28 junho 2021

A vida começou na água

 

Foi na água que tudo começou. A vida surgiu com organismos simples na água. As descargas elétricas e os raios ultravioletas criaram reações químicas com os gases, criando moléculas essenciais a vida, como aminoácidos. Esses aminoácidos começaram a se unir, formando proteínas. Tudo isso na água. E essas proteínas também teriam se unido, formando os chamados coacervados. Com o tempo esses coacervados desenvolveram uma camada externa que as protegia e ainda controlava a entrada e saída de substâncias. Era uma membrana. Com o passar do tempo, esses corpos começaram a se juntar, formando células. Essas células, somente unicelulares (com uma única célula), eram autótrofas, ou seja, não precisavam ir atrás de alimento, já que "produziam" o próprio alimento, talvez através da fotossíntese.

 


Esse processo de fotossíntese começou a limpar a Terra. Trilhões de bactérias absorvendo os gases nocivos da atmosfera e liberando oxigênio ao mesmo tempo. As células sentiam necessidade de se aglomerar. E assim surgiram os seres pluricelulares (compostos por mais de uma célula). Esses corpos ainda viviam em grandes colônias na água. Porém a atmosfera lá fora estava ficando boa. As células começaram a formar corpos muito mais complexos. Extremamente complexos. Eram os seres vivos como podemos imaginar hoje em dia, como poríferos (esponjas do mar) e cnidários (águas-vivas), por exemplo. E o tempo foi passando. Surgiram os artrópodes (como caranguejos e siris), os primeiros peixes e seres quase-anfíbios. Depois os reptis. Se tornaram quadrupede e ganharam mais espaço, até o sapiens.

 

Todo ser vivo surgiu da água, do oceano. Assim, há 600 milhões de anos o rio da vida abandonou a monotonia unicelular e deu origem aos primeiros seres formados por agrupamentos rudimentares de várias células. A competição por nutrientes e condições físicas favoráveis fez com que essas formas de vida multicelulares aumentassem rapidamente de complexidade, dando origem a animais e vegetais que deixaram os mares e se estabeleceram em terra firme.

 


No início do processo evolutivo, existíamos em meio aos oceanos. Carregamos o oceano dentro de nós. Nossas veias espalham as marés. A composição de nosso sangue continua sendo basicamente de água salgada. E necessitamos de solução salina para lavar os olhos e, ao longo dos séculos, a vagina feminina tem sido descrita como possuindo odor semelhante ao de peixe.

 


O discípulo de Freud, Sandor Ferenczir, foi ousado o suficiente para declarar, em sua obra Thalassa: A Theory or Genitality, que os homens só faziam amor com as mulheres porque seus interiores cheiravam a salmoura de arenque e, com o ato, os homens estariam tentando voltar ao oceano primordial – “sem a menor dúvida, uma das teorias mais fantásticas sobre o assunto. Não somente devemos nosso olfato e paladar ao oceano, mas temos o cheiro e o gosto do oceano”, disse Diane Ackerman em sua obra História Natural dos Sentidos.

 

Em uma de suas citações mais conhecidas, o filósofo Heráclito diz que “não se poderia penetrar duas vezes no mesmo rio”. Ele estendeu essa ideia desde a Natureza até o comportamento humano, sempre enfatizando a importância da tensão e complementariedade entre opostos como força motriz por trás do dinamismo do mundo à nossa volta.

 


“Nada do que foi será/De novo do jeito que já foi um dia/Tudo passa/Tudo sempre passará//A vida vem em ondas/Como um mar/Num indo e vindo infinito//Tudo que se vê não é/Igual ao que a gente/Viu há um segundo/Tudo muda o tempo todo/No mundo//Não adianta fugir/Nem mentir/Pra si mesmo agora/Há tanta vida lá fora/Aqui dentro sempre/Como uma onda no mar/Como uma onda no mar/Como uma onda no mar//Nada do que foi será/De novo do jeito/Que já foi um dia/Tudo passa/Tudo sempre passará//A vida vem em ondas/Como um mar/Num indo e vindo infinito//Tudo que se vê não é/Igual ao que a gente/Viu há um segundo/Tudo muda o tempo todo/No mundo//Não adianta fugir/Nem mentir pra si mesmo agora/Há tanta vida lá fora/Aqui dentro sempre//Como uma onda no mar/Como uma onda no mar/Como uma onda no mar/Como uma onda no mar/Como uma onda no mar” (Como uma onda, Lulu Santos)

