31 maio 2011

Balada de um homem solitário (1)

Há dois tipos de artistas: os que saem com sua câmara para nos informar sobre a realidade – injustiças, opressões, fracassos sociais – e os que se deixam fascinar pelo interior das pessoas. Ambos são necessários. Pertenço ao segundo grupo” (Ingmar Bergman)



Prefácio


A narrativa é um retrospecto, feita pelo personagem principal, Augusto, contada na primeira pessoa. Pretendemos relatar uma história que sucedeu ao narrador/personagem. Augusto é o ponto de vista do qual o leitor vê os acontecimentos, isto é, a história apresentada na maneira por que Augusto a experimentou, interpreta e expõe. Não vemos n em ouvimos os fatos.

O romance, se é assim que podemos chamar, é uma crônica sobre a Bahia. A história é simples: um garoto fala de sua região, lugar onde nasceu e vive intensamente a sua ligação com a terra. Tem diversos colegas e um amigo do peito, fiel companheiro de suas andanças que, embora de melhor condição social, não impede de ser o melhor amigo. Os dois afinem no desejo de liberdade total. Surgem namoradas ao longo da história, mas logo desaparecem.

O verão e o inverno são período de infância e adolescência; a primavera e o outono são descobertas do amor, do amadurecimento. Não é autobiográfico, mas traz retalhos de encontros que tive outrora, que penso a respeito das pessoas e de mim mesmo. O final é inesperado, silencioso, talvez mudo.

A história aprofunda casos de vida cotidiana, fazendo observação sobre o comportamento dos indivíduos e o valor de cada criatura humana. O gosto da solidão, medo do mundo e uma necessidade muito grande de se proteger, são características de meus personagens. Sendo um sujeito isolado como sou, até certo ponto, meus trabalhos refletem isso. Meu aprendizado literário foi através de leitura de diversos autores. Os livros são importantes para mim, pois me disciplinam cada vez mais e, através da literatura, minha vida encontrou, de certa forma, sentido. Confesso-me publicamente, através de meus livros, promover meu próprio caminho, mas acontece que escrevo para mim mesmo. Meu grande vício não é a bebida nem o fumo ou mesmo o jogo, meu vício é escrever histórias.


Gutemberg Cruz

Fevereiro, 75


O retorno


É dezembro – e um garoto se recompõe no ar. Em seu peito vibra, mais que o pulsar do coração, a presença dos mistérios. Um garoto num estranho mundo....Olha intensamente, tentando lembrar-se de alguém e, para surpresa, o outro que está diante de mim era eu próprio....minha infância. Fiquei confuso novamente, como é difícil falar de mim e desse mundo!

Começava a tomar conhecimento do regresso àquelas zonas desconhecidas na sua totalidade, sepultadas durante anos, inertes. E aquilo tomava forma, crescia e os personagens surgiam a todo instante, formando um todo dos períodos adormecidos. A música que tocava ajudava ou atrapalhava, não sabia explicar, só sei que era o profeta da desorganização musical transmitindo seu som aleatório. Era John Cage que lançava seus ruídos desconcertantes sintetizados em aparelhos eletrônicos. A música soava cada vez mais alto, até que se chegou ao silêncio....a fita do gravador havia terminado.

O silencio pairava no ambiente, e sempre fora assim a minha vida, silenciosa com o vôo dos pássaros à procura de maior espaço. Mas sempre faltava-me coragem para tudo. Uma vez, há anos, tentei pó encontro com a verdade. A única verdade, mas o momento foi dominado pelo medo, companheiro inseparável, barreira intransponível. Agora voltava de novo, quem sabe, para desistir uma segunda vez.

Vejo-me quando menino, exterior e interior fundindo-se, dúvida pairando...Acendo a luz, abro a gaveta da cômoda, vejo algumas fotos de amigos que tive outrora....”Durante a minha vida sempre estive a espera de alguma coisa. Agora encontrei...você. Foram as palavras que vieram no telegrama de ontem...De quem será? Deve ser de Ana...aposto como já está na cidade. Pego uns papéis e começo a rabiscar...o retorno de minha vida.

No instante em que escrevo, procuro esquecer todas as misérias deste mundo, mas é impossível, não adianta fechar os olhos, pois a miséria entra em mim, circula em minhas veias e mistura-se em meu sangue. Meu coração pulsa aceleradamente, sinto-me tonto, confuso. Uma música recompõem-se no ar, olho vagamente e lembro-me de que deixei o gravador ligado, aumento o som e ouço os barulhentos rocks das músicas pop...é a única maneira de fugir, por alguns instantes de tudo isso...

Mas, cedo ou tarde, o som irá terminar, o vazio voltará a encher a sala, e nesse instante veria toda a minha infância desfilar diante de mim, pessoas amadas, pessoas amigas e também pessoas falsas. Mundo triste, solitário. Mundo desgovernado, desorientado. Mundo ambicionado, conquistado, mundo imundo!.

A mente busca o passado distante, recordações do lugar onde nasci, no ano qualquer da década de 50. Ano que começava a viver, vi e vendo. Vim ao mundo e fiquei desapontado, vi a luz e sorri, vi a noite e fiquei melancólico, vi as pessoas e fiquei triste. Gente mascarada, gente que não sabia sorrir nem chorar, gente que representava.



