27 fevereiro 2022

Prazeres e orgasmos em Mondo Sama

 

O cinema tem muita influência sobre seu trabalho. Sua formação no teatro e no cinema explica.  E mistura literatura com artes plásticas e HQ. Seu trabalho tem um certo nível de erotismo. Influências de Georges Bataille, Fellini, Nelson Rodrigues, Truffaut, Carlos Zéfiro entre outros. Seu trabalho dialoga não só com os quadrinhos, mas com cinema, teatro, política e artes plásticas. É de encher os olhos e a mente. Trata-se de MONDO SAMA, obra de Eduardo Filipe que adota a alcunha de O Sama e lançado pela Editora Noir. Observem bem esta obra pois o papel é especial em alta gramatura, impressão em duas cores, e o acabamento bem caprichado. São contos curtos, violentos e virulentos.

 


Artista multimídia, ele colhe os frutos do sucesso como ator, diretor, artista plástico e quadrinista de mão cheia. A Balada de Johnny Furacão, graphic novel noir foi lançada pela editora Flaneur em 2011. A obra lançada agora pela Noir é uma compilação de 20 histórias escritas e desenhadas pelo autor, tratando de inúmeros temas que refletem sua formação como indivíduo e artista – formação tanto local, nos circuitos alternativos de arte e cultura do Brasil durante a época da ditadura, assim como uma formação geral, inspirada na elite dos quadrinhos underground e alternativos nos grandes centros do mesmo período.

 


Seu trabalho esbanja habilidade tanto em traços mais particulares como também emulando estilos de suas grandes referências. Destaques para a diagramação e o contraste no trabalho em branco-e-preto e no uso da cor magenta. Nas suas narrativas há uma mistura de fantástico, realismo mágico, momentos autobiográficos e outros delírios gráficos. A obra é filha da contracultura. E isso diz tudo.

 

Muito pouco conhecido no Brasil, Sama vive em Portugal. Publicou o livro de arte Belles de Jour, as HQs Caderno do Sama, La Doce Vita, Xmas Thing e a primeira versão de Mondo Sama. Uma obra indispensável para quem gosta de quadrinhos de qualidade.

 

25 fevereiro 2022

Grandes entrevistas de Henfil: Sick da Vida

 

Ele foi um homem de denúncias. Calibrou a expressão Diretas Já. Viveu apenas 43 anos (1944/1988), mas, como poucos soube compreender e captar a essência do desencadear dos acontecimentos de sua época. Sua obra foi muito marcada pela ditadura militar. Além de excelente desenhista era muito bom nas entrevistas. O livro SICK DA VIDA – AS GRANDES ENTREVISTAS DE HENFIL, do jornalista Gonçalo Junior lançado pela Editora Noir levou mais de dez anos para ser produzido por conta do grande desafio de garimpar as inúmeras conversas antológicas do artista. O resultado foi a junção das 18 consideradas maiores e mais importantes pelo autor, que saíram em grandes veículos como Ele Ela, Playboy, O Bicho, Status, Coojornal, Veja, O Pasquim, o livro Cartas para um novo Brasil, de Geneton Moraes Neto, entre outros.

 

Numa entrevista a revista Veja (1971) Henfil revelou: “Baixinho sou eu. Hoje. O Cumprido também sou eu - numa versão antiga. Vamos dizer que eu andei e Cumprido ficou para trás. É isso. Cumprido é como eu era: um cara carola, infantil, ingênuo, aquele mineiro com aquela formação religiosa antiga, mórbida. A religião do terror, na qual tudo é pecado (o raio que está caindo é castigo de Deus). Do pecado mortal, venial e original. Cumprido ficou nessa fase. Agora eu me identifico com Baixinho, que é totalmente como eu sou hoje: toda uma negação desse meu passado. E de uma maneira muito agressiva, porque esse meu passado me incomoda bastante (…) Baixinho procura, através da agressão, do ridículo, me checar e ao meio em que vivo”.

 


Jaguar comparou Henfil com Garrincha, ou seja, único. Em depoimento a revista Humor Status (1979), o artista foi categórico ao definir o seu modo de desenhar: “Eu não sei desenhar. Pra mim, é como mastigar pedra. Eu sei fazer tracinhos, juntá-los e formar figuras. Tanto é que tenho de desenhar muito rápido, para que saia alguma coisa parecida com o que eu gostaria de fazer. Meu desenho é caligráfico. Desenho como escrevo”.

