29 junho 2007

Música & Poesia

Ninguém Merece (Zelito Miranda, Eugenio Cerqueira e Clarice Miranda)


Não, ninguém merece essa vida não

Não, ninguém merece

Ninguém merece sofrer por amor

Não, ninguém merece

O que rola é paixão

Mera ilusão

De quem sofre por amor

Querer chamar sua atenção

Essa é a razão

De fazer tanto terror

Cobrar amor não dá

Amor se dá na hora h amor se tem

Enquanto a energia rolar

A gente vai se dar bem

Não precisa nem tocar

Basta um olhar carinhoso

Estilhaço pode até rolar

No fragmento de um discurso amoroso

Aí o bicho vai pegar

E o sentimento é perigoso

Não precisa explicar

Pois o amar sempre é gostoso.


O espectro (Bruno Tolentino). A Ivan Junqueira


Não há como agarrar-te à natureza

quando a asa da noite baixa e faz

a sombra sobre a acha, a lenha presa

à luz da labareda que a desfaz;

morres despreparado ou morres bem,

mas passas pela cinza, meu rapaz.

Tudo talvez ressurja mais além,

mas ao abutre, albatroz, águia ou condor

o vôo acaba por pesar e tem

que perder altitude no esplendor:

dos páramos à esteira de uma nave

estende-se a amplidão, mas sem repor

fôlego a um coração até que a ave

recolha a asa e pronto, se acabou,

foi-se o que era tão doce! Tão suave

levitou-se e mais nada lembra o vôo...

Nada, nem mesmo a terra, eqüidistante

do que caiu como do que voltou,

com uma equanimidade impressionante.

E caso a interpelassem que diria?

Nada outra vez, ou menos que o ex-amante

fingindo-se impassível se algum dia

ouve dizer que tudo acaba assim.

Pois foi assim que o espectro da poesia

surgiu-me um belo dia, e veio a mim

assim que eu consegui levar a sério

os canteiros de Kant num jardim

à beira Tâmisa, ante um cemitério...

Lá estivera eu de mão no queixo

a espanar as lombadas do mistério,

seguindo a lógica ao seu belo fecho:

afinal, se a equação mais arbitrária

conseguiria amarrar a terra a um eixo,

qualquer cogitação imaginária

não seria nem mais nem menos frágil;

divagações da hora solitária,

arabescos da mente, sempre ágil

ao fazer de um trapézio o seu lugar.

Pois foi então que, assim como um presságio

obriga a respirar mais devagar,

mas faz bater mais forte o coração,

eu primeiro senti aquele olhar

antes de perceber a assombração

que entre o rio, o junquilho e o malmequer

vi caminhar em minha direção.

Atônito, amparei-me a uma mulher,

semidesfalecido: o encapotado

era a cara do Charles Baudelaire

do retrato, cuspido e escarrado!

Ninguém via o que estava acontecendo,

em toda aquela gente ali ao lado

ninguém notava aquele rosto idêntico

à corola da rosa corroída

em que Blake encarnara o sofrimento.

E lá vinha ele andando! Espavorida

mas alerta, habilíssima colméia,

a mente me exigia uma saída

e, assim como o avestruz ante a alcatéia,

insistia em não ver: não, não seria,

não podia ser ele, era outra idéia

a espumejar na velha alegoria

dos nevoeiros que complicam Londres...

Mas não havia erro! A ventania

havia depenado tanto as frondes

que atirava topázios e safiras

contra o bueiro em brasas do horizonte,

mas nele havia o ar dessas mentiras

que dizem a verdade: confrontou-me

e num rápido olhar deixou-me em tiras

os trapos da razão – era o meu homem!

Há múmias que uma vez desembrulhadas

têm escrito na cara o nosso nome.

Carros, ônibus, gente nas calçadas,

um semáforo ao longe, vaga-lume

estático entre sombras apressadas,

e aquilo a se agitar que nem um cume

de palmeira no ar – e andando, andando

e desferindo o olhar como um perfume

de gangrena fatal ensarilhando

o eterno câncer da imaginação

que desorbita a mente como um bando

de morcegos agrava a escuridão.

Por fim parou-me ao lado e imaginei

ouvir (talvez sonhasse, talvez não...)

um balbucio familiar e cheio

de ecos aos que andamos pelo canto:

“Andaste num vazio sempre alheio,

entre noções apenas e, no entanto,

nunca bastou sequer a consolar-te

tanta fabulação cheia de espanto,

de dor... Buscas o todo parte a parte,

queres as perfeições da geometria,

e ao fim do sonho circular da arte

entregas tudo à fantasmagoria,

aos jogos malabares da ilusão.

Andas equivocado e nem seria

de surpreender tua equivocação,

porque, se alguma vez desconfiaste

dessa imprudência, abriste o coração

à luz conceitual, o belo traste

que temes porque o adoras e te leva,

como o refém que és do que adoraste,

de lição em lição à mesma treva.

É tudo sempre a treva tumultuosa,

não por causa da carne, que se eleva

quando quer à estação miraculosa,

mas por causa do olhar que não quer ver

e abisma-se em si mesmo, como a rosa

amada pelo verme e sem poder

de o recusar, tentando resignar-se.

Não te resignes mais a conceber

um triunfo de idéias, um disfarce

para as caras da morte neste mundo,

uma equação qualquer que a mascarasse,

como o médico mente ao moribundo

e o coitado a si mesmo: também eu

meti-me com paixão nesse infecundo

escrínio de ilusões, mas vem do céu

a luz que nos sustém, a que alucina,

a luz conceitual, nasce de um breu.

Não sigas mais a falsa peregrina

que rapta a imagem, rouba-lhe o reflexo

e entrega os dois a um jogo que termina

por desfazer de tudo a cada nexo.

A terra é provisória e improvidente,

tudo é relâmpago entre a morte e o sexo,

mas a alma faminta não consente

que lhe mintam! A Idéia te convida

mas não recebe nunca e, de repente,

entre a porta da entrada e a da saída

perdes as proporções e logo a conta,

o fio da meada e o dom da vida;

fecha-se a última jaula e a fera tonta

descobre que agoniza e morre presa.

E no entanto repara: o cisne aponta

para a altura cantando, e com certeza

essa canção no extremo transfigura

a coisa moritura e a alma surpresa

entre o número, o nada e a noite escura...

28 junho 2007

José Silveira

Médico, cientista e professor. José Silveira nasceu na cidade baiana de Santo Amaro da Purificação em 03 de novembro de 1904. Fez seu curso primário em Feira de Santana. Parte do seu curso secundário realizou no Colégio Imaculada Conceição e concluiu seus preparatórios no Colégio Ipiranga e nos cursos do Instituto Histórico da Bahia. Formou-se em Medicina em 1927. Defendeu tese no ano seguinte, com um trabalho sobre Radiologia da Descendente, aprovado com distinção e premiado com Medalha de Ouro por ser considerada a melhor monografia do ano. Interno desde o 4º ano da Clínica Propedêutica Médica, passou a Assistente Honorário e Efetivo da referida Cadeira, logo formado. Exerceu também as funções de Assistente de Clínica Médica. Foi, em 1929, contratado Chefe do Serviço de Radiologia do Ambulatório das Clínicas da Faculdade de Medicina, onde trabalhou até 1945. Em 1930 viajou para a Europa, frequentando os Serviços de Radiografia e de Fisioterapia da França, Bélgica, Suíça e Alemanha. Aí iniciou a sua especialização em Tuberculose. De volta à Bahia, instalou a sua Clínica de Doenças Pulmonares, criando seu primeiro núcleo de trabalho, ao lado da Cátedra de Propedêutica Médica.

