25 março 2020

SOS: oceano não é infinito (2)


Grande conhecedor das coisas do mar, Jacques Cousteau preocupou-se com a sua transformação em esgoto universal. Navios, petroleiros e plataformas a partir das quais se perfuram poços de petróleo inundam os mares e oceanos com seus detritos. Baleeiros e caçadores exterminam aos poucos várias espécies de fauna marinha.




As indústrias lançam ao mar resíduos contendo chumbo, mercúrio, cádmio e outros elementos nocivos à fauna e flora marinhas – e, também, aos banhistas. Inventos (pulmão aquático ou aqualung), cientista, oceanógrafo, cineasta (O Mundo em Silêncio, O Mundo sem Sol), Cousteau dedicou mais der 40 anos à pesquisa submarina.



ESGOTADOS - Ninguém ignora que os recursos minerais existentes na superfície da Terra estão quase esgotados. Os governos tenderam a ver o mar como a solução para a carência futura, tentando assenhorear-se das riquezas nele contidas: na massa líquida, no assoalho dos oceanos (manganês) e em seu substrato sólido (petróleo, gás, etc).




Um número crescente de países estende o limite de seu mar territorial até 200 milhas da costa. Outras nações, interessadas em continuar explorando as riquezas contidas nesta faixa, não reconhecem esses limites. O  debate em torno do mar territorial de 200 milhas tem feito com que não se levem em conta os recursos contidos no “mar de ninguém” e as discussões travadas a seu propósito.



O esgotamento das reservas terrestres de petróleo, gás e outros minérios, junto com o crescente temor de que as atividades agrícolas não bastam para as futuras necessidades de alimento, tem levado cada governo a  tomar medidas para a proteção de seu litoral. A questão é saber quanto podemos subtrair do mar sem prejuízo de estoques existentes.




Há milhares de anos a Chapada Diamantina era uma praia e parte da região ficava no fundo do mar. O mais interessante é que os diamantes surgiram da ação da água sobre as rochas. Hoje os solos são arenosos e pouco profundos, e há uma grande quantidade de nascentes de diversos rios, o que ajuda na formação de cachoeiras e quedas d´água.



Desde a Antiguidade o peixe constitui o principal recurso natural extraído dos oceanos. Mas os peixes se distribuem de uma forma desigual por eles. Nas áreas em que os nutrientes das plantas são abundantes e é possível a fotossíntese, os mares chegam a produzir, num ano, até 60 quilos de peixes por 100 metros quadrados. Já em outras regiões, os nutrientes de que as plantas necessitam localizam-se abaixo da zona em que existe luz na quantidade requerida para a fotossíntese. Aí, as possibilidades de vida marinha são quase nulas. (Publicado inicialmente em março de 2009 e depois em março de 2013)

24 março 2020

SOS: oceano não é infinito (1)


Para a humanidade o mar é vasto e resistente, mas o que vem ocorrendo é a degradação dos oceanos causada pelas petroleiras, pela poluição e pesca predatória. A realidade é que nossas vidas dependem da natureza, dos sistemas naturais.




Existem microalgas (chamadas pnoclorococos) que habitam os oceanos. Elas produzem oxigênio para a manutenção da vida na Terra. Mas a ação humana vem causando grandes danos aos mares: 95% das populações de especies como o bacalhau e o atum azul já foram eliminadas. Metade dos corais de  águas rasas estão em declínio desde os anos 1950. Mais de 400 zonas  mortas, regiões asfixiadas por poluentes à base de nitrogênio vindos da terra firme, já se formaram em áreas costeiras no mundo todo. O excesso de gás carbônico produzido pelas queima de combustíveis fósseis e absorvido pelos oceanos vem mudando a química marinha em escala global, tornando a água mais ácida e prejudicando a  vida de corais, moluscos e micro organismos que formam carapaças de calcário.



IMPORTANTE - Os oceanos têm papel importante na história da Terra. Foi dentro dele que a vida começou. Serviram de principal via para expansão dos horizontes da humanidade com o advento das grandes navegações. Os oceanos são o envoltório líquido que encobre o planeta Terra em 71% da sua superfície. E todos os organismos vivos são constituídos na maior proporção em peso de água.




Por recobrirem a maior parte da superfície terrestre, absorvem, redistribuem para a atmosfera ou refletem de volta para o espaço a maior parte da radiação solar, energia recebida do Sol pela Terra. Dessa forma, são também os principais responsáveis, com a atmosfera, que é nosso envoltório gasoso, pelo controle do clima.



