30 maio 2021

A cadela feliz

 

 

Era uma vez uma cachorrinha que gostava muito de crianças. Todas as vezes que seu dono Odemar levava para o passeio, ela via uma garotinha e começava a abanar o rabo e latir de felicidade. Deitava no chão para que a criança coçasse sua barriguinha e assim ela vivia de brincadeiras,  de correr atrás de uma bola, de pular atrás do dono, e de sentir segura, sem sono.

 


Como ela era muito peralta e ativa, ficava agitada quando  alguém passava diante de sua janela.  Sim, ela gostava muito de apreciar a paisagem da janela. Mas de uns tempos para cá notou que poucas pessoas passavam pelo local, e o pior, usavam uma máscara como aquelas de bandido e mocinho.

 


Niquita, o nome da cachorrinha não sabia, mas percebia que algo mudou. Um vírus terrível chegou e ameaçou toda a humanidade. Seu dono resolveu prende-la numa cólera e, todas as noites ela chorava de tristeza. Até que um dia a cadelinha ouviu uma voz, da consciência dizendo:

 

--  “Corte essa cólera com seus dentes”.

 

E foi o que ela tentou fazer, mas desistiu porque seus outros donos a abandonaram e ela não  queria ficar sozinha na rua.

 

Não durou uma semana e a Niquita conquistou o coração de Odemar que já fazia comida especial pra ela, além de dormir em sua cama, junto aos seus pés. Conforto? Era o que ela mais tinha. Estava feliz demais a danadinha. Mas eis que surge o vírus malvado e leva Odemar para o outro lado, ninguém sabe pra onde. Céu?  Estrelas? Vento ou poeira do universo... Então Niquita voltou a ficar triste, baixou o rabinho e não quis mais comer, só sofrer.

 


Mas eis que surge o companheiro de Odemar, o desajeitado Guto, que não sabe cozinhar, parece até desenho animado de tanto falar, pensou a cachorrinha. Mas logo Niquita se acostumou. Guto fazia carinho, dormia de mansinho, fazia até cafuné, levava aos passeios pra brincar com as crianças e ser feliz ao lado de tantas lembranças.

 

Quanto ao vírus, ela começou a se cuidar, limpar os pezinhos, se afastar dos vizinhos e se cuidar pra não adoentar. Niquita é esperta, balança o rabo e é feliz, mas não é quieta. Agitada como qualquer criança.  Só quer brincar com segurança. 

26 maio 2021

Amélia Rodrigues: 160 anos de nascimento

 

Há 160 anos nascia Amélia Rodrigues. Poetisa, romancista, contista e teatróloga. Amélia Rodrigues foi uma das mais completas literatas baianas, aliando essas atividades à de educadora. Amélia Augusta do Sacramento Rodrigues nasceu em Oliveira dos Campinhos, município de Santo Amaro, a 26 de maio de 1861. Fez estudos primários com o Cônego Alexandrino do Prado. Estudaria mais tarde com outros mestres do seu tempo e faria concurso para o magistério, a que se dedicou durante toda a vida. Desde jovem, vinha conseguindo publicar e levar à cena suas peças de teatro. Ela estreou com o poemeto Filenila, em 1880, segue Bem-me-queres, Flores da Bíblia (1923) e Catecismos em Cânticos (1925). Inicia colaboração em jornais e revista da época. Por muito tempo colaborou em periódicos empresariais, na grande imprensa, alternando tal colaboração com a da imprensa religiosa. Nos últimos 15 anos de sua vida, porém, restringiu seu campo de atuação a esta última. Em 1888 escreveu o romance O Mameluco, publicando-o em folhetim no jornal Eco Santamarense. Também por esse tempo escreveu o drama, em quatro atos, Fausto, que é representado em Santo Amaro. É de sua autoria os romances A Promessa (1895), Mestra e Mãe (1898) e Um Casamento à Moderna (1924).

 


Transfere-se, em 1891, para Salvador, prosseguindo na missão de ensinar. Em 1891 escreve o poema Jesus em Belém. Em 1898 edita os versos Bem-me-quer, fazendo sucesso entre os intelectuais. A partir da entrada na imprensa religiosa, a atuação da escritora, lado a lado com a sua projeção profissional, é enorme e cumulativa. Escreve versos, tem colunas e colaboração intensa nos periódicos religiosos. Mais ou menos após dez anos de artigos, funda três revistas: A Paladina (1910) e A Voz (1912) na Bahia e, no Rio, Luz de Maria. Suas peças voltaram a ser editadas. No entanto, seus temas foram-se afunilando em torno da religião. A militância da autora insere-se entre o momento da luta pela igualdade de direitos ( que se reduz, a uma melhoria na educação da mulher) e seu refluxo na primeira década do século XX e, na outra ponta, o recrudescimento da campanha pelo voto feminino nos anos 20/30. Em 1919 fixa-se no Rio de Janeiro, onde funda a revista Luz de Maria, publicando contos, artigos e poesias. Em 1926 retornara a Bahia.

 

São três etapas do processo de construção do pensamento feminista de Amélia Rodrigues: a primeira, que se inicia com poemas e culmina com a publicação do livro Mestra e Mãe (1898); a segunda, quando reforça a militância da mulher católica para uma ação fora do âmbito familiar, participando da atividade social no amparo das crianças desamparadas, assim como uma interferência na sociedade, exigindo da imprensa, do cinema, um respeito aos princípios éticos e morais deliberadamente cristãos. Esta etapa pode ser constatada através dos seus artigos nas revistas de Salvador e Rio. A última etapa, quando a autora, já no RJ, entra em contato com o debate amplo das idéias, com os primeiros ganhos da mulher na área profissional e na luta pelo direito ao voto. Ao longo de sua produção literária ela usava os seguintes pseudônimos: Cidade do Salvador ( pseudônimos Zé d’Aleluia - seção Musa Alegre, Musa Alegre e Borboleta - seção Entre rosas); Estandarte católico (Marphisa - Aljôfares), O Mensageiro da Fé (Juca Fidelis - Cena e Palestras), e Dinorah (em Cartas a Arthemia).

 


Amélia Rodrigues publicou ainda a biografia de Madre Vitória da Encarnação, intitulada Uma Flor do Desterro. Em 1901 editou pela Tipografia Salesiana O Ódio Sem Fim, a propósito da perseguição religiosa; Verdadeira Missão Social da Mulher (discurso inaugural da Associação das Damas de Maria Auxiliadora, em 04/08/1907), O Feminismo e o Lar (conferência pronunciada em 27/10/1921 na Associação dos Empregados do Comércio da Bahia) e Ação Social Feminina (1923). É ainda de sua autoria as peças teatrais A Natividade (drama sacro - 1889), Marieta das Flores. O Bilhete de Loteria. Poesias (1901), O Charlatão (1901), A Madrasta (drama em um ato, 1917), Borboleta e Abelha (drama, 1921), No Campo da Imprensa (farsa, 1916), Antes do Leilão das Flores (1921), Almas Sertanejas (drama nordestino em três atos, 1923), Progresso Feminino (comédia, 1924), entre outras. Das peças infantis escreveu: Hoje, Amanhã, Santos Amores; O Meu Dever: Se Dependesse de Mim; As Duas Colegiais; Pedindo Desculpas no Começo de uma Festa de Férias; O Anjo dos Pobres; O Pintor Malogrado; O Meu Presente, etc. Entre as traduções que fez estão O Presépio de São Francisco de Assis (de Frei Mateus Achneiderwerth), O Bufarinheiro (de Y D’Isné, 1902), A Porteira Celeste (lenda da antiga Viena, tradução do alemão pela autora) e Responso de Santo Antônio (versão de Amélia Rodrigues do orbe seráfico).