Em 1936, a convite de várias sociedades alemãs, pronunciou conferências em Wiesbaden, Halle e Berlim. Regressando ao Brasil, fundou a 21 de fevereiro de 1937 o Instituto Brasileiro para Investigação da Tuberculose (IBIT), do qual é superintendente técnico. Em 1941, prestou concurso de títulos e provas para docência livre de Tisiologia na Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, sendo aprovado com distinção grau dez. Em 1947, exerceu as funções de Diretor do Deptº de Saúde Pública do Estado da Bahia, no governo Octávio Mangabeira. Em 1950, conquistou a Cátedra de Tisiologia da Faculdade de Medicina da UFBA. Dois anos depois, a convite de várias instituições médicas, fez uma viagem a Portugal, Espanha, França, Suiça, Alemanha, EUA, Escandinávia, Canadá e Peru, realizando, em todos esses países, conferências de sua especialidade. Em 1954, representou o Brasil no Congresso Internacional da União contra a Tuberculose, em Madrid. Em 1957, criou uma coleção de monografias médicas, Medicina Didática, destinada a estudantes e médicos recém-formados. Foi escolhido professor de Tisiologia e Pneumologia da Escola Bahiana de Medicina. Foi eleito presidente da União Latino-americana das Sociedades de Tuberculose, com a incumbência de organizar e presidir o XII Congresso Panamericano de Tuberculose, que se realizou na Bahia em 1960.

Fundou a Associação Bahiana de Medicina, da qual foi duas vezes presidente. Realizou três Congressos Regionais de Medicina na Bahia e iniciou a série de Conferências Nortistas de Tisiologia. Como sócio efetivo correspondente ou honorário está ligado a quase todas as Sociedades de Tisiologia do Mundo. Foi premiado pela Academia de Medicina de Paris com a Medalha de Prata, pelos seus trabalhos científicos; pela Federazione Italiana contro la Tubercolosi, com a Medalha de Ouro Carlo Forlanini; pelo Governo Brasileiro, com a Ordem do Mérito Médico; pelo Governo Português, com a Ordem do Infante D. Henrique e, pela Academia Nacional de Medicina, com o Prêmio Alfred Jurzikowski. Ex-presidente e membro do conselho da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia; membro do Conselho da Fundação Hospitalar do Estado da Bahia; membro da Comissão Técnica da Fundação Ataulfo de Paiva. Professor Emérito da Faculdade de Medicina da UFBA.

Como atividades para-médicas, é rotariano, ex-presidente, conselheiro e fundador da Sociedade Amigos da Cidade do Salvador, vice-presidente da Sociedade de Cultura Artística da Bahia, ex-presidente da Secção Regional do Instituto de Educação, Ciência e Cultura, sector da Unesco. Publicou muitos trabalhos no Brasil e no estrangeiro, entre os quais se destacam os seguintes livros e monografias: Questões de Tuberculose; O Problema da Atalectasia nas suas Relações com a Tuberculoso do Pulmão; Tuberculose e Doenças do Aparelho Respiratório; O Poder Protetor do BCG nos Alérgicos; Institutos de Pesquisas e Profilaxia da Tuberculose; e Lições de Tisiologia Prática. Organizador e dirigentes dos Cursos de Aperfeiçoamento em Tuberculose e Doenças do Tórax, com participação dos mais eminentes tisiologistas nacionais e estrangeiros, e é fundador e diretor técnico da revista Arquivos Brasileiros de Tuberculose e Doenças do Tórax.

