27 maio 2018

Exposição comemora 20 anos da Turma do Xaxado


Em cartaz de 27 de maio a 30 de junho, na Galeria Pierre Verger, evento vai contar também com ilustrações, pinturas e quadrinhos de outros artistas plásticos baianos em homenagem a Antonio Cedraz


De traço inconfundível, o artista plástico baiano Antonio Cedraz é referência - e também inspiração – para diversos profissionais no Estado, seja quem faz quadrinhos, ilustrações ou pinturas. Para render homenagem ao mestre e celebrar um dos trabalhos mais conhecidos de Cedraz, a Exposição “20 anos da Turma do Xaxado” é atração, de 27 de maio a 30 de junho, na Galeria Pierre Verger, localizada no Complexo Cultural dos Barris (subsolo da Biblioteca Pública).

Com curadoria dos artistas Fabrício Campos, Hector Salas e Valmar Oliveira, a mostra, além de reunir as obras de Cedraz, traz releituras dos seus personagens a cargo dos três curadores e de outros participantes como Sidney Falcão, Daniel Paz, Rodrigo Vinicius, Rogério Rios, Mario Sam, André Betonnasi e Setúbal.

Trajetória

Cedraz faleceu em 11 de setembro de 2014. Foi homenageado, em 2015 na FIQ – Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte. Ao longo de sua trajetória, foi generoso em suas criações. Merecem destaque “A Turma do Joinha”, “A Turma do Pipoca”, “Os Guris” e, é claro,  “A Turma do Xaxado, seu último e mais conhecido trabalho, que lhe garantiu projeção nacional e a vitória várias vezes no HQ Mix, importante prêmio brasileiro das Histórias em Quadrinhos.

Seus trabalhos foram publicados em jornais de todo o Brasil e por algumas editoras. Suas tirinhas são utilizadas em diversos livros didáticos.

Como complemento à exposição, o evento prevê ainda a realização de uma feira de quadrinhos, palestras, e projeções de curtas da Turma do Xaxado e um documentário sobre autores nacionais, utilizando os espaços de exibição audiovisual do Complexo – as Salas Alexandre Robatto e Walter da Silveira - no dia 9 de junho.

Contatos: valolliver@yahoo.com.br / 991151345

Serviço:

Exposição 20 Anos da Turma do Xaxado.
Abertura: 26 de maio, 15:00.
Local: Galeria Pierre Verger (Rua General Labatut, n 27 subsolo da Biblioteca Pública dos Barris - Fone: 3116-8120).

Visitação: de 27 de maio a 30 de junho, das 9h às 18h, segunda a sexta. Entrada franca.
Realização: Pig Arts.
Apoio: Heko Digital e Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB), através da sua Diretoria de Audiovisual (DIMAS).


25 maio 2018

Mais importante do que a felicidade, é a alegria de estar vivo


“À Procura da Felicidade” é um filme com Will Smith (de “Eu, Robô”, “Bad Boys 1 e 2”), dirigido pelo italiano Gabriele Muccino. O filme se baseia na história verídica de um desempregado e sem-teto aos trinta de idade, ele vivia com o filho em um banheiro de São Francisco quando decidiu se empenhar no objetivo de virar um banqueiro. Primeiro por meio de estágios e empregos menores. Aos poucos, criou a sua própria empresa de especulação financeira e investimentos, enriqueceu. “A Felicidade Não Se Compra”, foi outro sucesso na tela. Filme de Frank Capra (1946). Em 1998 o cineasta Todd Solondz lançava “Felicidade”. O título resume muito bem a intenção do filme de explorar a hipocrisia, a falsidade, os contrastes. Tudo para provar que não há fórmula infalível na busca desse tão almejado “estado de contentamento”. Quanto maior a ilusão de felicidade, maior a decepção. Avassalador.