Mares e oceanos foram utilizados pelo homem desde o início da nossa civilização primeiro como fonte de alimentos pela pesca artesanal ou coleta de moluscos e algas, depois como fonte de matérias-primas como sal, bromo, magnésio, calcário e, principalmente, como meio de transporte. Hoje o oceano é uma grande fonte de matérias para a indústria der alimentos e farmacêutico. 



Fonte da vida e da morte, cenário da história, o mar sempre foi objeto de guerras e disputas. A história das grandes armadas, quase sempre às voltas com grandes batalhas, é mais ou menos conhecida, envolvendo Portugal, Espanha, Inglaterra, França e Holanda. O mar ainda tem se oferecido à contemplação e à inspiração artística, o que resultou na produção de valiosos monumentos históricos. Dois bons exemplos para ilustrar: Camões imortalizou os feitos singulares dos lusíadas. Suangue no mar de Camões, sal de lágrimas no mar de Fernando Pessoa.




VIDA - Oceanos são grandes extensões de água salgada que ocupam as depressões da superfície terrestre. Eles são importantes para o planeta, neles se originou a vida. Os oceanos são os grandes produtores de oxigênio (as microalgas oceânicas), regulam a temperatura da Terra, interferem na dinâmica atmosférica, caracterizam tipos climáticos. Além disso, a maior parte da população mundial mora junto ao litoral.



São cinco oceanos: Antártico, Atlântico, Pacífico, Ártico e Índico. O oceano Atlântico é considerado o mais importante por ser usado para a navegação e comércio de produtos entre a Europa e a América, principalmente a do Norte. O Pacífico é o maior dos oceanos, com 175 milhões de quilômetros quadrados. (Publicado inicialmente em março de 2009 e depois em março de 2013)




23 março 2020

Conferência sobre Oceanos


Lisboa, a capital de Portugal, vai reunir no dia 02 de junho representantes de governos, ONGs, sociedade civil, academia, comunidade científica, setor privado e filantropia. A Conferência sobre Oceanos, co-organizada por Portugal e Quênia, deve adotar uma declaração intergovernamental sobre a ação climática com base na ciência e vários compromissos voluntários dos países. A meta é apoiar a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 14, sobre a Vida na Água.



A Conferência dos Oceanos é um marco importante para traçar uma estratégia global para a conservação dos oceanos e para criar ímpeto para a Década das Ciências Oceânicas para o Desenvolvimento Sustentável. Esta Década das Nações Unidas será lançada em 2021 e terminará em 2030. Ao longo dos próximos 10 anos, os povos do mundo devem unir-se para protegerem a nossa casa partilhada, alcançando a Agenda 2030 e entregando um oceano limpo, saudável, resiliente, produtivo e sustentável.




Todos nós estamos dependentes dos oceanos, seja através da nossa profissão, dos alimentos que ingerimos, da energia que utilizamos ou do ar que respiramos. Porém, a saúde dos oceanos está a deteriorar-se. Em todo o mundo, cerca de 8 milhões de toneladas de lixo plástico acabam no oceano anualmente. O aquecimento do mar expeliu o oxigênio das águas. À medida que a atmosfera captura mais calor, os oceanos ficam mais quentes. Gases de efeito estufa tiram oxigênio dos oceanos.



Devemos nos preocupar porque o oxigênio que respiramos também é produzido pelos oceanos. Os gases de efeito estufa são a principal fonte de poluição do ar e incluem dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e hexafluoreto de enxofre. Enquanto alguns gases são produzidos através de processos naturais, como respiração animal e vegetal, a atividade humana, como a queima de combustíveis fósseis, a criação de gado e as emissões de veículos, aumentaram sua quantidade.




Pesca predatória, o aquecimento da água e a presença maciça de plástico nos oceanos, todos causados pelo homem, favorecem a proliferação de águas-vivas, que também invadem as praias. A multiplicação de águas-vivas afeta várias atividades humanas como o turismo, a pesca, a piscicultura, as fábricas de dessalinização e os sistemas de esfriamento de instalações nucleares, que obstruem estes animais. A acidez do oceano já aumentou 26% desde o começo da industrialização, porque parte do dióxido de carbono lançado na atmosfera é absorvido pelo oceano, provocando reações químicas que reduzem o pH da água do mar. Esse processo é conhecido como acidificação ou também chamado de “o outro problema do gás carbônico”, referindo-se ao aumento de temperaturas da água.

