31 agosto 2012

Música, música & Poesia, poesia para animar o dia


Qual É A Cor Do Amor? (Cazuza)

Primeiro é o beijo
Quente, procurado
A língua procurando a outra
E vendo se a boca combina
Se combina o beijo
Meio caminho andado

Depois é a pele
Se a textura vale
O pêlo com pêlo
Ou o pêlo com o seu pêlo
Ou os pêlos com meu pêlo
Ou o medo

Depois o cheiro
Um procura no outro
O cheiro de colônia ou
O cheiro de prazer
E os dois se embriagam
Ou vão até o banheiro

Depois a cor
O amor tem cor?
Cada amor tem uma cor
Cada beijo tem uma cor
Cor de caramelo doce
Cor de madrugada fria


Memórias de um arrepio (Pirigulino Babilake)

Você pode ter esquecido
mas minha memória é eterna
Eu sou aquele arrepio
sem vento e sem frio
subindo em sua perna

O grito comprimido num pote
O cheiro cheiroso
que te esquenta o cangote
Eu sou o inferno e a paz

O passado que vai à frente
e o presente correndo atrás
Aquele que te segue enquanto anda
tragando o aroma de mel e lavanda
Eu sou a sua libido viva

A gota saliva que escapole do beijo
escorre na louça e ilumina o que vejo
E mais do que justo segue sua trilha
atravessa seu busto e transborda à virilha

Assim como essa gota
sou eu agora
Passeio em seu corpo
pouso em sua mão
e vou embora

Sintonia para Pressa e Presságio (Paulo Leminski)

Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
na pele, na palma, na pétala,
luz do momento.

Sôo na dúvida que separa
o silêncio de quem grita
do escândalo que cala,
no tempo, distância, praça,
que a pausa, asa, leva
para ir do percalço ao espasmo.

Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
e não cabe mais na sala.

Soneto do Desmantelo Azul (Carlos Pena Filho)


Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori, as minhas mãos e as tuas.

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.



Fruta aberta (Thiago de Mello)


Agora sei quem sou.
Sou pouco, mas sei muito,
porque sei o poder imenso
que morava comigo,
mas adormecido como um peixe grande
no fundo escuro e silencioso do rio
e que hoje é como uma árvore
plantada bem alta no meio da minha vida.

Agora sei as coisa como são.
Sei porque a água escorre meiga
e porque acalanto é o seu ruído
na noite estrelada
que se deita no chão da nova casa.
Agora sei as coisas poderosas
que valem dentro de um homem.

Aprendi contigo, amada.
Aprendi com a tua beleza,
com a macia beleza de tuas mãos,
teus longos dedos de pétalas de prata,
a ternura oceânica do teu olhar,
verde de todas as cores
e sem nenhum horizonte;
com tua pele fresca e enluarada,
a tua infância permanente,
tua sabedoria fabulária
brilhando distraída no teu rosto.

Grandes coisas simples aprendi contigo,
com o teu parentesco com os mitos mais terrestres,
com as espigas douradas no vento,
com as chuvas de verão
e com as linhas da minha mão.
Contigo aprendi
que o amor reparte
mas sobretudo acrescenta,
e a cada instante mais aprendo
com o teu jeito de andar pela cidade
como se caminhasses de mãos dadas com o ar,
com o teu gosto de erva molhada,
com a luz dos teus dentes,
tuas delicadezas secretas,
a alegria do teu amor maravilhado,
e com a tua voz radiosa
que sai da tua boca
inesperada como um arco-íris
partindo ao meio e unindo os extremos da vida,
e mostrando a verdade
Como uma fruta aberta.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

30 agosto 2012

Quadrinhos e rock: o grito de revolta de uma geração (3)

(Texto originalmente publicado na Tribuna da Bahia, Gutemberg Cruz – 20/02/1976)

DA MÚSICA PARA O QUADRINHO

Em 1966/67, Guy Peelaert se serviu dos dois maiores nomes da música pop francesa para dar forma às suas duas heroínas: Pravda e Jodelle. Pravda, la Survireuse foi inspirada em Françoise Hardy e publicada, inicialmente, na revista Hara Kiri. A motociclista Pravda exibe seu corpo com orgulho. Sua única roupa é um largo cinturão. Elástica, ágil, linda, ela lidera um grupo de mulheres dentro de um mundo de motonetas, gritos estridentes e formas alucinógenas.

Jodelle, inspirada na cantora Sylvia Vartan, representa a introdução da pop art na HQ. É mais colorida, menos clássica, mais sadomasoquista, não deixando por menos suas aventuras sexuais numa mistura de Roma antiga, dolce vita atual e espionagem à James Bond. O cenário se desenrola entre Las Vegas e a Roma antiga. Jodelle, linda e amoral,vive aventuras desenfreadas num mundo dominado pelos mass media. No Brasil a Edrel publicou a Espiã Vênus, inspiradas nessas personagens.

O rock e as HQs trouxeram uma contribuição decisiva para a imprensa, os espetáculos, cartazes psicodélicos, a gíria e outras manifestações de contracultura do underground. A liberdade foi sua meta e a negação um meio de atingi-la. A revolução do novo competiu com a restauração do velho.

Foi a década das descobertas e redescobertas. A contemplação deu lugar à participação, A palavra foi deformada em grito, o som se fez ruído, a cor agrediu e o gesto atingiu o transe.


Relação antiga

A relação entre música e quadrinhos é antiga. Acontece de diversas maneiras. Desde a criação de um gibi cujo protagonista é músico até uma história que ilustre a letra de uma canção.