No Memorial José Silveira está registrada a história da luta contra a tuberculose, ou seja, a história do IBIT, obra maior do Dr. Silveira. O memorial é um centro de investigação, de produção de conhecimento, com uma riquíssima biblioteca, arquivo documental e fotográfico, além de coleção de recortes de jornais catalogados e reunidos em 14 volumes. Assim, a Fundação José Silveira, que mais tarde passou a chamar-se Instituto Brasileiro para a Investigação do Tórax, sempre manteve uma ligação ativa com as populações carentes de Salvador, estimulando iniciativas tomadas pelas próprias comunidades. Desde a fundação do IBIT, diversas ações sociais se desenvolveram em prol das populações carentes atendidas pelo Instituto. Em 1993 foi criada a Medalha de Mérito Científico José Silveira para agraciar cientistas que se destacam na área de saúde. E em 1998 a prefeitura de Salvador e a Câmara Municipal homenagearam o professor José Silveira com a inauguração da Praça do IBIT, em frente ao Hospital Santo Amaro, e um busto em bronze do cientista baiano, de autoria da escultora Márcia Magno. José Silveira é o criador de muitas instituições e obras meritórias da cidade e da Bahia. Foi ele quem criou o IBIT, a Associação Baiana de Medicina, o Clube de Xadrez, o Núcleo de Incentivo Cultural de Santo Amaro (Nicsa), a Casa José Silveira, a Campanha Contra o Fumo, a Clínica Tisiológica da UFBA e a Sociedade dos Amigos da Cidade. Como fundador e presidente da SAC, instalou o Jardim Zoológico, a primeira comissão de turismo da cidade, entre outras. Afinal, José Silveira é o maior lutador contra a tuberculose na Bahia.

27 junho 2007

Conheça os tipos de leitores de gibis

Em junho de 1972 o desenhista da Marvel Comics, Robin Green, declarou à revista Rolling Stones: “A maioria das pessoas que lêem histórias em quadrinhos não é fã – não está preocupada em saber quem escreve as histórias, ou como lêem as histórias e perdem a revista. Mas um aficionado nunca dobra, rasga ou perde uma revista – compra todas as que pode e guarda todas. Se é o fanático, o fã, o maníaco de histórias em quadrinhos, o verdadeiro crente (...).O mundo das HQs tem uma lógica próprias, e as histórias têm de ser coerentes dentro desse mundo. Se não houver coerência, chegam cartas de toda parte apontando um erro. Por exemplo, uma história diz que Hulk foi transportado à França em 1917, para lutar contra o Águia Fantasma. Centenas de cartas chegaram dizendo que isso era impossível, porque Águia Fantasma estava na Alemanha, nessa época! Eles acompanham, sabem de tudo o que acontece, e quando”. Para que você conheça e descubra onde se encaixa, classificamos os leitores de revistas em quadrinhos nas seguintes categorias:

O VICIADO

Indivíduo que lê a toda e qualquer publicação de quadrinhos. Lê quadrinhos todos os dias. Eles se subdividem em – os que lêem quadrinhos somente nos jornais, em tiras diárias ou suplementos dominicais, e o que lê em revistas próprias, freqüentador assíduo das bancas. Esse tipo de leitor respira quadrinhos 24 horas por dia. Lê desde os quadrinhos adultos (eróticos, terror, aventuras) até os juvenis (heróis, humor, infantil). Basta ser história em quadrinhos que ele devora em poucos minutos.

O REFUGIADO

É o leitor sem o mínimo de consciência do que vai lê. Ele está precisando de um momento agradável, isolar do ambiente e esquecer por alguns momentos seus problemas. Só pega uma revista para ler quando não consegue resolver os problemas e se refugia no escapismo dos quadrinhos. E sonha, sonha...

O COMPLEXADO

Tipo doentio que vê nas histórias em quadrinhos uma fonte de exaltação dos instintos. Não perde uma história erótica, seja ela publicada pela Nova Sampa, Ônix ou Editora Ondas. Quanto mais cenas eróticas, melhor.

O OPORTUNISTA

Lê um pedaço da história no ônibus enquanto o dono não salta no ponto. Pede emprestado por alguns minutos para folhear ou ver uma parte da aventura e acaba ficando com a revista. Costuma “esquecer” de devolver ao dono.

O OCULTO

O que na presença de amigos despreza as revistas em quadrinhos, taxando-as de subliteratura ou “coisas de crianças”, mas quando aparece uma oportunidade, tranca-se no banheiro para ler escondido. E fica “vermelho” quando alguém o pega “distraído” com um gibi.