22 março 2020

Uma oportunidade que não pode ser desperdiçada: Dia Mundial da Água


No dia em que se comemora o Dia Mundial da Água, 22 de março, é preciso lembrar que, em diversos lugares do planeta, milhares de pessoas já sofrem com a falta desse bem tão essencial à vida. A água é um recurso natural que propicia saúde, conforto e riqueza ao homem por meio de seus incontáveis usos, dos quais se destacam o abastecimento das populações, a irrigação, a produção de energia, o lazer, a navegação, entre tantos outros.

 


Muito se fala em falta de água e que num futuro próximo teremos uma guerra em busca de água potável. O Brasil é um país privilegiado, pois aqui estão 13,7% de toda a água doce do planeta, aqui também se encontram o maior rio do mundo, o Rio Amazonas, além do maior reservatório de água subterrânea do planeta: o sistema aqüífero Guarani. No entanto, essa água está mal distribuída, 80% das águas doces do Brasil estão na Amazônia, onde vivem apenas 7% da população, essa distribuição irregular deixa apenas 3% de água para o Nordeste.



ESCASSEZ - Essa é uma das causas do problema de escassez de água verificado em alguns pontos do país. Em todo o mundo, domina uma cultura de desperdício de água, pois ainda se acredita que ela é um recurso natural ilimitado, mas, apesar de haver 1,3 milhão de km\3 livre na Terra, segundo dados do Ministério Público Federal, nem sequer 1% desse total pode ser economicamente utilizado, sendo que 97% dessa água se encontra em áreas subterrâneas, formando os chamados aqüíferos, ainda inacessíveis pelas tecnologias existentes.



Políticas públicas e um melhor gerenciamento dos recursos hídricos em todos os países tornam-se hoje essenciais para a manutenção da qualidade de vida dos povos. Se o problema de escassez já existente em algumas regiões não for resolvido, ele se tornará um obstáculo à continuidade do desenvolvimento do país. O Brasil tem tomado algumas medidas concretas para impedir esse futuro, entre elas a criação da Agência Nacional de Águas, a sobreposição do rio São Francisco, adoção de técnicas de reuso de água e construção de infra-estrutura de saneamento, já que hoje 90% do esgoto produzido no país é despejado em rios, lagos e mares sem nenhum tratamento, mas muito ainda precisa ser feito.




DOENÇAS - Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), 50% da taxa de doenças e morte nos países em desenvolvimento ocorrem por falta de água ou pela sua contaminação, para cada mil litros de água utilizados, outros 10 mil são poluídos. Assim sendo, o rápido crescimento da população mundial e a crescente poluição, causado também pela industrialização, torna a água o recurso natural mais estratégico de qualquer país do mundo. Ainda de acordo com a ONU, está cada vez mais difícil se conseguir água para todos, principalmente nos países em desenvolvimento.




Dados do IWMI (International Water Management Institute) mostram que no ano de 2025, 1,8 bilhão de pessoas de diversos países deverão viver em absoluta falta de água, o que equivale a mais de 30% da população mundial. Diante dessa constatação, cabe lembrar que a água limpa e acessível se constitui em um elemento indispensável para a vida humana e que para se tê-la no futuro, é preciso protegê-la para evitar o futuro caótico previsto para a humanidade, quando homens de todos os continentes travarão guerras em busca de um elemento antes tão abundante.



RESPONSABILIDADE - O Dia Mundial da Água tem como objetivo chamar a atenção para estes problemas, é necessário boa vontade, responsabilidade e engajamento por parte de todos, pois se não queremos que tais prognósticos venham a acontecer de fato, precisamos fazer a nossa parte. Nós temos todos os recursos intelectuais, financeiros e tecnológicos para vencer as crises que envolvem este recurso natural, sendo assim, tal qual não devemos desperdiçar a água, também não devemos desprezar a oportunidade de reverter o presente quadro e o futuro que nos assombra.




A água é o princípio de tudo. Está nos homens, plantas, no chão, no ar, na máquina. Só um por cento da água do mundo pode ser usada pelo homem. Há pouca água para muita gente. Em alguns países isso é motivo de guerra. No Brasil, em alguns lugares, existe racionamento. A água, princípio de tudo, pode também ser o fim. É preciso cuidar dela. A água é um bem de todos. Se não for protegida, cuidada, ela acaba. (Texto publicado em 2015)

21 março 2020

Uma obra essencial: As mulheres na política local


A ascensão feminina em cargos de poder é um dos grandes temas das Ciências Sociais. As mulheres têm poder na política baiana? Um olhar mais atento nos mostra que a questão é mais complexa do que parece. A obra doutoral (revisada e transformada em livro) de Claudia de Faria Barbosa, lançada recentemente pela Editora Appris – AS MULHERES NA POLÍTICA LOCAL – ENTRE AS ESFERAS PÚBLICA E PRIVADA registra vulnerabilidades, tomadas de decisão, de assumir cargos pelo passado, presente e futuro. Descortina uma cartografia da política dos municípios baianos. Como as mulheres constroem suas identidades em contextos cujas marcas da dominação masculina estão inscritas na subjetividade das estruturas sociais.