Quem não se lembra das músicas como "I'm no Superman", do artista Lazlo Bane, e "Festa na Casa do Bolinha", dos brasileiros Erasmo e Roberto Carlos? Ou "De como meu Herói Flash Gordon irá levar-me de volta a Alfa do Centauro” cantado por Ronnie Von...

"Iron Maiden em Quadrinhos", publicação independente que transforma em desenhos e balões o álbum "Seventh Son of a Seventh Son", lançado em 1988 pelo famoso grupo britânico de heavy metal. A homenagem mostra a saga de um rapaz que é o sétimo filho de um sétimo filho dentro de sua família. O fato faz com que seja tido como o escolhido para trazer o bem para a humanidade, uma vez que ele teria poderes especiais. Mas Lúcifer está de olho nas habilidades da criança desde o seu nascimento.

O grupo norte-americano Kiss já nasceu para ser personagem de gibi. Com seu figurino peculiar e as características pinturas faciais dos integrantes, a banda parece ter sido feita para chegar a outras mídias além da música. A ideia de levá-los às revistinhas nasceu por meio da Marvel Comics na década de 1970 e foi possível se divertir com a interação de Paul Stanley, Gene Simmons e o restante dos roqueiros com outros personagens da editora, como os mutantes X-Men e o vilão Doutor Destino.

As linguagens do rock e dos quadrinhos são prestigiadas por jovens, porque há um frescor juvenil. E essas linguagens estão entrelaçadas. Raul Seixas era um aficionado leitor e desenhista de quadrinhos na juventude. Um bom exemplo disso é o título do seu disco Krig-há, Bandolo! (grito de guerra do personagem Tarzan). Bob Cuspe, criado pelo cartunista Angeli, é o personagem síntese do retrato da cena punk paulistana. Rê Bordosa, também do Angeli, inspirada indiretamente em Rita Lee, é a dama-junkie-feminista do quadrinho brasileiro. “Eu considero a minha biografia, as tirinhas da Rê Bordosa. Principalmente quando ela estava vomitando do lado da banheira, com depressão, a minha cara” , disse Rita Lee, em entrevista pro Canal Brasil. Ainda desse desenhista tem a dupla Wood e Stock, os dois nostálgicos hippies ainda vivem à margem da sociedade e o clima utópico do “flower power”.

As aventuras de Zimmermann foi o título de uma edição da revista americana National Lampoon no início da década de setenta que narra as andanças de Bob Dylan pelos episódios que marcaram os anos sessenta como a ida à guerra e o festival de Woodstock. Escrita por Tony Hendra e Sean Kelly e desenhada por Neal Adams.

A banda de punk-rock The Ramones tem uma paixão pelos quadrinhos. Ela embarcou na onda dos quadrinhos com o clipe “I Don’t Want To Grow Up”, do disco Ádios Amigos. Basta ouvir a pauleira Spider Man, homenagem ao paladino aracnídeo. E não ficou só nisto: em 2005, a banda lançou a coleção “Weird Tales of The Ramones”, que traz nos traços elementos da Pop Art de Roy Lichestein. Junto com o gibi, três cds e um dvd fazem parte da coletânea.

O fundador da Zap Comics, Robert Crumb, no início dos anos sessenta balançou a cena com suas publicações, a saga das viagens psicodélicas dos hippies e, sobretudo, histórias da música norte-americana de raiz, como o blues, jazz e o folk. Amigo pessoal de Janis Joplin ele desenhou a capa e “Cheap Thrills”, o primeiro LP da banda “The Big Hold Company”, de 1968. Crumb ilustrou trabalhos, pôsteres e outras peças musicais para gente como James Brown, Frank Zappa, Gus Cannon, George Jones, Woody Guthrie, MTV, entre outros novos artistas e ícones esquecidos do blues e do jazz feito entre os anos 20 e 30, esses últimos, os verdadeiros idolos de Crumb.

No livro Minha Vida, uma compilação das tiras de Crumb, ele conta no início da carreira a música foi uma ferramenta de trabalho, e que ele costumava se inspirar em canções antigas de jazz e blues para criar seus personagens. As capas de Crumb foram reunidas em um livro, R. Crumb: The Complete Record Cover Collection, que traz ainda pôsteres e outras ilustrações musicais feitas por ele. Na web, há um vídeo disponível em que Crumb fala das duas paixões, a música e os quadrinhos:

O francês Hervé Bourhis conta sua versão ilustrada da história do ritmo que mudou o comportamento de jovens do mundo todo em O Pequeno Livro do Rock (Conrad). Em outro lançamento, Figuras do rock em quadrinhos (V&R Editoras).

John Lennon – Um Tiro na Porta de Casa, Pablo Maiztegui reconta como, junto com os Beatles, John revolucionou a história da música e do comportamento com canções ouvidas em todos os cantos do planeta. O título se refere ao desfecho de sua vida incrível, interrompida prematuramente por um lunático.

Michael Jackson – Um Thriller em Preto e Branco, Diego Agrimbau e o ilustrador Horacio Lalia contam a história do menino prodígio que não queria crescer.

Bob Marley: O Guerreiro Rasta, de Diego Agrimbau e Dante Ginevr, mostra a vida desse guerreiro rasta que fez do rastafarianismo um estilo de vida e uma inspiração para a sua música.

