31 dezembro 2021

Ano de Yemanjá

 

O ano de 2022 tem início neste sábado, o dia de Yemanjá. Segundo os astrólogos chineses, o ano é do Tigre. Entre nós é da rainha das águas. É a dona das águas, esposa de Oxalá, mãe de todos os orixás. Veste azul, suas contas são transparentes. Pedras e conchas são seus símbolos. Seu dia é sábado e usa abebé prateado. Ebó de milho branco com azeite e cebola também é de seu agrado. No sincretismo afro-católico corresponde a Nossa Senhora da Conceição. Sua saudação é Odoiá!.

 


Deusa das águas, mares e oceanos, esposa de Oxalá e mãe de todos os Orixás, é a manifestação da procriação, da restauração, das emoções e símbolo da fecundidade. Yemanjá: Ye-Omo-Yá_mãe de todos os peixes, que são seus filhos e estão contidos em suas estranhas de água. Está associada ao poder genitor, a interioridade, aos filhos contidos em si mesma. Seu adedé (leque) simboliza a cabeça mestra. Ela é muito bonita, vaidosa e dança com o obebé (espelhinho) e pulseiras.

 

Na Nigéria ela é patrona da sociedade Geledes, sociedade feminina ligada ao culto das Yamis, as feiticeiras. No Rio de Janeiro, Santos e Porto Alegre, o culto a Yemanjá é muito intenso durante a última noite do ano, quando centenas de milhares de adeptos vão, cerca de meia noite, acender velas ao longo das praias e jogar flores e presentes no mar. No dia 02 de fevereiro a festa é nas águas de Salvador. Em 2022, Yemanjá e Exu caminharão juntos para aliar a esperança à motivação no intuito de trazer mais proatividade na luta diária.

 


Maria Bethânia é filha de Iansã, a rainha dos raios e dos ventos. Ela é a menina de Oyá, e também filha de Ogum e Oxóssi. Candomblecista, a abelha rainha canta sobre sua fé em diversas músicas de sua obra. Iemanjá não ficaria de fora: “Yemanja Rainha do Mar” é de composição de Pedro Amorim e Sophia De Mello Breyner: Quanto nome tem a Rainha do Mar?/Quanto nome tem a Rainha do Mar?/Dandalunda, Janaína/Marabô, Princesa de Aiocá/Inaê, Sereia, Mucunã/Maria, Dona Iemanjá..”. Na canção de Dinoel, Vicente Mattos, Arlindo Velloso, Marisa Monte interpreta alguns dos nomes pelos quais Iemanjá é conhecida: “Oguntê, Marabô/Caiala e Sobá/Oloxum, Ynaê/Janaina e Yemanjá/São rainhas do mar”.

 

“O mar serenou quando ela pisou na areia/Quem samba na beira do mar é sereia“, canta Clara Nunes na faixa “O Mar Serenou”. Filha de Ogum e Iansã (orixás do ferro e dos ventos e raios, respectivamente), a artista em diversas ocasiões cantou sobre Iemanjá.  Dorival Caymmi, o “Buda Nagô“, em seu terceiro disco, de 1957, “Caymmi e o Mar“, ele lançou “Dois de Fevereiro” e outras canções em homenagem à Iemanjá e ao mar: “Dia dois de fevereiro/Dia de festa no mar/Eu quero ser o primeiro/Pra salvar Yemanjá”.

 

22 dezembro 2021

O amor dá sentido a vida

 

Não sei porque estou escrevendo nesta noite de sábado. Sim, não sei porque. Confortar a alma, talvez. Sei que estou só. Simplesmente só. Fagner toca na vitrola e eu choro a sua ausência. São 22h30min. Jorginho e Sérgio passaram aqui com três rapazes. Todos alegres vão descobrir a noite.  Eu fiquei aqui no quarto pensando em ti. Esperando um telefonema, uma carta ou algo de você que sei que não vem. E volto a chorar.  Os olhos estão encharcados de lágrimas...como gostaria de te-lo aqui comigo. Como é difícil conviver com a solidão.