O COLECIONADOR

O que tem o prazer de ver pilhas de revistas antigas guardadas pelo simples prazer de nostalgiar ou colecionar. Geralmente esse tipo de público leitor não gosta das revistas modernas, as graphic novels, preferem as clássicas: Flash Gordon, Mandrake, Buck Rogers, Zorro, Cavaleiro Negro, entre outras. É o leitor saudosista.

O FÃ

Seleciona suas revistas, mas sua escolha é da de seu personagem preferido. É um leitor vítima da propaganda da editora. Noventa por cento de suas preferências são de super-heróis. A possibilidade de ler a uma boa história depende diretamente de seu personagem,. Em seu quarto vive cercado de posters do herói. Sabe, com detalhes, todas as aventuras do personagem, dos vilões e suas namoradas. E sonha...

O DOMÉSTICO

É o que se subordina a um gênero de uma determinada revista. Por comodismo, tradição, vantagens de empréstimo. Lê quadrinhos de determinado gênero, mas sem nenhum espírito seletivo. Apenas por mero hábito. Só gosta de ler em seu quarto, no conforto da cama, sem ninguém por perto para perturbar sua leitura.

O EXCLUSIVISTA

É o tipo de leitor metropolitano. Adora revistas policiais, super heróis, westerns entre outras. Oitenta por cento desse público é apreciador de historietas norte-americanas, exclusivamente. Acha que ninguém faz quadrinhos melhor que os americanos. Quinze por cento dos exclusivistas são apaixonados por gibis brasileiros. E apenas 5% apreciam as bandes desinees européias. Esses últimos possuem renda para adquirir os álbuns luxuosos a preços caríssimos.

O DILETANTE

Para ele quadrinhos são diversão, pura e simples. Não lê qualquer revista, escolhe o tipo engraçado. Gosta da revista MAD, Groo ou mesmo as que publicam cartuns, charges, caricaturas. Odeia os gibis de heróis mascarados e voadores.

O INFLUENCIÁVEL

Leitor que aceita a opinião do vizinho ou amigo sem o mínimo raciocínio. Não tem opinião própria. Lê historietas que a propaganda exalta. É uma vítima dos quadrinhos como instrumento comercial ou popularmente conhecido como “quadrinhos digestivos”. O que a propaganda dita ele compra e nem analisa, digere rapidamente.

O CONSCIENTE

É o leitor que tem uma visão crítica da leitura de HQ. Oitenta e oito por cento das pessoas que lêem histórias em quadrinhos na Bahia o fazem imperfeitamente, atendendo circunstâncias múltiplas onde o essencial é omisso, isto é, a qualidade.

O conselho que se dá aos leitores inconscientes é ler uma historieta procurando ver as qualidades do enredo, da narrativa, do desenho, da seqüência de planos (quadros), da ação, da personalidade do herói e do desenrolar da ação, dos planejamentos gráficos, do enquadramento. É o saber “ver” um gibi. E as vantagens serão imensas.

(Esta reportagem foi publicada originalmente no caderno de domingo do jornal A Tarde – 30/06/1991)

26 junho 2007

Gnomos, duendes, bruxas e fadas (2)

Através do livro Gnomos, dos holandeses Wil Huygen e Rien Poortvliet, foi que essas criaturas se insinuaram inicialmente no Brasil. Lançada há 39 anos pela Editora Siciliano, Gnomos vendeu milhares de exemplares e em seguida foi editado “O Mundo dos Gnomos”, com outros milhares de exemplares vendidos. Naquela época começaram a surgir timidamente nas lojas esotéricas os bonecos feitos de resina, argila, pedras e gesso. A primeira loja especializada em gnomos foi Além da Lenda, em São Paulo, onde Heloisa Galves faz os bonecos e sua pequena mobília, vender livro sobre o tema e distribuindo vídeos.

A restauradora Thais Martins Stierli descobriu os gnomos no final de 1990 e ouviu histórias de que eles “sopravam nos ouvidos das pessoas as boas idéias”. Na mesma época, se viu às voltas com outra novidade: o oráculo das runas, “palavra gótica que significa sussurro, coisa secreta”. Juntando as duas mensagens, passou a fabricar os Runomos, uma série composta por 24 bonequinhos, cada um correspondente a uma letra do alfabeto rúnico.