Vivemos mais e melhor, mas não somos mais felizes do que nossos antepassados. Isso porque a felicidade era algo, para nossos antepassados, que acontecia e não um produto de nossas vontades. Quem busca uma alegria contínua e soberana, ou a ausência total de sofrimento, certamente nunca será feliz. É preciso amar a vida, mesmo quando ela é difícil.  O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844/1900) falava em alegrar-se com o que é, e não esperar o que não é. Conhecer, mais que crer. Amar e agir, mais que esperar e temer. Para o pensador francês André Comte-Sponvillle (autor do livro “Felicidade, Desesperadamente”), “ser feliz é desejar o que temos, ou o que é. Esperar é ter medo. Ser feliz é ser sereno. O conteúdo da felicidade é a alegria. Não há alegria maior que amar. Amar é contentar-se com o que existe. A única felicidade está dentro da verdade”. Eis um trecho de seu pensamento:


“Portanto a felicidade é a meta da filosofia. Para que serve filosofar? Serve para ser feliz, para ser mais feliz. Mas, se a felicidade é a meta da filosofia, não é sua norma. O que entendo por isso? A meta de uma atividade é aquilo a que ela tende; sua norma é aquilo a que ela se submete. Quando digo que a felicidade é a meta da filosofia mas não sua norma, quero dizer que não é porque uma idéia me faz feliz que devo pensá-la – porque muitas ilusões confortáveis me tornariam mais facilmente feliz do que várias verdades desagradáveis que conheço. Se devo pensar uma idéia, não é porque ela me faz feliz (senão a filosofia não passaria de uma versão sofisticada, e sofística, do método Coué: trata-se de pensar ‘positivo’, como se diz, em outras palavras ludibriar-se). Não, se devo pensar uma idéia é porque ela me parece verdadeira”.


“A felicidade é a meta da filosofia mas não é a sua norma, porque a norma da filosofia é a verdade, pelo menos a verdade possível (porque nunca a conhecemos por inteiro, nem absolutamente, nem com total certeza), o que chamaria de bom grado, corrigindo Spinoza por Montaigne, a norma da idéia verdadeira dada ou possível. Trata-se de pensar não o que me torna feliz, mas o que me parece verdadeiro – e fica a meu encargo tentar encontrar, diante dessa verdade, seja ela triste ou angustiante, o máximo de felicidade possível. a felicidade é a meta; a verdade é o caminho ou a norma. Isso significa que, se o filósofo puder optar entre uma verdade e uma felicidade – felizmente, o problema nem sempre se coloca nesses termos, só às vezes –, se o filósofo puder entre uma verdade e uma felicidade, ele só será filósofo, ou só será digno de sê-lo, se optar pela verdade. Mais vale uma verdadeira tristeza do que uma falsa alegria”.


Blaise Pascal, físico, matemático e filósofo francês, escreveu no século XVII: "A felicidade é o motivo de todas as ações de todos os homens, inclusive dos que vão se enforcar". Querer ser feliz é uma lei natural da alma humana. Ou, como diz outro filósofo francês, atual, Pascal Bruckner, é uma réplica moral da lei da gravidade. Dinheiro, prestígio, sexo e tudo mais que julgamos ser a nossa felicidade é transitório. As circunstâncias mudam e com elas, na maioria das vezes, os nossos humores. Além de misteriosa, portanto, a felicidade é talvez a coisa mais fugidia deste mundo.


"A melhor maneira de definir felicidade é vê-la não como um estado (prazer ou bem-estar, por exemplo), mas como um modo de vida, o que implica o exercício de determinadas capacidades, a realização de nossas potencialidades", diz o doutor em filosofia Cláudio Reis, da Universidade de Brasília. "O problema é saber o que exatamente compõe esse modo de vida, algo impossível de ser reduzido a uma fórmula”.

“No século XVIII, felicidade já deixara de ser um direito para se tornar um dever. Mas essa inversão de valores só se consolidou no século XX, depois de 1968, quando se fez uma revolução em nome do prazer, da alegria, da voluptuosidade. A partir do momento em que o prazer se torna o principal valor de uma sociedade, quem não o atinge vira um indivíduo fora-da-lei” revela o autor do livro “A Euforia Perpétua”, o romancista e ensaísta francês Pascal Bruckner. Ele questiona o dever de felicidade na sociedade ocidental, e exorta as pessoas a não se sentirem culpadas por não serem felizes. “Mais importante do que a felicidade, é a alegria de simplesmente estar vivo, de estar aqui na terra para esta aventura efêmera", diz Bruckner.