A pesquisadora Claudia de Faria Barbosa questiona se o fato de maior participação feminina, em números, nos quadros políticos, dentro do processo contemporâneo brasileiro e baiano, indica efetiva cidadania e espaços conquistados pelas mulheres. O estudo focou as prefeitas baianas, ou seja, mulheres como agentes de exercício do poder político acessando debates sobre política e gênero.

O interesse foi compreender se as mulheres realmente conseguem autonomia e/ou se “empoderar” no sentido de tomar atitudes e levantar bandeiras de luta contra as segregações, violências e vulnerabilidades. O surgimento de tais questões de estudo foi evidenciado por verificar que o senso comum julga suas administrações como incapazes de dar conta das demandas da população e, sobretudo, tomar atitudes que efetivamente atendam aos interesses de outras mulheres.


Com o propósito de ultrapassar a visão naturalizada/essencializada do papel feminino no espaço público e privado, a análise evidencia como é trilhado o caminho das mulheres que ingressaram na política local, gestão 2009-2012. E acrescenta a questão de como se processa suas percepções e vivências nas relações entre as esferas privada e pública, com a perspectiva da elaboração da consciência de si e para si.

Ao debruçar sobre a questão das mulheres na política baiana, ouviu as gestoras locais sobre seus enfrentamentos de desafios, suas percepções, atuações e aflições. A obra valoriza o pensamento transformador do ser humano, fundamental para quem almeja ver algo mais que o senso comum pode mostrar. Salientou o exercício da reflexão e centrou nas questões propostas para questionar o vivido, exercitar a teoria, sobretudo, evidenciar aspectos entrelaçados no cotidiano da política e nas relações de gênero.

Organizada em três capítulos, os dois primeiros trazem a base teórica da discussão sobre a ciência política e a epistemologia feminista. O terceiro evidencia a investigação empírica – as vivências das mulheres na política local. Conforme a autora: “as mulheres, em suas múltiplas ações, referências e atuações, ao agir na política enfrentam situações únicas e muitas variáveis estão em jogo. Ademais, são apenas ´peças na engrenagem´ do poder político dominante e da reprodução do capital e de uma práxis de ordem patriarcal”. E atribui que o “empoderamento das mulheres é algo por devir, apostando mais na consciência e na práxis de transformar, do que realmente em dados numéricos. São novos tempos em que os disfarces transformam a dominação em algo tão sutil que se torna quase impossível percebê-la”, conclui.


A esperança é de que a política seja um espaço público onde a vida ativa não se reduz ao trabalho e ao consumo, mas em liberdade, conforme proposta pela pensadora Hannah Arendt ao afirmar que o “sentido da política é a liberdade”. E que a comunicação e o diálogo não sejam apenas informação, mas dignidade e cidadania onde se expressem emoções e ações. Portanto, a originalidade da pesquisa de Claudia Barbosa está no fraseado. Ao trabalhar com a invisibilidade de algo que existe nos lugares comuns e nas ideias preconcebidas, ela traduz a busca de um incessante saber. Mostra a situação de mulheres investidas de poder político, olha com olhos livres a realidade. Aí está a sua essência, seu preciosismo e raridade. Uma obra que trás uma contribuição ímpar e inédita para as questões postas com referência à cidadania das mulheres e a política local brasileira e, sobretudo baiana.

19 março 2020

Wanderley Pinho, um santamarense que deixa saudade


Há 120 anos, no dia 19 de março de 1890 em Santo Amaro, Bahia, nascia José Wanderley de Araújo Pinho que se tornou uma das mais importantes figuras do Estado da Bahia. Foi  historiador e político. O texto a seguir está no meu livro Gente da Bahia, volume dois: Filho de João Ferreira de Araújo Pinho, presidente da Província de Sergipe, em 1876 e Governador da Bahia de 1908 a 1911. Pela linha materna era neto do Barão de Cotegipe, João Maurício Wanderley, um dos mais prestigiosos chefes do Partido Conservador no tempo do Império. O rico acervo do arquivo do Barão, conservado pela família materna, o gosto do seu pai pelas letras, levaram o jovem Wanderley a ingressar nas lides da História.