 


Durante o verão você brilhou comigo. Em cada canto da cidade estavaamos juntos, unidos. Lembranças....a passagem do  ano e nós no Fantoches brincando, a noite cansado, dormimos juntos. O feriado do dia primeiro a sua fuga para as festas de largo e depois o arrependimento. E nos dias que se seguiram, foram todos de festas. E você não perdia uma. Eu perdia você naqueles momentos. Mesmo assim não censurava. Você era a própria festa. A lavagem do Tororó e a nossa farra. A minha fuga para Olinda e o seu perdão. O nosso encontro louco no último dia de folia. Seus olhos brilhavam e sua boca ardia de desejos. Os nossos abraços em Arembepe, o rolar na areia,os beijos....tudo isso são momentos felizes. Como posso esquecer? Você é uma presença forte em minha vida. Uma coisa que já faz parte de mim. Agora mesmo estou pela metde. Confuso. Sem saber o que fazer. Minha outra parte está longe de mim. Com certeza no inverno de Conquista. Enrolado nos cobertores. E aqui, neste final de verão, volto a ficar só. É terrível.

 


Enquanto uma parte de mim delira na estranheza desta solidão, a outra parte é só vertigem Traduzir essas partes se faz necessário. E quando me afundo em mim, sinto  saudades, porque dentro de mim tem você. E é você que eu procuro neste quarto vazio, nesta noite, neste mundo, nesta vida. Dá vontade de jogar tudo pra cima e correr ao seu encontro. Viajar hoje mesmo. Agora. Porque não faço? Daqui há algumas horas vou descansar esta cabeça pesada no travesseiro e dormir. E tenho  certeza que vou sonhar com você perto de mim. Sonha sim....pelo menos é alguma coisa...melhor do que nada. Mas o que acontece? Será que vai ser sempre assim. No melhor, a separação. Não consigo me conformar. Sei que sou apressado no querer as coisas. Mas desta vez as dores da separação são muito fortes. Acho que é a primeira vez, neste 1982, que passo um fim de semana sem você em Salvador. E a dor quem salva? A esperança de t encontrar amanhã. Ela é quem dá força pra continuar nessa vida.

 


Levanto e troco o disco  de Alceu Valença pelo de Simone. Milton Nascimento e Fernando Brant me conforta com seu poema Amar. “Amar é a melhor maneira de viver”, diz um trecho do poema. “É o que a gente tem de bom”. E é desses dois poetas que transcrevo Amor Amigo, um trecho: “Para mim você é a luz/que revela os poemas que fiz/me ensina a viver/me ensina a amar/quem conhece da terra e do sol/muito sabe os mistérios do mar”. Mais uma: “Um dia ele chegou tão diferente/do  seu jeito de sempre chegar/olhou-a de um jeito mais quente/do que sempre costuma olhar/E não mal disse a vida tanto o quanto/era seu jeito de sempre falar....”

 


Lembra? Sem você a vida para mim nada significa. Te amo e  tempo não varreu isso de mim. O fruto que tenho é o bastante para querer. Para amar. E o amor é o que nos guia, nos une. E por mais que eu diga ou escreva, é sempre bom lembrar que o amor é tudo na vida. É ele que dá sentido a vida. É ele que nos faz viver...Falta poucos minutos para meia noite. O piano de Egberto Gismonti corta a noite e a voz suave de Olivia Byington torna-se mais clara, mais crua. E eu volto a chorar, mais forte. Não sei porque, mas esta canção me faz mais fundo, mais mudo. “A minha solidão é sua/De certo sei que você vaga/Em qualquer parte/Sob essa vaga lua”. Sei que já deliro e choro, e nada mais sei, e nada mais imploro. Só espero dormir  sonhar com você em frente a porta desse quarto, em que embarca sob essa vaga luz, e a luz da lua, apura a nitidez da marca, mais nua, mais clara, mais crua. Boa noite amor. (Salvador, 06 de março de 1982, às 24h).

21 dezembro 2021

O primeiro encontro

 

O verão estava chegando com toda a sua luz, seu brilho. E foi assim que eu o conheci. O local não era uito de meu agrado. As pessoas dançavam frenéticas, luzes e som no ar. A coragem não me veio logo. Com um pouco de bebida a situação foi logo resolvida. E no salão juntei-me aos outros. Mesmo assim sentia-me só. E embora meu coração ansiasse por amizade, não sabia abrir-me, inibido como sou. Num rápido momento o vi passar. Alto, moreno....uma figura que me impressionou. Ele também notou algo em mim. A partir daí não consegui me controlar, e ficávamos distante, olhos nos  olhos até que ele, mais decidido se aproximou e, bem natural, abraçou-me na dança. Horas depois, cansados, subimos para conversar. Conhecer um pouco mais um do outro.