 


A trajetória intelectual de Amélia Rodrigues abrange mais ou menos 50 anos de mudanças marcantes dentro do contexto brasileiro e da Bahia. Ela viveu a monarquia, viu a abolição dos escravos, a primeira república, a primeira guerra mundial, a revolução russa, a separação da religião do poder político. Vivenciou a crescente laicização da sociedade, o crescimento dos movimentos socialistas, a luta da Igreja para permanecer no poder, a transformação da imprensa em empresa, a ampliação do conhecimento através da ciência. Dentro dessas mudanças, que imprimiam uma modificação contínua de atitudes, leu muito e informou-se sobre o movimento de emancipação da mulher. Além de publicar mais de uma dezena de livros, foi capaz de destacar-se nos meios culturais e de ocupar um razoável espaço na imprensa. Vale inserir seu nome no rol de mulheres escritoras que tiveram influência marcante em seus meios mas que, devido ao tempo e aos preconceitos literários, não têm um lugar na literatura, permanecendo uma espécie de limbo literário. No dia 22 de agosto de 1926 veio a falecer. Para não ficar esquecida, uma das ruas do bairro da Graça, em Salvador, foi denominada de Amélia Rodrigues. Desmembrando de Santo Amaro, sob a Lei Estadual 1533, no dia 20 de outubro de 1961 foi criado o município de Amélia Rodrigues, que fica localizado na região do Paraguaçu. (Mais informações sobre Amélia no meu livro Gente da Bahia 2 lançado em 1998 pela Editora P&A).

 

24 maio 2021

Bob Dylan comemora 80 anos

 

Ele negou o título de porta-voz de uma geração, foi elétrico quando ser elétrico era sinônimo de adolescência, se isolou no campo quando o movimento hippie veio bater à sua porta, não teve medo de expor seus sentimentos e ansiedades numa persona arredia, canta – até hoje – as mesmas músicas cada hora de um jeito diferente. Considerado o maior poeta do rock, suas músicas serviram de trilha sonora para os movimentos civis dos anos 60 e suas letras foram fundamentais pra que o rock and roll amadurecesse. Nomes essenciais do estilo, como os Beatles, os Rolling Stones e Jimi Hendrix, jamais esconderam sua admiração pelo artista.

 

 


Ele veio ao mundo em 24 de maio de 194, há 80 anos. Cantor considerado a voz de uma geração. De cantor de folk a ícone de rock, de manifestante político a letrista mais do que reconhecido talento que lhe rendeu, em 2016, o Prêmio Nobel de Literatura por sua obra poética na música popular americana. Ele foi um dos personagens centrais na luta pelos direitos civis nos anos 60, ajudou o rock a entrar na maturidade e se tornar o principal gênero musical da segunda metade do século passado, misturou alta e baixa cultura em letras que citavam a Bíblia, Shakespeare e os beats, expandiu a duração da música pop, fez a country music amadurecer e reabilitou Johnny Cash, apresentou maconha aos Beatles, duvidou (várias vezes) da religião, da cultura de seu tempo e dos próprios fãs. Judeu de Minnesota fez sucesso entre os intelectuais nova-iorquinos.

 

Seu nome verdadeiro é Robert Allen Zimmerman, nasceu em Duluth, em 1941, mas cresceu na pequena cidade de Hibbing, no estado do Minnesota. Depois de se mudar para Nova Iorque aos 18 anos, ele lançou seu primeiro disco em 1962. Uma de suas maiores inspirações foi o cantor Woodie Guthrie, que direcionou os primeiros anos de sua carreira para músicas de inspiração folk e cunho político.

 

No início da carreira Dylan mesclava sua voz rasgada com uma gaita imponente. Suas canções de protesto levaram jovens à reflexão sobre a sociedade e política da época. Ele tirava do noticiário dos jornais e da TV a matéria-prima para suas canções, falava a linguagem que a juventude em “guerra” nas universidades queria ouvir. Um crítico do New York Times aposta naquela “mistura de menino-de-coro e beatnick” e cria o rótulo “canção de protesto”, que passa a ser sinônimo do trabalho de Dylan. O estouro de “Blowin’in the Wind” consolida essa imagem.