Histórias do Clube da Esquina vira história em quadrinhos. O álbum traz algumas das histórias sobre a formação do movimento musical que se originou em Minas Gerais Roteiro e desenhos de Lauro Ferreira e arte-final e cores de Omar Viñole.“Por que se chamava moço / Também se chamava estrada/ Viagem de ventania/ Nem lembra se olhou prá trás / Ao primeiro passo, o aço, o aço / Por que se chamavam homens/ Também se chamavam sonhos/ E sonhos não envelhecem”.
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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

29 agosto 2012

Quadrinhos e rock: o grito de revolta de uma geração (2)

(Texto originalmente publicado na Tribuna da Bahia – Gutemberg Cruz  20/02/1976)

Uma característica importante dos movimentos Beat e Hip é que seus ideólogos tem formação universitária, sendo mesmo que Ferlinghelti é doutor pela Sorbonne. Fermentado pelos intelectuais do underground, estes movimentos são divulgados, estimulados e incorporados pela máquina infernal de propaganda, num trabalho internacional de condicionamento operante de aprendizagem do consumo rápido.

Aí foi o tempo das contestações, dos tédios, dos new James Dean. Os jovens tornaram-se agressivos niilista dopado (em que se apoiar e acreditar, se a realidade era brutal e hostil?). Foi o auge do barulho e do sex appeal, de violência e do tumulto. Surgiu o acid rock, o head music e também o heavy metal rock (o simplificado som pauleira). Nesta repercussão do rock inclui em suas fileiras os Beatles, Stones, The Who, Dylan, Hendrix, Joplin, Pink Floyd, Zeppelin e outros.

O QUADRINHO COMO ARTE

Enquanto no Brasil havia aquela atmosfera de preconceitos, muitos quadrinhos foram rasgados, lidos às escondidas e tidos como subliteratura (os discos de rock eram ouvidos baixinhos e escondidos dos pais). Na França, estudiosos cuidavam dos aspectos artísticos e estéticos das historietas. Eles acreditavam que os quadrinhos poderiam ser, também e acima de tudo, obras de arte gráfica. Os italianos viam o aspecto educacional e os americanos concluíram, finalmente, que o escapismo, principal linha de força dos comics tradicionais, precisava ser definitivamente substituída pelo realismo adaptado à atualidade da época.

A renovação americana traz nos anos 60 os heróis sofridos de Stan Lee, os conflitos e crises existenciais. O Capitão América, defensor número um da política americana, desolado, se pergunta se os ideais por que lutou se justificariam. O Homem Aranha protesta ao lado de estudantes contra a repressão policial e o Quarteto Fantástico luta contra o poder econômico.

O pintor pop Roy Lichtestein amplia a HQ até a dimensão da arte, seguido pelos colegas Mell Ramos e Andy Warhol. É a Pop Art que valoriza os quadrinhos. Abandonando o escapismo, as situações falsamente reais, os quadrinhos humaniza seus personagens e aprimora a qualidade artística dos desenhos até os menores detalhes. Seus representantes máximos são os personagens Barbarella, de Jean Claude Forest, onde a mulher se torna objeto erótico porque ela é o erotismo personificado em mulher. Seguindo seus passos surge Scarlet Drean de Robert Gigi e Claude Moliterny, a primeira heroína de quadrinhos a ser violentada pelo vilão. Valentina, do italiano Guido Crepax, revolucionou a técnica narrativa e os enquadramentos.

Os Fradinhos de Henfil, Vão Gogo de Millôr e Pererê de Ziraldo tomam de assalto as páginas dos grandes jornais e revistas. Maurício de Sousa aparece mais adiante com Mônica e sua turma. O terror é o tema preferido dos quadrinhos brasileiros. Ao mesmo tempo o francês Phillipe Druillet, e um italiano Hugo Pratt, idealizavam Lone Sloane e Corto Maltese. Sloane só poderia ser fruto de um hippie declarado como Druillet: é um personagem abertamente humilde diante da beleza das coisas, em permanente reflexão sobre o amor e a vida. Maltese, um marinheiro do começo do século.

Roberto Carlos, liderando o programa da TV Record, Jovem Guarda, é um líder sem causa, no fundo, um jovem conservador. E os festivais da canção são cada vez mais tumultuados. Inclusive aparece uma revista em quadrinhos com as aventuras do rei e de toda a sua gang. A EBAL publicou também com relativo sucesso The Mookees (na revista Lançamento) enquanto outras editoras quadriniza as letras das canções dos Beatles.

Nicolas Devil lança HQ hippie: Saga de Xam. Sob o rótulo de ficção científica e o pretexto de erotismo, Saga é uma obra ambiciosa que arrasta, embrulhadas, ideias vulcânicas sob o racismo, a violência e a não violência. Surge também as historietas underground de Robert Crumb. O sucesso foi tão grande que em pouco tempo apareceram outros desenhistas influenciados pelo realismo gráfico de Crumb e a mesma temática de sempre: sangue jorrando aos borbotões de um quadrinho para o outro enquanto os personagens se devoram entre si, caracterizados por policiais, hippies, traficantes, prostitutas, dirigentes políticos e até representantes do clero, todos envolvidos em atividades sádicas e extravagantes, manifestando pelo uso da violência e o desejo sexual reprimido.

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28 agosto 2012

Quadrinhos e rock: o grito de revolta de uma geração (1)

(Texto originalmente publicado na Tribuna da Bahia, Gutemberg Cruz – 20/02/1976)

Por volta dos anos 60, dois grandes acontecimentos marcaram o mundo jovem, ou seja, a repercussão do rock and roll e uma sensível mudança nas histórias em quadrinhos. Ambos propunham uma mudança, um mundo melhor. E, pela primeira vez, a juventude, os adolescentes requeriam uma participação efetiva na vida social e política de seus países. Tanto a música como a historieta deixaram de ser apenas uma distração, e passaram a traduzir uma insatisfação e apontar a solução nos problemas da relação juventude/sociedade.

