31 janeiro 2013

Para desconstruir O Inescrito

Formada pela linguagem verbal e visual, os quadrinhos revelam uma cultura, uma identidade não só para crianças como também para os adultos. A linguagem verbal se utiliza da estrutura e do vocabulário da linguagem escrita. E a visual, constituída por elementos plásticos, em suas diversas categorias como cor, forma, linha, disposição espacial, proporcionalidade, figuração, materialidade, cujas combinações criam as ilustrações, o projeto gráfico e toda a estruturação do encadeamento visual.

E nesse processo comunicativo, o verbal e o não verbal se encontram, se distanciam, criam uma experiência diferenciada em relação às obras apenas verbais, e muitas vezes, extrapolam a palavra e o desenho.

A obra de Mike Carey e Peter Gross intitulada O Inescrito (Panini Comics) propicia estímulos e articuladores de leitura, tanto no campo verbal quanto no visual, apresentando um discurso de boa qualidade artística. Página a página vai ganhando forma, crescendo em conceitos, sinalizando no momento e ritmo da leitura.

A ponte entre o real, as experiencias vivenciadas, e a ficção é o foco da narrativa. A obra abre um leque de possibilidades de exploração. Nessa primeira parte há uma apresentação dos personagens e o fio condutor da trama, que envolve um escritor desaparecido e o fenômeno literário que é sua obra (na qual realidade e fantasia se misturam).

Para muitos, trata-se de uma desconstrução de Harry Potter, assim que chegou às lojas americanas, em 2009. Os autores discutem a questão da celebridade e a maneira como a sociedade responde ao ardor da fama.

A trama tem como protagonista Tom Taylor, filho do autor de livros infanto juvenis mais famoso do planeta. O sucesso de seu pai, sumido há tempos, vem dos livros sobre um herói bruxo, também chamado Tom Taylor. Em meio a convenções de quadrinhos pelo mundo, Taylor passa a ser perseguido por fãs do feiticeiro, defensores da tese de que ele não é gente, e sim um personagem ficcional. Taylor percebe que estranhas circunstâncias mágicas começam a acontecer ao seu redor, pondo sua sanidade em risco.

Em todo o momento a dupla faz critica ao sistema e também é uma declaração de amor à literatura. Vale a pena conferir.

É bom lembrar que houve muitas mudanças no universo das histórias em quadrinhos. Na sua fase inicial eram totalmente voltadas para a garotada com as aventuras de crianças levadas criticando a forma de educar dos adultos (Yellow Kid, Pequeno Nemo, Sobrinhos do Capitão etc). Em seguida vieram as aventuras de Flash Gordon, Tarzan, Jim das Selvas, Fantasma e muitos outros cujo objetivo principal é sair da fase humorística para ações no espaço, na selva, no mar, afinal a queda na Bolsa de Valores dos EUA (1929) não permitia risos fáceis, era preciso fugir a essa realidade.

Com a chegada da guerra mundial, surgiram os super herois para mostrar ao mundo que o planeta estava seguro. A fase dos super herois dura até hoje para o agrado de milhares de fans. Mas surgiram também narrativas sofisticadas, utilizando metalinguagem, trabalhando o ser interior, as fases de angustia, solidão e tristeza. Os momentos da fraqueza humana em outra perspectiva.

A história de Inescrito cativa facilmente o leitor por mostrar segredos do universo da fantasia. E os dois autores possuem um bom domínio narrativo, tanto na construção do enredo e concepção dos personagens como das próprias técnicas da narrativa em quadrinhos. Há o uso de elementos bem contemporâneos como noticiários sensacionalistas, sites de teorias da conspiração, e até fóruns de internet permeando as suas páginas. Vale dar uma checada.
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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

30 janeiro 2013

O que há para ler nas HQs

Biografia em quadrinhos de Luiz Gonzaga


O ano de 2012 marcou o centenário de Luiz Gonzaga. Se ele ainda estivesse vivo no dia 13 de dezembro completaria 100 anos de idade. Comemorando a data, o estúdio Retina78 publicou a excelente HQ: Luiz Gonzaga: Asa Branca – O Menino Cantador, com arte de Wesley Rodrigues e roteiro de Maurício Barros de Castro. A obra conta a história de Gonzaga desde sua infância em Exu, interior pernambucano, a descoberta do xote, do baião, do forró, a saga dos retirantes nordestinos até seu sucesso como cantor popular.

Maurício é jornalista e historiador, vencedor do Prêmio Abril de Jornalismo 2011, na categoria Cultura, pela reportagem “O Verde que Virou História”, sobre o sociólogo Gilberto Freyre, publicada na Revista National Geographic-Brasil. Já Wesley é quadrinista e ilustrador, diretor de animação do premiado O Ogro (2011) e de Pinga com Sakê (2009).

Suburbia invade os quadrinhos


A série Suburbia sai das telas e agora invade os quadrinhos. A adaptação é do quadrinista Pedro Franz. A periferia do Rio de Janeiro é vista pelo olhar de Conceição, que divide com o leitor suas lágrimas e seu encanto pela cidade e sua gente. Suburbia se passa no início dos anos 1990 e conta a história da menina pobre que fugiu da extrema miséria em uma carvoeira em Minas Gerais e se tornou rainha do funk em um subúrbio do Rio de Janeiro. Nos quadrinhos, a história é contada por ela, Conceição, que narra seu cotidiano à sua “santinha”, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida que recebeu de sua mãe, antes de partir.

Como escreveu o antropólogo e escritor Luiz Eduardo Soares, “em Suburbia, a poesia dos criadores captura a vitalidade da zona norte e flagra a urgência de uma sociedade que ferve no fogo do medo e do desejo, no alvoroço das possibilidades, na fricção das contradições, longe do olhar bovino da Casa Grande, que acha feio o que não é clichê, que decalca o futuro nos moldes do passado idealizado, que discrimina e não se crê racista, que ainda sonha o velho sonho americano da prosperidade ilimitada, cujo prazo de validade esgotou-se até mesmo na matriz” (http://www.luizeduardosoares.com/?p=1040)



Povos indígenas em quadrinhos

Sérgio Macedo levou para o papel a experiência que acumulou, ao conviver, diariamente, com os índios."Minha afinidade com o mundo indígena vem da primeira infância, assim como minha afinidade com histórias em quadrinhos. HQ sempre foi minha linguagem, é um meio agradável e eficaz para se comunicar. Isso me permitiu compreender o mundo indígena, suas aspirações e seus problemas. A sociedade nacional ignora a realidade desses povos, que são os verdadeiros brasileiros, vivendo nessa terra muitos milênios antes que nela chegassem os português”, informou.