 


Estava um pouco trêmulo. Sua mão decansava docemente na minha. E ele enlaçou-me levemente. Senti os seus lábios aproximando-se dos meus. Inclinou-se para mim e apertou-me estreitamente nos braços. O contato daquela pele macia incenduou-me. Sentaados ficamos. A cabeça encostada no meu ombro, os dedos alisando os cabelos do peito. Meu coração batia aceleradamente. Em seguida convidei-o para dormir em casa.

 

No caminho, a palavra não era necessária, bastavam os gestos. Em casa ele não largava a minha boca. Seus lábios mordiam os meus lábios, seus dentes batiam nos meus dentes e os nossos hálitos se confundiam inteiramente. No instante seguinte, perdemo-nos um no outro, tornamo-nos um único ser, entrelaçamo-nos em uma unidade amorosa que mergulhava cada vez mais fundo na insondável fonte do amor.  Passamos quase toda a noite aplacando-nos. Exaustos, afinal, adormeceno em estreito abraço. Creio que ao mesmo tempo. Entretanto, não acordamos ao mesmo tempo. Acordei em primeiro lugar, com uma sensação de felicidade, que a princípio não soube explicar. Vi-o deitado ao meu lado, nu, o rosto expressivo, bonito.

 


Corpo anguloso, pele torneada do sol, uma boca bem delineada e o pescoço grossso, mas erguio. Aquilo excitava-me. Ele acordou e murmurou baixinho palavras doces. Beijou-me nos olhos, na boca, no pescoço. Suas mãos tornaram-se ágeis e firmes, deslizando-as por entre minhas pernas. Percorri com meus lábios aqueles contornos tão arredondados, de carnes acetinadas, fina e tão polida. Depois tudo seguiu um ritmo quente e novo, nascido naquele instante. Eu ansiava por que essa operação não terminasse nunca. Houve a agonia dos corpos, a união, o pazer inconcebível

 


No dia seguinte ele apareceu.  Usava uma camisa esporte de cor azul e calça jeans. Parecia mais jovem, barba aparada,  com seus cabelos pretos, seus gestos animados e desinibidos, seu soriso tão franco e inocente quanto o de uma criança.  Era simpático, não  conseguia deixar de fita-lo constantemente.  Era diverso  de todas as pessoas que conhecia. Possuia uma marca pessoal  que fascinava.  Estava de férias e, com um convite meu, resolveu ficar por mais tempo naa cidade.  Ele não  era daqui. Apaixonado pelo mar, frequentava-o todos os dias. Queimadão da praia, ficava com aquele suave e delicado olhar meio vaago,  ligeiramente torturado, despertando incontida carga emotiva.  Era seus dias depressivos. Sentia seus olhos pousar em mim. Aproximava-me dele e ficávamos juntinhos horas a fio....

 


E assim foram os dias, meses. O Natal passou, o Carnaval também. E tudo era alegria ate o  dia em que partiu. Já sabia que um dia ele teria que partir, mas na hora não  aceitava aquilo, estava perdendo aquela felicidade, toda aquela alegria. E ele partiu. Fiquei a escutar os discos e lembrar os momentos que passamos juntos. Impossível libertarmos do  que nos deixaram como marcas, por mais que nos esforcemos, por mais que escandamos, por mais que as disfarçamos, que as mergulhamos no álcool ou enganemos com alegres ou tristes canções, elas estão presentes. Impossível esquecer as noites de conforto, de calor, os dias de sol, de mar, nas festas, nas feiras, em tudo o que fazia....Impossível riscá-los, inútil negá-los, ingênuo tentar esquecer. Alguma coisa parecia ter morrido  em mim. Olho as fotos, das poucas que tirei, e vejo através da janela as estrelas que me parecem incrivelmente distantes. E de repente me dou conta de que estou só. Sentei-me novamente e tive vontade de ficar assim, parado.... Como é difícil ter que aceitar alguém que ama ficar assim distante....Sim,  eu o  amo  e essa é a verdade.  Não poso  esconder. Não sei mais o  que fazer. Os dias parecem longos e as noites mais tristes.  Os meses ficam  tropeçar uns nos outros. O  tempo até paarece que parou...mas na verdade quem está parado  sou eu, triste e só.