26 junho 2021

Gilberto Gil: 79 anos de vida

 

Hoje, dia 26 de junho o cantor e compositor Gilberto Passos Gil Moreira comemora 79 anos de vida. Sua arte meditativa e esfuziante, brasileira e internacional, negra e multirracional, pura e comprometida, é hoje, sem intenções, sem cálculo, tão política quanto metafísica, e, portanto, arte no mais alto sentido. “Gil é o receptivo. Luz onde as sombras se assentam, e que lhes dá contorno. Clareza que abraça o mistério sem temor. O maleável. `Transcorrendo, transformando, tempo e espaço navegando todos os sentidos´. A natureza, o princípio feminino (´a porção melhor que trago em mim agora´), o que recebe. É assim que as palavras se articulam nos encadeamentos rítmicos, melódicos, semânticos de suas canções”, disse o cantor e compositor Arnaldo Antunes.

 


Gilberto Gil é uma das singulares estrelas da música popular brasileira que transcende a rótulos. Compositor, cantor, músico, intelectual, polêmico, político, místico, enfim, uma figura complexa e, por vezes, paradoxal. Esse nordestino negro, nascido na Bahia, teve papel fundamental em um dos movimentos mais marcantes da música brasileira, a Tropicália.

 

Gilberto Gil tem um papel fundamental no processo constante de modernização da Musica Popular Brasileira. Na cena há 50 anos, ele tem desenvolvido uma das mais relevantes e reconhecidas carreiras como cantor, compositor e guitarrista. Seus álbuns lançados mundo a fora, desde 1978, o ano do sucesso de sua performance no “Montreux Jazz Festival”, na Suíça , gravado ao vivo, até o mais recente servem de guia para muitos artistas.

 


Ritmos do nordeste do Brasil como o baião, samba e bossa-nova foram fundamentais na sua formação. Usando essas influências como um ponto inicial, Gil formulou sua própria música, incorporando rock, reggae, funk e ritmos da Bahia, como o afoxé. A obra musical de Gilberto Gil abrange uma ampla dimensão e variedade de ritmos e questões em suas composições, pertinentes a realidade e a modernidade; da desigualdade social às questões raciais, da cultura Africana à Oriental, da ciência à religião, entre muitos outros temas. A abrangência e profundidade nos diferentes temas de sua obra musical, são qualidades específicas deste artista, fazendo de Gilberto Gil, um dos melhores e mais importantes compositores musicais brasileiros.

 

A importância de Gilberto Gil na cultura do Brasil vem desde os anos 60, quando ele e Caetano Veloso criaram o Tropicalismo. Radicalmente inovativo no cenário musical, o movimento assimilou a cultura pop aos gêneros nacionais; profundamente crítica nos níveis políticos e morais, o tropicalismo finalizou sendo reprimido pelo regime autoritário militar. Ele e Caetano foram exilados de seu país, indo para Londres.

 


Quando ele retornou ao Brasil, ele começou a series de discos antológicos nos anos setenta: "Expresso 2222", "Gil e Jorge"(com Jorge Ben Jor), " Os Doces Bárbaros" (com os baianos Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia) e a trilogia conceitual: "Refazenda" (sobre a extração de campo), "Refavela" (com ritmos da Jamaica, Nigeria, Rio de Janeiro e Bahia), e "Realce" – este último gravado em Los Angeles, firmando sua opção pela música pop, que direcionaria o desenvolvimento de sua trajetória nos anos 80. Nos anos 90, vieram: "Parabolicamará", "Tropicalia2" ( com Caetano Veloso, celebrando os 25 anos do movimento Tropicalista) e "Unplugged" ( a coletânea de sucessos gravado ao vivo pelo canal MTV). In 1997, Ele lançou o album duplo "Quanta" e em 1998, lançou "Quanta gente veio ver", em album duplo ao vivo, comemorando o enorme sucesso de uma tounee mundial e que ganhou o "Grammy Award" de melhor musica mundial. Em 2000, lançou o CD "Eu, Tu, Eles" e o CD "Gil & Milton" (com Milton Nascimento). Em 2001, lança o CD "São João Vivo".