 


O terceiro disco saiu em 64, e mantinha a linha política inclusive no nome: “The Times they are A’Changing”. Junto com Joan Baez, lidera o movimento de rebeldia. No quarto disco, ele quebra com a imagem de garoto pré-fabricado e passa a fazer composições autobiográficas. O público considera a virada em seu trabalho uma traição, suas letras não são mais compreendidas facilmente, ele exacerba o lado surrealista da poesia, faz longas digressões, fala da incompreensão dos homens pelo que fazem e ao se apresentar em l965 no mesmo festival de Newport é vaiado. Na verdade Dylan faz nova revolução musical, quando se apresenta acompanhado pelas guitarras elétricas do The Band: uma heresia para a folk music. A imprensa imediatamente cria um novo nome para aquele som: folk rock. Nasce logo em seguida a música que os Birds iriam consagrar como a primeira psicodelic song, “Mr. Tamborim Man”.

 

Depois disso Dylan sai com uma série de trabalhos — “Subterranean Homesick Blues”, “Like a Rolling Stone”. Em 1968 surpreendeu o público e a crítica com o álbum John Wesling Hardin, fortemente influenciado pelo country, tendência que se acentuou no trabalho seguinte, Nashville Skyline, e trouxe o clássico Lay Lady Lay para as paradas. O que produziu no início dos anos 70 não foi bem recebido pela crítica, considerado muito abaixo de seus melhores momentos. Retorna a evidência e ao sucesso, principalmente pelo elogiado duplo ao vivo Before the Flood (1974), além de Blood On Tracks (1975) e Desire (1976), seus melhores discos nos anos 70, aclamados pela crítica. Deste último, a canção Hurricane, baseado na história de Rubin Carter, um boxeador negro preso injustamente, foi um sucesso espetacular, ao mesmo tempo que a turnê Roling Thunder Revue (75/76) era aclamada por crítica e público.

 


Após seu divórcio em 1977, da esposa Sara Lownes, com quem era casado desde 1965, Dylan viveu uma grande crise pessoal, que refletiu-se em seu trabalho artístico. Depois de uma turnê mundial em 1978, em parte registrada no duplo ao vivo At Budokan (gravado no Japão), ele voltou-se para a música gospel, após converter-se ao cristianismo e filiar-se a uma igreja. Foi o período mais controverso e polêmico de sua carreira, principalmente por Dylan afastar-se de seu repertório clássico e investir em canções com temática cristã. Nesta nova fase, surpreendeu seus antigos fãs e se aproximou de músicos do segmento cristão, como Larry Norman, Chuck Girard e Keith Green. Dylan gravou três álbuns: Slow Train Coming (1979) considerado o mais inspirado dos três, deu a Dylan um Grammy de melhor vocal masculino, pela canção Gotta Serve Somebody. O segundo álbum, Saved (1980), teve uma recepção menos entusiasmada, embora na opinião de Kurt Loder da Rolling Stone este álbum fosse superior ao primeiro. Shot of Love (1981) encerra a fase cristã de Dylan.

 

Em 2003 representantes da música afro-americana estavam em The Gospel Songs of Bob Dylan, um CD que se desdobrou em indicação para o Grammy e em documentário (2006) sobre esta fase. O jornal International Herald Tribune declarava que a interpretação afro-americana levava a música de Dylan a um outro patamar. Anos 80 Com Infidels, de 1983, Dylan afasta-se da fé cristã, volta-se inesperadamente para as suas raízes judaicas e parece reencontrar certo equilíbrio artístico. Bem recebido pela crítica, é considerado seu melhor álbum desde Desire.