Desta forma, a preservação da natureza no país e no mundo é a preocupação do desenhista mineiro Sérgio Macedo, que lança o livro Povos indígenas em quadrinhos, com selo da Zarabatana Books.
Prefaciado pelo sertanista Sydney Possuelo, considerado a maior autoridade com relação aos povos indígenas isolados do Brasil, o livro traz a história de Yanomamis, Xavantes, Kayapós, Suruís e Panarás em 88 páginas coloridas.

É bom lembrar que a mídia apresenta um silencio constrangedor em relação aos índigenas. O índio brasileiro é visto como um entrave ao progresso, ou ainda algo engraçado, pitoresco, entre outras sutilezas. Nesse álbum de Sergio Macedo conhecemos um pouco do universo rico e verdadeiro dos povos indígenas brasileiros, fazendo um contraponto com as histórias de destruição e horror que acompanham os Kayapó, Yanomami, Xavante, Suruí, Panará... Vale a pena conferir!  Essas publicações podem ser encontradas no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)


Atrações variadas movimentam Dia do Quadrinho na UFBA




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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

28 janeiro 2013

Viagem musical pela Bahia (2)

O cantor e compositor Moraes Moreira canta em alto e bom som “eu gosto de ser baiano/ai, ai Bahia/ando perguntando/quem é que não poderia...”. E das músicas que compôs, ele informa que “Chame Gente” é a que melhor retrata o Estado, fala da mistura de raça e da forma que o baiano encara a vida, apesar das dificuldades:

“Ah! imagina só que loucura/essa mistura/alegria, alegria é o estado que chamamos Bahia/de todos os santos, encontros e axé/sagrado e profano/o baiano é Carnaval//No corredor da história/Vitória, Lapinha, Caminho de Areia/pelas ruas, pelas veias, escorre/o sangue e o vinho, pelo mangue, Pelourinho/a pé ou de caminhão não pode faltar a fé, o Carnaval vai passar/da Sé ao Campo Grande/somos os Filhos de Gandhy,/de Dodô e Osmar”.

Um dos locais mais conhecidos de Salvador e famoso no Carnaval das décadas de 70 e 80 foi cantado pelo santo amarense Caetano Veloso: “A praça Castro Alves é do povo/como o céu é do avião/um frevo novo/eu quero um frevo novo/todo mundo na praça/muita gente sem graça no salão”.

Outro local popular, sede do bloco afro Ilê Ayê, foi saudado pelo compositor Gerônimo: “Eu sou negão/meu coração é Liberdade/sou do Curuzu, Ilê”. Já Gilberto Gil cantou o misticismo do povo baiano em “Eu Vim da Bahia”: “Onde a gente não tem pra comer, mas de fome não morre/porque a Bahia tem mãe Yemanjá/do outro lado o Senhor do Bonfim/que ajuda o baiano a viver”. E até Ivete Sangalo concluiu: “Falar o quê/quando pisa nessa terra/alegria toma conta de você”. E assim, dos antigos aos atuais compositores, a Bahia continua na boca do povo.

Um dos poucos que ousaram cantar o outro lado da Bahia foi o poeta Gregório de Mattos (1636-1696) que compôs o soneto Triste Bahia. O poema adquiriu popularidade quando foi gravado por Caetano Veloso em 1972: “Triste Bahia! Oh quão dessemelhante/estás e estou do nosso antigo Estado/pobre de ti vejo a ti/tu a me empenhado...”, dizia os primeiros versos do poeta que ficou conhecido como Boca do Inferno.
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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

Viagem musical pela Bahia (1)

Berço da brasilidade, a Bahia se tornou uma imagem idílica para os brasileiros. Estereótipos como o da preguiça, do tempero ou do suingue baiano rondam o imaginário popular e são usados pelos próprios baianos como forma de autopromoção. “Baiano não nasce, estreia” é uma das frases utilizadas para mostrar a artisticidade inata do povo local. A Bahia, terra de filhos ilustres em todas as áreas da cultura, é cantada por seus admiradores, baianos ou não.

Quando se apresentava na rádio Sociedade da Bahia, na década de 1940 o sambista Riachão ficou conhecido como o cronista musical da cidade. Isso porque, além de compor músicas que tem Salvador como cenário, Riachão costuma falar de fatos que aconteceram nesses lugares, como o de uma baleia que foi exposta na Praça da Sé. Seu primeiro CD lançado em 2000, canta Salvador num estilo que ele chama de samba cartão postal. As imagens dos bairros e das ruas da cidade são cantadas de um modo que faz o ouvinte ter a sensação de percorrer os lugares citados: “Quem chega na Praça Cayru/olha pra frente o que é que vê/vê o elevador Lacerda/que vive a subir e a descer/É o retrato fiel da Bahia/baiana vendendo alegria/coisinha gostosa de dendê/acarajé ôô
ôô”.

O bairro de Itapuã cantada em música de Dorival Caymmi como uma bucólica vila de pescadores já não é mais a mesma, mesmo assim o local ainda é uma referência. “Saudade de Itapuã” (Caymmi) e “Tarde em Itapuã” (Vinícius de Moraes e Toquinho) são músicas emblemáticas. O bairro perdeu a tranquilidade de outrora, mas os compositores cantaram o local da época deles. O local era de veraneio para os soteropolitanos na época de Caymmi, anos 30 e 40. Nos anos 60 e 70, quando Vinícius morou lá, já havia uma avenida que ligava a cidade à antiga vila, mas o local ainda era vasto como um recanto.

Na letra do samba "Você já foi à Bahia?" é iniciada com uma pergunta: "Você já foi a Bahia, nega?" e em seguida são listados vários argumentos para convencer a "nega" - e a todos os seus ouvintes - a irem à Bahia. Aspectos diferentes do estado são salientados na letra: motivos de ordem religiosa, ao mencionar a Igreja do Senhor do Bonfim e das graças que alcançará quem visitá-la; a típica culinária baiana como vatapá, caruru, mungunzá; a diversão através do samba; e por fim motivos históricos são alegados como a memória do tempo do Império, com suas donzelas, através da arquitetura da "cidade velha". Tudo é motivo para se visitar a Boa Terra. Ao fim do samba o afeto do compositor transparece quando revela que não há terra como a Bahia.

Os autores de algumas das mais famosas (e apaixonadas) músicas sobre a Bahia não nasceram lá. Trata-se do mineiro Ary Barroso, que passou apenas alguns dias na capital baiana, e do paulista Denis Brian. Compositor de “Bahia com H”. Na música, Brian pede licença para se declarar ao Estado: “Dá licença de gostar um pouquinho só/a Bahia eu não vou roubar tem dó/e já disse o poeta/que terra mais linda não há/isso é velho e do tempo em que já se escrevia Bahia com H”. Ele também canta as paisagens soteropolitanas: “Deixa ver, Baixa dos Sapateiros, Charriot, Barroquinha, Calçada, Taboão..../deixa ver, teus sobrados, igrejas/teus sambas, ladeiras/e montes tal qual um postal”.