 

Em 2002, lança o CD e DVD "Kaya n´Gan Daya", que depois de uma tournée mundial, tornou-se em CD ao vivo. Em 2004, lançou ao vivo o CD e DVD "Eletracústico". Eletracustico foi o resultado do concerto que realizou na ONU em N.Y. "Eletracústico" veio para atender a imensa demanda do público, depois do intervalo de três anos sem gravar, desde que assumiu o cargo de Ministro da Cultura do Brasil. Alguns dos seus sucessos estão mais intensivamente marcados pelo diálogo entre a percussão acústica e eletrônica, cantando um repertório histórico de sucessos dos anos 60 até os dias de hoje, com a alegria e entusiasmo marcantes da sua voz.

 


Em 2006, a gravadora Biscoito Fino relança o disco com o título de “Gil Luminoso – voz e violão”, cd que foi gravado em 1999 para ser encartado no Livro “Giluminoso – A Po.Ética do Ser”, de Bené Fonteles. O livro foi uma homenagem a Gil com mais de 50 letras do compositor, fotos e um longo depoimento de Gilberto Gil. A tournée Gil Luminoso, uma das mais belas de sua carreira, passou pela Europa e Estados Unidos.

 

Nesses anos de estrada, Gil tornou-se não apenas um músico brilhante, mas um compositor capaz de inspirar-se em praticamente todos os estilos de música brasileira, muitas vezes estabelecendo cruzamentos originais entre esses estilos e os ritmos africanos ou o rock. Sua música é sempre moderna e, embora sintonizada com os ritmos internacionais, jamais perde um agudo senso de brasilidade que é uma de suas características mais marcantes. As diferentes fases da carreia de Gil expressam as experiências mais típicas de sua geração. A pluralidade, a diversidade, a receptividade, a flexibilidade e o colorido de cada momento caracterizam essa trajetória artística. Sua arte meditativa e esfuziante, brasileira e internacional, negra e multirracional., pura e comprometida, é hoje, sem intenções, sem cálculo, tão política quanto metafísica, e, portanto, arte, no mais alto sentido.

 


Em 2008, Gilberto Gil lançou "Banda Larga Cordel". Ainda no ano de 2009, em dezembro, foi lançado o CD/DVD BandaDois, registro do show gravado ao vivo em setembro no Teatro Bradesco em SP, sob direção de Andrucha Waddington. Em abril de 2010 excursionou pelos Estados Unidos, com o projeto Concerto de Cordas, e logo após seu retorno ao Brasil, inicia a gravação de seu novo disco, “Fé na Festa”, todo dedicado ao gênero do forró, o álbum inclui parcerias com Vanessa da Mata e Nando Cordel. Em junho de 2010 Gil excursionou o nordeste com a turnê “Fé na Festa”, durante o mês de julho, leva a Europa o mesmo show, intitulado em terras estrangeiras como: “For All”.

Com 57 álbuns lançados, Gilberto Gil ganhou 8 Grammys. Por seu engajamento sempre criativo em levar para o mundo o coração e a alma da música brasileira, Gilberto Gil tem sido contemplado por diversas entidades e personalidades e tem recebido muitos prêmios no Brasil e no exterior. Seu talento, sua curiosidade, a firmeza de sua convicção cultural como músico e embaixador, o torna único.



Gil lançou em 1996 na rede uma música, Pela Internet, uma alusão na letra e no título ao samba Pelo Telefone (Donga), de 1917. Em dezembro de 1996 ele fez um show na sede da Embratel para transmissão em tempo real pela internet. Foi o primeiro show de um artista brasileiro transmitido ao vivo pela rede. Em janeiro de 2008 Gil foi o primeiro artista brasileiro ater um canal exclusivo de vídeos no YouTube.

Os anos 20000 Gil conciliou suas habilidades cibernéticas com uma volta às origens musicais. Começou com sua abordagem do cancioneiro seminal de Luiz Gonzaga (feita para a trilha sonora do filme Eu Tu Eles – 2000). Teve uma passagem pela política como primeiro Ministro da Cultura do Governo Lula, e fechou a década com o lançamento de Fé na Festa (2010), álbum de inéditas compostas com inspiração nas tradições das festas juninas.

“Gil é um mensageiro do sempre sintonizado com o agora. Ele nos ensina não só os meandros do fazer artístico como os meandros da alma, da fé, da busca do equilíbrio e da aceitação dos limites humanos”, escreveu a pesquisadora Ana de Oliveira na apresentação do livro Gilberto Gil. Encontros (Azougue, 2008).