Esse processo teria iniciado na década anterior quando os empresários e businesmen descobriram a viabilidade econômica do rock n´roll e passaram a divulgá-lo, contribuindo para tornar a música uma das expressões do pensamento jovem. Nesse período, o rock era tido como música selvagem, que ligava os jovens aos tóxicos e à violência.

A história em quadrinhos também nessa época foi acusada de representar para os jovens uma perda de tempo e de atenção, de desenvolver a preguiça mental, de não ter nenhuma sutileza, de tornar as coisas demasiadamente fáceis, de falta de estilo e de moral.

Os sindicatos norte americanos submeteram os desenhistas a uma rigorosa censura, acentuando a crise pela qual passaram os comics, que já vinham sofrendo com a concorrência da TV americana.

ELVIS E SUA GINGA OBSCENA

Com o aumento da delinquência juvenil, esses ataques se tornaram mais violentos e as acusações de psicólogos e pedagogos culminaram com a publicação da obra do psiquiatra alemão Fredric Wertham (The Seduction of the Inoccent – 1954). Um anos depois é lançado o filme Blackboard Jungle (Sementes de Violência) onde o tema sonoro é Rock Around the Clock, transformando em hino oficial do rock and roll. O filme aborda a juventude rebelde com absoluto realismo e – coisa inédita – fez do negro a personagem positiva.

E nesta metade da década de 50 que Elvis com seus remelexos causa excitação e enorme celeuma na época, passando a ser conhecido como Elvis Pelvis (por balançar a bacia pelviana). E, em 1956, a TV, veículo até então numa posição reacionária diante do rock and roll, se viu finalmente forçada, diante do estrandoso sucesso, a contratar Elvis para o famoso show de Ed Sullivan, mas impôs uma condição: que Elvis só fosse focalizado pelas câmaras da cintura para cima, pois a ginga dos seus quadris era considerada obscena.

A CONTESTAÇÃO

A década de 60 criou um estilo próprio de se expressar visual, sonora e verbalmente. Foi o grito de revolta de uma nova geração. O rock and roll, feito por músicos mais idosos para um público jovem é agora rock, feito por músicos jovens para jovens. Os hippies punham-se à margem da sociedade mais para provar que se pode viver perfeitamente bem sem se estar ligado aos bens materiais proporcionados pela sociedade tecno industrial do que por julgá-lo inadequada ou prejudicial: eles não queriam destruir a sociedade, apenas provar que ela podia melhorar.

Mas, sempre aparece alguma coisa boa, principalmente se for avançada demais para os padrões comuns à época em que ela aparece, alguém tem que deturpá-la. Assim, aos poucos, uma certa depravação foi se infiltrando nas camadas hippies, mas essa é outra história....

Em 1965, Allen Ginsberg, precursor dos beats, participando do Movimento de Liberdade da Palavra, na Universidade de Berkeley, lançou o Flower Power, slogan logo adotado internacionalmente. “Se a gente se organizar para cantar e fazer danças rituais nas ruas, para a nudez total contra os uniformes e para a distribuição de flores – barricas de flores, talvez consigamos triunfar”.

Esses movimentos juvenis tiveram imensa publicidade. Do foco principal atingiram através dos mass media todos os focos secundários, a um ponto que revolucionou profundamente a tradicional e conformada sociedade britânica, que por sua vez passou também a ser foco irradiador, principalmente através dos Beatles.
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27 agosto 2012

Nos tempos líquidos o futuro pode morrer de sede (5)

As mortes causadas por doenças relacionadas à contaminação da água são 205 por hora em todo o mundo segundo a Organização Mundial de Saúde e isso poderia ser evitado com o cesso das populações à água potável, ao saneamento básico e ao tratamento das águas. Por ano, 1,8 milhão de crianças morrem de diarréia, 443 milhões faltam à escola por doenças causadas pelo consumo de água inadequada e metade da população dos países em desenvolvimento tem algum problema de saúde relacionado à qualidade da água. Esses números mostram claramente a insanidade da administração pública. O Brasil gasta 2,7 bilhões por ano para tratar de doenças transmitidas por água contaminada, 80% das consultas médicas realizadas pela rede pública e 65% das internações de todo o país estão relacionados – direta ou indiretamente – a essa contaminação. Enfermidades que vão desde gastrenterites até doenças que matam.

O ser humano pode ser contaminado – tanto individual como coletivamente – de três formas: pela ingestão da água imprópria, pelo contato com ela e pela picada de insetos que se desenvolvem em águas. A infecção por sua vez pode ocorrer por meio de bactérias, vírus e parasitas, metais, pesticidas, subproduto de desinfecção e toxinas produzidas por algas.

Como disse um especialista na área, ou nos comprometemos agora com uma ação coordenada para levar água potável e saneamento às pessoas pobres do mundo ou condenamos milhões de pessoas à vida de pobreza, às más condições de saúde e às oportunidades diminuídas, além de perpetuamos profundas desigualdades entre os países e no interior dos mesmos. Temos uma responsabilidade coletiva de sermos bem-sucedidos nesse desígnio.