Já as canções de Barroso, tais como “No Tabuleiro da Baiana”, “Quando em Penso na Bahia” e “Baixa dos Sapateiros”, fazem o ouvinte percorrer um itinerário geográfico musical pela Bahia, mais precisamente por Salvador, o que faz com que muitos turistas já cheguem à cidade cantarolando as músicas. “Na Baixa do Sapateiro encontrei um dia/a morena mais frajola da Bahia/pedi-lhe um beijo, não deu/pedi-lhe um abraço, não quis,/pedi-lhe a mão, não quis dar, fugiu://Bahia, terra da felicidade”.

E quem não se lembra de Gordurinha cantando “o pau que nasce torto/não tem jeito, morre torto/baiano burro, garanto que nasce morto/sou da Bahia e comigo não tem horário/não sou otário ninguém pode me zombar/sou cabra macho, sou baiano toda hora/meio dia, duas horas, quatro e meia, o que é que há/cabeça grande é sinal de inteligência/eu agradeço a providência, ter nascido lá/salve a Bahia Ioiô/Salve a Bahia Iaià”.
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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

25 janeiro 2013

Humor armado de Henfil (5)

No dia 04 de janeiro de 1988 – há 25 anos - morria o cartunista Henfil (1944-1988). Ele teve uma atuação marcante nos movimentos políticos e sociais do país, lutando contra a ditadura, pela democratização do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Com humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo, o paranoico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e comprometimento social.

Num congresso de fisioterapia, realizado em 1981 em Salvador, Henfil compareceu para falar de suas experiências com a hemofilia ao longo de sua vida e para cá também levou as lições de autoconfiança que assimilou, conjugadas com a fisioterapia. “A determinação de um hemofílico pode permitir um tratamento com a fisioterapia dispensando o plasma e os remédios químicos. Se o hemofílico sair da redoma em que normalmente é colocado pela mãe, pode levar uma vida normal. A metade dos hemofílicos permanece nessa redoma, superprotegidos. Esses são os corruptos da classe. A outra metade entre a qual me coloco são os marginais”, brincava ele, citando os exemplos do ator Richard Burton que não aceitava extras em cenas perigosas, e do próprio irmão Herbert de Souza, o Betinho, o exilado político da música “O Bêbado e a Equilibrista”.

Henfil: o Humor Subversivo é o título do livro de Márcio Malta, formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), doutorando em Ciência Política (PGCP/UFF) e cartunista profissional, assinando seus desenhos com o pseudônimo de Nico. A obra aborda a contribuição política do cartunista Henfil, percorre seu trabalho artístico e a luta contra os desmandos do regime militar. Publicado pela editora Expressão Popular, o livro faz parte da coleção Viva o Povo Brasileiro, que visa resgatar a memória de personalidades que lutaram para transformar o Brasil.

“Em seu campo de atuação profissional, Henfil foi ímpar. Dono de um traço leve, ágil e despojado de preocupações estéticas, acadêmicas e tradicionais, seu estilo se caracterizava pela síntese. Seu estilo era tão pessoal, que é impossível imitá-lo. Em certa feita, Jaguar comparou Henfil com Garrincha, ou seja, único” (p.37). “Por meio de seu traço limpo e ágil, conseguia dar vazão a tudo aquilo que não poderia ser verbalizado nos tempos sombrios da ditadura” (p. 39)

“Nas histórias em quadrinhos de Henfil pode-se afirmar que o ciclo não se encerra no momento da reflexão do receptor. O humorista compunha uma espécie de parceria com o leitor. Os personagens chegam a dialogar com o público, estimulando a tomada de consciência. Charges como as que figuram os quadrinhos eram recortadas e mostradas, contadas e recontadas, construídas e reconstruídas no imaginário popular, conscientizando e dando asas as formas de resistência. Exemplo clássico da interação com o público é o quadrinho em que o trio de personagem da caatinga tenta localizar a esperança olhando para os lados. A proposta por si já é fantástica, se constituindo como um convite para a imaginação, posta que o sentimento não é algo visível” (p. 40/41)

A lista de criações de Henfil constam a feminista Zilda-Lib, a onça Glorinha, anarquista, líder do comando de Libertação do Quadrinho Nacional. A missão da Onça Glorinha era caçar o “agente imperialista” Mickey. Certa vez ela comeu a Graúna, achando se tratar do camundongo de Walt Disney. Henfil admite que fez uma provocação ao tipo de intervenção que grupos da luta armada faziam. A importância conferida por Henfil ao elemento feminino das personagens, como a onça Glorinha e a Graúna, que se comportam como as mais valentes e combativas. Era essa a percepção que Henfil detinha do poder feminino. Trabalhando com a reversão de expectativas fazia ainda o riso rolar solto.

Henfil criou outros personagens. Continuava apontando as desgraças do homem médio brasileiro, mas de maneira mais simples. Havia fome, falta de liberdades civis, desemprego, e injustiças sociais, e era preciso denunciar isso. Graúna, Zeferino, Bode Orelana, Ubaldo, Orelhão, cada tipo sublinhava, com humor amargo, aquilo que se lia nos jornais e se via nas ruas. Era um trabalho mais direto, mas nenhum personagem mostrava as vísceras do povo como o Fradim. O personagem mostrou de maneira completa os horrores da condição humana e, ao que se sabe, o país de Sarney (presidente na época) tem quase nenhuma diferença daquele governado por militares.

No final dos anos 70, ele lançou uma revista com histórias mensais dos monges loucos. Não durou muito, a revista era cara e o País começava a enfrentar mais uma de suas crises econômicas. Henfil colaborou com diversos jornais revistas: Status, Isto É, Pasquim, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil, O Globo, O Estado de S.Paulo. Escreveu vários livros: Henfil na China, Cartas da Mãe, Fradim da Libertação, Diário de um Cucaracha. Fez um filme, Tanga, Deu no New York Times.

A obra do cineasta baiano Glauber Rocha foi um dos fatores que influenciou a criação de Henfil. Desde a realização de cenários que assimilavam a técnica do Cinema Novo e suas tomadas; assim como a influência na escolha de temas ao criar seus personagens. Em paralelo ao cinema novo, outra grande influência de Henfil ao rabiscar a caatinga foi o livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. A inspiração veio a partir do momento em que ganhou o livro de Betinho. O cartunista soube traduzir para os quadrinhos duas contribuições essenciais para compreender o Brasil.