 

Sick da Vida é uma obra fundamental para conhecer o quanto o humor gráfico foi importante na luta contra os arbítrios na ditadura militar, a partir de um artista de saúde bem frágil – era hemofílico – e de coragem imensa que se jogou como um camicase na luta pela volta da democracia. Ajuda também a entender o Brasil de hoje, com os resquícios, equívocos e traumas herdados por 21 anos de ditadura. “Não é possível compreender tudo isso sem ler os quadrinhos e os cartuns de Henfil e, agora, suas geniais entrevistas. Acredito que seja impossível sair o mesmo depois de conhecer suas ideias e seu posicionamento contundente como artista gráfico e humorista”, ressalta Gonçalo.

 

A obra revive a genialidade criativa do cartunista. Relembra como ele possuía uma visão peculiar de mundo. Aqui, exposta em entrevistas e depoimentos. Graúna, Zeferino, Bode Orelana, Ubaldo, Orelhão, cada tipo sublinhava, com humor amargo, aquilo que se lia nos jornais e se via nas ruas. Era um trabalho mais direto, mas nenhum personagem mostrava as vísceras do povo como o Fradim. O personagem mostrou de maneira completa os horrores da condição humana e, ao que se sabe, o país de Sarney (presidente na época) tem quase nenhuma diferença daquele governado por militares.

Um guerrilheiro do cartum, assim Henfil foi definido pelo cartunista Miguel Paiva. Segundo o caricaturista Cássio Loredano: “Henfil tirou de debaixo do tapete o que para lá tinham varrido zelosamente a nossa História inteira”. As tiras, o texto e os cartuns de Henfil, significaram, em quase todo o período militar, um sopro de esperança. Ele adotou o lápis como arma para denunciar e questionar tradições e comportamentos sociais. Segundo o caricaturista Cássio Loredano, “Henfil tirou de debaixo do tapete o que para lá tinham varrido zelosamente a nossa História inteira”.

 


“O Humor de Henfil era cruel. E didático. Como se ele acreditasse que o Humor serve apenas para ensinar o Homem a ser melhor. E que soubesse que o homem só aprende se lhe dói. O Humor do Henfil era doloroso. E hilariante. Era engraçado e cruel, debochado e - ´pausa! – desbordante de ternura. No Fradim baixinho o Henfil fez de tudo para não deixar seu lado doce e terno vir à tona. Quando ele inventou a Graúna – o mais emocionante personagem do imaginário brasileiro – com sua barriguinha redondinha, uma bolinha preta, suas perninhas finas feitas de dois pauzinhos e sua máscara de infinitas expressões conseguidas com três tracinhos, Henfil abriu-se mais para as pessoas que o amavam. Neste personagem ele deixou-se ver mais”, escreveu Ziraldo na apresentação do álbum A Volta da Graúna, pela Geração Editorial (1973).

 

Os traços de Henfil são curtos, rápidos, transmitem força e expressividade. Talvez o maior exemplo de síntese seja mesmo a Graúna, que chegou a ser comparada com um ponto de exclamação. O leve deslocamento de um de seus traços altera seu humor. Ele contribuiu para renovar o traço humorístico brasileiro e criou personagens que entraram para o cotidiano do país. Poucos desenhistas conseguiram erguer uma coleção de personagens tão identificada pelo brasileiro médio como o mineiro Henrique de Souza Filho, Henfil, o travesso do traço. Seu desenho era uma caligrafia. Com duas linhas, fazia um personagem e levava sua irreverência às últimas e às melhores consequências.

 

Vale a pena conferir os depoimentos de um dos maiores cartunistas brasileiros de todos os tempos reunidas nesse livro. E seu humor corrosivo faz muita falta.

22 fevereiro 2022

Goula: uma aventura de branco e moreno

 

No dia 10 de setembro de 1986, depois de perambular pelas páginas dos mais importantes jornais franceses, Alain Voss volta ao Brasil e publica no Caderno 2 do Estado de São Paulo, por dez edições, Goula, uma aventura de branco e moreno, a história tem a cidade de São Paulo como pano de fundo. Narra a personagem de uma mulher de 20 metros de altura, nua que passou pela cidade de São Paulo.