 


E quanto mais penso  que seu mundo está lá, sua família e seus amigos, e não  aqui, perto  de mim,  fico mais triste.  As circunstâncias unem e separam as pesssoas. Não sei explicar bem isso, mas não queria que fosse assim. Tudo estava tão belo....Ah! estou lembrando o dia em que passamos na ilha, era seu aniversáario, chovia muito, e nós dentro da barraca, fazia um frio, mas nossos corpos juntos esquentaram um ao outro. E ele era puro sorriso, brilho nos olhos, no corpo. Brilho de sol, pombas no ar. Agora, não posso mais escrever, maeus olhos estão nublados...são lágrimas Odemar, por você, por mim, por nós. Obrigado. (Guto, 30 de março de 1981).

20 dezembro 2021

Tudo é mais intenso na estação do sol

 

No verão (ele começa no dia 21 de dezembro e termina no dia 20 de março) os dias são mais longos, e contribuem com a energia necessária ao processo da fotossíntese, estimulando o crescimento de plantas e animais. As pessoas vestem roupas mais descontraídas, e parecem adotar a mesma descontração para o seu comportamento. Sinônimo de festa e descanso para muitos, o verão significa oportunidade de trabalho e rendimento para outros. Os turistas chegam com o sol e a população aproveita parta ganhar um dinheiro extra, mesmo que temporário. A estação que aquece a economia e, consequentemente possibilita trabalho para milhares de pessoas, também faz as pessoas consumirem mais.

 


O verão traz consigo o êxtase, o calor, tudo parece mais intenso, mais livre, somos capazes de enormes sorrisos, vivemos momentos únicos, intensos, sabemos que é o prêmio mais que merecido depois das etapas anteriores. É também o contrastes da juventude com manhãs ensolaradas de brilho ofuscante e de sombras nítidas. Sol ardente no silêncio denso do meio dia. Nuvens amontoadas barrocamente, ameaçadoras. Um raio que estala, chuvarada na terra fofa. Assim é o verão, todo contraste. Sol abrasador e brisas de doçura, dias ofuscantes e noites profundas. Vida, entusiasmo e força. Manhãs claras e tarde de tempestade. Nuvens negras e arco-íris coloridos. Assim é o verão, assim é a juventude.

 

Assim como a primavera se desenvolve naturalmente para o verão, assim também a energia expansiva e criativa da madeira amadurece para a energia do fogo. Esta é a fase mais cheia de energia de todo o ciclo, quando acontece a fase mais quente da energia. Todas as formas de vida se esquentam nesta fase de crescimento da energia do fogo. O fogo está associado ao coração, que é a morada das emoções humanas e o órgão que pulsa e distribui o sangue e sua energia pelo corpo. Sua cor é o vermelho, a cor do calor e do sangue. Esta energia está associada ao amor e à compaixão, à generosidade e à alegria, à abertura e à abundância. Se bloquearmos esta energia, o resultado é a hipertensão, os problemas do coração e as desordens nervosas.

 


No final do verão chega um momento de interlúdio, de perfeito equilíbrio quando a energia do fogo diminui, se transformando em energia da terra, e se instala um estado de equilíbrio perfeito. Este momento é o clímax do ciclo, o intervalo entre as energias (yang) da primavera e do verão e as energias (yin) do outono e do inverno. O humor das cinco fases da energia está em harmonia neste momento, trazendo uma sensação de bem estar e completude. A energia do final do verão é a energia da terra, sua cor é o amarelo, a cor do sol e da terra. Na anatomia humana está associada ao estômago, ao baço e as pâncreas que estão situadas no centro do corpo e alimentam todo o sistema do corpo. Se a energia da terra for insuficiente, o organismo fica mal nutrido, afeta a digestão e todo o sistema se desequilibra e fica desvitalizado.