Henfil foi um homem de denúncias. Foi ele quem calibrou a expressão Diretas Já e sofreu depois por ser contra o Colégio Eleitoral e, consequentemente, contra o governo de Tancredo Neves e seu vice, eleitos indiretamente. Um guerrilheiro do cartum, assim Henfil foi definido pelo cartunista Miguel Paiva. “A produção de Henfil, em sua quase totalidade (conta Nico em seu Henfil, o humor subversivo), foi pautada em termos críticos. Adotou o lápis como arma para denunciar e questionar tradições e comportamentos sociais. Tocava em pontos-chave, desenvolvendo um inconformismo contagiante. Valores, que até então eram vistos como naturais, eram espezinhados na mão do cartunista”. Segundo o caricaturista Cássio Loredano: “Henfil tirou de debaixo do tapete o que para lá tinham varrido zelosamente a nossa História inteira”.

As tiras, o texto e os cartuns de Henfil, significaram, em quase todo o período militar, um sopro de esperança. Em 1970, com a ida de grande parte dos militantes para a guerrilha, Henfil criou o Zeferino. Sua intenção era chamar as pessoas a enfrentar a ditadura. “Quem era ele? Um cangaceiro... Você tem de ser o cangaceiro! Tem de se transformar no cangaceiro!”, explicou Henfil em entrevista ao jornalista e amigo Tárik de Souza. A história se passava no sertão, usando a fome e a seca para se contrapor à propaganda do “milagre econômico” e dialogar com a classe média do “Sul Maravilha”. Zeferino foi criado como personagem principal. Discutia com o bode Francisco Orelana (uma crítica ao intelectual de esquerda, que ``comia” livros e pouco agia), e formava um casal com a Graúna. Esta ganhou vida própria (como a maioria de seus personagens) e tornou-se a protagonista. Hemofílico, acabou numa das muitas transfusões de sangue contaminado pelo vírus HIV. Henfil estava com Aids quando pouco se sabia dessa doença; Morreu em 1988, debilitado mentalmente. Henfil é sempre atual. E profundo em seu humor cáustico.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

24 janeiro 2013

Humor armado de Henfil (4)

No dia 04 de janeiro de 1988 – há 25 anos - morria o cartunista Henfil (1944-1988). Ele teve uma atuação marcante nos movimentos políticos e sociais do país, lutando contra a ditadura, pela democratização do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Com humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo, o paranoico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e comprometimento social.


Procurando fugir às esquematizações, Henfil não se conformou em ficar apenas como desenhista. Em 1980, criou a TV Homem, um quadro satírico dentro da TV Mulher, levado ao ar pela Rede Globo todas as manhãs. Colocou seu talento também a serviço do teatro e do cinema. Junto com o jornalista Oswaldo Mendes, escreveu o roteiro de A Revista do Henfil, que fez sucesso no teatro Ruth Escobar, em São Paulo, a partir de setembro de 1978. Em 1979 concluiu o filme Tanga – Deu no New York Times, feito em parceria com Jofre Rodrigues, filho do dramaturgo Nélson Rodrigues.

A linguagem coloquial, cheia de sua poderosa lucidez, funcionou como uma bomba, idêntica ao estouro dos Fradinhos, Essa experiência, o incentivou a continuar. Em Henfil na China ele revelou o fechado país de Mao Zhe Dong, depois de uma viagem a convite do governo. Cartas da Mão é uma antologia de sua colaboração semanal na revista Isto É, onde trabalhou de 1977 a 1984. Outra obra, Diretas Já, mostrou plenamente seu engajamento político em artigos e cartuns. Em Fradim da Libertação, Henfil retomou sua mais contundente personagem, nascida no seu livro de estreia, Hiroxima Meu Humor, publicado em Belo Horizonte, em 1967, antes de sua mudança para o Rio.

Não existe nada mais perigoso do que uma mulher quando vê em perigo a preservação da espécie. Por isso elas estão na frente de todos os movimentos revolucionários do mundo” (Suplemento Mulher, Folha de S.Paulo, 1983)

Antes de viajar para Natal, Rio Grande do Norte, para se aproximar ainda mais do sertão, Henfil esteve em Salvador e travou contatos com alguns desenhistas. Mais tarde, quando José Wilson Lopes Pereira tornou-se coordenador da Rádio Educadora da Bahia fizemos experiência com quadrinhos e cartuns no radiojornalismo com experiência dos trabalhos de Lage e Henfil. “Sou contra a sofisticação do sorriso”, definiu-se, faz algum tempo. Simples, direto, apaixonado, lúcido. Henfil deixou Graúna,. Zeferino, Bode Orelana, Ubaldo, Baixim, Cumprido, muita saudade. Seu traço era tão refinadamente estilizado que até hoje vários profissionais brasileiros o têm como referência

Fui educado na religião do terror. Essa formação, mistura de puritanismo, tradicionalismo, patriarcalismo e matriarcalismo, aliada a uma terrível fobia por qualquer espécie de pecados, originais, veniais, e mortais, me inoculou magníficas neuroses, responsáveis por toda essa graça...” (Revista Domingo, Jornal do Brasil, 1978)

“Os Fradinhos foram aceitos pelo Sindicato, eu assinei um contrato de 15 anos com os americanos, mas...depois de algum tempo veio a constatação: eram sick. A tradução literal de sick é doente, mas pode ser muito mais. É pornográfico, imoral, escatológico, sádico, neurótico, desajustado. Eles davam opinião e faziam humor com os fatos, de maneira desrespeitosa e sick, contra os padres assépticos e puritanos da grande massa norte-americana” (Sobre sua experiência para produzir cartuns nos EUA, Jornal do Brasil, 1975)

O escritor Dênis de Morais conta a trajetória do cartunista da perigosa expedição pelos porões da ditadura ao mergulho no calvário da Aids, passando pela desilusão precoce com o modelo social – democrata do então principe Fernando Henrique Cardoso e da amizade com o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. O livro O Rebelde do Traço – A Vida de Henfil, com 580 páginas foi lançado pela José Olympio em 1996. “Henfil, seu herói, era rebelde que trabalhava com a indignação, a revolta e a fúria, matérias-primas do panfleto, mas que nele eram fonte de graça. A convivência com a hemofilia lhe deu defesas imunológicas contra a piedade – a alter-piedade e a autopiedade -, fazendo-o tão impiedoso com os outros quanto era consigo mesmo. Nele conviviam, politicamente, o correto e o incorreto. O seu humor era, como dizia, ´pé na cara`. Ao mesmo tempo radical e amoroso, intolerante e generoso, doce e caustico, Henfil foi o humorista do senso incomum, da grossura, da inconveniência, dos gestos escatológicos e do mergulho nas zonas de sombra: do medo, do sadismo, da perversão e da paranoia”, escreveu Zeunir Ventura na orelha do livro de Dênis de Moraes.