 


A misteriosa mulher gigante está sendo caça em SP. Os repórteres Branco e Moreno usam de esperteza para enfrentá-la. Eles põem em prática um superplano para enganar a giganta nua que espalha o terror nas ruas paulistanas. Confinada no estádio do Pacaembu, com uma fome que nada consegue matar. O ex-presidente Jânio Quadros, na época prefeito de São Paulo, tem uma grande participação na aventura.

 


A gullivera golena é chamada de Goula e o prefeito de São Paulo mandou um de seus secretários ao Pacaembu com um plano para domar a gulosa gigante. Só o professor Von Stroheim consegue decompor a garota no final da história que terminou no dia 20 de setembro de 1986. O forte da narrativa é a apresentação de importantes pontos da cidade, como a avenida Paulista, o parque do Ibirapuera e o estádio do Pacaembu.

 


Alain Voss nasceu na França, filho de pai alemão e de mãe francesa. Ele veio para o Brasil ainda pequeno por volta dos cinco anos de idade. Começou a trabalhar com quadrinhos na década de 1960 e ilustrou, entre outras coisas, as capas de LPs da banda Os Mutantes como Os Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets e O Jardim Elétrico. Seus principais trabalhos em quadrinhos na época foram O Careca e O Loco.

 

Em 1972 voltou para a França, fugindo da opressão da ditadura militar brasileira. Lá, trabalhou para a revista Métal Hurlant (a conhecida Heavy Metal), ao lado de nomes como Sérgio Macedo, Nikita Mandryka, Richard Corben, Philippe Caza, Gotlieb e Enki Bilal.

 

Voltou ao Brasil em 1981 trabalhando com quadrinhos: Inter Quadrinhos e Monga – A Mulher-Gorila. Em 1989, ganhou o prêmio de melhor desenhista nacional da primeira edição do Troféu HQ Mix. No ano seguinte, uma exposição sobre seu trabalho apresentada no Museu da Imagem e do Som ganhou o Troféu HQ Mix de melhor exposição. Em 2001, o Itaú Cultural promoveu o evento Anos 70: Trajetórias, destacando o trabalho de Voss ao lado de Robert Crumb, Paulo Caruso, Angeli e Laerte.

Nos últimos anos de vida, criou quadros, ilustrou capas de discos e livros. Mesmo debilitado por um AVC sofrido em 2009, colaborou com a edição brasileira do Le Monde Diplomatique, produziu a HQ Anarcity no computador e lançou as tiras Os Zensetos para Caros Amigos. Morreu em 2011 em Portugal.

 

21 fevereiro 2022

Super heróis brasileiros estão de volta

 

A década de 1960 foi muito movimentada. Os hippies surgiram com seu flower power e depois de um apogeu, em Woodstock, sumiram inteiramente. Ainda na moda, dominava batas, colares, brincos, estampados. Era o psicodelismo. Todos se abriram aos filósofos orientais, às aventuras sentimentais, ao exotismo de outras geografias, à vida no campo. Os quadrinhos se liberam com o movimento underground. Aparecem heroínas – Barbarella, Valentina -, reflexo dos movimentos feministas. Ziraldo lança o gibi Pererê, a primeira a refletir toda a euforia de uma época, com personagens tipicamente brasileiros. Henfil cria Os Fradinhos. Mauricio de Sousa cria os personagens Mônica, Cascão e Chico Bento. O maior mito do cinema novo, Glauber Rocha torna-se símbolo de sucesso do cinema brasileiro no exterior com os filmes Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe, Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro.