 

Down In The Grovy, álbum de 1988, passou despercebido, contém várias covers, mas equivale a uma declaração de princípios, com canções de folk-rock, gospel, rock, que demarcam os gostos artísticos preferenciais do artista. Depois de uma turnê com a lendária banda californiana Grateful Dead, ele lança o álbum Oh Mercy (1989), elogiado pela qualidade inesperada das canções e volta às paradas com o super-grupo Traveling Wilburys, formado com os amigos George Harrison, Tom Petty, além de Jeff Lynne e Roy Orbison.

 


No início dos anos 90, Bob Dylan volta a gravar folk tradicional, acústico, sem importar-se com o pouco apelo comercial deste gênero nos dias atuais. Depois do acústico produzido para a MTV em 1994, Dylan só voltaria com um CD de inéditas em 1997.  O álbum Time Out Of Mind ganharia vários prêmios Grammy e foi considerado por muitos uma nova ressurreição artística, confirmada pela qualidade de Love and Theft (2001). No documentário No Direction Home, de Martin Scorsese, que flagra os anos iniciais de sua carreira (1961-1966) e com Modern Times, seu álbum lançado em 2006, com o qual, pela quarta vez na carreira, Dylan conquistou a liderança do ranking dos mais vendidos dos Estados Unidos, vendendo 192.000 cópias na primeira semana. A última vez que Dylan tinha alcançado a liderança nos Estados Unidos, foi com o álbum Desire, de 1976, que ficou 5 semanas no topo das paradas.

 

Em 2012, o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama concedeu a Bob a Medalha da Liberdade, considerada a maior honra civil do país, que é concedida para as pessoas que fizeram contribuições para os interesses nacionais americanos. Em outubro de 2016, o artista foi agraciado pela Academia Sueca com o Prêmio Nobel de Literatura, por “ter criado novos modos de expressão poética no quadro da tradição da música norte-americana”. Além deste, ele também é vencedor de Oscar, Grammy e Globo de Ouro, sendo o primeiro artista da História a receber tantos prêmios por sua obra.

 

A voz rouca da discórdia nunca esmoreceu. É interpretado por uma diversificada gama de músicos que vai da cantora pop Sheryl Crowe ao brasileiro Zé Ramalho, do reggae de Bob Marley ao rock dos Rolling Stones ou a MPB de Caetano Veloso (além da banda mineira Skank que fez uma versão da canção I want you, de Dylan, intitulada Tanto). A sua música é interpretada por vozes delicadas como Gal Costa e Joan Baez, e também funciona perfeitamente bem em versões roqueiras de bandas como os Byrds, Guns´n Roses ou de Neil Young.

 

13 maio 2021

Há 140 anos nascia Lima Barreto

 

No dia 13 de maio completam-se 140 anos de nascimento de Lima Barreto (1881-1922). O escritor foi um dos principais defensores dos moradores das favelas na Primeira República. Os seus textos sobre esse tema remontam ao início da década de 1920, quando o processo de favelização na cidade do Rio de Janeiro se tornou multidirecional e incontrolável.

 

Escritor militante, como ele mesmo se define, Lima Barreto professou ideias políticas e sociais à frente de seu tempo, com críticas contundentes ao racismo (que sentiu  na própria pele) e outros naquelas crônicas da sociedade brasileira. Mulato, pobre, neto de escravos e muito inteligente, ele foi um dos maiores pensadores da língua portuguesa de todos os tempos e ainda é modero um século depois de seu triste fim na pobreza, doença e esquecimento.


 

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu em Laranjeiras, Rio de Janeiro no dia 13 de maio de 1881. Filho do tipógrafo Joaquim Henriques de Lima Barreto e da professora primária Amália Augusta, ambos mestiços e pobres, sofreu preconceito a vida toda. Com sete anos ficou órfão de mãe

 

Ele foi uma voz aguda, e muitas vezes solitária, no Brasil da Primeira República. Por meio do conjunto de sua obra, expressa a partir de cartas, contos, romances, diários, peças de teatro, Barreto jamais deixou de tocar em alguns temas que o distinguiam dos demais literatos do cânone de época: o racismo vigente no Brasil, a crítica a nossos estrangeirismos e a realidade da pobreza que migrava da capital para as periferias da cidade.