 

O verão é a estação das férias, das festas, do sol, do calor e da vitalidade. O calor e densidade são combinações perfeitas para que as plantas e flores cresçam nesta estação. Tempo da flor de lis, copo de leite, e gêrbena. Alimentação saudável deve ser praticada em todas as estações, mas o clima quente do verão exige cuidados extras, para evitar mal-estar e intoxicações alimentares. Nesta época do ano, a temperatura do ambiente auxilia na manutenção da temperatura interna, ao contrário do que acontece no inverno, quando o organismo gasta mais energia para fazer essa regulagem. No frio, as pessoas tendem a sentir mais fome, pois há uma maior necessidade de armazenar calor.

 


Ingerir comidas pesadas e calóricas no verão, como feijoada, leva à produção excessiva de calor no corpo. Isso pode causar um mal-estar generalizado. Segundo as nutricionistas, as pessoas podem sentir mais cansaço, indisposição para as atividades físicas e enjôo. Os alimentos gordurosos, como frituras, sobrecarregam mais o indivíduo e o organismo passa a ter uma digestão mais lenta, privilegiando o cansaço.

 

As ocorrências de intoxicações alimentares tendem a se acentuar no calor. A temperatura alta pode predispor à deterioração acelerada dos alimentos quando não acondicionados adequadamente, principalmente os que requerem refrigeração. Por isso, na praia, o ideal é que se evite o consumo de alimento der quiosque que não tenham infra-estrutura adequada e os vendidos por ambulantes. Verifique se a manipulação dos alimentos foi feita de forma cuidadosa. É comum a contaminação deles por coliformes fecais, pois nem todas as pessoas que trabalham com alimentação se preocupam em lavar as mãos adequadamente, após ir ao banheiro, por exemplo. (Texto publicado neste blog em 20 dezembro 2006)

 

29 novembro 2021

Olfato, o sentido mudo, que não tem palavras

 

Quando respiramos, inalamos o mundo que passa por nossos corpos, assimilamo-lo ligeiramente e expiramo-lo, deixando-o livre novamente, levemente alterado por nos ter conhecido. Escreveu sabiamente Diane Ackerman em “Uma História Natural dos Sentidos”. Ao respirar percebemos os odores. Os cheiros envolvem-nos, giram ao nosso redor, entram em nossos corpos, emanam de nós. Vivemos em constante banho de odores. No livro “O Cão dos Baskervilles”, Sherlock Holmes identifica uma mulher pelo cheiro de seu papel de cartas, esclarecendo que “existe 75 perfumes, e um especialista criminal tem que ser capaz de identificar perfeitamente um do outro”. O escritor Kipling tinha razão ao dizer que “os cheiros são mais capazes de ativar as batidas do coração do que as imagens e os sons”.

 


Os sentidos da olfação e da gustação são considerados químicos, pois dependem do estímulo de substâncias químicas sobre receptores especiais. O olfato é o sentido que nos permite sentir os odores. As substâncias têm cheiro quando desprendem partículas que, levadas pelo ar, impressionam as terminações das células nervosa olfativa, localizadas na região superior da mucosa que reveste as fossas nasais. Estimuladas, as células olfativas transmitem impulsos nervosos ao nervo olfativo, que, por sua vez, os transmite à área cerebral responsável pela olfação. Aliás, muito do que geralmente chamamos paladar é realmente olfato.

 

Embora possa soar estranho, não é óbvio que com o olfato tudo esteja 100%. Existem pessoas que não conseguem sentir o cheiro de nada. Isso afeta o cotidiano tanto quanto a surdez ou a cegueira. Apesar de imprescindível, o olfato foi até pouco tempo um dos menos pesquisados órgãos dos sentidos. Somente há 15 anos, sabe-se como ele funciona. Na Europa, nos Estados Unidos, como também em outros países, pesquisadores trabalham tentando desvendar os mistérios do olfato. Cada pessoa possui cerca de 350 receptores olfativos diferentes. Isto não significa, entretanto, que possamos distinguir somente 350 tipos de cheiro. Os diferentes receptores são necessários devido à complexidade da estrutura molecular dos odores. Somente o espectro completo do aroma do café reivindica muitos e muitos receptores, afirma o professor de Neurofisiologia da Universidade de Stuttgart-Hohenheim, Heinz Breer. A cada odor corresponde, por assim dizer, um conjunto de receptores e, desta forma, também um conjunto de células sensoriais que podem ser ativadas por este cheiro, enquanto outras não.