São 17 capítulos dessa história escrita em 1975
-------------------------------------
Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

30 maio 2011

Transformar a pele: clara ou escura?

“Clareamento da pele é problema na Jamaica”. Este foi o título da reportagem que o jornal A Tarde publicou na edição do dia 16 de maio na área de saúde pública. A reportagem do correspondente da Agência Estado, David Mcfadden informa que os médicos alertam para as proporções perigosas do fenômeno identificado entre jovens nas favelas do país:


“Mikeisha Simpson cobre seu corpo com um gorduroso creme branco e veste um agasalho de corrida para evitar o sol da sua Jamaica natal, mas ela não está preocupada com o câncer de pele. A moradora de 23 anos de um gueto de Kingston espera transformar sua pele escura no tom café com leite, comum entre a elite jamaicana e preferida por muitos homens da vizinhança. Ela acredita que uma pele mais clara pode ter o passaporte para uma vida melhor”, informa o jornalista.

“Pessoas em todo o mundo costumam tentar alterar a cor de suas peles usando máquinas de bronzeamento artificial para escurecer ou produtos químicos para clarear. Nas favelas da Jamaica, médicos dizem que o fenômeno do clareamento da pele atingiu proporções perigosas. (…) No Japão, União Europeia e Austrália, a hidroquinona foi proibida em produtos para a pele vendidos sem receita e substituída por outros produtos químicos, em razão de temores sobre seus riscos. Nos Estados unidos, cremes vendidos sem receita são considerados seguros e eficazes pela agência de Alimentos e Drogas (FDA, pela sigla em inglês) quando contém até 2% de hidroquinona”.


PRATICA PERIGOSA - Para ficar mais parecida com a elite do país, a população mais pobre da Jamaica está fazendo tratamentos caseiros e perigosos para deixar a pele mais clara. Nas ruas das favelas de Kingston, capital jamaicana, é comum ver mulheres esfregando cremes para tentar deixar o corpo mais branco.


A prática, porém, é perigosa por causa dos produtos utilizados. A maior parte dos cremes é pirata, contrabandeados do oeste da África, e contém substâncias como a hidroquinona, banida na Europa por causar câncer e doenças como a ocronose.


Esse novo tipo de cosmético, de efeitos e segurança duvidosos, virou febre entre negras e morenas nos Estados Unidos, na Europa e na Índia. São cremes que contêm duas substâncias químicas, chamadas hidroquinona e propionato de clobetasol. Esses produtos deveriam ser usados apenas com indicação médica ou em casos de doenças dermatológicas. Mas são facilmente adquiridos pela internet ou em lojas de produtos estéticos desses países. No Brasil, o clareamento com cremes ainda é raro. Mas a população fenotipicamente escura apresenta os piores índices de desenvolvimento social quando comparados com a população de pele escura. Os negros possuem os menores índices de escolaridade e moram nos piores bairros das grandes cidades.


Este processo histórico e social causou (e continua causando) sérios danos na constituição individual e social de cada homem e mulher negros. Através e por causa de todo o processo discriminatório, os negros brasileiros apresentam a sua identidade social deteriorada (GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Ed.Guanabara, 1963). Vários estudos, como por exemplo, os de Souza (SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro. Rio de Janeiro: Graal, 1983) e Gomes (GOMES, Nilma Lino. Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Tese de Doutorado, UFMG, 2002), mostram como a discriminação racial interfere na constituição da identidade negra, conformando a subjetividade desses indivíduos.


APARÊNCIA DE CELEBRIDADES - A ideia de muitas mulheres é conseguir a aparência de celebridades como a cantora americana Beyoncé Knowles ou até do cantor Michael Jackson, cuja pele embranqueceu depois de vários tratamentos. A mensagem implícita no uso desse tipo de produto é racista: a pele escura é vista como falha, enquanto a pele clara é linda e leva ao topo.


Alguns cremes são ainda mais tóxicos porque trazem mercúrio na fórmula. Os mais pobres costumam fazer uma substância caseira que mistura pasta de dente com curry, usando na culinária. O que só observa no mundo atual é esse estanho troca troca. No momento em que europeus, australianos e norte americanos querem parecer bronzeados e se expõem a perigos pelo abuso do sol, africanos, chineses, indianos, filipinos sonham em branquear a pele, arriscando-se a destruir sua pigmentação e a provocar estragos irreparáveis.


Predominância de preconceitos coloniais ou prevalência do modelo americano? Cada parte do mundo sonha em ser a outra, os de tez clara querem a tez escura. Os bronzeados os rostos pálidos. Tudo que vai no sentido contrário da opinião dominante, tudo que derruba a ordem das gerações e das condições, a bela com o feio, o jovem com a mulher madura, a moçoila com o coroa, o pobre com a rica, deve ser celebrado.

----------------------------------------------------------------
Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

27 maio 2011

Tempero da vida (4)

No Brasil, o conjunto feijão-com-arroz é a alimentação cotidiana, em todo o território nacional. E a a feijoada é o prato que revela muito

sobre a sociedade brasileira. Mas, se todas as culturas atribuem significados ao comer, nem todas dão à culinária, a mesma importância. A culinária francesa, a italiana, a chinesa e a japonesa são classificadas como as mais afamadas e conhecidas, em oposição a outras tais como a inglesa, a alemã e a escandinava, desprestigiadas e mesmo alvo de anedotas. As cozinhas orientais trazem um grau de ritualização muito grande.