Wanderley formou-se em Direito, pela Faculdade Livre de Direito da Bahia, em 1910, quando o governo Araújo Pinho estava em pleno prestígio político, mas foi logo surpreendido com a inesperado renúncia do velho santamarense, o bombardeio da Bahia, e a perda do mandato de promotor público. Em 1917 no salão do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia ele pronuncia uma conferência sobre Costumes Monásticos-Freiras e Recolhidas onde indagava entre curioso e malicioso, se o namoro alí se limitava apenas àquele estimar sem consequência. Seriam puros ou pecaminosos os amores destas freiras?. A conferência surpreendeu a sociedade da época. E a partir de 1929, porém, ele faz sua verdadeira profissão de fé como historiador, da qual não mais se afastaria até 1967, data de sua morte.




Foi diversas vezes relator na Câmara do Orçamento da Marinha e ocupou vários cargos representativos no Ministério Público. Entre 1924 e 1930 foi Deputado Federal. No governo Otávio Mangabeira exerceu a prefeitura da cidade do Salvador (1947/1951). Sua presença no cargo deu grande importância às comemorações do 4º Centenário da Cidade. A História da cidade marchou pelas ruas em apoteose, desde Tomé de Souza até aquele momento. Foi iniciativa sua o desfile do quarto centenário. Foram empreendimentos de sua administração como prefeito, a abertura da primeira pista da Avenida Centenário, o asfaltamento da Estrada da Liberdade, início da construção da Avenida Vasco da Gama, abertura e asfaltamento da Avenida Amaralina e de outras vias urbanas, reforma dos jardins do Terreiro e do Campo da Pólvora. Com o governador Mangabeira, colaborou para a construção do Hotel da Bahia.



Professor de História do Brasil na Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia, marcou época no estudo da disciplina, tendo animado a pesquisa histórica entre seus discípulos. Os alunos eram constantemente incentivados a realizar pesquisas inéditas, procurar material novo, dar novas dimensões aos estudos, especialmente de História da Bahia, com ricos arquivos à disposição. Lutou pela proteção aos monumentos históricos da Bahia. Era presidente de honra do instituto Geográfico e Histórico da Bahia, além de 1º vice-presidente do Instituto Geográfico e Histórico Brasileiro. Era membro da Academia de Letras da Bahia ocupante da cadeira nº1, cujo patrono é o historiador Frei Vicente de Salvador, Wanderley Pinho substituiu ali a Afrânio Peixoto, de quem foi grande amigo. Foi também Ministro do Tribunal de Contas do Estado, cargo no qual se aposentou.






Como historiador, deixou uma obra que pode ser considerada notável. Alguns dos seus livros, estudos definitivos na historiografia brasileira, como História de um Engenho no Recôncavo, Cotegipe e o seu Tempo e Salões e Damas do Segundo Reinado. Pesquisador criterioso, seguro, tinha a preocupação de consultar as melhores fontes para chegar às conclusões. Seu estilo era claro. Ele escreveu algumas páginas verdadeiramente antológicas na literatura histórica brasileira. Deixa inéditos alguns trabalhos de História, inclusive um importante estudo sobre a História Social da Bahia. Entre suas obras estão Política e Políticos no Império (1930); A Sabinada (1930); Cartas do Imperador D.Pedro II ao Barão de Cotegipe (1933); Cotegipe e seu Tempo - Primeira fase -1815/1867 (1937) importante estudo do aspecto político de nossa História; D. Marcos Teixeira - Quinto Bispo do Brasil (1940); Testamento de Mem de Sá (1941); Salões e Damas do Segundo Reinado (1942) onde encontramos as bases do estudo social de um grupo de elite dedicado aos seus prazeres, seus luxos, seus devaneios; História de um Engenho do Recôncavo - Matoim, Novo, Caboto, Freguesia - 1552/1944 (1946), onde ele faz um perfil da economia agrária açucareira do Recôncavo baiano desde o início de sua produção, suas fases de maior desenvolvimento, como também suas fases de depressão; Abertura dos Portos na Bahia (1961); História Social da Cidade do Salvador, 1549/1650 (1968 - edição póstuma sem revisão do autor), entre outros. Vale lembrar a síntese do século XIX, de 1808 a 1856, publicado na História Geral da Civilização Brasileira, sob a direção de Sérgio Buarque de Holanda. Além de livros e muitas obras relativas ao serviço do estado, publicou inúmeros artigos jurídicos, literários e históricos, em jornais e revistas do Brasil.



