16 setembro 2010

Manifesto da Nona Arte (2)

Uma análise dos quadrinhos através das suas inúmeras relações com a arte contemporânea. Manifesto onde procura mostrar que a história-em-quadrinhos é uma das únicas artes atualmente vivas – a nona – ao lado do cinema, da fotografia e da pintura. Texto de Gutemberg Cruz publicado no jornal Correio da Bahia – Caderno Cultura – 07 de Abril de 1980. Página 1.



A HQ é um veiculo de comunicação de massa transmitido através de um canal sensorial temporal. Sensorial porque o homem é o receptor imediato da informação: visão; e Temporal porque a mensagem é transmitida através de sinais impressos, registrando a mensagem através da duração do tempo. Pela predominância da imagem com a palavra os quadrinhos formam com o cinema e a televisão os meios icônicos ou pictoriais, Enfim, os quadrinhos provêm do encontro de dois elementos relacionados dinamicamente: a imagem e o texto. Assim as histórias em quadrinhos passam a ser consideradas a nona arte, sendo o cinema a sétima. Os dois participam simultaneamente das artes imóveis e das artes móveis, ou das artes do tempo e do espaço.

RECONSTITUIÇÃO DO MOVIMENTO


Colocar a HQ como a nona arte, para alguns, é uma presunção. Mas é preciso reconhecer que a própria natureza dos quadrinhos fornece muitas armas contra ele: o quadrinho é “fragilidade” porque está ligado a um suporte material extremamente delicado e que acaba por se estragar com o uso; porque não está protegido por depósito legal e o direito moral dos criadores quase não é reconhecido e porque é considerado, antes de tudo, uma mercadoria.


O quadrinho é “futilidade” porque é a mais jovem de todas as artes, nascida de uma vulgar técnica de reprodução impressa da realidade; porque é considerado pela imensa maioria do público como um simples divertimento nas horas de folga. O quadrinho é “facilidade” porque se apresenta, a maioria das vezes, sob as aparências da infantilidade, do erotismo ou da violência; porque é, nas mãos das potências econômicas que o dominam, um instrumento de ideologia.


Deste modo, vícios profundos contrariam o desenvolvimento estético-informacional dos quadrinhos. Mas, felizmente, durante oitenta e cinco anos produziram-se suficientes obras-primas para que se possa afirmar ser os quadrinhos uma arte, uma arte que conquistou os meios específicos de expressão. Para desenvolver as suas possibilidades próprias em plena autonomia.


Se formos mais longe podemos notar o fato de algumas formas literárias “não nobres”, como o romance e a comédia, acabaram adquirindo direito de “cidadania”. O romance policial conheceu igual sorte. Certos volumes da “série negra” são autênticas obras-primas, não obras-primas no gênero, mas simplesmente obras-primas. Na ficção científica também encontramos seus clássicos. E não faltou também à HQ, tão desprezada e caluniada, ascender à dignidade de gênero literário. O fato foi que muitos intelectuais começaram a adquirir esse veículo e a ler formulando um julgamento estrutural dentro das possibilidades gráficas que as historietas oferecem.


Muitos movimentos literários e artísticos que aparecem como novidade se inspiraram bastante nas manifestações mais vulgares da “subcultura da época”, então bastante popular. Um bom exemplo está no romantismo que foi precedido pelo gosto popular de melodramas e romances de cordel divulgados pelos folhetins e jornais. O surrealismo nasceu, graças a um olhar atento sobre os objetos banais e o burlesco popular. A música moderna recebeu uma nova inspiração do jazz, do rock, etc. A pop art nasceu das HQs.


Quanto ao cinema, sua relação com os quadrinhos sempre foi estreita. Não é por acaso que o cinema e as HQs são quase contemporânea. Com efeito, ambos são o resultado de pesquisas paralelas: a reconstituição do movimento. André Barsacq por exemplo, lançou seu folhetim intitulado “Um Móis à la Campagne” em quadrinhos antes de adaptá-lo para a televisão; Alain Resnais utilizou a técnica das HQs para a montagem de seus filmes “Muriel” e “Ano Passado em Marienbad”; Pier Paolo Pasolini numa entrevista ao Cahiers du Cinema declarou que realizou um episódio chamado “A Terra vista da Lua” segundo a técnica das historietas; Jean-Christophe Averty revelou, a propósito de seu “Ubu Rei” que “a técnica dos quadrinhos e desenhos animados que permite dar a uma única foto, por inclusão de outras fotos menores, um valor de representação sintética”.


O cineasta Frederico Fellini assim o definiu: "Histórias em quadrinhos são a fantasmagórica fascinação daquelas pessoas de papel, paralisadas no tempo, marionetes sem cordões, imóveis, incapazes de serem transpostas para os filmes, cujo encanto está no ritmo e dinamismo. É um meio radicalmente diferente de agradar aos olhos, um modo único de expressão. O mundo dos quadrinhos pode, em sua generosidade, emprestar roteiros, personagens e histórias para o cinema, mas não seu inexprimível poder secreto de sugestão que reside na permanência e imobilidade de uma borboleta num alfinete."


Assim, a HQ é uma espécie de confluência das técnicas de cinema, fotografia e literatura, mas tem absoluta autonomia em relação às três. Como um cineasta, o desenhista narra sua história em imagens sucessivas, e não em palavras. Como um fotógrafo, ele deve colher o ângulo mais adequado para determinado gesto – um closed, por exemplo, focalizando apenas uma mão ou uma panorâmica de uma cidade. Como um escritor, o desenhista escreve diálogos e frases explicativas. Apesar disso, o desenhista de quadrinhos difere dos três.

..................................................

Até o dia 03 de outubro na Caixa Cultural Salvador (Rua Carlos Gomes, 57, Centro. Tel. 3421-4200) está aberta a mostra de charges, caricaturas, cartuns e tiras de Hélio Lage. A mostra é aberta de terça a domingo, das 09 às 18h, curadoria de Nildão, produção cultural de Alice Lacerda, com o apoio da TV E e patrocínio da Caixa. E para os aficcionados nos trabalhos de Lage, vale conferir o site: www.heliolage.com.br.
---------------------------------------------------

Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929.

Nenhum comentário: