, o lugar onde as coisas aconteceram e acontecem primeiro, retoma a história do Brasil: “Mamãezinha que morreu/Muita vez me ensinou/Que na Bahia/De iaiá/E ioió/Foi que o Brasil nasceu (Barroso, 1931) ou “O Brasil foi descoberto na Bahia e o resto é interior (Gordurinha e Diniz, 1959)”. E assim os compositores passam a várias derivações: terra tradicional, berço do Brasil, a Bahia é Brasil....
E a autora segue com outros argumentos como ser oriundo da Bahia seria um predicativo marcante e não um dado qualquer, o dever de obedecer aos costumes e repetir a tradição é tão vigoroso que quase não é percebido como um dever. Tem ainda a originalidade, superioridade e primazia. A proteção, o prazer, bem estar físico, equilíbrio mental, sensualidade.
Ao longo das canções analisadas a autora segue pistas de sociólogos, antropólogos e historiadores, além de incluir ao longo do texto elemento da história e cultura local. O isolamento de Salvador em relação ao resto do país, provocado por sua estagnação econômica, a estruturação da indústria do turismo do Estado que estimulou e produziu um discurso da baianidade inspirado numa antiga tradição de crônica de costumes sobre as práticas locais, a ascensão social da população negro-mestiça.
E nas canções dos compositores sobre pioneirismo, proveniência, hereditariedade, primazia, proteção relacionados à tradição e bem estar físico e mental desponta a idéia de conciliação, que pode ser entendida como habilidade para o convívio, para a integração. “O espírito de conciliação pode se expressar na defesa da cordialidade, permitindo a convivência entre opostos, da comunhão, isto é, o compartilhamento entre iguais e diferentes, dos direitos, deveres e experiências e da fusão de elementos distintos gerando algo novo, uma opção transformadora – o sincretismo, a miscigenação, a antropofagia. Trata-se, portanto, de uma vigorosa defesa da adaptabilidade”.
“A discussão sobre identidade cultural – definir a si próprio partindo de uma inserção cultural, coletiva, grupal – é um tema importante e polêmico no momento atual. Primeiro, porque pode conduzir a divergências, desencontros e até a guerras, mas também pode introduzir um elemento significativo, com um poderoso potencial de transformação: a união, a habilidade ou capacidade de convívio (…) Se, no plano das identidades regionais, possivelmente são – Bahia – no campo das relações sociais – e Minas Gerais – no âmbito da política – os dois locais emblemáticos desta capacidade de conciliação, quando o olhar externo se debruça sobre o Brasil, busca muitas vezes este aspecto como uma marca nacional. O que talvez seja um sinal de que esta pode ser uma das mais urgentes e fundamentais contribuições brasileiras a um mundo que já pode e precisa ser um, mas que não consegue superar um velho hábito: o de enxergar em diferenças sutis entre nações, tributos ou etnias, barreiras intransponíveis”.
A Invenção da Baianidade é um livro que deve ser lido como se deliciasse uma fruta tipo graviola, caqui ou cajá, saboreando cada parte com prazer. Tem conteúdo, é agradável de ler com diversas referências musicais e literárias, contextualiza a época em que é analisada a questão. Para presentear os amigos. Vale conferir. Boa leitura!
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14 setembro 2009

Invenção da baianidade (1)

A Invenção da Baianidade, livro da jornalista e mestre em Comunicação da UFBa e doutoranda em Comunicação na USP, Agnes Mariano, é um ótimo lançamento da editora Annablume. A autora mostra a importância “creditada à música e aos músicos na construção do discurso da baianidade, pois a estes é atribuído o papel de representantes oficiais, embaixadores, uma espécie de porta-vozes da baianidade”. O primeiro capítulo foi dedicado à “Boa terra”, às canções que retratam a Bahia pré-capitalista da primeira metade do século. E dentro do contexto histórico, Agnes Mariano descreve o ritmo da cidade de Salvador na primeira metade do século XX, pela água lenta, tranquila e acolhedora Baía de Todos os Santos.