 


Em 2005, o Prêmio Philip Morris para a Ciência foi concedido a pesquisadores do olfato da cidade de Bochum. Eles descobriram que os espermas possuem receptores olfativos semelhantes aos do nariz. Tudo o que é gostoso cheira bem? "É discutível se o fato de se estar com muita fome faz com que as coisas cheirem melhor. Que ovo podre fede e que pão fresco tem bom cheiro, isto se aprende com a experiência olfativa, pois somente com a língua não se pode distinguir mais do que se a comida é doce, azeda, salgada ou amarga. Em compensação, existem dezenas de milhares de odores – morangos frescos, café moído, baunilha, anis, canela, chá de menta...", responde Breer.

 

O sentido do olfato é o mais espiritual de todos os sentidos. A palavra hebraica para "olfato", rei'ach, é cognata àquela para espírito (ruach). Nossos Sábios ensinam que o olfato é o único sentido que "a alma desfruta, e não o corpo". O sentido do olfato é o mais sensível e complexo e, o menos entendido. É um sentido sutil e misterioso. Um odor nos passa uma sensação instantânea de prazer, nostalgia ou aversão.

 


Inúmeros estudos têm sido realizados com o objetivo de desvendar o poder do cheiro sobre o comportamento humano. Quando sentimos um cheiro, a nossa mente vai mergulhando numa viagem pelo tempo e as lembranças vão escorrendo, se derramando. E chegamos muitas vezes a tempos tão remotos que não sabemos explicar o sentimento que nos aflora. Cheiramos o tempo inteiro, sempre que respiramos. Os cheiros nos envolvem, giram ao nosso redor, entram em nosso corpo, emanam de nós. Se fecharmos os olhos, deixaremos de ver; se taparmos os ouvidos, deixaremos de ouvir; mas, se bloquearmos o nariz para não sentir o cheiro, morreremos.

 

O olfato é o sentido mudo, o que não tem palavras. O sentido do olfato é a própria imaginação. O bairro de Brotas, em Salvador, cheira a cajá. O bairro da Saúde em Nazaré é pura manga. Na Federação amêndoa tem cheiro forte e na Paralela o cheiro é de jaca. O mundo dos aromas é, portanto, um mundo sem palavras, um mundo de imagens, para ser explorado desde a ponta do nariz até o centro do nosso cérebro - um mundo de surpresas sutis e de um êxtase silencioso, com ondas de deleite percorrendo nosso corpo e produzindo sensações novas.

 

O mundo é cheio de sensações. O verão traz o sol iluminando a todos e trazendo um perfume doce no ar. No inverno o som matinal dos pássaros acorda os que teimam em ficar debaixo dos lençóis. No outono as folhas caem trazendo o sopro do vento e na primavera, as flores se abrem exalando perfume de todos os aromas. Os sentidos dividem assim a realidade em fatias vibrantes, juntando-as de modo a formar um padrão significativo. Os sentidos fornecem milhares de informações ao cérebro como se fossem microscópicas peças de um quebra-cabeça.

25 novembro 2021

A força de Marighella #LIVRE em quadrinhos

 

Viabilizada através de financiamento coletivo no Catarse em 2019, Marighella #LIVRE da Editora Draco traz a história do revolucionário comunista Carlos Marighella desde a década de 1930, em meio à ditadura de Getúlio Vargas até a sua morte, em 1969. O roteiro é de Rogério Faria  e arte de Ricardo Sousa nas duas primeiras histórias, e Jefferson Costa na última. A HQ percorre diversos momentos de Marighella e é baseada em diversas obras e relatos, como a biografia Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo, de Mário Magalhães. Há também muito material de pesquisa em arquivos públicos, como jornais e revistas da época. O prefácio é de Cynara Menezes e posfácio de Luis Nassif.  A capa é fruto de uma colagem, feita pelo artista Phillzr, com milhares de pedaços de papel que remontam uma das mais famosas fotos de Marighella.