Dentre todas, a francesa é considerada a melhor cozinha. Independente do consumo, a França é o ponto de referência em culinária, de famosos cozinheiros (os Chefs) a novas modas alimentares (a Nouvelle Cuisine, por exemplo). Trata-se de uma identidade construída numa determinada primazia, reconhecida dentro e fora de suas fronteiras. Este processo de criar uma "arte" transforma o ato alimentar em profundidade, distanciando-o cada vez mais da simples manutenção do organismo. Um marco neste processo é o livro de Brillat-Savarin, A Fisiologia do Gosto, escrito em inícios do século XIX. Considerado um "tratado de gastronomia", segundo Roland Barthes, ele exprime "a grande aventura do desejo". É de Brillat-Savarin os dizeres: "O Universo nada significa sem a vida, e tudo o que vive come. Os animais se repastam; o homem come; somente o homem de espírito sabe comer".


As cozinhas locais, regionais, nacionais e internacionais são produtos da miscigenação cultural, fazendo com que as culinárias revelem vestígios das trocas culturais. Hoje os estudos sobre a comida e a alimentação invadem as ciências humanas, a partir da premissa que a formação do gosto alimentar não se dá, exclusivamente, pelo seu aspecto nutricional, biológico. O alimento constitui uma categoria histórica, pois os padrões de permanência e mudanças dos hábitos e práticas alimentares têm referências na própria dinâmica social. Os alimentos não são somente alimentos. Alimentar-se é um ato nutricional, comer é um ato social, pois constitui atitudes, ligadas aos usos, costumes, protocolos, condutas e situações.


Nenhum alimento que entra em nossas bocas é neutro. A historicidade da sensibilidade gastronômica explica e é explicada pelas manifestações culturais e sociais, como espelho de uma época e que marcaram uma época. Nesse sentido, o que se come é tão importante quanto quando se come, onde se come, como se come e com quem se come. Enfim, este é lugar da alimentação na História. Do exposto, verifica-se que no cruzamento do biológico com o histórico e cultural, do social e do político, da economia e das tecnologias, emergem os marcos que permitem fazer através da comida uma reflexão sobre o próprio significado e evolução da sociedade.


O historiador e antropólogo Luís da Câmara Cascudo escreveu sobre comidas e bebidas populares do ponto de vista do “paladar”. Na perspectiva de Cascudo, o paladar é determinado por padrões, regras e proibições culturais. Mais que isso, segundo ele, o paladar é um elemento poderoso e permanente na delimitação das preferências alimentares humanas, e está profundamente enraizado em normas culturais. Diz Cascudo: “A escolha de nossos alimentos diários está intimamente ligada a um complexo cultural inflexível. O nosso menu está sujeito a fronteiras intransponíveis, riscadas pelo costume de milênios”. Assim, o paladar não pode ser facilmente modificado por políticas públicas fundadas no argumento médico de que determinados alimentos oferecem um maior valor nutritivo.

Para Cascudo, “é indispensável ter em conta o fator supremo e decisivo do paladar. Para o povo, não há argumento probante, técnico, convincente, contra o paladar...”. Modificações do paladar, argumenta, dependerão da mesma fonte de sua formação: o tempo. Qualquer sociedade ou cultura humana elabora alguma forma de distinção entre a fome e o paladar. É importante, no entanto, focalizar a natureza da relação entre essas categorias. No caso dos escritos de Cascudo, e particularmente das categorias neles expressas, o paladar desempenha uma função dominante, enquanto a fome, uma função subordinada. Em tal perspectiva, são as regras culturais e as trocas sociais que definem a natureza humana, e não as necessidades biológicas.

------------------------------------------

Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

26 maio 2011

Tempero da vida (4)

No Brasil, o conjunto feijão-com-arroz é a alimentação cotidiana, em todo o território nacional. E a a feijoada é o prato que revela muito sobre a sociedade brasileira. Mas, se todas as culturas atribuem significados ao comer, nem todas dão à culinária, a mesma importância. A culinária francesa, a italiana, a chinesa e a japonesa são classificadas como as mais afamadas e conhecidas, em oposição a outras tais como a inglesa, a alemã e a escandinava, desprestigiadas e mesmo alvo de anedotas. As cozinhas orientais trazem um grau de ritualização muito grande.

Dentre todas, a francesa é considerada a melhor cozinha. Independente do consumo, a França é o ponto de referência em culinária, de famosos cozinheiros (os Chefs) a novas modas alimentares (a Nouvelle Cuisine, por exemplo). Trata-se de uma identidade construída numa determinada primazia, reconhecida dentro e fora de suas fronteiras. Este processo de criar uma "arte" transforma o ato alimentar em profundidade, distanciando-o cada vez mais da simples manutenção do organismo. Um marco neste processo é o livro de Brillat-Savarin, A Fisiologia do Gosto, escrito em inícios do século XIX. Considerado um "tratado de gastronomia", segundo Roland Barthes, ele exprime "a grande aventura do desejo". É de Brillat-Savarin os dizeres: "O Universo nada significa sem a vida, e tudo o que vive come. Os animais se repastam; o homem come; somente o homem de espírito sabe comer".