Ele sabia que o homem está intimamente ligado à época em que vive, ao conjunto de circunstâncias sociais, econômicas, ecológicas ou mesmo antropológicas que traçam o seu destino, e as indagações que ele fez à História, são determinadas pelos problemas de que tem vivência. Wanderley Pinho escreveu biografias e monografias porque eram as indagações do seu tempo. Havia necessidade de apresentar a História das gentes brasileiras, de biografias que nos entusiasmassem pelas qualidades invulgares da pessoa em foco. Em 07 de outubro de 1967 ele faleceu, no Rio de Janeiro, mas sua obra ficou reunida no Museu do Recôncavo Wanderley Pinho, instalado no Engenho Freguesia, e inaugurado em 1971. O museu proporciona uma verdadeira viagem ao passado, apresentando coleções de mobiliário, imaginária, pinturas e instrumentos agrícolas, dos séculos XVIII e XIX. O museu mantém oficinas, seminários, cursos, palestras e uma série de ações integradas com grupos da terceira idade. Ainda em 1971 O governo do Estado, através da Secretaria de Educação e Cultura instituiu o Prêmio de História e Biografia Wanderley Pinho. E no bairro do Itaigara tem uma rua com seu nome.


14 março 2020

120 anos de nascimento de Gilberto Freyre


Neste domingo, dia 15 de março comemora-se os 120 anos de nascimento de um dos mais importantes sociólogos do Brasil, tendo construído uma obra inteiramente dedicada à análise das relações sociais no período colonial brasileiro e como essas relações contribuíram para a formação do povo brasileiro no século XX:



GILBERTO FREYRE


Sociólogo, ensaísta, desenhista, poeta e romancista. Escritor profícuo, Gilberto Freyre (1900 - 1987) deixou mais de 80 livros, reveladores de um intelecto turbulento, de interesses múltiplos (história, literatura, culinária, moda, comportamento). No início da década de 30, as ciências sociais ainda estavam pautadas pelo racismo pseudocientífico que vicejava ao longo do século XIX. Pensadores influentes como Oliveira Vianna sugeriam que o sucesso da civilização brasileira dependia essencialmente da raça branca.


Casa Grande & Senzala (1933) reconfigurou a discussão, conferindo mais importância à cultura do que a rala. E exaltou a mestiçagem como elemento básico da sociedade brasileira (laço até hoje mal assimilado por teóricos do racialismo mais raivoso). Trata-se da primeira obra a reconhecer a contribuição decisiva do negro para a formação da sociedade brasileira, tarefa empreendida priorizando-se os fatores econômicos e sociais, em detrimento dos de clima e raça, segundo as influências recebidas do antropólogo Franz Boas no período em que estuda na Universidade de Colúmbia.


Em Sobrados e Mucambos, o duplo está presente na análise que investiga como a sociedade patriarcal responde à influência europeizante trazida ao Brasil em 1808 pela transferência da corte de dom João VI. Regionalismo e tradição compõem, nesse sentido, outro binômio fundamental para Freyre. Desde uma obra não autoral, como é o caso do Livro do Nordeste, até o Manifesto Regionalista, composto em 1926, mas editado apenas em 1952, o sociólogo propõe que a literatura retrate o homem inserido em seu meio. Com isso, articula relações intensas entre estética e história, lançando as bases para a renovação promovida pelo romance de 30, que procura, de forma madura, retratar a particularidade da cultura brasileira.



* Rompeu tabus, dono de um estilo coloquial que ofendeu alguns de seus primeiros leitores no início da década de 1930.


* Seu projeto o foco no cotidiano, que incluía o estudo de culinária, vestimentas, habitação, corpo, pessoas comuns, objetos modestos e detalhes triviais.


* Nos anos 1920, já expressava preocupação com a devastação das florestas.


* Na década de 1930, promoveu estudos afro-brasileiros.


* Interessava-se por medicina alternativa e escreveu sobre a história do corpo, da sexualidade e até dos cheiros.


* Movia-se com facilidade entre os mundos da "alta" cultura e da cultura "popular".

02 março 2020

Risério bate de frente na fantasia fascista da esquerda identitária


Ele não tem papas na língua. Polêmico, provocador e reflexivo. Esses são alguns dos adjetivos que se pode atribuir a obra do antropólogo baiano Antonio Risério: Sobre o Relativismo Pós-Moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária. Seu livro é de enfrentamento direto, de intervenção intelectual e combate político frontal sobre a chamada esquerda pós-moderna, com sua linha de frente nos movimentos ditos “identitários” e suas milícias brutais. Como abomina qualquer espécie de fascismo seja nos extremos do “petismo”, do “identitarismo” ou do “bolsonarismo” e recusa a aceitar o silencio dos “bem-pensantes” sob o assunto no ataque exclusivo ao fascismo direitista.