24 maio 2018

A felicidade é uma curva em U


A felicidade é uma curva em U. Pesquisa científica: Aos vinte o mundo inteiro se abre diante de nós, cheio de possibilidades, e tudo parece uma questão de escolha. Aos quarenta, as janelas parecem estar todas fechadas, e os caminhos, interditados. O que não foi, não será. A vida real desaba sobre as cabeças dos aventureiros incautos: é conta, é família, é chefe, é trampo.


Mas, assim como há um pico aos vinte, há outro aos cinquenta (alguns estudos falam em sessenta). O trabalho, realizado por pesquisadores da Universidade de Warwick e do Dartmouth College, nos Estados Unidos, com o título "Terá o bem estar a forma de U no ciclo da vida?". Os cientistas constataram que os níveis de felicidade têm a forma curva de um U, com picos no início e no final da vida e seu ponto mais baixo na meia-idade. Muitos estudos anteriores sugeriam que o bem estar psicológico se mantinha relativamente estável com o avançar da idade.


Os dois autores, ambos economistas - os professores Andrew Oswald, da Universidade de Warwick, e David Blanchflower, do Dartmouth College - consideram que o efeito da curva em U tem origem no interior dos seres humanos, já que encontraram sinais de depressão no meio da vida em todos os gêneros de pessoas, independentemente de terem crianças em casa, divórcios, mudanças de emprego e rendimento.


A Noruega é o país mais feliz do mundo, revelou o relatório anual da Organização das Nações Unidas (ONU). A nação é a primeira das cinco nórdicas que dominam o topo da lista de 2017, que avalia fatores econômicos, sociais e políticos. Mais de vinte destinos separam o pequeno país europeu do Brasil, que ocupa a 22ª posição.

Para chegar ao ranking, em parceria com a Rede de Solução em Desenvolvimento Sustentável, a ONU classifica 155 países através da combinação de dados com a opinião pública sobre qualidade de vida. Seis fatores são levados em conta: PIB per capita, expectativa de vida saudável, generosidade, exposição da corrupção, liberdade para fazer escolhas e apoio social – medido pela sensação de “ter alguém para contar em momentos de dificuldade”.


A aparente felicidade brasileira não reflete no índice, que coloca o país logo após os Emirados Árabes e cinco posições abaixo em relação ao ranking de 2016. Ainda assim, o cenário não é dos piores: o Brasil está acima da Argentina (24), Uruguai (28), França (31) e Espanha (34). Os Estados Unidos, para muitos o país mais poderoso do globo, estão no 14º lugar da lista. De acordo com o relatório, a posição americana pode ser explicada pela corrupção e queda no apoio social – o que explica a boa colocação nórdica.

23 maio 2018

Uma trinca de gênios do humor: Raul, K.Lixto e J.Carlos (03)


J.Carlos fazia parte dos três amigos da época: Raul Pederneiras e K.Lixto, o trio de ouro da caricatura brasileira no início do século 20. Ele foi o caricaturista mais importante de seu tempo. O humor, a rapidez e clareza de seu traço registram as mudanças de costumes e comportamento ocorridas no Rio de Janeiro, na virada do século XIX. Caricaturista, chargista, ilustrador, publicitário e humorista, José Carlos de Brito e Cunha (1884-1950), o J. Carlos, nasceu e viveu no Rio de Janeiro. Foi um dos maiores cronistas visuais de seu tempo, retratou com beleza e elegância o cotidiano da cidade e seus habitantes. Com seu traço art déco, criou edifícios, paisagens e personagens, como as melindrosas, com seu figurino sofisticado e penteados modernos, que ilustraram as principais publicações que circularam na primeira metade do século XX.


Iniciou sua carreira em 1902, na revista O Tagarela, dirigida por Raul Pederneiras (1874 - 1953) e K. Lixto (1877 - 1957). No ano seguinte, contribui com diversas publicações adultas e infantis até que, em 1908, emprega-se na revista A Careta, fundada neste mesmo ano por Jorge Schmidt, nela atuando até 1921. Paralelamente, colabora com diversas publicações, entre elas as revistas Fon-Fon, A Cigarra e O Malho, sendo esta última dirigida por ele a partir de 1918.