As cozinhas locais, regionais, nacionais e internacionais são produtos da miscigenação cultural, fazendo com que as culinárias revelem vestígios das trocas culturais. Hoje os estudos sobre a comida e a alimentação invadem as ciências humanas, a partir da premissa que a formação do gosto alimentar não se dá, exclusivamente, pelo seu aspecto nutricional, biológico. O alimento constitui uma categoria histórica, pois os padrões de permanência e mudanças dos hábitos e práticas alimentares têm referências na própria dinâmica social. Os alimentos não são somente alimentos. Alimentar-se é um ato nutricional, comer é um ato social, pois constitui atitudes, ligadas aos usos, costumes, protocolos, condutas e situações.

Nenhum alimento que entra em nossas bocas é neutro. A historicidade da sensibilidade gastronômica explica e é explicada pelas manifestações culturais e sociais, como espelho de uma época e que marcaram uma época. Nesse sentido, o que se come é tão importante quanto quando se come, onde se come, como se come e com quem se come. Enfim, este é lugar da alimentação na História. Do exposto, verifica-se que no cruzamento do biológico com o histórico e cultural, do social e do político, da economia e das tecnologias, emergem os marcos que permitem fazer através da comida uma reflexão sobre o próprio significado e evolução da sociedade.


O historiador e antropólogo Luís da Câmara Cascudo escreveu sobre comidas e bebidas populares do ponto de vista do “paladar”. Na perspectiva de Cascudo, o paladar é determinado por padrões, regras e proibições culturais. Mais que isso, segundo ele, o paladar é um elemento poderoso e permanente na delimitação das preferências alimentares humanas, e está profundamente enraizado em normas culturais. Diz Cascudo: “A escolha de nossos alimentos diários está intimamente ligada a um complexo cultural inflexível. O nosso menu está sujeito a fronteiras intransponíveis, riscadas pelo costume de milênios”. Assim, o paladar não pode ser facilmente modificado por políticas públicas fundadas no argumento médico de que determinados alimentos oferecem um maior valor nutritivo.


Para Cascudo, “é indispensável ter em conta o fator supremo e decisivo do paladar. Para o povo, não há argumento probante, técnico, convincente, contra o paladar...”. Modificações do paladar, argumenta, dependerão da mesma fonte de sua formação: o tempo. Qualquer sociedade ou cultura humana elabora alguma forma de distinção entre a fome e o paladar. É importante, no entanto, focalizar a natureza da relação entre essas categorias. No caso dos escritos de Cascudo, e particularmente das categorias neles expressas, o paladar desempenha uma função dominante, enquanto a fome, uma função subordinada. Em tal perspectiva, são as regras culturais e as trocas sociais que definem a natureza humana, e não as necessidades biológicas.

----------------------------------------------------------

Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

25 maio 2011

Tempero da vida (3)

Onívoro, o homem come de tudo: de formigas a baleias, de alimentos vivos a apodrecidos. Pode-se pensar que comer algo "vivo ou podre" seja algo inadmissível, existente apenas em lugares distantes, "exóticos" e/ou em povos ditos "primitivos". Porém, é bom lembrar que as ostras são comidas vivas (com limão, para o ácido dissolvê-las) assim como alguns queijos muito apreciados, tais como o gorgonzola e o roquefort, são consumidos já embolorados.


Porém, se o homem come de tudo, ele não come tudo. Há uma escolha, uma seleção do que é considerado "comida" e, dentro desta grande classificação, quais as permitidas e as proibidas e em que situação isto se aplica. Para o antropólogo Claude Fischler "a variedade de escolhas alimentares humanas procede, sem dúvida, em grande parte da variedade de sistemas culturais: se nós não consumimos tudo o que é biologicamente ingerível, é por que tudo o que é biologicamente ingerível não é culturalmente comestível".


Assim, o que é "comida" em uma cultura, não o é em outra, fato derivado não de seu valor (ou não) nutritivo ou perigo a saúde. Alguns exemplos são muito conhecidos: o cachorro não é, entre nós, comida, ou seja, não é considerado "comestível". Porém, entre alguns grupos orientais, é considerado uma iguaria fina. Da mesma forma com que os caracóis são consumidos sem problemas na França, as formigas o são em certas tribos amazônicas.


E, se o haggis escocês (prato onde são cozidos, dentro de um estômago de carneiro, pulmões de vaca, seus intestinos, pâncreas, fígado e coração, com cebolas, gordura, rim de boi e aveia cozida) pode ser repugnante para alguns, podemos lembrar a "buchada de bode", o "rabo de jacaré" e os "ovos de touro", consumidos no interior de diversas regiões do Brasil.


Mais que alimentar-se conforme o meio a que pertence, o homem se alimenta de acordo com a sociedade a que pertence e, ainda mais precisamente, ao grupo, estabelecendo distinções e marcando fronteiras precisas. Não apenas é escolhido o que se come, mas também o como (vivo, cru, assado, cozido, apodrecido, etc), e qual a técnica utilizada (cozido, assado, etc.), assim como as técnicas de preservação do alimento (defumado, salgado, congelado).


Outro aspecto envolve o quando se come e o quê. Tanto na alimentação do cotidiano (cada cultura define o que é considerado adequado para cada uma das refeições do dia, assim como quantas e quais são estas refeições e como se distribuem ao longo do dia) como nas que marcam momentos especiais, prescrevendo o que, em determinada situação, pode ou não ser consumido.