Com erudição e clareza, o antropólogo vai narrando a história da formação desses movimentos excludentes: do racionalismo neonegro e seu estranho discurso em defesa da pureza racial; da radicalização assexuada do neofeminismo com seu horror ao desejo heterossexual, da abolição das classes-sociais, substituídas por critérios étnicos e sexuais, no neomarxismo acadêmico, do combate racistas às mestiçagens.



E apresentou ações truculentas protagonizadas não só pela extrema direita e da “esquerda identitária” que se julga moralmente superior ao resto da humanidade: o psicólogo canadense Jordan Peterson, o historiador Ian Buruma nos EUA, o geógrafo e analista político Demétrio Magnoli e o filósofo Luis Pondé impedido de falarem na Feira literária em Cachoeira, Bahia ou da blogueira cubana Yoani Sanchez que depois de anos lutando por maior liberdade de expressão, ao aterrissar no Brasil os militantes esquerdistas a humilharam publicamente e a impediram de abrir a boca para dizer qualquer coisa – é rigorosamente proibido criticar a ditadura cubana nos terreiros e torrões do esquerdismo brasileiro, Ou mesmo um “coletivo” (sinônimo de fascismo) invadiu a Escola de Teatro da UFBA para impedir a encenação da peça Sob as Tetas da Lola, dirigida pelo professor Paulo Cunha.




Violência à direita e violência à esquerda. Uma caça às bruxas com sinais ideológicos pretensamente opostos, tudo sob o signo do fascismo. Esse é o quadro atual de intolerância e agressividade dos identitarismos. Para o estudioso, as atuais movimentações do identitarismo tiveram sua origem na agenda contracultural dos anos 60. “Alguma das fontes dessa mudança (a nova conjuntura política e a reconquista da capacidade de interagir por parte da assim chamada `sociedade civil´, agora comboiada por padres e advogados, gente tradicionalmente conservadora que, diante dos desequilíbrios sociais brasileiros e das violências do regime militar, bandeou com firmeza para os campos do ativismo antigovernamental” (pag.28). Para ele esses movimentos, que nasceram do respeito ao outro, passaram a tomar como inimigo justamente o outro. “É feroz o combate de neofeministas e neonegros à outridade. A tudo que signifique diferença. Este é o ponto fundamental”.(pag.33).



No terceiro capitulo (Caminhos para a cracolândia mental) ele aborda o apartheid politicio,ideológico e cultural. A quantificação sistemática e sistemática louvação do gueto. “A esquerda pós moderna deu meia volta volver, assumiu o que a direita norte americana sempre quis que ela assumisse, rebatizou plurarismo de multiculturalismo e assim, de roupagem nova, a onda conquistou espaço antes impensável” (pag41). Contemplar, refletir e meditar são verbos em extinção para a turma da esquerda identitária.




Em outro capítulo analisa o neofeminismo norte americano, “com seus discursos provincianos e posturas reacionárias, primando pelo obscurantismo repressivo”. Para ele “esse neofeminismo é uma degeneração grotesca do feminismo original da contracultura, na década de 1960, cujo libertarismo espalhou-se então por quase todos os cantos do mundo. E sob o signo da “revolução sexual”, que hoje horroriza o neofeminismo puritano, fundado no combate ao desejo e na repulsa ao sexo heterossexual” (pag.66).



Analisa ainda a mixofobia do feminismo neogrego que gerou uma gíria racista para ridicularizar e estigmatizar pretos que se envolvem sexual e/ou amorosamente com brancos, chamando “palmiteiros” (comedores de palmito, que é branco). Além de abordar fatos que acontecem hoje em tantos “países africanos como  Angola e a Nigéria, por exemplo: a exploração de negro pelo negro – que vem  da escravidão milenar vigente em tantos reinos e aldeias, passa pela rainha Ginga (ou Nzinga) usando suas escravas pretas como poltronas....”. E lembra: “ao contrário de que somos historiadores esquerdistas adoram dizer, o Brasil não foi o último a abolir a escravidão. Ele continuava existindo em África Serra Leoa e o Zanzibar abolirá legalmente a escravidão bem depois do Brasil. E a Arábia Saudita só o fez em 1962, quando o mestiço Mané Garrincha, descendente de índios fulniós, decidia o casamento mundial no Chile” (pag.76).