Ao longo de sua carreira J. Carlos, com suas charges, faz a crônica do processo de urbanização da capital carioca e dos seus efeitos sociais. Entre 1922 e 1930, exerce o cargo de diretor artístico das empresas O Malho, onde inicia uma grande série de charges de caráter político, satirizando fatos e personalidades nacionais e estrangeiras. A vertente política é explorada pelo artista desde o início de sua carreira, sendo ele o responsável pela execução de uma série de charges antibelicistas executadas no período abrangido pelas duas grandes guerras e principalmente durante os dois governos de Getúlio Vargas (1883 - 1954). Esses trabalhos são publicados principalmente na revista A Careta.

O motivo por excelência das charges de J. Carlos é o carioca, seus hábitos e seu entorno. Seus desenhos testemunham o surgimento do telefone, da fotografia, do chope, do samba, do bonde elétrico, do automóvel, do cinema, do rádio, do avião, da cultura do futebol, da praia e do carnaval, e no campo político, a República Velha, a Revolução de 30, o Estado Novo e as duas Guerras Mundiais. Sua crônica visual não deixa escapar a modernização segregadora do projeto urbanístico de Pereira Passos e neste sentido retrata tanto os hábitos afrancesados das classes mais favorecidas - com seu footing e chás da tarde na Confeitaria Colombo - como o nascimento da cultura do morro, a disseminação das favelas e a sobrevivência da cultura carioca do Rio antigo no bairro da Lapa.


Um de seus tipos mais famosos é a figura da Melindrosa, criada em 1920. Esta foi por ele imortalizada com sua silhueta esguia, olhos redondos, o cabelo cortado a la garçonne, com o característico pega-rapaz na testa e ao lado do rosto, a boca em forma de coração pintada com batom forte. Essa mulher, misto de criança ingênua e garota refinada e sensual, presente em toda produção de J. Carlos, quase sempre sendo cortejada ou perseguida por um ou mais homens.


J. Carlos também cria no início dos anos 1920 os personagens infantis Jujuba, Lamparina, Goiabada e Carrapicho, numa época em que quase ninguém se preocupava com o público infantil. Não à toa, quando Walt Disney visita o Brasil por ocasião do lançamento de seu filme Fantasia, tenta, sem êxito, levar o artista brasileiro para Hollywood. Há quem diga que o personagem do criador americano Zé Carioca é baseado no personagem Papagaio de J. Carlos, que Disney teria visto em sua passagem pelo país. Ironicamente, ao deixar de desenhar seus personagens infantis em 1941, J. Carlos afirma: "Fi-los durante mais de vinte anos, mas hoje, um esforço tamanho para quê?...Por quê?... A remuneração é tão insignificante. Quem é que pode concorrer com esses originais estereotipados estrangeiros?".


José Lins do Rego escreveu que J.Carlos está para a caricatura brasileira como Villa Lobos para a Música e Machado de Assis para a Literatura. Sua carreira na imprensa durou quase 50 anos e concentrou-se em torno de sua colaboração com duas grandes empresas editoriais: a Careta e O Malho.


Aproveitando-se da relativa flexibilidade da censura imposta por Vargas em relação à política internacional, o artista publica uma série de ilustrações cujo conteúdo tinha como foco crítico a política imperialista norte-americana evidenciada após o término da Segunda Grande Guerra (1939-1945). Trabalha incansavelmente até a data de sua morte, ocorrida em 1950, na redação da revista A Careta.



22 maio 2018

Uma trinca de gênios do humor: Raul, K.Lixto e J.Carlos (02)


O terceiro gênio da trinca de humor na primeira metade do século XX foi K.Lixto (1877-1957). Calixto Cordeiro era caricaturista, desenhista, ilustrador, litógrafo, pintor e professor. Começou a atuar como caricaturista em 1898, quando colaborou na revista Mercúrio, com o pseudônimo K. Lixto, utilizado a partir de então na assinatura de todos os seus trabalhos. Depois de colaborar em diversos periódicos, funda, com Raul Pederneiras (1874 - 1953), em 1902, a revista O Tagarela, em que inicia, em 1904, uma série de charges questionando a campanha de vacinação obrigatória contra a varíola, instituída por Oswaldo Cruz (1872 - 1917).