“Gil é um grande inventor que não registra patente. Sua imensa vaidade exercida em demasiada modéstia e seu desprezo inocente pela própria grandeza são as duas faces dessa lua meio negra e meio escondida que é a música da sua pessoa (…) Suponho que Gil inventou o samba-jazz-fusion e a toada moderna – coisa que não lhe interessam. Ele também criou o neo-rock-n´-roll brasileiro e a nova cultura musical afro-baiana – que lhe interessam muito, mas cuja paternidade ele não reivindica e cuja responsabilidade não aparece no que ele se permitiu fazer depois. Ele não olha para trás” (Sem Patente. In: Caetano Veloso. O mundo não é chato. Organização de Eucanaã Ferraz. Pag. 96. São Paulo: Companhia das Letras, 2005)

 

21 junho 2021

No inverno o tempo é de descanso, recolhimento

 

Hoje, segunda-feira, 21 de junho começou o inverno. Termina no dia 22 de setembro.  Os dias são mais curtos. As plantas parecem encolher, e os animais se recolhem aos seus abrigos. O frio se faz presente quase que diariamente. As pessoas, mergulhadas em roupas pesadas se encolhem, e restringem seus movimentos. É a estação de procura por ambientes mais aconchegantes, e esse mesmo aconchego parece infiltrar-se na alma das pessoas.

 

As árvores estão desfolhadas estendendo seus ramos despojados na paisagem cinzenta. Elas perderam suas folhas e seus frutos, sua beleza e riqueza. Ficam solitárias, aparentemente estéreis e mortas. Elas renunciaram à maravilha de suas folhagens e à fecundidade de seus frutos, e o vento já não canta em suas ramagens. São como velhos que perderam a beleza e o vigor, que compreenderam que tudo passa e que só o dever comprido tem valor.

 


A água é a fase da energia associada ao inverno. O inverno é o tempo do descanso, da quietude, quando a energia é poupada, recolhida, condensada e armazenada. A água é um elemento muito concentrado, contendo um grande potencial, um grande poder esperando para ser liberado. No corpo humano, a água está associada com os fluídos essenciais como os hormônios, os líquidos linfáticos, a medula, as enzimas, todos com grande potencial de energia. Sua cor é o preto ou o azul-noite. A cor que contém todas as outras cores de forma concentrada. Na natureza, água evapora com o excesso de calor, nos seres humanos a energia da água dispersa pelo excesso de estresse e de emoções fortes. A forma de se conservar a energia da água é através da quietude e do repouso, é se manter frio. Afinal, o inverno é a estação da coberta e do abraço.

 

Aqui no nordeste do Brasil não temos inverno com temperatura baixa por estarmos próximos do equador, temos época das chuvas. Os ipês ficam cobertos de flores, as plantas rasteiras conhecidas como ‘flor de São João’, presentes nas fogueiras de festas juninas. É tempo da orquídea, begônia, lupino e azulzinha.

 


O tempo está fresco e, por vezes cinzento, é o inverno que chegou. Para aproveitar melhor a estação coloque a roupa que você gosta mais de usar e os sapatos mais agradáveis e vá para fora de casa. Encha de ar os pulmões. Respire profundamente e comece a andar e olhar a paisagem em volta. A caminhada não pede mais do que a colocação de um pé à frente do outro. Pratica-se não importa onde, não importa quando, a sós ou com outros. Ela é de todas as idades e de toda a condição. Ela não exige mais que vontade e uns bons sapatos nos pés. Ao fim de 30 minutos ou talvez mesmo uma hora, de regresso a casa, descontraído, tranquilo, oxigenado, estica as suas pernas, estira a sua coluna e retoma as suas tarefas. Neste inverno combata o sendentarismo. Ele tem o mesmo significado para o corpo do que a seca tem para a terra. Ele enfraquece. A mobilidade é a vida, a liberdade, o desafogo.

 

Você sabia que o inverno tem muito a ver com depressão? Para se ter uma ideia, com o início dos dias frios, os casos de depressão chegam a aumentar em até 20% em relação à média normal. Os especialistas batizaram o surto de depressão sazonal, um problema que afeta mais as mulheres do que os homens. A depressão sazonal tem início no inverno, mas pode ocorrer em outras épocas do ano, desde que o clima propicie o seu aparecimento. Os sintomas são típicos da depressão clássica, como desânimo, intensa fadiga, perda de energia, aumento do sono, alteração no apetite, irritabilidade, sonolência e mau-humor.