Dados da ONU (Organização das Nações Unidas) mostram que cerca de 1,1 bilhão de pessoas em todo o mundo não têm acesso a água potável. Nos países em desenvolvimento, esse problema aparece relacionado a 80% das mortes e enfermidades. No século 20, o consumo da água multiplicou-se por seis – duas vezes a taxa do crescimento da população mundial. Um total de 26 países sofre escassez crônica de água.
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23 agosto 2012

Nos tempos líquidos o futuro pode morrer de sede (4)

Fluindo de Zygmunt Bauman em seus “Tempos Líquidos” para o trabalho da jornalista Claudia Piccazio (“Água, urgente!”. Editora Terceiro Nome) vamos mergulhar na preocupante previsão da ONU de que cerca de 4 bilhões de seres humanos serão vítimas da escassez de água em todo o mundo a partir de 2050. Sabemos que a água recobre 70% da superfície da Terra e, nessa mesma proporção, faz parte da composição do organismo humano. Há uma diferença entre a falta de água e a falta de acesso a ela. Uma diferença essencial porque tem muita gente vivendo a escassez a poucos quilômetros de fontes abundantes. Ou seja, água existe. O que é preciso é estruturar para ter acesso a ela. O Chile, por exemplo, atingiu a marca de 100% de cobertura no aceso à água potável e saneamento em áreas urbanas. O Brasil, apresentou o Plano Nacional de Recursos Hídricos e foi um dos primeiros do mundo a articular uma gestão integrada dos aspectos sociais, culturais, éticos, técnicos e econômicos.

Se o mundo decidir por resolver as questões da água, ele estará a caminho de solucionar muitas outras, como a pobreza, o desenvolvimento, a ética, a cidadania, a saúde, entre outros. Toda e qualquer providência no sentido de captar, tratar, gerir, distribuir a boa água estará, de maneira indiscutível, ligada a outras questões da existência do homem. Afinal são 1,2 bilhões de pessoas sem acesso à água e 2,5 bilhões que vivem sem nenhuma espécie de rede de esgoto – condição que resulta na morte de 25 mil pessoas por dia por causa das doenças associadas à má qualidade da água.

Segundo cálculos feitos pela Unesco é mais barato para os países suprir suas populações com água de boa qualidade e saneamento do que pagar as contas dos estragos com a saúde pública. Os mais variados estudos já comprovaram uma diminuição em até 70% das doenças relacionadas com a água em populações com acesso a água potável e saneamento.

O planeta Terra tem 1,386 bilhões de quilômetros cúbicos de água sendo 2,5% desse volume, 35 milhões totalizam a água doce. Tirando 24,4 milhões em geleiras e o que sobra fica a disposição para o uso da humanidade, 0,3% em 10,6 milhões de quilômetros cúbicos. E todo esse recurso é finito.

O Brasil possui 15% de toda a água da Terra, e o maior fluxo de água do mundo, mas com distribuição irregular e por isso o volume de água por habitante é bastante diverso. Se no Nordeste a disponibilidade de água é de 1.279 metros cúbicos per capita ao ano, no estado do Amazonas esse volume sobe para 773 mil. Há casos ainda em que as reservas naturais de água doce estão distanciadas da população. Além disso, existe o desperdício, não a água que cai pelo ralo, mas aquela que nem chega às torneiras. No Brasil há 47% de desperdício de água potável destinada ao consumo humano por causa da má conservação dos canos e das redes clandestinas. Tal volume daria para abastecer de três a quatro países com a mesma demanda da Suíça, da França ou da Bélgica. A perda de uma gota por segundo totaliza 10 mil litros por ano.

Sobre a transposição do Rio São Francisco a questão é polêmica. Alguns especialistas consideram que não há estudos sobre a viabilidade técnica dessa proposta e que, portanto, não se sabe se o rio será capaz de suportar a transposição. O São Francisco tem cinco hidrelétricas ao longo de seu curso e é bastante utilizado para abastecimento público e irrigação. Além disso, se as estatísticas falam de 120 mil hectares de terras irrigadas, extra-oficialmente calcula-se 250 mil por causa das ligações clandestinas.

Periodicamente os jornais cobram obras prometidas e não concluídas e contam as histórias da população que vive na região e sofre com a escassez. Só na Bahia temos Salitre, em Juazeiro, projeto iniciado em 1993 com pretensões de irrigar 29 mil hectares, mas que até agora só beneficiou 5 mil; Baixas do Irecê, entre Xique-Xique e Itaguaçu, que deveria beneficiar 59 mil hectares, mas parou nos 14 mil; Projeto Iuiu, Guanambi, que ainda não saiu do papel, com previsão de benefícios em uma área de 30 mil hectares.

O governo não pretende retomar as obras apenas para socorrer os pequenos agricultores. O objetivo é concentrar-se nas grandes empresas agrícolas para que elas, por sua vez, abram espaço para os pequenos produtores. Foi justamente por esse motivo que o bispo D. Luiz Flávio Cappio, da diocese de Barra, fez greve de fome, em 2005. Não por ser contra a transposição, mas porque as obras iriam favorecer apenas ao agro-negócio, ignorando os pequenos agricultores.

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22 agosto 2012

Nos tempos líquidos o futuro pode morrer de sede (3)

Seguindo o pensamento do sociólogo polonês Zygmunt Bauman sobre os “Tempos Líquidos” e a insegurança dos dias de hoje. Tudo começou com o longo processo do sonho da segurança pessoal, seguido por uma extensa luta contra o poder arbitrário de reis e príncipes. O primeiro passo foi a luta pelos direitos pessoais (normas impostas a todos). O passo seguinte foi a demanda por direitos políticos, ou seja, por desempenhar um papel significativo na elaboração das leis. Mas o entrelaçamento e a interação dos direitos pessoais e políticos são exercidos pelos poderosos (os ricos, e não os pobres). Assim, o direito de voto (o direito de influenciar a composição dos governantes e a concepção das normas impostas aos governados) só poderia ser exercido por aqueles “que possuem recursos econômicos e culturais suficientes” para “se livrarem da servidão voluntária ou involuntária que corta pela raiz qualquer possível autonomia de escolha e/ou sua delegação”.