Avesso à luta armada, que considerava uma armadilha dos militares para derrotar mais facilmente uma esquerda em frangalhos. Embora estivesse convicto de sua opção pelo humor armado, Henfil ajudou os militantes da Ação Popular e do PC do B de todas as maneiras. Liderava as cotizações para contratar advogados para os presos políticos, escondia militantes em sua casa e servia como motorista, guiando seu próprio carro nas ações dos grupos. Dênis retrata a vida cultural brasileira dos anos 30 e 40 com a biografia de Graciliano Ramos. Em Oduvaldo Vianna, os anos 50 e 60. E rastreando a vida de Henfil conseguiu com fecundidade os anos 60, 70 e 80.

O escritor observa que a vida do barulhento cartunista, “homem multimídia já naquela época”, pode ser resumida em três palavras: comédia, drama e angústia. Comédia quando se pensa nos Fradinhos, Cabôclo Mamadô e seu Cemitério dos Mortos-Vivos e no trio da caatinga – Zeferino, Graúna e Bode Orelana. O drama seria tanto a hemofilia que nunca lhe deu sossego (não podia sequer dar uma topada com medo de hematomas e derrames), quanto o exílio de Betinho, seu irmão mais velho e modelo de vida. Por fim, uma angústia permanente varou-lhe a vida. Angústia por viver em um Brasil que “não era o que ele queria”. “Foi um diabo de humorista e (tudo nele era assim tão contraditório) um anjo muito puro que passou por aqui feito um vendaval escaldante, mas deixando tudo arejado, ventilado. Foi muito rápido”, comentou o desenhista Cássio Loredano.
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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

23 janeiro 2013

Humor armado de Henfil (3)

No dia 04 de janeiro de 1988 – há 25 anos - morria o cartunista Henfil (1944-1988). Ele teve uma atuação marcante nos movimentos políticos e sociais do país, lutando contra a ditadura, pela democratização do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Com humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo, o paranoico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e comprometimento social.

Na sua revista Fradim, lançada em 1978, desenvolveu ao máximo sua arte de quadrinização, conquistando mais leitores com sua série sobre a caatinga, onde Bode Orelana, Zeferino e Graúna ridicularizavam o desenvolvimento do sul maravilha. Ao inundar o país com milhares de cartuns e quadrinhos, o profissional que saiu da província balizou uma trajetória digna da admiração dos seus pares.

Em 1973 partiu para os Estados Unidos, depois de uma longa e desgastante fase de censura no Pasquim. Foi cuidar da hemofilia e “fazer a América”. Chegou a registrar os Fradinhos nos Estados Unidos (os Fradins lá eram conhecidos como The Mad Monks) e a publicar algumas tiras que saíram de circulação por pressão de leitores e editores, que o consideravam sick (doentio) demais. Nesse exílio voluntário, ele descobriu outra faceta do seu múltiplo talento: o de escritor. As cartas que escreveu a familiares e amigos transformaram-se no livro Diário de um Cucaracha, onde contava suas desventuras em terras americanas.

Henfil passou dois anos nos Estados Unidos, sendo duramente criticado por isso. Segundo seus críticos, ele ia em busca de reconhecimento mundial quando na verdade ia apenas tratar de um problema no joelho. Lá, além dos seus próprios problemas de adaptação, teve que enfrentar também o problema de adaptação de seus personagens, tendo preferido não mexer neles e criar um outro para um jornal underground de Nova Iorque, além de colaborar como chargista em um jornal do Canadá.

Foi o único brasileiro a ser aceito pelo mais poderoso sindicato norte americano de cartunistas, UPS (Universal Press Syndicate), que controla a publicação de tiras nos jornais dos EUA. A moral americana rejeitou os fradinhos. Eram sádicos, escatológicos, desajustados, diziam. Mas no Brasil eles seduziram milhares de leitores. Era com eles que Henfil exorcizava as neuroses de sua educação rígida e mostrava a cara de seu País. Cruelmente engraçado. No final dos anos 70 montou um apartamento em São Paulo, levando para morar com ele Angeli, Laerte e Glauco. Morou durante sete anos. Seu trabalho voltou-se exclusivamente para a crítica política.

Nesta época, também interrompeu as publicações da revista Fradim. Embora muitos acreditassem ser obra da Censura, a interrupção, na verdade, foi espontânea e deveu-se a uma decisão particular de Henfil. Foi também neste período que surgiu a oportunidade de Henfil vir a trabalhar como chargista da revista Playboy americana, mas foi rejeitado. O motivo? Suas charges foram consideradas inteligentes demais para o público da revista para o qual, segundo a direção da publicação, só servia entretenimento, coisas que não fizessem pensar muito.

Mas as andanças de Henfil não param por aí. Teve também a época que ele passou morando no Nordeste onde, segundo ele, foi por uma questão de sobrevivência humana, egoística e individual, para resolver problemas de saúde mental e refletir, ficar mais próximo do habitat natural de seus personagens

Em matéria de humor, sou pela gargalhada pé na cara, franca, espontânea, brasileira;Não admito a sofisticação do sorriso” (Revista de Domingo, Jornal do Brasil, 1978)

Henfil só pôde traduzir os diferentes momentos da época porque os viveu. Ele aproximou-se da militância com o irmão Betinho, militante da Ação Popular. Com o irmão exilado, Henfil visitava presos, participava de reuniões, da reorganização dos sindicatos, das greves, da luta pela Anistia, do surgimento do PT e das Diretas Já. Para ele, “a chave para você fazer humor engajado é estar engajado. Não há chance de você ficar na sua casa vendo os engajamentos lá fora e conseguir fazer algo. Esse talvez seja o humor panfletário. O que você faz de fora”.

Henfil não conseguia fazer um humor panfletário também por causa de sua extrema sensibilidade. Sem “comprar a briga” de uma categoria ou pessoa, ele não se achava em condições de desenhar. Só se vivesse a luta. “Eu ia lá, assistia as reuniões, se eu começasse a me emocionar com a coisa, saía”.

Os traços de Henfil são curtos, rápidos, transmitem força e expressividade. Talvez o maior exemplo de síntese seja mesmo a Graúna, que chegou a ser comparada com um ponto de exclamação. O leve deslocamento de um de seus traços altera seu humor.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

22 janeiro 2013

Humor armado de Henfil (2)

No dia 04 de janeiro de 1988 – há 25 anos - morria o cartunista Henfil (1944-1988). Ele teve uma atuação marcante nos movimentos políticos e sociais do país, lutando contra a ditadura, pela democratização do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Com humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo, o paranoico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e comprometimento social.