 


A bossa nova viajou muito bem para os EUA, onde todo mundo dançava o twist. O destaque era para o talento elegantíssimo de Tom Jobim e o canto de João Gilberto. Depois, surgiram os Beatles marcando o início da fase iê-iê-iê e da fama mundial, e Londres virou a swinging city. No comando da Jovem Guarda, Roberto e Erasmo Carlos arrebatam as paradas com versões de rock estrangeiros, doces baladas e novos padrões de comportamento jovem. Armados de guitarras e discursos inflamados, Caetano Veloso e Gilberto Gil semeiam a polêmica nos festivais de MPB, colhem prestígio e inventam a Tropicália. Foi o período do protesto. Profeta do protesto, o cantor popular Bob Dylan estoura nas paradas com a composição Blowin´in the Wind (Soprando no Vento) e torna-se um hino do movimento pelos direitos civis. Jimi Hendrix reinventou a guitarra elétrica e trouxe o blues para a era da eletrônica. O explosivo grupo de rock Rolling Stones cantou os sonhos de revolta de uma geração. Andy Warhol, James Rosenquist e Roy Lichtenstein anunciam a pop art, arte adequada para a sociedade de consumo.

 


Os empresários José Sidekerskis, Victor Chiodi, Heli Otávio de Lacerda, Cláudio de Souza, Arthur de Oliveira e Miguel Penteado criaram, em 1959 a editora Continental, que tempos depois seria rebatizada de editora Outubro (a partir de 1961). Sediada num pequeno prédio de no bairro paulistano da Moóca, a Outubro só publicava quadrinhos de autores nacionais. Nas suas publicações se consagraram grandes nomes das HQ como Flávio Colin, Júlio Shimamoto, Aylton Thomaz, Inácio Justo, Getúlio Delphim, Gedeone Malagola, Sérgio Lima, Juarez Odilon, Nico Rosso, Lyrio Aragão, Luís Saidenberg, Gutemberg Monteiro e tantos outros, sob a direção artística de Jayme Cortez. A editora acabou em 1966. Mas continuou, com nova direção, com o nome mudado para Taika. Os quadrinhos clássicos brasileiros estão sendo editados pela Criativo junto com o selo GRRR!. Entre os heróis estão: Homem Lua, Pele de Cobra, Fantastic, Pabeyma, a Espiã de Vênus, Aba Larga, Patrulheiro Fantasma.  Tem ainda heróis brasileiros publicados pela editora em outra série como Homem Fera, Superargo, Fantar, Gato, Carrasco, Fikom, entre outros.

 


Em 1968 o jovem Fernando Ikoma começou a publicar pela Editora Edrel, de São Paulo, a ESPIÃ DE VÊNUS – Série de ficção científica que conta a ação de Sibele, uma agente do planeta Vênus em missão na Terra. Sibele, que teve poucas HQs publicadas, duas em revista própria (ambas presentes na edição lançada pela Criativo) e mais algumas distribuídas em revistas diversas da editora Edrel.

 


A contracultura foi um movimento forte na década de 60, consolidando os roadie-movies, filmes ambientados na estrada, geralmente de conteúdo maduro, com questionamentos sócio-políticos ou existenciais. E foi nesse clima que nasceu o PELE DE COBRA, um ex-militar que larga tudo para viver na estrada, dormindo em pousadas decadentes ou mesmo ao luar, tendo por única companhia sua potente moto. Trajando uma vistosa jaqueta de couro de ofídeo, Criado por Eugenio Colonnese, Rivaldo Amorim de Macêdo em 1967 e publicado pela GEP (Gráfica Editora Penteado). Seu nome deve-se à sua jaqueta de couro de cobra que ele sempre usa em suas HQs. Em vez de máscara e superpoderes, o Pele de Cobra era um motoqueiro sem destino, acostumado a acampar nas terras inabitadas que circundavam as rodovias. Com o fim da GEP, o herói foi cancelado, permanecendo no limbo por mais de 30 anos. Em 2001 a editora Ópera Graphica trouxe de volta o Pele de Cobra e diversos heróis de Colonesse num álbum chamado "A última missão". Desenhado por Watson Portela e escrito por Franco de Rosa, a trama girava em torno do Cobra e de vários heróis dos anos 60, muito deles à beira da aposentadoria e decadentes. Era um quadrinho avançado que antecedeu em mais de uma década o seriado Carga Pesada, da rede Globo, que abordava temas e situações semelhantes.

 


O paulistano Gedeone Malagola lançou O HOMEM LUA no formato de tiras diárias em 25 fevereiro de 1965 no jornal paulistano Diário Popular, em uma única aventura de 24 capítulos. Inspirado no herói norte-americano Fantasma (The Phantom), o misterioso Homem Lua mora na metrópole paulistana, mas possui uma base de atuação escondida na floresta amazônica, onde é conhecido e respeitado por todas as tribos indígenas da região. Sem limites geográficos, o herói também combate ameaças em outros países e continentes, graças ao seu velocíssimo Jato Lua. Em 1967 é lançao o primeiro número do personagem em revista própria. O herói teve 12 HQs completas produzidas nos anos 60, além da primeira aventura, publicada em tiras. Depois disso, Gedeone nunca mais retomou o personagem.

 


Também estreando em tiras diárias no Jornal Paulista, em 1964 estava o super herói PABEYMA, com desenhos de Carlos Cunha. O novo visual do personagem veio, em 1968, quando passou a ser publicado como gibi mensal da editora Edrel (SP), desenhado por Paulo Fukue e escrita por Wilson Cunha, Nelson Ciabattari e Cunha. Suas aventuras se passavam em um mundo de criaturas evoluídas, de animais como pássaros, repteis, cavalos, etc. O herói não usava máscara, mas um uniforme verde e amarelo. Ele emerge numa tribo indígena brasileira, sendo chamado pelos índios de Pabeyma, que em tupi guarani significa imortal, aquele que dorme na caverna. A saga ocorre no futuro da Terra. O herói-diplomata, ser genético criado artificialmente, mas impregnado da alma tupi-guarani, vai até o planeta Marte resolver uns problemas desencadeados pela vaidade de uma orgulhosa rainha. As intenções pacíficas de Pabeyma fracassam e ele é obrigado a lutar contra um imenso eunuc e até mesmo contra sua majestade – o que nosso herói não sabia era que, de acordo com as leis de Marte, aquele que vencesse a rainha em combate, era obrigado a desposá-la em matrimônio.

 


ABA LARGA representa um movimento no Sul do Brasil, integrando um conturbado momento político brasileiro ligado a Leonel Brizola, que apoiava a nacionalização da HQ, através da Cooperativa Editora de Trabalhos de Porto Alegre (CETPA). A CETPA pretendeu implantar no Brasil um modelo de distribuição de HQ’s e outros formatos a ela ligados na época – como álbuns de figurinhas e revistas infantis – para todo o Brasil, nos moldes dos grandes syndicates norte-americanos. Criação de Getulio Delphim, em 1962. “Os Abas Largas” era como denominavam a Polícia Montada do popular 1º Regimento de Cavalaria da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, nos pampas gaúchos em virtude do chapéu que servia de cobertura no uniforme. Teve somente três edições. Os Abas Largas foram inspirados na Polícia Real Montada do Canadá, policiais de renome e fama internacional.

 


O quadrinhista Rubens Cordeiro (o Rubão) introduziu no segundo número da revista Pele de Cobra, um misterioso personagem, o PATRULHEIRO FANTASMA, em 1967. Tratava-se do espírito de um policial rodoviário que patrulhava as estradas brasileiras, sobretudo a noite, ajudando pessoas em dificuldades, em particular caminhoneiros vítimas de assaltos. Foi uma HQ curta de apenas cinco páginas, mas que serviu para despertar a curiosidade dos leitores.

 

 


CAPITÃO GUITARRA  também conhecido como Golden Guitar, criado por Rubens Cordeiro (arte-final) em 1967. O lápis da maioria das histórias era de Apa (Benedito Aparecido da Silva). Na identidade secreta, Capitão Guitarra era o cantor pop Renato Fortuna, calcado em Roberto Carlos, sucesso da época da Jovem Guarda. Vestido um uniforme azul e vermelho, o herói combatia bandidos como o Cabeleira e o Violinista a bordo de seu carrão Abarth, levando a tiracolo uma guitarra dourada que disparava dardos tranquilizantes, gás lacrimogêneo e outros truques especiais. Seus amigos eram os músicos da banda Os Taiobas: Beto, Bolão e Bolha. Sua namorada era Verinha. Mesmo com um visual descolado, a revista não passou do quarto número.