BALANCEADA - “Somos aquilo que comemos”. A frase, espécie de sentença moral recorrente na fala de médicos e nutricionistas é reveladora da vinculação cada vez maior entre alimentação e saúde presente na nossa sociedade. A preocupação com o corpo, o esforço para se evitar doenças através daquilo que seria uma “alimentação balanceada” ou mesmo o prazer à mesa sendo posto em segundo plano em nome de uma suposta “qualidade de vida”. Tudo isso descreve a forma como atualmente se configura a nossa relação com a comida: o aspecto nutricional tem preponderado na nossa alimentação. O comportamento em relação à comida revela a cultura em que cada um está inserido.

Todas as sociedades proíbem certas classes de alimentos e recomendam outras. A criação de regras, de prescrições e proibições, seja para a comida, mas também em relação a outras atividades – ao casamento, ao parentesco, à política, etc – faz parte da chamada natureza humana. Por conta disso é que muitos antropólogos têm se dedicado à antropologia da comida ou da alimentação.


Se a ciência, através dos tabus e proibições criados pela nutrição, é que tem, predominantemente, ditado as regras e os valores em relação à comida na nossa sociedade, não se pode esquecer das barreiras de outras ordens (religiosas, ideológicas, folclóricas) presentes à mesa. Há interdição da carne de porco entre os judeus.

-----------------------------------------------------

Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

24 maio 2011

Tempero da vida (2)

TABUS - Para o antropólogo norte-americano Marvin Harris, os tabus religiosos em relação à alimentação seriam regras culturais criadas a partir de problemas de adaptação ecológica. Ao explicar a origem do tabu da carne de porco no judaísmo no livro Vacas, porcos, guerras e bruxas: os enigmas da cultura, Harris afirma que a criação de suínos seria uma atividade incompatível com o nomadismo dos pastores judeus que habitavam os desertos nos tempos bíblicos: os porcos se alimentam diariamente, ao contrário dos animais ruminantes prescritos pelo Velho Testamento. A proibição seria, assim, uma forma de se impedir o consumo de uma carne cuja criação era inviável economicamente para o grupo.


“As cozinhas locais, regionais são produtos da miscigenação cultural, fazendo com que as culinárias revelem vestígios das trocas culturais. Hoje os estudos sobre a comida e a alimentação invadem as ciências humanas, a partir da premissa que a formação do gosto alimentar não se dá, exclusivamente, pelo seu aspecto nutricional, biológico. O alimento constitui uma categoria histórica, pois os padrões de permanência e mudanças dos hábitos e práticas alimentares têm referências na própria dinâmica social. Os alimentos não são somente alimentos. Alimentar-se é um ato nutricional, comer é um ato social, pois se constitui de atitudes, ligadas aos usos, costumes, protocolos, condutas e situações”, escreveu o professor Carlos Roberto Antunes dos Santos na abertura do livro Brasil Bom de Boca.


A sensibilidade gastronômica é explicada pelas manifestações culturais e sociais, como espelho de uma época e que marcaram uma época. Sendo a cozinha um microcosmo da sociedade e uma fonte inesgotável de história, é importante que algumas das suas produções sejam consideradas como patrimônio gustativo da sociedade. Desta forma, constata-se que a culinária brasileira demonstra agora a sua vitalidade, pois diz muito sobre a educação, a civilidade e a cultura dos indivíduos.

Os significados antropológicos e históricos da alimentação permitem captar traços da dinâmica de uma tríade - memória, tradição e identidade -, fazendo com que a comida seja constitutiva da identidade de um grupo, que se mantém viva nas tradições e na memória. Na cozinha prevalece a arte de elaborar os alimentos e de lhes dar sabor e sentido. Há na cozinha a intimidade familiar, os investimentos afetivos, simbólicos, estéticos e econômicos.


CULTURAL - No primeiro estágio as sociedades primitivas sobreviviam da caça, pesca e colheita natural, ou seja, do que pescavam, caçavam e das raízes e frutos que colhiam naturalmente, sem plantações e esforços para produzir. Depois surge o segundo estágio, que é praticamente a produção de alimentos onde ocorre uma domesticalização de plantas e animais, passando o homem a ser um produtor e não caçador de alimentos. A agricultura e agropecuária tomaram formas bem expressivas na alimentação de uma sociedade, e esta procurava viver em regiões férteis. O terceiro estágio é o da Revolução Urbana e Revolução Industrial, em que há a grande concentração de pessoas nos centros urbanos, ocorrendo assim, a necessidade de produção em grandes escalas de alimentos e inserção da produção industrial. A comida é uma expressão cultural distinta que envolve aspectos relacionais e interação social no ato de ingestão de alguns alimentos.