 


A obra conta três diferentes histórias da trajetória do ativista, começando pela prisão e tortura que viveu aos 24 anos, em 1936 e foi torturado na véspera do que seria o Estado Novo em 1936; nos Anos de Chumbo da ditadura civil militar iniciada em 1964 quando levou um tiro no peito e enfrentou 14 policiais; pós AI-5, quando foi executado em 1969.

 


O gibi destaca ainda o legado do personagem para os dias de hoje. “Esta é uma HQ maldita. O simples nome Marighella é capaz de despertar o ódio de um povo sem consciência de classe e ignorante da sua própria história de luta. Uma eficiente estratégia de manipulação dos seus verdadeiros inimigos, aqueles que detêm o poder”, diz o texto de apresentação da obra. “Marighella é uma ideia. Uma ideia de insubordinação, de revolta. Seus ideais de igualdade e justiça valiam mais que a própria vida. E, mesmo hoje, ele ainda vive, ainda inspira.”

 

Homem simples, que nessas breves histórias sequer tinha chance de discursar. Sua voz é resumida nos momentos onde lhe faltava fôlego, mas nas suas ações sobrava verve e vontade de lutar. Uma vida poética e inspiradora, que mira a revolução como única alternativa a classe trabalhadora. Ricardo Souza, artista que produziu duas das três histórias em quadrinhos que o livro retrata, conta que o fato de desenhar, sobretudo, a história de um jovem que tinha ideais de liberdade, foi o que mais lhe fez querer compor o projeto da HQ junto com Rogério.

 

Para Ricardo, o processo de conhecer Marighella vêm de antes do projeto da HQ. “Eu fui me interessar mesmo pelo Marighella quando o Racionais lançou o clipe ‘Mil Faces de Um Homem Leal’. E aí eu fui estudar e entender um pouco mais sobre Marighella”. Carlos Marighella, como diz Mano Brown, corresponde a um homem de mil faces, leal às suas ideias revolucionárias, que dedicou sua vida pela liberdade e pela soberania do Brasil, assim como pela possibilidade da construção de uma democracia e contra toda a forma de opressão e de domínio dos povos e dos territórios.

 

07 novembro 2021

Doce lembrança

Odemar era um rapaz com seus 68 anos bem vividos. Alto e forte, de olhos castanhos numa face bronzeada que nunca envelheceu a não ser o grisalho dos cabelos castanho, a barba aparada com precisão e toda a figura muito correta. Seu olhar de observador era doce quando o animava a curiosidade ou a compaixão, mas tornava-se duro na luta contra opressão.

 

Amava tudo que fazia:  no  artesanato, na culinária, na costura, no encontro com crianças especiais (ele foi professor), na conversa de rua com os amigos (que fazia diariamente). Ele amava sem esperar ada em troca e todos aqueles que ele levava no coração era inundado pelo seu amor e generosidade. E o  que nele predominava era a simplicidade ou ingenuidade que nos dias de hoje não se encontra com facilidade.

 


O amor entrou em sua vida e vivia a seu lado, inquieto, laborioso, tranquilo. O amor  pelos animais, plantas, mar. Era o  amor de Odemar. Uma criatura gentil, afetuosa, servil. Não era muito chegado a beijos ou abraços grudados, mas quando  abraçava sentia-se o calor de seu corpo, o pulsar rápido do coração, o tremor no corpo, o desejo em resistência, o silencio no olhar. Ele sabia se doar,  se entregar a tudo o que pudesse ajudar alguém. Passava conhecimento de vida e a arte de aproveitar-se dela.  Um presente precioso. Sensato, todos confiavam nele

 

Minha vida assumiu um aspecto inteiramente novo com sua presença. Amante dos quadrinhos, cinema e música,  via minha própria vida como um caminho reto, uniforme, atravessando um vale tranquilo (isso nas minhas fantasias, pois a realidade foi trágica). Com ele o caminho se curvava, desviava-se para uma paisagem de árvores, flores, animais e colinas. Era um caminho encantador, colorido e aventureiro.