Seus personagens, habitantes da caatinga seca e árida, passaram a apresentar a contradição do sul maravilha e o mundo bravo do sertão, principalmente mostrando nos personagens Zeferino e Graúna, sendo que esta última ganhou cada vez mais espaço dentro do contexto das tiras inicialmente dedicadas a Zeferino. Além destes há ainda o bode e a onça que são resultado de histórias que ouviu do cantador que também cria bodes, Elomar, conforme contou Henfil: “Ele me falava da sua afeição por alguns deles, principalmente o Francisco de Orelana e enquanto ele falava, fui me lembrando do meu pai, todo o meu passado foi voltando. Quando tive de criar a história eu não sabia bem o que fazer, sabia apenas que os meus símbolos deveriam ser bem brasileiros. Surgiu assim, tudo de repente, e depois eu pesquisei, li Os Sertões, literatura de cordel...”.

Na galeria de personagens criados pela genialidade de Henfil, os Fradins têm um lugar especial. Eles nasceram por imposição de Roberto Drummond, editor da Alterosa, e foram inspirados em dois freis dominicanos mineiros. O Cumprido é o religioso carola e careta, covarde, mas também lírico, romântico e sonhador. Já Baixim é o Henfil pós-freis dominicanos, com uma nova visão de Igreja, que conhece a hipocrisia do mundo e a combate através da ironia e da agressão. Os Fradins têm ainda o mérito de introduzir em páginas impressas expressões como putsgrilla, tutaméia, cacilda, além do gesto simbólico e sua onomatopeia, o top top, que caíram no gosto dos leitores.

Numa entrevista a revista Veja (1971) Henfil revelou: “O Baixinho sou eu. Hoje. O Cumprido também sou eu, numa versão antiga. Vamos dizer que eu andei e o Cumprido ficou para trás. É isso. O Cumprido é como eu era: um cara carola, infantil, ingênuo, aquele mineiro com aquela formação religiosa antiga, mórbida. A religião do terror, na qual tudo é pecado (o raio que está caindo é castigo de Deus). Do pecado mortal, venial e original. O Cumprido ficou nessa fase. Agora eu me identifico com o Baixinho, que é totalmente como eu sou hoje: toda uma negação desse meu passado. E de uma maneira muito agressiva, porque esse meu passado me incomoda bastante (…) O Baixinho procura, através da agressão, do ridículo, me checar e ao meio em que vivo. Já vi: não era anarquizar, agredir essa gente, como o Baixinho agride”.

Acompanhado os dois Fradins, o Preto que Ri, um frei negro, que ri de sua própria desgraça, e o Tamanduá que Chupa Cérebros. O Cabôco estreou no Pasquim em 1972 e de todos os personagens de Henfil foi o que causou mais polêmica e inimizades ao autor. Dono de um cemitério atípico, Cabôco só enterrava pessoas que estavam vivas. Para personalidades públicas que, no entendimento de Henfil, haviam colaborado de alguma forma com a ditadura, caia no cemitério dos mortos-vivas. E o Cabôco tinha como cúmplice o Tamanduá, que sugava cérebros de suas vítimas para conhecer os pensamentos mais escondidos.

FRADIM

Quando decidiu lançar o Fradim em revistas, Henfil criou um elenco de personagens mais leves para acompanhar a publicação. Surgiu Zeferino, um nordestino da caatinga, esfomeado e sedento, acompanhado de uma minuscula graúna, seu único personagem feminino, que após morrer e ressuscitar em três dias, pôs um ovo e gerou a Grauninha, um personagem delicado que morreu de inanição pouco depois. E ainda um bode devorador de livros, Francisco Orelana, vestindo seu constante chapéu coco, e que foi inspirado num bode real, da criação do cantador Elomar Figueira de Mello. Como antagonistas, o onça Glorinha, e Lati, um coronel do interior.

Com o negro Orelhão, criado nas páginas de O Dia, Henfil desenha a crítica social, com um humor direto, falando claramente aos pobres da cidade, sobre seus problemas mais imediatos. Também para esse público surgiram no Jornal dos Spots seus personagens de futebol: Urubu (torcida do Flamengo, composta em sua maioria de negros), Bacalhau (torcida do Vasco, portugueses), Pó de Arroz (torcida do Fluminense, de pessoas ricas), Cri-Cri (torcida do Botafogo, por conta de sua chatice), Gato Pingado (torcida do América, muito pequena). E para os mais intelectualizados Ubaldo, o Paranoico, um personagem criado com a anistia de 1070, e que sempre se recusou a admitir que os tempos estariam mudando. Segundo Márcio Malta, a chave de Henfil para o sucesso popular foi abordar o futebol não só por seu cunho esportivo, mas também pelo mundo real – partindo da esfera econômica – em que chamou atenção para as contradições sociais entre as torcidas.

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21 janeiro 2013

Humor armado de Henfil (1)

No dia 04 de janeiro de 1988 – há 25 anos- morria o cartunista Henfil (1944-1988). Ele teve uma atuação marcante nos movimentos políticos e sociais do país, lutando contra a ditadura, pela democratização do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Com humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo, o paranoico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e comprometimento social.


Ele contribuiu para renovar o traço humorístico brasileiro e criou personagens que entraram para o cotidiano do país. Poucos desenhistas conseguiram erguer uma coleção de personagens tão identificada pelo brasileiro médio como o mineiro Henrique de Souza Filho, Henfil (1944-1988), o travesso do traço. Seu desenho era uma caligrafia. Com duas linhas, fazia um personagem e levava sua irreverência às últimas e às melhores consequências.

“Para mim, os fradinhos são personagens clássicos da história em quadrinhos universal. Uma das lições que eles nos deixaram é a de você se permitir tudo, ir cada vez mais longe, sem tabus. Qual a marca característica do Henfil? Sua integridade”, atestou o humorista Jô Soares. Para o cartunista Paulo Caruso, “ele foi uma das pessoas mais brilhante da geração que saiu do Pasquim. Tinha uma vivacidade enorme, brincando o tempo todo, um humor incrível mesmo. Um outro lado do Henfil: ele tinha uma capacidade fascinante para criar”.

“Dos cartunistas brasileiros era o que mais se aproximava do que se costuma chamar de gênio”, disse o cartunista Jaguar. “O desenho dele não é de prazer, é mais um instrumento de crítica, uma navalha afiada. Ele não deixava escapar nada com seu traço”, revelou o crítico de arte Frederico Morais.

Sua capacidade de se entregar às ideias sem se prender aos homens já diferenciava o dublê de político e humorista. Ele nunca precisou se filiar a qualquer partido ou causa para se transformar no militante mais ousado. Avesso à luta armada, que considerava uma armadilha dos militares para derrotar mais facilmente uma esquerda em frangalhos, Henfil estava familiarizado com as táticas da guerrilha. Embora estivesse convicto de sua opção pelo humor armado, ele ajudou os militantes da Ação Popular e do PC do B de todas as maneiras, além do Partido dos Trabalhadores. Liderava as cotizações para contratar advogados para os presos políticos, escondia militantes em sua casa e servia como motorista, guiando seu próprio carro nas ações dos grupos.