O sexto capítulo ele faz a defesa do apartheid político e cultural, sobre a ignorância da apropriação cultural. “O turbante é árabe – e árabe nunca foi preto, mas árabe” (pag..84). Capoeira (uma palavra tupi) não  existe, não é conhecida em Angola. E com diversos fatos históricos o estudioso mostra que “a história da humanidade é um vastíssimo espaço fervilhante de trocas, empréstimos, imposições, assimilações, reinvenções e misturas” (pag.85). Política francamente excludente que gera nichos discursivos remuneradores, pregando que só mulheres têm “para falar de mulheres, só pretos têm `legitimidade` para falar de pretos e assim por diante. Ou seja, ter o monopólio da fala.



Para Risério, o problema já começa com a natureza mulata de todos. “Com a mestiçagem. Para se prolongar no caráter mestiço de seus pensamentos. A lógica binária não pode aceitar o meio-termo ou um terceiro termo ´se o fizer, desmantela-se” (pag.113).




A bolha neonegra, o afro-oportunismo é tema do último capítulo. Com diversos exemplos mostra como os chamados “profissionais da negritude” tentam não só dar tonalidades róseas à milenar escravidão africana, como aboliu mestiçagens, falsificando fundo a realidade brasileira. E cita os mulatos Machado de Assis, Lima Barreto e Carlos Marighella. Um bom exemplo, Stella de Oxóssi, Odé Kayodé, ialorixá-mor do Brasil na passagem do século XX para o XXI, definindo-se não como negra, mas como “marrom”, em seu discurso de posse na Academia de Letras da Bahia. Outro absurdo político cultural “é tratar o grande lutador anti-imperialista, guerrilheiro urbano, comandante da Ação Libertadora Nacional, Carlos Marighella (foto acima), na pauta da classificação racista/imperialista da one drop rule norte americana, que virou moda e dogma em nosso político acadêmico neonegro....”.



No oitavo capítulo  aborda a onipotência do palavreado. “O combate à cultura estabelecida chegou ao domínio idiomatico As pessoas se dispuseram a agir sobre a língua para mudar o mundo. Não deixa de ser uma inversão curiosa. Seria mais sensato agir sobre o mundo para mudar a língua. Afinal, as cores existem não porque tenhamos palavras para elas. É o contrário” escreveu na página 117. Era a formação da onda do vocabulário dos “policamente corretos”. Deficientes físicos são portadores de necessidades especiais, cego por deficiente visual, terreiros de candomblé para templo religioso negro, mãe de santo para sacerdotisa, bozo por oferenda.



Para ele cada grupo superestima seu lugar e sua força (gay, feministas), alimenta um senso excessivo de sua própria importância, achando-se no centro do mundo, e assim perde a noção de realidade, quando considera a eleição de Bolsonaro. “Tudo se passa, para eles, como se a recessão econômica, o autoritarismo petista, o espetáculo escandaloso de uma corrupção sistêmica, a escalada do desemprego, o laissez faire no campo da criminalidade, a degradação dos serviços púbicos de saúde e educação, a crise na área de segurança, etc, não tivesse contado decisivamente para nada” (pág.139).



Existe um furor para reprimir divergências, inibir discordâncias, sufocar dissensões. Tudo brota da intolerância. Estamos bem longe da “prática política de escuta”, de que palavra Barthes. Do gosto enriquecedor pelo convívio democrático, conclui o seu lugar de fala em defesa do verdadeiro convívio político e cultural.




Antonio Risério nasceu em Salvador, Bahia, em 1953. Poeta e ensaísta, defendeu tese de mestrado em Sociologia, com especialização em Antropologia. Integrou grupos de trabalho que implantaram a televisão educativa, as fundações Gregório de Mattos e o hospital Sarah Kubitschek, na Bahia. Elaborou o projeto geral para a implantação do Museu da Língua Portuguesa (São Paulo) e do Cais do Sertão Luiz Gonzaga (Pernambuco). Foi diretor do Centro de Referência Negromestiça, onde editou a revista Padê. Escreveu, entre outros, os livros Carnaval Ijexá (Corrupio, 1981), Caymmi: Uma Utopia de Lugar (Perspectiva, 1993), Textos e Tribos (Imago, 1993), Avant-Garde na Bahia (Instituto Pietro Bardi e Lina Bo, 1995), Oriki Orixá (Perspectiva, 1996), Ensaio sobre o Texto Poético em Contexto Digital (Fundação Casa de Jorge Amado, 1998) e Uma História da Cidade da Bahia (Versal, 2004), A utopia brasileira e os movimentos negros (2007) e A cidade no Brasil (2012), os dois últimos publicados pela Editora 34.