 


Vivíamos tranquilos um ao lado  do outro. Não falava muito, era pisciano e sentia-se seguro como o avestruz que pensa iludir o caçador se não o olha. Mas quando estávamos à sós perdia a timidez e resistência movendo-se a um afeto paternal que pedia carícia e proteção. E assim, beijava levemente meus cabelos, um ato mais gentil durante o  relacionamento. Parecia uma nota suave de música, um sopro de vento  relaxante no  corpo, um sussurro  de paixão.

 

As cores da vida ressaltavam sobre sua face. Muitas vezes íamos a praia para observar. Ficávamos horas a fio sentindo  a brisa no  corpo aquele imenso mar e o  silencio eterno. O som desaparecia para nós no mesmo momento. Nossos ouvidos casavam muito bem. Não sentíamos nenhuma necessidade de falar. E,   em toda sua existência, ele espalhou sementes de delicadezas, gentilezas,  proezas e muitas certezas do bem viver. E essa lembrança que guardo em todo meu coração.  

06 novembro 2021

Ousadia, reverência e esperança no Entardecer, poemas de quarentena

 

Poesia, mesmo que no mundo atual seja tida como inútil, no mundo dos sonhos tem alto valor simbólico, uma fortuna para poucos.  Viver a poesia é viver o mundo. É se comunicar por meio dos sentidos com os acontecimentos que se passam ao nosso redor. A poesia dá voz a existência simultânea, aos tempos do tempo que ela invoca, evoca e provoca.

 

O cair da tarde, ser próximo da noite, assim é o entardecer. Para a quarentena, serenidade e mente plena. Tempo de recolhimento para viver de isolamento. E é nesse espaço de tempo que a poesia faz um bem a alma.

 


A Doutora em Educação e Contemporaneidade pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia, Fernanda Priscila Alves da Silva lança pela MouraSA, de Curitiba, o livro Poemas de Quarentena: Entardecer. São 58 poemas que “fala do cotidiano que é gerido pelas relações familiares, pelos afetos e pela diversidade. É também uma atitude de gratidão àqueles e àquelas que nos antecederam: nossos pais, mães, avós, avôs. Uma reverência aqueles que nos tomaram pelas mãos e nos ensinaram a trilhar nossos próprios caminhos. É também um convite aos nossos filhos e filhas a aprender que o caminho se faz caminhando, sempre, todos os dias, com ousadia, reverencia e esperança”.

 

Herança abre a obra: “Pelo canto do olho/a gente vê quem nos vê/através deste canto de olho/vemos quem nos continua...”. Um recado urgente: “É urgente e necessário que o mundo comece a acordar. É hora e não dá pra deixar para amanhã que nessa gentese levante e se cuide. Humanizar-se é revolucionário”.

 


Fala do tempo: O tempo parou por uma fração de segundos/e este tempo/foi longo/inteno/e restaurador”. Coração: “Coração incerto/ coração   errante / anseio! / temor!/noite passada tive sonhos medonhos”. Ancestralidade: “Uma ânsia/uma dor/o grito!/faltou ar!/opressão e silencia/resistência no  caminhar”. Entardecer: “Te vejo entre nós!/ao telefone/palavras que vão  e vem/ao entardecer, te vejo, Pai/tornando-se um pouco maais/afeto/amor/gratidão!”.

 

No poema Mistério ela olha seu interior, serena, com estranho  afetos, emudeço...”Aqui bem perto/e bem longe, ali, acolá,  tão  sedento/e tão farto/o mistério de mim”. Costura: “Costuro palavras/pra ver se suporto/a tristeza cinzenta/e o coração sem brilho//Costuro palavras/porque alinhavando a vida e o  tempo/compreendo os passos e compassos”. Em “Familia” ela lembra das memorias guardadas e cantigas narradas, lugares, prantos e desejos.  “Escuto nossas histórias/e me espanto com tantas surpresas/o inesperado em nós/as outras versões de nós”.

 

E nos Versos, o caos e o pranto: “Versos sem nexo/nexo  sem versos/poesia que cura e liberta/poesia da vida!!!”. E ainda em Versos: “Faço versos/busca de razão/clareza pra meus inversos/minha melhor canção”. Esses poemas soam como sopros ao  vento,   sopros-encontros, sopros vivencias, sopros de vida! É a sua segunda obra de esperança!