TRAJETÓRIA

Mas quem pensa que tudo isso surgiu na carreira de Henfil de modo premeditado, engana-se completamente. Na verdade, ele tem uma trajetória pouco comum. E já andou pulando como sapo para ver se conseguia escapar das pragas de urubu que, vez por outra, surgiam em seu caminho. Proveniente de família mineira do norte de Minas – seu pai foi barraqueiro do São Francisco, tropeiro, vaqueiro, pescador. Depois a família mudou-se para Belo Horizonte, deixando para trás o polígono das secas. Foi em Belo Horizonte que começou a desenhar com mais intensidade. Tinha então 17 anos e seus desenhos eram charges copiadas de revistas francesas. Os desenhos foram apresentados ao diretor do jornal O Binômio, Lúcio Nunes que, embora gostasse dos desenhos, afirmou não poder publicá-los porque o jornal só publicava charges políticas.

Desde que começou a publicar seus cartuns, na revista mineira Alterosa, antes de 1964, teve consciência da precariedade da atividade jornalística. E, mais grave: em 1973, numa entrevista ao Pasquim, reconheceu que “o desenho significa a morte da ideia, orque vira papel, tinta nanquim, clichê, jornal”. Por isso Henfil procurava sempre o movimento. Assim, desenvolveu um traço ágil a partir dos cartuns do Diário de Minas. Mais tarde, no seu trabalho no Jornal dos Spots criou personagens populares como o Urubu, que virou símbolo do Flamengo, o Cri-Cri, o Pó de Arroz e o Gato Pingado.

Começou a trabalhar como revisor na extinta revista Alterosa, editada pelo escritor Roberto Drummond, que o descobriu para a charge ao ver uns desenhos pornográficos que ele havia feito para os operários da gráfica. Foi aí que nasceu o nome Henfil (juntando o hen de Henrique, com o fil de Filho) e seus primeiros e mais marcantes personagens, os Fradins Cumprido e Baixim, inspirados em dois freis dominicanos.

Com o fechamento da Alterosa, levou os personagens para o Diário de Minas. Em 1965 começou a trabalhar no Diário de Minas, fazendo os cartuns que aprendera já no colégio noturno, o exílio dos escolares repetentes. De lá foi para o Rio, no Jornal dos Spots, onde nasceu a galera de tipos de times de futebol. Os Fradins só foram ressuscitados nas páginas do Pasquim, em 1969. Em 1971 as tiras foram reunidas em um álbum, e dois anos depois se transformaram em revista mensal. Depois foi o Rio de Janeiro com toda sua explosão de mar.

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18 janeiro 2013

Uma explosão em gritos e uivos, urros e gemidos

Há 70 anos, no dia 19 de janeiro de 1943, nascia na pequena e provinciana Port Arthur, Janis Joplin, a garota que viveu as cores de seu pesadelo. Insegura, insatisfeita e suicida. Desarmada, depressiva e eufórica. Janis simboliza o protótipo perfeito da cantora de blues, que ela unia ao rock para fazer as plateias passarem da emoção ao fogo, em canções como Piece of my heart, Turtle blues, My and Bob Mcgee, Mercedes Bens, Summertime.

Toda sua insegurança, moldada pela crueldade com que sua aparência e seu gênio provocavam na mentalidade estreita vigente em Port Arthur nunca mais a abandonou. O racismo texano também criava conflitos para Janis, que era considerada uma nigger love (amante de negros) só porque não conseguia hostilizá-los como os colegas faziam. Pearl é como gostava de ser chamada, e como se escondia das adversidades.

Fazendo sua cabeça com a leitura dos escritores beats, como Jack Kerouac e Allen Ginsberg aos 15 anos, Janis se voltava para a cultura negra, desencantada com os valores da classe média branca dos EUA. Daí para a música negra foi um passo.

Foi no Festival Monterey Pop, no verão de 1967 que Janis surgiu como uma jovem branca de longos e despenteados cabelos louros. Mas no instante em que o Big Brothers começou a tocar, aquela figura anteriormente de menina assustada passou a se transformar. A banda tocava Piece of My Heart e a cada nota do contrabaixo, ela dava uma pancada com a mão na perna. Ao final do número, o público entrou em delírio.

Apesar do apocalipse do Who, do fogo de Hendrix, Janis agarrou o microfone, gemeu, bateu os pés, sacudiu a cabeça, gritou e incendiou o ar. O canto de Joplin conseguia expressar toda a revolta, as dúvidas e perplexidades que os jovens tinham com o mundo em que viviam. Com seus cabelos longos e despenteados, sua voz áspera, seus gritos roucos, Joplin fez renascer o blues.

Carente, angustiada, quando cantava Joplin jogava todos os seus conflitos internos. “Minha musica é sobre o sofrimento, sua urgência. Sua presença” Também no palco se entregava completamente. Acariciava o microfone, gemia, implorava e batia os pés. “Eu canto com a minha voz, meu corpo, meu sexo. Nenhum cara nunca me fez sentir tão bem quanto uma plateia me faz”.

A branquela, sardenta e gorducha mocinha texana depois de desestruturar todo o arcabouço do clássico e pretensamente negroide Summertime, pergunta diretamente a Deus por que Ele não lhe compra um Mercedes Benz, uma televisão a cores. A branca cantora de blues que se fez negra pela cor de sua voz interroga e cobra do grande deus consumista as promessas que a sociedade lhe fizera desde o berço. Por quê?.
Foi inovadora no vocal e em atuação no palco. Na época, ninguém fazia o que Janis estava fazendo. No final de 1969 ela já estava tensa, cansada, acabada. Bebe desesperadamente, está viciada em heroína e continua só. Transa com vários garotos, mas continua só. Em janeiro de 1970 pede ajuda médica e decide abandonar o vício, começa um tratamento e vem para o Brasil em fevereiro, procurando um lugar onde pudesse descansar e tomar sol. Chegou no Rio de Janeiro, depois para a Bahia onde descansou em Arembepe. Mas, na volta à rotina dos shows, excursões e gravações, os mesmos problemas a encontraram. Assim, do conflito entre duas personalidades (Pearl a garota que surgiu como uma espécie de autopunição e Joplin cantora), nascia o canto animal da única mulher branca a cantar blues com a sexualidade e o desespero que só (raras) intérpretes negras a possuem.
No dia 03 de outubro de 1970, aos 27 anos ela foi encontrada morta, depois de injetar acidentalmente uma superdose de heroína. Seu legado é dos mais reduzidos: Cheap Thrills, (I Got Dem'01) Kozmic Blues, Pearl, Big Brother & The Holding Company, Janis Joplin in Concert, Janis (trilha sonora do filme).