Não admira – segundo o sociólogo – que por muito tempo os promotores da solução eleitoral para o dilema de assegurar os direitos de segurança pessoal mediante o exercício dos direitos políticos “desejassem limitar o sufrágio segundo a renda e a escolaridade”. Por mais de um século após a invenção e a aceitação do projeto de representação política, a extensão do sufrágio a todas as pessoas, e não apenas às “de posse”, foi rechaçada com unhas e dentes pelos promotores e advogados desse projeto.

Sem direitos sociais para todos, um grande – e provavelmente crescente – número de pessoas irá considerar seus direitos políticos inúteis e indignos de atenção. Os dois tipos de direitos (políticos e sociais) precisam um do outro para sobreviver, e essa sobrevivência só pode ser sua realização conjunta. Mas há dois mundos segregados e separados. As pessoas da camada superior não pertencem ao lugar que habitam, pois suas preocupações estão em outro lugar. Além de ficarem sozinhos e livres para se dedicarem totalmente a seus passatempos e terem os serviços indispensáveis a seu conforto diário assegurados, eles não têm outros interesses investidos na cidade em que se localizam suas residência. A população da cidade não é sua área de pastagem, a fonte de sua riqueza e, portanto, também uma ala sob sua guarda, cuidado e responsabilidade, como costumava ser para as elites urbanas de outrora, os donas de fabricas ou os mercadores de bens de consumo e de idéias.

Já o mundo em que vive a outra camada de moradores da cidade, a camada inferior, é o exato oposto da primeira. Caracteriza-se por ter sido cortado da rede mundial de comunicação à qual as pessoas da camada superior estão conectadas e à qual estão sintonizadas suas vidas. Os cidadãos urbanos da camada inferior são condenados a permanecerem nos locais e, portanto, se pode e deve esperar que suas atenções e preocupações, juntamente com seus descontentamentos, sonhos e esperanças, se concentrem nos “assuntos locais”. Para eles, é dentro da cidade que habitam, que a batalha pela sobrevivência, e por um lugar decente no mundo, é lançada, travada e por vezes vencida, mas na maioria das vezes perdida.

Um condomínio fechado e o isolamento e distância da cidade. Isolamento daqueles considerados socialmente inferiores. As cercas têm dois lados e elas dividem em dentro e fora um espaço que seria uniforme – mas o que está dentro para as pessoas de um lado da cerca está fora para as do outro lado. Os moradores dos condomínios se cercam “fora!, da vida da cidade, desconcertante, confusa, vagamente ameaçadora, tumultuada e difícil, e “dentro” de um oásis de calma e proteção. A cerca separa o gueto voluntário dos ricos e poderosos dos muitos guetos forçados dos pobres e excluídos.

A incerteza do futuro, a fragilidade da posição social e a insegurança existencial (circunstância da vida no mundo líquido-moderno) tendem a se concentrar nos alvos mais próximos e a se canalizar para as preocupações com a proteção pessoal. São os tipos de preocupações que, por sua vez, se transformam em impulsos segregacionistas/exclusivistas, conduzindo a guerras no espaço urbano. O propósito dos espaços interditados é dividir, segregar e excluir – não construir pontes, passagens acessíveis e locais de encontro, facilitar a comunicação e agregar de outras formas os moradores da cidade.
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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

21 agosto 2012

Nos tempos líquidos o futuro pode morrer de sede (2)

A sabedoria antiga advertia: “Se você quer a paz, cuida da justiça”. Atualmente, a ausência de justiça está bloqueando o caminho para a paz, tal como o fazia há dois milênios. Para o sociólogo Zygmunt Bauman o que mudou é que agora a “justiça” é, diferentemente dos tempos antigos, uma questão planetária, medida e avaliada por comparações planetárias. E apresenta as duas razões: O mundo está atravessado por “auto-estradas da informação”, nada que acontece em alguma parte dele pode de fato permanecer ao “lado de fora” intelectual. A miséria humana de lugares distantes e estilos de vida longínquos, assim como a corrupção de outros lugares são apresentadas por imagens eletrônicas e trazidas para casa e modo tão nítido e pungente como o sofrimento ou a prodigalidade ostensiva dos seres humanos próximo de casa. As injustiças a partir das quais se formam os modelos de justiça não são mais limitadas à vizinhança imediata e coligadas a partir de “privação relativa” ou dos “diferenciais de rendimento” por comparação com vizinhos de porta.

Assim, num planeta aberto à livre circulação de capital e mercadorias, o que acontece em determinado lugar tem um peso sobre a forma como as pessoas de todos os lugares vivem, esperam ou supõem viver. Nada pode verdadeiramente ser, ou permanecer por muito tempo, indiferente a qualquer outra coisa: intocado e intocável. A quebra de fronteiras, chamada de globalização, tornou as sociedades abertas, seja material ou intelectual. Resultado: toda injúria, privação relativa ou indolência planejada em qualquer lugar é coroada pelo insulto da injustiça: o sentimento de que o mal foi feito, um mal que exige ser reparado, mas que, em primeiro lugar, obriga as vítimas a vingarem seus infortúnios...

Trata-se de uma sociedade impotente, em decidir o próprio curso com algum grau de certeza e em proteger o itinerário escolhido, uma vez selecionado. Essa globalização seletiva do comércio e do capital, da vigilância e da informação, da violência e das armas, do crime e do terrorismo. Todos unânimes em seu desdém pelo princípio da soberania territorial e em sua falta de respeito a qualquer fronteira entre Estados. Uma sociedade “aberta” é uma sociedade exposta aos golpes do “destino”. A perversa abertura das sociedades imposta pela globalização negativa é por si só a causa principal da injustiça e, desse modo, indiretamente, do conflito e da violência.