Em Salvador, as lojas especializadas em esoterismo aumentaram o número de vendas dos bonecos. Elas estão espalhadas no Shopping Iguatemi, Pituba Parque Center, entre outros. Os bonequinhos são encarados como talismã. Ricardo Brandão, tarólogo, é também um entusiasta pela tema. “O duende é uma energia que passa para a gente. Basta ter fé. E se você tem fé, você tem sorte”. Já a radialista e escritora Ayeska Paulafreitas diz que “a gente toma contato com as fadas e gnomos com os livros infantis quando a gente é criança. Depois de adulto, o primeiro contato foi numa literatura dirigida para adulto, O Livro de Saint Michelle, de Axel Munthel, um médico que conta suas memórias. Ele fala de um gnomo quando retorna à casa de seu avô depois de adulto. Reencontra o gnomo com quem lidara quando criança. Antes de haver essa onda de gnomomania, em 1989, publicou um livro infantil, Mário e Maria, que é povoado de fadas, gnomos, duendes. Esses seres considerados sobrenaturais. Acredito nos elementais, seres que vêm dos elementos da natureza, as fadas, os elfos, as salamandras. Acredito quer eles existem. Minha filha, Ayane, aos quatro anos, conversava com um que ela dizia morar na folha da salsinha plantada no canteiro da casa. Sinto muito nunca ter encontrado um”, confessa.

PODERES MÁGICOS

Ignácia – É a bruxa da Floresta. Protetora das artes, desperta o raciocínio e o poder criativo das pessoas.

Brígida – A bruxinha mestra. Está sempre disposta a ensinar seus truques a quem demonstrar interesse por magia.

Glum – O gnomo do Amor. Carinhoso e muito romântico, passa ótimas vibrações emocionais, em sintonia com o amor.

Lucas – O duende ecológico. Ama e protege as plantas e animais ajudando a mantê-los saudáveis e felizes.

Zimmo – O duende da Alegria. Com seu ar brincalhão, irradia felicidade e otimismo à sua volta.

Helgo – É o duende da Sorte. Afasta qualquer influência ou vibração negativa, é capaz de realizar os mais incríveis desejos dos que conquistarem sua simpatia.

Kundo – O gnomo da Sabedoria. Ótimo conselheiro, é capaz de inspirar as mais sábias decisões.

Druz – O duende da Amizade. Acompanha-o por toda parte, espalhando carinho e afeto por onde passa.

Burgo – Mago das plantas, conhece a energia de todos os seres verdes e usa a alquimia para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia.

Lúlio – Duende da Magia. É um poderoso alquimista capaz de transmitir às pessoas a essência da filosofia mágica.

Melusina – Pequena fada, considerada a protetora das artes. Boa companhia para quem gosta de músicas e dança, pois ela traz inspiração divina.

Tusgh – O elfo dos Sonhos. Pode entrar e, nossos sonhos, conduzindo-nos a experiências maravilhosas e ajuda a resolver os problemas nos designos dos sonhos.

Ballidag – O gnomo do Lar. Gordinho, transmite fluidos positivos que protegem sua família e tornam sua casa aconchegante e tranqüila.

25 junho 2007

Gnomos, duendes, bruxas e fadas (1)

A mania da indústria esotérica nacional chegou a Salvador no início dos anos 90. Eles têm apenas 15 centímetros, cara enfezada, roupas esquisitas e chapéu de bico comprido. Gostam de morar em minúsculas casas construídas em troncos de árvores. Os gnomos e seus parentes mais próximos (duendes, bruxas e fadas) estão espalhados por toda a parte. São vendidos aos montes sob a forma de bonecos, velas e abajures, sem falar nas dezenas de livros lançados sobre o assunto. Os adeptos da gnomania garantem que esta não é mais uma onda passageira como as outras e fazem questão de levar a vida sob a proteção de seu duende preferido.