Assim foi Janis numa carreira fulminante, incendiária. Ela só tinha uma limitação: era basicamente intérprete. E intérprete irreverente a uma escola específica, o blues. Sua luminosidade é ter expressado publicamente uma sensualidade feminina triunfante e positiva, embora – ainda – sofrida. Agora, 43 anos do desaparecimento da estrela, vale essa recordação, um réquiem.


Janis canta com a voz rouca e sofrida, típica das grandes intérpretes de blues
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17 janeiro 2013

Sociedade humorística (4)

A função do humor não é, imediatamente, provocar o riso, como supõe a razão, mas é, também, de se contrapor a ela como instância privilegiada exclusiva da verdade. Assim, “o humor não é resignado, mas rebelde” como dizia Freud. Assim, no século XVII, a razão troca as difusas verdades universais espalhadas pela sociedade por verdades oficiais, ancoradas pelo poder absolutista.

O humor produz desordem na ordem da razão


Desse modo, todas as práticas que anarquicamente enunciavam as verdades que eram capazes de formular (os loucos, alquimistas, astrólogos, bruxos) ficam esvaziadas, portadoras de um saber sem conteúdo, perdendo a positividade de seus discursos, o controle de seus dizeres e a ordem de seus prazeres. São postas à margem da sociedade e da cultura como difusoras de práticas negativas porque marcadas pela ausência da razão. O humor produz desordem na ordem da razão.

Festas populares (como o Carnaval) e quaisquer manifestações profanas são proibidas. Os ditos loucos também foram aprisionados, afinal de contas, é deles o riso mais libertário. O clero toma a dianteira nessa campanha conservadora. Baixa-se uma espécie de código na tentativa de abafar as gargalhadas. A alegria passa a ser crime.

O riso moderno existe para mascarar a perda do sentido”

A Idade Média, dominada pela Igreja, foi uma época de tristeza. De maneira oposta, o Renascimento, foi o grande momento da liberação do riso. A Contra Reforma não viu com bons olhos o humor. Vários teólogos pensavam que o homem deveria evitar o riso por causa de sua condição pecaminosa.

O clero era instruído a não provocar o riso durante os serviços. Há um tempo de chorar e um tempo de rir, diz a Bíblia, e os escritores moralistas repetiram o veredicto: “Agora é o tempo de chorar e no céu será o tempo de rir”. O cristão deveria apenas esperar até a redenção dos pecados na Jerusalém sagrada, onde encontraria o único riso natural. Esse pessimismo agostiniano fez com que os religiosos condenassem o riso.

Os filósofos Hegel (1770/1831) que não queria rir, Schopenhauer (1788/1860) pessimista e rabugento, e Nietzsche (1844/1900) ao contrário, decretou o riso escancarado. Assim gargalhou Zaratustra e com o crepúsculo dos ídolos nascia o popular “quem ri por último ri melhor”. O historiador Georges Minois relata na sua “História do Riso e do Escárnio” que há um divórcio entre as folias modernas e o riso – o sujeito agora se perde totalmente no grupo -, ao contrário de antigamente, quando a farra era associada ao riso em razão do seu caráter excepcional, que permitia estabelecer um deslocamento da norma. A festa tecno (raves) seria apenas uma busca fetichista do sagrado. “Não é irônico ver multidões laicas viverem a festa tecno como uma verdadeira missa?” é a pergunta que nos deixa para uma reflexão.

“O riso moderno existe para mascarar a perda do sentido. É mais indispensável que nunca”, esta é uma das conclusões a que chega Minois em seu livro. Para outros, o riso é um elixir de longa vida. Afinal, neste milênio marcado pelo estresse, desigualdades sociais e idas rotineiras ao divã do analista, o humor comparece e se afirma como uma variável. Bom humor é necessário.

Já para o sociólogo Gilles Lipovetski o riso perdeu sua força. No seu livro “A Era do Vazio” ele atesta: “Um novo estilo descontraído e inofensivo, sem negação nem mensagem, apareceu. Ele caracteriza o homem da moda, do texto jornalístico, dos jogos radiofônicos, televisivos, do bar...”. Para ele não há mais festa do espírito no riso, a esculhambação dionísica deu lugar ao “cool”.
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DIA DO QUADRINHO NACIONAL

O 30 de janeiro é o Dia do Quadrinho Nacional por ser o dia do início da publicação, em 1869, da primeira série em quadrinhos no mundo, realizada no Brasil pelo vêneto imigrado por aqui Angelo Agostini: As Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora. Em Salvador, a data vai ser comemorada com música, exposições, sessões de autógrafos, venda de livros, lançamento de DVD, homenagens e até uma sala de chat exclusiva. As atividades acontecem na Biblioteca Central da UFBA (Campus de Ondina), das 19 às 21 horas.


O que acontecerá:
Apresentação musical de Gibran Sousa e os Bye Anos
Exposição do grande caricaturista em barro - talvez o melhor do mundo nessa arte - Valterio, que mora em Salvador há décadas e é pouco reconhecido
Homenagens a 3 personalidades da cultura baiana falecidas recentemente, e a pessoas que ajudaram no desenvolvimento da Nona Arte
bancas de artistas locais
Venda de quadrinhos
Exposição de álbuns e revistas brasileiras que mostram a evolução dos quadrinhos brasileiros como arte, e não mero entretenimeno
MUITOS sorteios (com material de outros estados e, mesmo, países) inclusive de HQS infantis
Sala de chat exclusiva para tirar dúvidas sobre o evento (algo inédito em Salvador)
Pré-lançamento do DVD do filme ‘Nego’


Os homenageados são
Angelo Agostini, criador da primeira série de quadrinhos do mundo
José Carlos Capinan (com a execução de uma música sua sobre quadrinhos por Gibran Sousa, dos Bye Anos)
Lage, falecido chargista baiano
Joaci Goes -, que à frente da Tribuna da Bahia impulsionou o suplemento A Coisa (1 número será exposto em grande formato)
Claudio Veiga - pelo seu livro sobre o fanzine 'O Papão' (todo o livro dele será exposto em grande formato)
Teodoro Sampaio – com o pré-lançamento do DVD do filme 'Nego' (de Savio Leite e Marko Ajdaric, que usa quadrinhos como suporte de linguagem)
Ernesto Simões Filho - pela criação a 108 anos do mais importante fanzine da Bahia, O Papão (antes de fundar o maior jornal da Bahia, A Tarde, há 101 anos
O evento já conta com um espaço no Facebook
Site oficial da UFBA divulga o evento:
http://www.ufba.br/noticias/atividades-culturais-marcar%C3%A3o-dia-do-quadrinho-na-ufba
Impulso HQ divulga o DQN:
http://impulsohq.com/noticias/comemoracao-do-dia-do-quadrinho-nacional-em-salvador/

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