“Mercados sem fronteiras” é uma receita para a injustiça e para a nova ordem mundial. A política passa a ser um continuação da guerra por outros meios, basta observar as ações do governo dos Estados Unidos e seus “satélites mal disfarçados” de instituições internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio que geraram o nacionalismo, o fanatismo religioso, o fascismo e o terrorismo nessa globalização liberal. Daí outra advertência da sabedoria antiga: quando as armas falam, as leis silenciam. E não foi o sentimento de segurança a única baixa colateral da guerra. As liberdades individuais e a democracia logo compartilharam a mesma sorte. O medo agora se estabeleceu, saturando nossas rotinas cotidianas.

Os que podem se dar ao luxo de se fortalecerem contra os perigos, protegem-se por trás de muros, equipando os acessos a moradias com câmeras de TV, contratando segurança armados, dirigindo carros blindados. E o círculo vicioso foi deslocado/transferido da área da segurança (a autoconfiança e a auto-afirmação, ou a ausência delas) para a proteção (resguardar as ameaças à própria pessoa e suas extensões). Assim a primeira área despida de sua proteção institucionalizada pelo Estado tem sido exposta aos caprichos do mercado. Grande parte do capital comercial é acumulado a partir da insegurança e do medo. Os publicitários têm explorado os medos generalizados de terrorismo catastróficos para aumentarem ainda mais as vendas dos utilitários esportivos, altamente lucrativos (os veículos militares esportivos já alcançaram 45% de todas as vendas de automóveis nos EUA). A estratégia de lucrar com o medo está igualmente bem arraigada.

A sociedade não é mais protegida pelo Estado, ou pelo menos é pouco provável que confie na proteção oferecida por este. O que resta de força e de política a cargo do Estado e seus órgãos se reduz gradualmente a um volume suficiente para guarnecer pouco mais que uma grande delegacia de polícia. O Estado reduzido dificilmente poderia conseguir ser mis eu um Estado da proteção pessoal. Num planeta negativamente globalizado, todos os principais problemas são globais e, sendo assim, não admitem soluções locais. A insegurança do presente e a incerteza do futuro produzem e alimentam o medo. Essa insegurança e incerteza nascem de um sentimento de impotência.

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20 agosto 2012

Nos tempos líquidos o futuro pode morrer de sede (1)

Terrorismo, crime organizado, desemprego e solidão são fenômenos típicos de uma era na qual a exclusão e a desintegração da solidariedade expõem o homem aos seus temores mais graves. A insegurança é a marca fundamental dos tempos líquidos–modernos. Para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman as cidades são hoje verdadeiros campos de batalha, onde poderes globais se chocam com identidades locais, abandonadas pela desintegração da solidariedade social. O produto desse encontro não poderia ser outro senão a violência e a insegurança generalizadas.

No seu estudo o sociólogo afirma que a passagem da fase “sólida” da modernidade para a “líquida”, ou seja, para uma condição em que as organizações sociais (estruturas que limitam as escolhas individuais, instituições que asseguram a repetição de rotinas, padrões de comportamento aceitável) não poderia mais manter sua forma por muito tempo, pois se decompõem e se dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las e, uma vez organizadas, para que se estabeleçam. O segundo ponto observado por Bauman está na separação e divórcio entre o poder e a política. Grande parte do poder de agir efetivamente, agora se afasta na direção de um espaço global politicamente descontrolado, enquanto a política (a capacidade de decidir a direção e o objetivo de uma ação) é incapaz de operar efetivamente na dimensão planetária, já que permanece local. Assim, a ausência de controle político transforma os poderes recém-emancipados numa fonte de profunda e incontrolável incerteza, enquanto a falta de poder torna as instituições políticas existentes cada vez menos relevantes para os problemas existenciais dos cidadãos dos Estados-nações e, por essa razão, atraem cada vez menos a atenção destes. O resultado disso é que os órgãos do Estado abandonam, transferem ou terceirizam um volume crescente de funções que desempenhavam anteriormente.

Abandonados pelo Estado, essas funções se tornam um playground para as forças do mercado (iniciativa privada e aos cuidados dos indivíduos). No Rio de Janeiro, por exemplo, as favelas, abandonadas pelo Estado, estão “protegidas” pelo tráfico de drogas. A redução gradual da segurança comunal endossada pelo Estado, contra o fracasso e o infortúnio individuais retira da ação coletiva grande parte da atração que esta exercia no passado e solapa os alicerces da solidariedade social. A exposição dos indivíduos aos caprichos dos mercados de mão-de-obra e de mercadorias inspira e promove a divisão e não a unidade. Incentiva as atitudes competitivas, rebaixa a colaboração e o trabalho em equipe. A sociedade é cada vez mais vista e tratada como uma “rede” em vez de uma “estrutura”.

O colapso do pensamento, do planejamento e da ação a longo prazo, e o desaparecimento ou enfraquecimento das estruturas sociais leva a um desmembramento da história política e das vidas individuais numa série de projetos e episódios de curto prazo que são infinitos e não combinam com os tipos de seqüências aos quais os conceitos como “desenvolvimento”, “maturação”, “carreira” ou “progresso” (ordem de sucessão pré-ordenada) poderiam ser significamente aplicados. Uma vida assim fragmentada estimula orientações “laterais”, mais do que “verticais”. Esse é o quarto ponto.

O quinto e último ponto é a responsabilidade em resolver os dilemas gerados por circunstâncias voláteis e constantemente instáveis é jogada sobre os ombros dos indivíduos – dos quais se esperam que sejam “free-choosers” e suportem plenamente as conseqüências de suas escolhas. A prontidão em mudar repentinamente de táticas e de estilo, abandonar compromissos e lealdades sem arrependimento – e buscar oportunidades mais de acordo com sua disponibilidade atual do que as próprias preferências.