 


A explicação para o problema está principalmente nas funções biológicas do organismo. A diminuição de horas diárias à exposição solar pode levar a mudanças neuroquímicas. A intensidade da luz é importante para a secreção, por exemplo, da serotonina, um neurotransmissor que regula o humor, o apetite e o sono. Em alguns casos, a chegada da primavera pode amenizar o sofrimento, mas isso não é regra.

 

Um dos tratamentos mais conhecidos para a depressão sazonal é a fototerapia, um método que expõe o paciente a uma luz especial ultrabrilhante, a potência varia de acordo com os sintomas, e a aplicação deve ser feita com aparelhos específicos sem emissão de radiação ultravioleta. A depressão sazonal é mais recorrente – por questões obvias – em países mais frios. Imagine que no inverno de Londres a temperatura varia entre 2 e 6 graus! Nessa época do ano o Sol vai dormir logo após as 16 horas. No verão a coisa não melhora muito, os termômetros marcam de 13 a 23 graus em média durante a estação. (Texto de 2006)

16 junho 2021

Sobrevivência dos vaga-lumes

“Era o único modo de sentir a vida,

a única cor, a única forma: agora acabou.

Sobrevivemos: e é a confusão

de uma vida renascida fora da razão.

Te suplico, ah, te suplico: não queiras morrer”

                                                   (P.P.Pasolini, Súplica à minha mãe, 1962)

 

Luz pulsante, passageira, frágil. Há décadas, eu e Odemar passávamos a maior parte da noite observando o encontro dos vaga-lumes em Barra do Jacuípe. Aquele brilho deles no escuro era algo mágico. Hoje os cientistas afirmam que esses insetos estão em risco de extinção. Eles são icônicos, usam o seu brilho, a bioluminescência, para atrair parceiros e se reproduzir. O desmatamento, pesticidas, poluição visual provocada pela luz artificial são os principais responsáveis.

 


A partir do artigo dos Vaga-Lumes, escrito por Pier Paolo Pasolini em 1975, o escritor francês Georges Didi-Huberman defende a sobrevivência da experiência e da imagem, em um texto que representa uma grande guinada na história da arte. Sobrevivência de vaga-lumes (Editora UFMG) analisa obra de Pasolini, estabelecendo conexões com o pensamento de outros intelectuais, especialmente o de Giorgio Agamben. Os vaga-lumes representam as diversas formas de resistência da cultura, do pensamento e do corpo diante das luzes ofuscantes do poder da política, da mídia e da mercadoria. A visão apocalíptica de Pasolini, expressa em sua afirmativa “não existem mais seres humanos”, e a de Agamben, segundo o qual o homem contemporâneo está “desprovido de sua experiência”, constituem um dos eixos da discussão estabelecida por Didi-Huberman. O autor recorre ao trabalho de Walter Benjamim ´Imagem Dialética´ para demonstrar que a experiência ainda é possível no mundo contemporâneo.

 


Em fevereiro de 1975, alguns meses antes de sua morte, Pier Paolo Pasolini, publicou no Corriere della Sera um texto intitulado O vazio do poder na Itália ou O artigo dos vagalumes. Como ele mesmo afirma, a figura do vagalume, e seu desaparecimento, é uma maneira poético-literária de caracterizar forças de resistência durante a permanência e as metamorfoses dos regimes totalitários. Os vagalumes de Roma que, mesmo em meio ao fascismo anterior à segunda guerra, faziam suas aparições e desaparições, a partir dos anos 60 caminham em direção à extinção total. Amparado por teorias marxistas, Pasolini vê, nos anos 70 italiano, na afirmação da sociedade de consumo, uma nova face, ainda mais atroz, do fascismo. Um fascismo que se instaura em um vazio de poder, ou melhor, em um poder ocupado por lideranças vazias.