“A Bahia chegou a ser, no século XIX, o maior centro industrial têxtil do país. Foi perdendo força com o passar dos anos, mas no final do século XIX e início do XX, ainda contava com importantes fábricas, sendo sete em Salvador e três no Recôncavo, a maior delas situada no bairro da Boa Viagem, na cidade Baixa. Boa parte da mão-de-obra era formada por mulheres e menores de idade”. E mesmo com o forte impacto provocado na economia baiana, a partir dos anos 50 (Petrobras, CIA, Pólo Petroquímico), “não foi suficiente, até hoje, para mudar significativamente o modo de vida de um grande contingente da população que, em, fins do século XX ainda permanece semi-analfabeta, desqualificada e sobrevivendo de biscastes”.

E no trabalho são apresentados canções que, cada qual ao seu modo, enunciam um modo baiano de ser e viver, através de narrativas, dissertações e descrições de diferentes aspectos, ritos e qualificativos definidos como próprios dos baianos. Sejam canções de Ary Barroso, Dorival Caymmi, Riachão, Sinhô, Herivelto Martins ou Gastão Viana. E nas canções da primeira metade do século XX, a presença constante das formas de saudar o sagrado. E nessas referências às práticas religiosas são frequentes a peregrinação ao Bonfim, a entrega de presente a Iemanjá, o uso de amuletos, a louvação do nome das divindades e outras liturgias.
Os hábitos alimentares são práticas constantemente citadas pelos compositores. Há uma estreita vinculação entre alimentação e religiosidade africana. “Uma caraterística muito presente nas canções que falam sobre alimentação é a adjetivação dos pratos e vendedores: comenta-se desde as suas qualidades até o modo correto de preparar os quitutes, de servi-los ou vendê-los, onde as características da vendedora são tão importantes quanto as do produto”. Iguarias, entre salgados e doces, os mais citados são o vatapá, o caruru, a moqueca, o acarajé e o mungunzá.
A discutida sedução do baiano não foi esquecida na pesquisa. “Desinibição, improviso, desenvoltura e ritmo marcam a forma como este desempenho físico ´´e descrito, sendo primordialmente creditado às mulheres, assim como, em décadas subsequentes, as mesmas habilidades serão atribuídas aos homens baianos que se dedicam aos instrumentos percussivos(...) O poder der seduzir e enfeitiçar através da beleza dos movimentos é um tema exaustivamente explorado pelos compositores. As formas de lidar com ele é que variam: motivo de afeto ou temor, razão para se perder o juízo e até para se pensar em casamento”.
Dentro do “modo baiano de ser” - aparência e forma de vestir – o jeito, enquanto uma disposição de espírito, coragem, virilidade são atributos acumulados com a cultura local e se dá através de vários recursos. E como afirma o autor, “em geral, a argumentação está construída sobre um somatório de qualidades”.
O segundo capítulo a Bahia se descobre cada vez mais negra. Salvador cresce, se complexifica e o discurso da baianidade também. O foco agora nas canções é a prática de origem africana e entre os compositores estão Carlinhos Brown, Luís Caldas, Ederaldo Gentil, Gerônimo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Moraes Moreira e Daniela Mercury. Nas canções dos anos 70, 80 e 90 a festa é um assunto quase onipresente. “A festa, o Carnaval e um estado de espírito comumente relacionado a ele assumem ares de elementos centrais na definição de uma ´identidade baiana´ e, agora, nomeia-e explicitamente essa tal ´baianidade´: ´Eu vou atrás do trio elétrico, vou/Dançar ao negro toque do agogô/Curtindo minha baianidade nagô´(Evany, 1991) (…) `Sagrado e profano/O baiano é Carnaval`(Moreira e Armandinho, 1988).
E é nessa capital que o autor detalha com preciosismo a força da religiosidade nas canções da segunda metade do século XX, os ritos de adesão, o sincretismo, emblemas – músicos, bairros e organizações, o bairro do Curuzu onde o Ilê Aiye foi fundado (1974), o Pelourinho com o Olodum (1979), o Candeal com a Timbalada (1993). E assim, nas composições diversas referências ao “jeito baiano” são temas creditados à Bahia como o charme, a disposição pacífica, a hospitalidade,. O despojamento, a altivez. A pobreza e seus derivados (ignorância, sujeira) e o autoritarismo e seus correlatos (clientelismo e submissão). “Onde a gente não tem pra comer/Mas de fome não morre”(Gil, 1965) ou “Baiano burro nasce, cresce/E nunca pára no sinal/E quem pára e espera o verde/É que é chamado de boçal” (Veloso e T.Costa, 1987). Assim nesse discurso da baianidade, várias facetas de uma mesma questão, “pois a tensão e a ambiguidade são inevitáveis”.

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