Para a revista Kosmos, realiza, a partir de 1906, ilustrações para as crônicas de João do Rio (1881 - 1921), Olavo Bilac (1865 - 1918) e Gonzaga Duque (1863 - 1911). Em 1907 assume, ao lado do caricaturista Raul Pederneiras, a direção artística da revista Fon-Fon. Nesse periódico, além de publicar suas caricaturas, responsabiliza-se pela ilustração de grande número de capas. 

Em agosto de 1908 lançou a revista O Degas, que apesar de ter durado menos de um ano é considerada uma das graficamente mais belas do gênero no Brasil. E foi láque K.Lixto fez alguns de seus melhores desenhos. Sempre trabalhando como colaborador em diversas publicações,  passa a fazer, em 1911, a publicação de uma série de charges de conteúdo político no jornal Gazeta de Notícias.


A partir de 1917, começa a trabalhar como colaborador na revista D. Quixote, em que permanece até 1928. Dessa data em diante, colabora em diversas publicações, entre elas, a revista O Cruzeiro e o jornal Última Hora. Em 1944, funda, com outros artistas, a Associação Brasileira de Desenho.  K-Lixto foi um dos mais importantes artistas gráficos da primeira metade do século 20, com uma prolifera obra (calcula-se que tenha cerca de 150 mil desenhos)


Dominando todas as técnicas de seu métier, inclusive a de litógrafo, K.Lixto desenvolveu uma atividade prodigiosa na imprensa de seu tempo, contribuindo com desenhos para todas as maiores publicações ilustradas da época. 


Ao longo de sua carreira de mais de 50 anos a serviço do chargista político, do caricaturista pessoal do ilustrador exímio e agudo observador de costumes, o lápis do artista falava várias línguas, sempre com a maior fluência e precisão.













21 maio 2018

Uma trinca de gênios do humor: Raul, K.Lixto e J.Carlos (01)


Na primeira metade do século XX, uma trinca de gênios do humor gráfico se destacou no Brasil: Raul Pederneiras, K.Lixto e J.Carlos.  Os três estrearam na imprensa quase ao mesmo tempo - na virada do século 20. A caricatura genuinamente brasileira surge a partir desta estréia.  Com eles nascia a caricatura de autor, cada um mantendo um estilo próprio que se evidenciava inclusive na escolha das temáticas.


Raul Paranhos Pederneiras (1874-1953) — Raul, como ele assinava, ou Pederneiras, como ficou conhecido na crônica editorial brasileira destacou-se no jornalismo da primeira metade do século XX. Intelectual de fina formação, mas tinha também alma boêmia — por genuíno gosto pela noite e como fonte de inspiração essencial para as observações da rotina do Rio, que publicava nas suas “Cenas da vida carioca”, um olhar crítico e bem-humorado sobre a cidade e sua população. Irmão do poeta Mário Pederneiras, Raul cursou direito, além de exercer atividades como professor, caricaturista (que lhe deu notoriedade), poeta, teatrólogo, compositor, publicitário e jornalista (exerceu o cargo de presidente da Associação Brasileira de Imprensa por dois mandatos: 1916-1917 e 1920-1926). E para lembrar que ele foi um dos pais das histórias em quadrinhos brasileiras, a historiadora Laura Nery vai lançar, ainda este ano, pela Editora Noir o livro “Devaneios Cariocas, os quadrinhos revolucionários de Raul Pederneiras”.


Segundo o pesquisador Gonçalo Júnior, foi no álbum Cenas da vida carioca, coluna que fazia para a Revista da Semana – também publicava sátiras no Jornal do Brasil – que ele se mostrou um exímio autor de quadrinhos, embora jamais usasse o recurso dos balões, preferia as legendas. Numa das histórias, intitulada “No municipal”, ele retratava com graça um dos prazeres da elite carioca – ir a espetáculos no mais pomposo teatro da cidade. Mas foi com “O povoamento do solo, nos sábados, à tarde”, que mostrou refinamento.