 


Em 1909, Lima Barreto estreou na literatura com a publicação do romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha. O texto acompanha a trajetória de um jovem mulato que vindo do interior sofre sérios preconceitos raciais. Em 1915, depois de ter publicado em folhetos, Lima Barreto publica o livro Triste Fim de Policarpo Quaresma, sua obra-prima. Nesse romance, o autor descreve a vida política no Brasil após a Proclamação da República.

 

Foi um dos mais importantes escritores de ficção brasileira, sendo o precursor do Movimento Modernista e do romance social. Seus escritos foram pouco valorizados em vida. Seu talento como escritor só é reconhecido de uns tempos para cá, quando vira tema de diversos estudos, nos mais diversos campos do conhecimento, em virtude de sua obra ser considerada fonte de informação, pesquisa e do que o próprio autor representou como intelectual, escritor, jornalista, negro, no contexto da República Velha.

 


Sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais, da hipocrisia e da falsidade dos homens em suas relações dentro dessa sociedade. Em muitas obras, como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma e no conto O Homem que Sabia Javanês, o método escolhido por Lima Barreto para tratar desses temas é o da ironia, do humor e do sarcasmo.

 

Em 1919 é publicado seu romance Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá. Em 1921 o autor apresenta sua terceira candidatura à Academia Brasileira de Letras (nas duas tentativas anteriores, é preterido; nesta última, o próprio escritor desiste antes das eleições). Com a saúde cada vez mais debilitada, Lima Barreto falece no dia primeiro do mês de novembro de 1922, em decorrência de um colapso cardíaco. Muitos dos seus escritos, tais como O Cemitério dos Vivos, Diário Íntimo e parte da correspondência pessoal, são publicados postumamente.

03 maio 2021

Milton Santos foi um dos maiores pensadores da nossa história

 

Geógrafo e professor, Milton Santos se vivo fosse comemoraria 95 anos de nascimento neste mês de maio. Ele é baiano de Brotas de Macaúbas, onde nasceu a 03 de maio de 1926, de pais professores primários.

 


A Bahia está sempre surpreendendo o Brasil e o mundo, e não se está falando aqui de música, dança, Carnaval e outras expressões culturais do gênero – ainda que estas sejam nossas matizes mais fortes e que merecem igualmente a devida valorização. Mas, o estado baiano é mais que isso, e uma das maiores provas é um nome: Milton Santos. Negro, nascido no interior da Bahia, em Brotas de Macaúbas, este geógrafo, doutor honoris causa por 20 universidades de sete países, teve mais de 40 livros publicados em diversos idiomas e se tornou um dos maiores pensadores da história recente do Brasil. O mestre visionário baiano morreu aos 75 anos, defendendo a tese de que é pelas ideias que se irá alcançar a transformação social.

 

Ainda criança, Milton Santos desenvolveu o gosto pela álgebra e pelo francês. Seu “forte” foi a matemática, tanto que aos 13 anos dava aulas no ginásio em que estudava. Aos 15 anos passou a lecionar Geografia e aos 18 prestou vestibular para Direito em Salvador. Enquanto estudante secundário e universitário marcou presença com militância política de esquerda. Formado em Direito, não deixou de se interessar pela Geografia, tanto que fez concurso para professor catedrático em Ilhéus. Nesta cidade, além do magistério, desenvolveu atividade jornalística, estreitando sua amizade com políticos de esquerda.

 


TRAJETÓRIA & RECONHECIMENTO - Apesar de ter se graduado em Direito, desenvolveu trabalhos em diversas áreas da Geografia, em especial nos estudos de urbanização do Terceiro Mundo. Foi um dos grandes nomes da renovação na geografia brasileira ocorrida nos anos 1970. Embora pouco conhecido fora do meio acadêmico, Milton Santos alcançou reconhecimento fora do Brasil, tendo recebido em 1994, o Prêmio Internacional Vautrin Lud, uma espécie de prêmio Nobel da Geografia, conferido por universidades de inúmeros países. O geógrafo foi dos poucos cientistas brasileiros que, expulsos durante a ditadura militar (naquilo que foi conhecido por êxodo de cérebros), voltaram depois ao país, sendo  disputado por diversas universidades.