 

No final dos anos 80 e o casal Ataíde Braz e Neide Harue resolveu produzir a saga de SKORPION. Num futuro próximo (2030), o mundo está moralmente devastado, corporações multinacionais corruptas controlam tudo no planeta. Cidades decadentes e hiper violentas abrigam gangs de degenerados, viciados numa nova droga que invadiu o mercado: a droga da eterna juventude. Por ela muitos matam e muitos morrem. É neste cenário pós-apocalíptico que surge Skorpion, uma jovem justiceira empenhada em destruir o sistema corrupto vigente. Tal qual uma ninja high-tech, ela patrulha a cidade em uma velocíssima moto, como uma verdadeira máquina de guerra urbana.

08 fevereiro 2022

HQ usa metalinguagem para falar sobre a importância das histórias em nossas vidas

 

Quando determinada linguagem falar dela mesma, estamos diante de uma função metalinguística. A metalinguagem nada mais é do que a preocupação do emissor totalmente voltada ao próprio código que está sendo utilizado. No desenho animado Gato Félix, de Pat Sullivan, os pontos de interrogação que pairavam sobre a cabeça do pensativo Félix se tornavam varas de pescar. Era a linguagem experimental nos desenhos e quadrinhos. Félix usou o balão (fala) como balão para fugir de Marte e voltar para a Terra. Em Homem-Animal – O Evangelho do Coiote, Grant Morrison Grant Morrison parte da inserção de um personagem oriundo de outra mídia, ou realidade como se refere o roteirista, que acaba interagindo com o novo meio no qual é inserido, para criar uma metáfora para discutir as particularidades dos quadrinhos. O cinema utilizou a metalinguagem em A Rosa Púrpura do Cairo e Uma Cilada para Roger Rabbit, entre outros.

 


Agora chega uma declaração de paixão aos quadrinhos. Não só por trabalhar seus elementos particulares de forma tão divertida, mas pelas homenagens a artistas (Laerte, Andre Diniz, Scott McCloud, Juan Giménez) e personagens incríveis (Little Nemo, Tianinha, Diomedes, Turma do Lambe Lambe, Bone). Isso sem falar no estilo da arte. Criada por André Freitas (desenhista), Dayvison Manes (letrista e responsável pelo projeto gráfico), Marcelo Saravá (roteirista) e Omar Viñole (colorista), META: Depto. de Crimes Metalinguísticos é uma publicação da Zarabatana Books.

 

Traz uma história que acompanha uma polícia que investiga casos acontecidos em diferentes universos nas mais variadas mídias. A missão do grupo é investigar o assassinato de um desenhista cujos principais suspeitos são seus próprios personagens. A HQ acompanha o cotidiano do escritório brasileiro do Meta – uma polícia secreta que investiga crimes envolvendo quebras da quarta parede, nos quais personagens matam o próprio autor; autores que prostituem seus personagens; relacionamentos amorosos entre pessoas reais e personagens ficcionais; pessoas reais que entram em desenhos animados para nunca envelhecerem. O Meta age no mundo dos quadrinhos, da TV, do cinema, do teatro, da literatura, dos games, enfim, em qualquer mídia que tenha narrativas ficcionais.

 


A obra representa também o reconhecimento da importância das histórias na formação das pessoas. “Nossos aprendizados, tudo que internalizamos e que vira característica nossa, vieram de alguma narrativa que vivemos ou conhecemos”, reflete Saravá. “Os filhos aprendem vendo os pais e repetem a história; ou fazem o contrário, reagem e vão para o lado oposto contar uma história completamente diferente. Mas sempre há ligações”, aponta. “Na escola, eu sempre aprendi melhor quando havia uma história envolvida. Isso atrai a atenção das pessoas, faz mergulhar no que está sendo falado”. E conclui: “A natureza do roteiro de quadrinhos é muito parecida com a do roteiro de um filme ou de um programa de tevê”, explica. “A diferença é que no cinema você trabalha com o espaço e o tempo e no quadrinho você trabalha com uma mídia espacial e qualquer representação temporal deve ser desenhada: não é movimento de verdade, mas simulacros. Mas, mesmo assim, se você sabe contar uma boa história, sabe contá-la no teatro, nos quadrinhos, no cinema, no rádio ou em um videogame”.

 

A HQ foi lançada em dezembro de 2020, e encontra-se disponível em diversas comic shops, livrarias e também, no site da editora Zarabatana Books. O Prêmio Jabuti de 2021 deu à obra “META: Depto. de Crimes Metalinguísticos” o primeiro lugar na categoria histórias em quadrinhos