Na Espanha, o mastigar a semente de girassol é um atividade social. No Paraguai, o momento sociocultural mais expressivo é a hora do Tererê, palavra que vem do guarani (Tê = chá, Rerê = circulo, roda). O momento em que a roda dos amigos e famílias estão juntos conversando e tomando um chá gelado enquanto conversam. No sul do Brasil, o Chimarrão é outro fator cultural. O chimarrão é tomado numa roda de amigos em momento de relaxamento, descanso e prosa entre amigos. Na Itália, uma refeição é um momento de profunda comunhão familiar. Uma refeição na Itália dura até mais de 3 horas, pois este momento é reservado para estarem juntos, e o comer é um fator social. É um grande prazer participar de uma verdadeira e típica refeição italiana. Na cultura árabe, o momento das refeições é a hora de confraternização da família. As donas de casa gastam muito tempo no preparo da alimentação, fazendo com que a refeição seja o mais saborosa possível.

--------------------------------------------------------

Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

23 maio 2011

Tempero da vida (1)

A comida é o verdadeiro tempero da vida. Cada prato ou alimento revela alguns ingredientes importantes da personalidade da pessoa. “Para viver mais, é preciso comer menos”. A frase é do médico e escritor Drauzio Varella acrescentando que uma dieta pobre em calorias retarda o envelhecimento e prolonga a vida humana. Dessa forma, comer é mais que ingerir um alimento, significa também as relações pessoais, sociais e culturais que estão envolvidas naquele ato. “A comida é tão importante e identificadora de uma sociedade, de um grupo, de um país, como é o idioma, a língua falada, funcionando como um dos mais importantes canais de comunicação”, informa o antropólogo Raul Lody em seu livro Brasil Bom de Boca (Editora Senac, 2008).


Comer é mais que ingerir um alimento, significa também as relações pessoais, sociais e culturais que estão envolvidas naquele ato. A cultura alimentar está diretamente ligada com a manifestação desta pessoa na sociedade. Alimento é um dos requerimentos básicos para a existência de um povo, e a aquisição desta comida desempenha um papel importante na formação de qualquer cultura. Os métodos de procurar e processar estes alimentos estão intimamente ligados à expressão cultural e social de um povo.


A alimentação brasileira é mais voltada para o prazer de comer, do que para o valor nutritivo do alimento. Come-se por prazer e não pelo que aquele alimento representa nutricionalmente. Não se dá ênfase ao valor nutricional do alimento, mas ao gosto e prazer da alimentação. Em síntese a comida brasileira, a comida do povo, se concentra em massas, gorduras, açúcares e carne. Na cultura alimentar brasileira não há lugar de destaque para as frutas e hortaliças. O prazer alimentar está centrado nesta mistura de massas, gorduras, doces e carnes. É necessário uma mudança na cultura alimentar, uma educação nos valores e hábitos alimentares do povo brasileiro.


MUDANÇA - Toda mudança implica transformação mais ou menos súbita e profunda de certo sistema de equilíbrio, uma fase, pois, de ruptura, até a instauração de novo equilíbrio. O poder manipulador de hábitos é outro aspecto importante, onde certos hábitos são transmitidos. Certos interesses comerciais de um produto se transformam em poder absoluto quando ocorre indução e coerção à aquisição do mesmo produto. O abalo dos modelos tradicionais de autoridade e poder decorrem na medida em que uma proposta de mudança é feita.


Se quisermos introduzir uma mudança, precisamos mudar os equilíbrios já estacionários no hábito, num sentido escolhido. Quando há um hábito estacionário já formado, a existência de forças que resistem à mudança são maiores que as forças orientadas para a mudança. Se quisermos introduzir uma mudança, é necessário diminuir as resistências a estas mudanças e aumentar as idéias e pressões em favor da mudança. A quebra de um hábito será dado mediante uma evolução nas informações transmitidas para que as pessoas façam uma tomada de decisão. Para que isto ocorra, é necessário o descobrimento de uma nova direção, a fixação de objetivo estimulante e a construção de programa coerente para atingi-la.

RÁPIDA - Na cultura ocidental, a ênfase não é no momento social da alimentação, mas se come porque é necessário ao corpo. Tudo é “fast food” (comida rápida), na visão de que não se deve perder tempo no preparo da comida, tudo deve ser preparado rápido e sem perda de tempo, pois na verdade a vida lá fora corre depressa, e você tem que comer rapidamente também. Não há um fator de interação social no processo de alimentar, se come para manter o corpo e a saúde. Não há laços de amizade e comunhão neste momento. “Fast food”, é o termo e a mentalidade da vida urbana, retirando das pessoas o valor nutritivo, a saúde integral, e as relações familiares e de amor envolvidos no momento de uma alimentação. Quando a mãe alimenta o seu bebê, ela não dá somente leite e nutrientes, dá também amor e afeto. Em todas as etapas da vida, deverá sempre haver este complemento de amor, carinho e confraternização nas refeições. “Fast food” é o corte da vida social intensa.


As práticas alimentares estão profundamente ligadas aos gostos que variam pouco, pois eles remetem a imagens inconscientes, a aprendizados e a lembranças de infância. Assim como há carnes “burguesas” como o carneiro e a vitela e carnes “populares” como o porco, coelho e salsichas frescas (na França). Há também uma hierarquia dos legumes frescos, indo dos mais sofisticados (as endívias) aos mais camponeses (os aipos) e aos mais operários (batata). O modo de preparo culinário é também revelador dos gostos de classe. Comer é então um modo de marcar sua vinculação a uma classe social particular.