 

A metáfora apocalíptica de Pasolini serve prontamente a um certo entendimento de morte ou fim da arte. Os vagalumes seriam ofuscados e exterminados por uma sociedade de consumo que fere atrozmente as pluralidades e elimina qualquer chance de resistência. O cineasta, no fim da vida, deve ter estado entre aqueles (poucos) que creram na extinção total da arte na época moderna

 


A questão dos vaga-lumes é, para o autor, antes de tudo política e histórica. A beleza inocente dos jovens que dançam (tremeluzem) sobre a luz dos holofotes não é meramente uma questão estética, mas política, biopolítica para sermos mais precisos, dado que os discursos são extraídos de sua condição formal e se encarnam nos corpos resistentes que “esgotam a vida” em seus gestos e movimentos. Para Pasolini “aniquilados pela noite – ou pela luz ‘feroz’ dos projetores – do fascismo triunfante”. Para o poeta, sobre as ruínas do fascismo ergue-se um terror ainda mais profundo, um tipo de fascismo “radicalmente novo”, mais astuto e centrado na eficiência das relações mercantis e no utilitarismo de suas ações.

 


“Não vivemos em apenas um mundo, mas entre dois mundos pelo menos. O primeiro está inundado de luz, o segundo atravessado por lampejos” texto de Didi-Huberman que trata da sobrevivência dos vaga-lumes como a metáfora do ser humano que resiste, apesar de tudo. Ao nomear uma comunidade de intelectuais-vaga-lumes, Didi-Huberman, tendo como aliados Rosa, Bernanos e Clarice, pretende organizar o pessimismo moderno e sustentar um espaço de imagens artísticas contra-ideológicas e subjetivas que visam a minar a fúria atual das pressões obscurantistas. Na pedra de amolar do silêncio, os escritores e nossa escritora desejam afiar o olhar livre e ágil que observa as poucas imagens que, minúsculas e fugidias, transitam próximas a nós.

 

No passado, fora possível resistir ao fascismo histórico com a luzinha verde do vaga-lume. Mas o novo fascismo, afirma o poeta italiano Pasolini, é terrível: “combate os valores, as almas, as linguagens, os gestos e os corpos do povo”. Analisa Didi-Huberman: “nos últimos anos de vida, Pasolini se vê constrangido a abjurar o saber-vaga-lume, que tinha sido o alicerce de toda sua energia poética, cinematográfica e política”. Os brilhos (ou lampejos de esperança) desapareceram

 

10 junho 2021

Há 90 anos nascia João Gilberto

 


No dia 10 de junho de 1931, há 90 anos, nascia João Gilberto, responsável por uma revolução na maneira de cantar e tocar violão que mudou tudo na música brasileira. Cantor, compositor e violonista brasileiro, considerado não apenas um dos maiores gênios da música, mas também o criador no estilo bossa nova. João Gilberto (1931-2019) foi a principal voz do movimento musical brasileiro mais conhecido do mundo e foi revolucionário quase que involuntariamente.

 

Foi, pelo menos no Brasil, o primeiro cantor que não precisou de um vozeirão para cantar. Ele cantava baixinho, como um sussurro, com um violão virtuoso de acompanhamento. A voz de João Gilberto apresenta uma intensidade muito baixa para os padrões dos anos 1950, em que predomina a potência vocal dos cantores do rádio. Seguindo cantores como o trompetista norte-americano Chet Baker e o brasileiro Mário Reis, conhecidos por se aproveitarem da sensibilidade dos microfones elétricos para cantar com baixa intensidade, João Gilberto desenvolve um estilo que lhe permite explorar variados timbres.

 


Além disso, a opção pela "voz pequena" é motivada pela necessidade de igualá-la ao nível pouco potente do violão que deixa de ser mero acompanhante. O instrumento funde-se com o canto em uma relação de complementariedade e interdependência. João Gilberto, como o pai da bossa nova, abriu espaço para outros grandes nomes: Roberto Menescal, Baden Powell, Marcos Valle, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Gal Costa e muitos outros. A importância de João Gilberto é perfeitamente resumida na frase do pesquisador Zuza Homem de Mello: “Um Quixote lutando para afinar um universo inevitavelmente desafinado”

 

 

06 junho 2021

Ninguém pode com Nara Leão

 

No dia 07 de junho de 1989 a cantora e compositora Nara Leão (1942 – 1989) morreu por conta de um tumor no cérebro. Ela deixou um legado que extrapolou o cenário musical na época em que viveu. Ninguém Pode com Nara Leão (editora Planeta), livro de Tom Cardoso reconstrói a vida da artista que participou ativamente dos mais importantes movimentos musicais surgidos a partir da década de 1960 e foi a primeira estrela da MPB a falar abertamente contra a ditadura militar. Nara Leão certamente foi uma das artistas mais importantes e influentes da cultura brasileira, não só pela sua obra, mas pelo que representou para a mulher e a sociedade como um todo.