Ainda nessa coluna, em “Casa de cômodos”, de 1924, que ele dava um corte lateral num sobrado de quatro andares que permitia ao leitor observar tudo que acontecia em todos os pavimentos e personagens ao mesmo tempo, numa surpreendente síntese que não se vira até então.

O primeiro desenho de  Raul foi publicado em 1898 (há 120 anos) em O Mercúrio, que por ser totalmente colorido era uma revolução para a época. Depois sua fama só fez aumentar com a publicação de seus trabalhos em periódicos como O Tagarela, D.Quixote, Fon-Fon, O Malho, Correio da Manhã,  o Paiz, Jornal do Brasil e outros.


Entre suas criações de mais sucesso estavam as Cenas da Vida Carioca (sátira aos usos e costumes da classe média de então) e os Onomatogramas (representações gráficas de nomes). Estes conquistaram aplausos até no exterior. Até hoje seu trabalho é reverenciado, pelo pioneirismo e pelo traço incomparável, como um dos mais influentes e elegantes da história do humor gráfico do Brasil.



18 maio 2018

Humor armado de Henfil (5)


No dia 04 de janeiro de 1988 30 anos - morria o cartunista Henfil (1944-1988). Ele teve uma atuação marcante nos movimentos políticos e sociais do país, lutando contra a ditadura, pela democratização do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Com humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo, o paranoico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e comprometimento social.

Num congresso de fisioterapia, realizado em 1981 em Salvador, Henfil compareceu para falar de suas experiências com a hemofilia ao longo de sua vida e para também levou as lições de autoconfiança que assimilou, conjugadas com a fisioterapia.A determinação de um hemofílico pode permitir um tratamento com a fisioterapia dispensando o plasma e os remédios químicos. Se o hemofílico sair da redoma em que normalmente é colocado pela mãe, pode levar uma vida normal. A metade dos hemofílicos permanece nessa redoma, superprotegidos. Esses são os corruptos da classe. A outra metade entre a qual me coloco são os marginais, brincava ele, citando os exemplos do ator Richard Burton que não aceitava extras em cenas perigosas, e do próprio irmão Herbert de Souza, o Betinho, o exilado político da músicaO Bêbado e a Equilibrista.


Henfil: o Humor Subversivo é o título do livro de Márcio Malta, formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), doutorando em Ciência Política (PGCP/UFF) e cartunista profissional, assinando seus desenhos com o pseudônimo de Nico. A obra aborda a contribuição política do cartunista Henfil, percorre seu trabalho artístico e a luta contra os desmandos do regime militar. Publicado pela editora Expressão Popular, o livro faz parte da coleção Viva o Povo Brasileiro, que visa resgatar a memória de personalidades que lutaram para transformar o Brasil.

Em seu campo de atuação profissional, Henfil foi ímpar. Dono de um traço leve, ágil e despojado de preocupações estéticas, acadêmicas e tradicionais, seu estilo se caracterizava pela síntese. Seu estilo era tão pessoal, que é impossível imitá-lo. Em certa feita, Jaguar comparou Henfil com Garrincha, ou seja, único(p.37).Por meio de seu traço limpo e ágil, conseguia dar vazão a tudo aquilo que não poderia ser verbalizado nos tempos sombrios da ditadura(p. 39)


Nas histórias em quadrinhos de Henfil pode-se afirmar que o ciclo não se encerra no momento da reflexão do receptor. O humorista compunha uma espécie de parceria com o leitor. Os personagens chegam a dialogar com o público, estimulando a tomada de consciência. Charges como as que figuram os quadrinhos eram recortadas e mostradas, contadas e recontadas, construídas e reconstruídas no imaginário popular, conscientizando e dando asas as formas de resistência. Exemplo clássico da interação com o público é o quadrinho em que o trio de personagem da caatinga tenta localizar a esperança olhando para os lados. A proposta por si é fantástica, se constituindo como um convite para a imaginação, posta que o sentimento não é algo visível(p. 40/41)

A lista de criações de Henfil consta a feminista Zilda-Lib, a onça Glorinha, anarquista, líder do comando de Libertação do Quadrinho Nacional. A missão da Onça Glorinha era caçar o “agente imperialista” Mickey. Certa vez ela comeu a Graúna, achando se tratar do camundongo de Walt Disney. Henfil admite que fez uma provocação ao tipo de intervenção que grupos da luta armada faziam. A importância conferida por Henfil ao elemento feminino das personagens, como a onça Glorinha e a Graúna, que se comportam como as mais valentes e combativas. Era essa a percepção que Henfil detinha do poder feminino. Trabalhando com a reversão de expectativas fazia ainda o riso rolar solto.