 

Sua obra “O espaço dividido”, de 1979, é hoje considerado um clássico mundial, onde desenvolveu uma teoria sobre o desenvolvimento urbano nos países subdesenvolvidos. Suas ideias de globalização, esboçadas antes que este conceito ganhasse o mundo, advertia para a possibilidade de gerar o fim da cultura, da produção original do conhecimento - conceitos depois desenvolvidos por outros. “Por uma Outra Globalização”, outro livro seu escrito dois anos antes de morrer, é referência atual em cursos de graduação e pós-graduação em universidades brasileiras. Traz uma abordagem crítica sobre o processo perverso de globalização atual na lógica do capital, apresentado como um pensamento único.

 


Na visão dele, esse processo, da forma como está configurado, transforma o consumo em ideologia de vida, fazendo de cidadãos meros consumidores, massifica e padroniza a cultura e concentra a riqueza nas mãos de poucos. Durante toda a vida buscou métodos e visões diferentes para encarar seus temas de estudo. França, EUA, Canadá, Tanzânia, Milton Santos lecionou em diversas universidades mundo afora em seu exílio durante a ditadura militar no Brasil. Também lecionou na Venezuela e no Reino Unido. Regressou ao Brasil em 1977, onde anos depois, finalmente, cursou geografia na Universidade Católica de Salvador.

 

ABORDAGEM INOVADORA - Durante seus 13 anos de exílio, seus contatos com inumeráveis profissionais em diversos países, e, sobretudo sua capacidade de elaborar teorias, a partir de variadíssima leitura, por diversos campos do saber, impulsionaram seu esforço de escrever, de compor sua obra considerada como monumental. A ditadura lhe impôs sofrimento em função de suas ideias. Realizou forte defesa de uma Geografia mais crítica, com abordagens da teoria marxista.

 

A obra de Milton Santos é inovadora ao abordar o conceito de espaço. De território onde todos se encontram, o espaço, com as novas tecnologias, adquiriu novas características para se tornar um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações. As velhas noções de centro e periferia já não se aplicam, pois o centro poderá estar situado a milhares de quilômetros de distância e a periferia poderá abranger o planeta inteiro. Daí a correlação entre espaço e globalização, que sempre foi perseguida pelos detentores do poder político e econômico, mas só se tornou possível com o progresso tecnológico.

 


Para contrapor-se à realidade de um mundo movido por forças poderosas e cegas, impõe-se, para Milton Santos, a força do lugar, que, por sua dimensão humana, anularia os efeitos perversos da globalização. Estas ideias são expostas principalmente em sua obra “A Natureza do Espaço”, publicada em 2002. Ele recebeu em 1997 o prêmio Jabuti pelo melhor livro em ciências humanas: A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. Em 1998, o geógrafo foi homenageado pelo Jornal do Brasil, recebendo o título de Homem de Ideias. Um ano depois, foi contemplado em concurso nacional pela Revista Isto É como um dos 20 cientistas do século.

 

Ainda em 1999 recebeu o Prêmio Chico Mendes por sua resistência. Foi condecorado Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico em 1995. Hoje, o geógrafo tantas vezes laureado empresta seu nome ao Prêmio Milton Santos de Saúde e Ambiente, criado pela Fundação Oswaldo Cruz. Milton Santos nunca participou de movimentos negros – acreditava que deveria conquistar reconhecimento em atitudes como, por exemplo, ingressar na universidade. “Minha vida de todos os dias é a de negro”, declarou. “Mantenho com a sociedade uma relação de negro. No Brasil, ela não é das mais confortáveis”.

 

“o sonho obriga o homem a pensar”