Como essas mudanças influenciam a maneira como homens e mulheres tendem a viver suas vidas?, indaga Zygmunt Bauman no livro “Tempos Líquidos” (Zahar). O efeito geral das cinco mudanças listadas acima é a necessidade de agir, planejar ações, calcular ganhos e perdas esperados dessas ações e avaliar seus resultados em condições de incerteza endêmica. O autor estudou as causas dessa incerteza e desnudou alguns dos obstáculos que impedem a sua compreensão e nossa capacidade de enfrentar os desafios que qualquer tentativa de controlá-las necessariamente apresenta.

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17 agosto 2012

Árvore do Conhecimento (3)

"Quando os humanos ainda viviam no Paraíso, havia no meio do Jardim uma árvore mística cuja vida era misteriosamente ligada aos seus feitos e gestos. Cada nascimento de um pequenino homem acrescentava uma radícula à árvore e cada morte fazia desaparecer uma fibrila de suas raízes. Quando uma arte era inventada e se difundia entre as tribos, crescia um galho novo e a insígnia dessa arte refletia sobre as folhas do jovem galho. Quando um clã nômade se estabelecia em uma terra desconhecida, os costumes que derivavam do clima e os recursos do lugar faziam abrir na árvore novas flores, e esses buquês tinham o perfume do novo lugar. Todas as vezes que uma criança aprendia algo novo ou adquiria uma nova habilidade, a árvore adquiria novo vigor e as folhas, que traziam o emblema de tais conhecimentos e habilidades, tornavam-se mais brilhantes, mais verdes.

Mas quando um saber se perdia, quando uma história ou uma habilidade caía no esquecimento, se algum velho morria sem ter transmitido sua experiência, então a árvore diminuía, as folhas caíam, os frutos secavam antes de terem atingido sua madureza e ninguém podia experimentá-los.

A árvore crescia com a humanidade. Estação após estação, trazia sinais mais numerosos e variados: indícios de talhadores de ossos e de sílex, símbolos de artesanatos e curtimento de peles, marchados emblemáticos dos caçadores, dardos dos guerreiros.

Os xamãs curandeiros, os que sabiam dos hábitos das bestas, os que falavam com os Deuses, os intérpretes entre os clãs, os bardos e os gravadores de figuras nas pedras, todos fazendo nascer na árvore novos sinais desde que encontrassem outras maneiras de fazer, de dizer ou de contar. E as mães, cada vez que falavam com os recém-nascidos, faziam subir na árvore uma seiva de primavera.

Assim, todos os humanos vivos formavam as raízes da árvore mística e todos dela eram jardineiros. O húmus no qual crescia não pesava um peso de argila ou de poeira, pois era o solo impalpável da transmissão, de geração em geração, de um clã a outro, de boca a ouvido, pela observação e a imitação. A água benfazeja não caia das nuvens, mas da fonte das invenções, dos numerosos regatos das adaptações e dos empréstimos.

E foi assim que a árvore mística, crescendo no mais das vezes e relaxando algumas, amarelecendo e verdejando, agitando seus milhares de sinais e de emblemas, oscilando e farfalhando ao vento da pré-história, acompanhou a aventura dos primeiros homens.

Mas chegou uma estação (nesta época, as geleiras estavam bem ao norte) em que a brisa da noite trazia mensagens inéditas, incompreensíveis. Algo havia imperceptivelmente mudado no ar do Jardim. Uma fenda crescia entre o espaço e o tempo. Os Deuses mudaram de feição. Não era mais o Paraíso.

Inúmeros homens já moravam em cidades fortificadas. Muitos trabalhavam com dificuldades nas terras usurpadas pelos conquistadores ou pelos senhores. Uma casta estabeleceu-se acima dos outros homens. Com uma grande quantidade de escravos, ela dirigia as escavações de longos canais de irrigação, a ereção de diques contra a cólera e o transborde dos rios. Os administradores faziam subir muralhas, templos, pirâmides e torres para parar o tempo, eternizar a glória dos reis e contemplar mais de perto as estrelas.

Na sombra dos palácios, os escribas gravavam em suas estantes o crescimento das tropas, o registro dos escravos e a contagem dos, grãos nos silos. Possuídos pelo jogo de um incessante cálculo, os escribas quiseram também contar o saber: desenharam, então, uma árvore do conhecimento do seu campo e se embriagaram, com este novo poder.

E assim perdeu-se a memória de que cada humano em pé sob o sol formava uma raiz da árvore mística e que o conhecimento era humilde, vasto, diverso e mutante como a vida.

Foram declarados ignorantes os que não haviam aprendido os poemas antigos, as línguas moribundas, e os sinais que se ensinavam nas casas dos escribas. Uma nova casta proclamava-se a única sábia, regozijava-se de sua sabedoria e queria que sua ciência se colocasse acima das outras.

Mas os homens desse tempo guardavam confusamente a lembrança do Paraíso. E tempos depois puderam voltar a desenhar, com sua própria existência, a grande árvore coletiva, vidas e conhecimentos misturados. Espelhos longínquos davam a ver, em todos os lugares, os crescimentos e as metamorfoses da árvore com seus milhares de sinais coloridos, para não mais esquecer que a vida não está separada do saber.” (Pierre Levy)

Esse conto do filósofo e sociólogo francês Pierre Lévy nos faz refletir sobre a riqueza e a beleza do nosso processo de aprendizagem, processo que acontece desde que nascemos até o fim de nossas vidas, em todos os espaços que vivemos e convivemos. E que alimenta, enriquece e fortalece a árvore da vida, que sustenta a humanidade.

Fontes pesquisadas:







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