--------------------------------------------

Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

20 maio 2011

Música & Poesia

Espaço Liso (Paulinho Moska)

Eu amo a causa, e não a consequência

Eu amo o Pensamento, e não a inteligência

Eu amo a Loucura, e não a consciência

Eu amo a paciência, eu amo a paciência


Eu amo o deserto, e não a muralha

Eu amo o mergulho, e não a medalha

Eu amo suor, e não a toalha

Eu amo a batalha, eu amo a batalha


Eu amo a alma, e não a pessoa

Eu amo a cara, e não a coroa

Eu amo a corrida, e não a linha de chegada

Eu amo a estrada, eu amo a estrada


Eu amo o agora, e não a memória

Eu amo a luta, e não a vitória

Eu amo o fato, e não a história

Eu amo a trajetória, eu amo a trajetória


Eu amo o bem forte, e não o assim

Eu amo o papel, e não o cetim

Eu amo pra onde vou, e não de onde eu vim

Eu amo o meu meio, e não o meu fim.



Versos Íntimos (Augusto dos Anjos)

Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão - esta pantera -

Foi tua companheira inseparável!


Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.


Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.


Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

----------------------------

Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

19 maio 2011

Loucura, a volta ao instinto livre

O louco já foi transformado em personagem em várias épocas e manifestações artísticas. De Machado de Assis ao cinema hollywoodiano, dos quadrinhos de Maurício de Souza à tragédias gregas, das artes plásticas ao teatro do absurdo surgiram muitas histórias das razões da loucura. O pensador francês Michel Foucault citou a frase em que Dostoievski diz que “não é trancando seu vizinho que você se convence da sua própria loucura”. Ele mostra é que uma sociedade como a nossa tem uma incapacidade mental de conviver com o diferente. O louco é a diversidade represada.

Criadora do Museu de Imagem do Inconsciente, no Rio, a doutora Nise da Silveira concorda ao afirmar que “louca é a sociedade, basta olharmos à nossa volta. Os loucos têm muito mais juízo do que a maioria das pessoas”.

As três grandes correntes de interpretação sobre a loucura surgem na Antiguidade Clássica. Homero inaugura a corrente mítica que atribui tudo o que acontece ao homem à vontade dos deuses. Depois tem Eurípedes e os trágicos onde a loucura aparece como uma exacerbação das paixões, e sua causa está no conflito entre a proibição e a norma, o desejo e a função. A última corrente é representada por Hipócrates que passa a entender o louco como alguém que sofre de um mal orgânico.


Com o tempo, as concepções de Homero foram reeditadas, de forma corrompida, pelos padres demonistas da Idade Média.E assim os deuses se transformariam em diabos e o homem seria culpado por seu desvio. A cura da loucura muitas vezes era a fogueira purificadora da Inquisição. Já as idéias de Hipócrates seriam reaproveitadas pelos alquimistas, ainda na Idade Média, e pela medicina do século XIX. As duas linhas permaneceriam em evidência até hoje. A primeira, no esoterismo que se propõe como remédio. E a segunda, na própria psiquiatria.


Mas teve um filósofo que foi soterrado pelo racionalismo platônico: Eurípedes, ele foi o único que não deixou sucessor. Até hoje, ninguém, recuperou plenamente a idéia de que a loucura pode surgir do lado emocional do ser humano. Freud foi um possível sucessor do autor de “Medeia”. Ele se aproximou da emoção mas não chegou a reaproveitar a idéia da loucura como uma explosão da passionalidade. Freud não tem uma teoria sobre a loucura. A loucura é a volta ao instinto livre, que procura o prazer desavergonhadamente, sem culpa. E Freud ainda apresenta uma visão médica, não consegue perceber que a cultura violenta o instinto.

A sociedade hoje classifica a loucura ou insânia como uma condição da mente humana caracterizada por pensamentos considerados "anormais" pela sociedade. É resultado de doença mental, quando não é classificada como a própria doença. A verdadeira constatação da insanidade mental de um indivíduo só pode ser feita por especialistas em psiquiatria clínica. Em algumas visões sobre loucura, não quer dizer que a pessoa está doente de mente, mas pode simplesmente ser uma maneira diferente de ser julgado pela sociedade. Na visão da lei civil, a insanidade revoga obrigações legais e até atos cometidos contra a sociedade civil com diagnóstico prévio de psicólogos, julgados então como insanidade mental

O Elogio da Loucura é um ensaio escrito em 1509 por Erasmo de Roterdã em 1509 e publicado em 1511. O Elogio da Loucura é considerado um dos mais influentes livros da civilização ocidental e um dos catalizadores da Reforma Protestante. O livro começa com um aspecto satírico para depois tomar um aspecto mais sombrio, em uma série de orações, já que a loucura aprecia a auto-depreciação e passa então a uma apreciação satírica dos abusos supersticiosos da doutrina Católica e das práticas corruptas da Igreja Católica Romana. O ensaio termina com um testamento claro e por vezes emocionante dos ideais cristãos.


O ensaio é repleto de alusões clássicas escritas no estilo típico dos humanistas do Renascimento. A Loucura se compara a um dos deuses, filha de Plutão e Frescura, educada pela Inebriação e Ignorância, cujos companheiros fiéis incluem Philautia (amor-próprio), Kolakia (elogios), Lethe (esquecimento), Misoponia (preguiça), Hedone (prazer), Anoia (Loucura), Tryphe (falta de vontade), Komos (destempero) e Eegretos Hypnos (sono morto).