 

Na biografia o escritor apresenta passagens da infância de Nara, marcadas pela angústia e reclusão, detalhes da inimizade com Elis Regina, dos famosos encontros no apartamento da Av. Atlântica, onde a bossa nova ganhou corpo, cara e nome, do relacionamento com Ronaldo Bôscoli, da amizade com figuras como Vinicius de Moraes, Roberto Menescal e Ferreira Gullar, por quem nutria admiração mutua e teve um affair. Glauber Rocha amava as diferentes facetas de Nara. Assim como Ruy Guerra, não se deixava levar pela aparente fragilidade física e o temperamento dócil e delicado da cantora – sabia com quem estava lidando. Em cartas do exílio na Europa enviadas a Cacá Diegues, Glauber enaltecia as qualidades da companheira do amigo, referindo-se a ela como se fossem duas em uma só: “Amo Nara Leão. Nara e Narinha. Essa mulher sabe tudo do Brasil 1964. Essa mulher é a primeira mulher brasileira. Essa mulher não tem tempo a perder. Atenção: ninguém pode com Nara Leão”.

 

O jornalista apresenta no livro sobre as importantes parcerias musicais que Nara teve ao longo de sua carreira e como ela tinha uma aptidão para reconhecer grandes talentos. Chico Buarque foi um deles. Ela foi uma das grandes artistas da música brasileira, que deixou uma discografia rica (28 álbuns). O biógrafo conta que o critério que Nara Leão sempre seguiu para escolher o que iria gravar foi o da qualidade. "Podia ser um músico de choro, um cantor brega (entre aspas), um sambista, bossa-novista...Se ela gostasse da letra, da canção, da música, e se se identificasse, gravava. Por isso transitou da Bossa Nova à Tropicália. Gravou um disco em homenagem a Roberto e Erasmo Carlos quando nenhum artista da MPB faria isso, e com músicos do (universo do) choro. Imagina ela cantando 'Cavalgada' com Raphael Rabello (1962-1995) tocando violão em ritmo de choro, era muito louco. Ela gostava dessas experimentações, que se davam por ela se posicionar sempre de forma aberta, sem preconceitos, sem amarras diante da música".

 


Sua trajetória profissional foi iniciada em 1964 e encerrada em 1989 com a precoce saída de cena da intérprete por conta de tumor no cérebro. Atuou como intérprete de diferentes repertórios de canção popular – da bossa nova à tropicália – e em espetáculos cênico-musicais. Atuou em diferentes repertórios e estilos musicais na década de 1960, sempre com um viés político evidente, se contrapondo ao momento protagonizado pela ditadura militar. A cantora, “formada” musicalmente na bossa nova, trazia uma herança moderna, uma aura de sofisticação, própria do estilo musical da zona sul do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, protagonizou um retorno ao samba de morro. Ela sentia e expressava essa ambiguidade, tanto que se afastou da canção de protesto por achar que aquilo estava virando puro consumo. Porém, prosseguiu com uma atuação política. Ao se desvincular da bossa nova, Nara deu outro sentido à sua trajetória e se tornou uma das principais lideranças do engajamento musical, canção de protesto, de 1964 a 1966. Em 1966, no Festival de MPB da Record, ela interpretou A banda, de Chico Buarque. Era o seu auge como cantora, em termos de êxito junto ao público. Para ela, foi um sofrimento, por não tolerar o sucesso e nem as turnês. Quase largou tudo. Contudo, sempre acabava retornando, por questões financeiras [era muito bem paga] ou pela possibilidade de participar dos debates do período.

 


Foi assim com a bossa nova, samba do moro, Opinião, tropicalismo. Fez apenas o que quis, cantou o que achava que deveria cantar. Nunca fez uma só concessão. Ela participou do primeiro disco de Fagner e, praticamente, lançou Chico Buarque. Lançou Bethânia no o show Opinião. Conseguiu conquistar o público com o jeito intimista e com seu repertório. Vale conferir a obra!