Henfil criou outros personagens. Continuava apontando as desgraças do homem médio brasileiro, mas de maneira mais simples. Havia fome, falta de liberdades civis, desemprego, e injustiças sociais, e era preciso denunciar isso. Graúna, Zeferino, Bode Orelana, Ubaldo, Orelhão, cada tipo sublinhava, com humor amargo, aquilo que se lia nos jornais e se via nas ruas. Era um trabalho mais direto, mas nenhum personagem mostrava as vísceras do povo como o Fradim. O personagem mostrou de maneira completa os horrores da condição humana e, ao que se sabe, o país de Sarney (presidente na época) tem quase nenhuma diferença daquele governado por militares.

No final dos anos 70, ele lançou uma revista com histórias mensais dos monges loucos. Não durou muito, a revista era cara e o País começava a enfrentar mais uma de suas crises econômicas. Henfil colaborou com diversos jornais revistas: Status, Isto É, Pasquim, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil, O Globo, O Estado de S.Paulo. Escreveu vários livros: Henfil na China, Cartas da Mãe, Fradim da Libertação,  Diário de um Cucaracha. Fez um filme, Tanga, Deu no New York Times.


A obra do cineasta baiano Glauber Rocha foi um dos fatores que influenciou a criação de Henfil. Desde a realização de cenários que assimilavam a técnica do Cinema Novo e suas tomadas; assim como a influência na escolha de temas ao criar seus personagens. Em paralelo ao cinema novo, outra grande influência de Henfil ao rabiscar a caatinga foi o livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. A inspiração veio a partir do momento em que ganhou o livro de Betinho. O cartunista soube traduzir para os quadrinhos duas contribuições essenciais para  compreender o Brasil.

Henfil foi um homem de denúncias. Foi ele quem calibrou a expressão Diretas e sofreu depois por ser contra o Colégio Eleitoral e, consequentemente, contra o governo de Tancredo Neves e seu vice, eleitos indiretamente. Um guerrilheiro do cartum, assim Henfil foi definido pelo cartunista Miguel Paiva.A produção de Henfil, em sua quase totalidade (conta Nico em seu Henfil, o humor subversivo), foi pautada em termos críticos. Adotou o lápis como arma para denunciar e questionar tradições e comportamentos sociais. Tocava em pontos-chave, desenvolvendo um inconformismo contagiante. Valores, que até então eram vistos como naturais, eram espezinhados na mão do cartunista. Segundo o caricaturista Cássio Loredano:Henfil tirou de debaixo do tapete o que para tinham varrido zelosamente a nossa História inteira.

As tiras, o texto e os cartuns de Henfil, significaram, em quase todo o período militar, um sopro de esperança. Em 1970, com a ida de grande parte dos militantes para a guerrilha, Henfil criou o Zeferino. Sua intenção era chamar as pessoas a enfrentar a ditadura.Quem era ele? Um cangaceiro... Você tem de ser o cangaceiro! Tem de se transformar no cangaceiro!, explicou Henfil em entrevista ao jornalista e amigo Tárik de Souza. A história se passava no sertão, usando a fome e a seca para se contrapor à propaganda domilagre econômicoe dialogar com a classe média doSul Maravilha. Zeferino foi criado como personagem principal. Discutia com o bode Francisco Orelana (uma crítica ao intelectual de esquerda, que ``comialivros e pouco agia), e formava um casal com a Graúna. Esta ganhou vida própria (como a maioria de seus personagens) e tornou-se a protagonista.  Hemofílico, acabou numa das muitas transfusões de sangue contaminado pelo vírus HIV. Henfil estava com Aids quando pouco se sabia dessa doença; Morreu em 1988, debilitado mentalmente. Henfil é sempre atual. E profundo em seu humor cáustico.