A loucura como parte integrante da própria razão: eis uma proposição tão espantosa que se resiste a aceitar. Mas fácil defini-la como doença mental ou desvio social. Pois é da relação loucura/razão que trata João Frayze-Pereira (no livro O que é loucura), demonstrando que a determinação dos estados "normal" e "patológico" depende menos da ciência que da cultura e da sociedade. O assunto rende debate. Pensem na loucura, pois!.

-------------------------------------------------------

Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

18 maio 2011

Limites da tolerância

Tolerância provém do latim tolerantia, que por sua vez procede de tolero, e significa suportar um peso ou a constância em suportar algo. O filósofo Tomás de Aquino disse que a tolerância é o mesmo que a paciência. Quem é forte é paciente, mas não vice-versa, pois a paciência é parte da fortaleza. A palavra tolerância surgiu nos conflitos religiosos do século 16, época das guerras religiosas entre católicos e protestantes. Nesse período muito se falou de tolerância religiosa, eclesiástica ou teológica. Hoje em dia também se tolera (pacientemente) em pontos que não são essenciais de uma determinada doutrina mesma que seja em detrimento da mesma, mas para uma melhor convivência social.


Já em meados do século 19, “maison de tolérance” era a casa ou zona de prostituição. Muitos toleravam esses locais procurando evitar, assim, a disseminação desses costumes em toda toda a sociedade. A partir daí a tolerância estendeu-se ao livre pensamento e, no século 20 passou a ser acordo internacional com intenção de ser exercida, através da Carta aos Direitos Humanos em 1948, também através de algumas ongs e de governos não totalitários.


Na medicina, a palavra tolerância é utilizada para significar a aptidão do organismo para suportar a ação de um medicamento, um agente químico ou físico. Assim, as diferentes espécies toleram de diferentes modos os microorganismos – alguns adoecem e morrem, outros nada ocorre. O nível de tolerância à radiação tem tal limite. A tolerância é o limite do desvio admitido dentro das características exatas de um objeto fabricado ou de um produto e as características previstas. Não são todos que suportam os medicamentos. Cada caso é um caso.


Num processo de tentativa e erro, as pessoas buscam soluções para viver consigo e com as demais. Tolerar é assim aceitar os limites, ser paciente. A paciência é justamente aceitar o desagradável, com bom humor. Muitas vezes tendemos a ser complacentes com os desvios de nossa conduta e implacáveis com os outros – não lhes damos o tempo necessário para mudar. A verdade é que somos limitados, e isto se manifesta no modo tosco que nos relacionamos com as pessoas. A distância que existe entre as pessoas, em parte é criada por cada um. Percebemos muitas vezes que com alguns, já num primeiro momento se consegue chegar perto, falar sem gritar ou mandar mensageiros, mas nem sempre é assim. É preciso usar a inteligência para encontrar o caminho da comunicação entre as pessoas.


Nossas limitações são patentes. Não somos o que queremos, não fazemos tudo que sonhamos, não temos o dom de estar onde desejamos. É dentro desses limites que nos movemos. Conhecer os limites pessoais e os outros é uma tarefa que dura toda a vida. A tolerância é uma das tantas virtudes necessárias para elevar o ser humano à condição de civilidade. S.P. Rouanet a vê “como passagem para um estágio mais civilizado e menos mecânico de convívio das diferenças”. A tolerância deve ser um ato constante de prevenção e educação. Dessa forma é uma espécie de prevenção contra o dogmatismo, para que este não vire fanatismo (na dimensão pessoal), fundamentalismo (na dimensão religiosa) e totalitarismo (na dimensão de Estado ou de Governo).

Para muitos pensadores, a tolerância é uma virtude necessária para o exercício das coisas pequenas do cotidiano, um exercício necessário para se conquistar a sabedoria. A pessoa que se pretende possuir “a verdade”, ou melhor, “a certeza”, termina sendo intolerante em aceitar outros posicionamentos, se fechando a escuta de tudo que apresente diferente ou incompreensível ao seu esquema conceitual de fala e ação. Um exemplo é o moralista, in-tolerante com os que possuem valores diferentes do seu. Sabemos se tratar de um moralista quanto sofremos a imposição de seus valores, baseado em sua “certeza moral”. Ele, o moralista, carrega a ambição de impor a todos, universalizando seus valores como certos.


A tolerância deve ter limites? Para o escritor José Saramago, “a tolerância para no limiar do crime. Não se pode ser tolerante com o criminoso. Educa-se ou pune-se”. Nesse sentido, não se pode ser tolerante com a tortura, o estupro, a pedofilia, a escravidão, o narcotráfico, o terrorismo, a guerra. Já o filósofo Vladimir Jankélévich diz que “a tolerância não vale, pois, em certos limites, que são os de sua própria salvaguarda e da preservação de suas condições de possibilidade”. O filósofo Karl Popper questiona: “Se formos de uma tolerância absoluta, mesmo para com os intolerantes, e se não defendermos a sociedade tolerante contra seus assaltos, os tolerantes serão aniquilados, e com eles a tolerância”. Fica aí a pergunta para você leitor pensar: “Uma democracia deve ou não impor limites de tolerância tendo em vista a ânsia dos intolerantes pelo poder?.

--------------------------------------------

Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).