Vindos diretamente das lendas ocultistas da Idade Média, eles deixam seus lendários esconderijos nos troncos de árvores ou suas recônditas tocas domésticas nos países nórdicos pelo novo “habitat” da sociedade de consumo. Para os adeptos do esoterismo, os gnomos e companhia não são apenas bonequinhos, mas seres com vida própria. “Eles são seres elementais e existem mesmo. Perceberam que, atualmente, o homem está mais aberto a experiências místicas e, por isso, resolveram entrar em contato com as pessoas, tomando conta do pedaço”, garante a artista plástica Heloisa Galves, que criou uma das séries de bonequinhos. Entre as funções dos gnomos, atribui-se a de guardião da natureza (para modernizar-se com o movimento ecológico), impulsionando a onda que já circula até nos adesivos dos carros, onde se lê: “Eu acredito em duende”.

SERES ELEMENTAIS – Segundo especialistas, essas pequenas criaturas conhecidas como seres elementais (relativos aos elementos da natureza, como as árvores e as pedras), presentes nos quatro elementos, trazem força a quem conquista sua simpatia. A palavra gnomos provavelmente deriva-se do grego “genomus”, que significa “habitante da Terra”. Assim como existem muitos tipos de seres humanos evoluindo através dos elementos físicos objetivos da natureza, também há muitos tipos de gnomos desenvolvendo-se através do corpo etérico subjetivo da tão próxima faixa vibratória da Terra material que possuem um poder imenso sobre as rochas e sua flora e, também, sobre os elementos minerais nos reinos humanos e animal. Alguns, como os duendes, trabalham com as pedras, as gemas preciosas e os metais e supõe-se que sejam os guardiães de tesouros ocultos. Vivem em cavernas, naquela região longínqua que os escadinavos chamam Terra dos Nibelungos.

Os gnomos são chamados espíritos das árvores ou das florestas. A este grupo pertencem os silvestres, os sátiros, os pás, as dríades, as hamadríades, os durdalis e os elfos. “Eles vivem na quarta e na quinta dimensões”, diz Heloisa Galves. “Existem desde o início do mundo e são mais evoluídos do que o ser humano, que vive na terceira dimensão”. Ou seja, o homem só vê as coisas em três dimensões. “Os gnomos e duendes vão mais além. Podem ler o pensamento das pessoas e ajuda-las. Eles estão sempre evoluindo. Um dia vão virar anjos”, conta Heloisa. Para o médico e professor da USP, Eduardo Farias, especializado em angelologia (o estudo dos anjos), “o último anjo a canalizar energia para um mineral é um gnomo; para uma planta é um elfo, uma fada e assim por diante. O último anjo a canalizar energia para o ser humano é o anjo da guarda; ele é o nosso cabal”.

Há muito tempo os escritores falam de duendes, gnomos e fadas. O dinamarquês Hans Christian Anderson falou deles em seus contos infantis. O travesso Puck apareceu na obra de Shakespeare, “Sonhos de uma Noite de Verão”; os elementais do poema rosacruciano de Alexandre Pope, “O Arrombamento do Cadeado”, 1712; as misteriosas criaturas do Zanoni, de Lord Lytton; o imortal Tinker Bell. De James Barrie e muitos outros personagens bem conhecidas das estudantes de literatura. Em 1922, Sir Arthur Conan Doyle, criador do célebre detetive Sherlock Holmes, investigou foto onde mostrava uma garota ao lado de um grupo de fadas em movimento. Tudo que ele conseguiu apurar está contido no livro “A Vinda das Fadas”. O folclore e a mitologia de todos os povos abundam em lendas a respeito dessas figurinhas misteriosas. As fadas são a delícia da infância e as maiores mentes da humanidade acreditavam em sua existência, como Platão, Sócrates e Jâmblico. “Na época de Shakespeare, esses seres eram respeitados por representar as forças da natureza”, disse o diretor Cacá Rosset, que possui dois bonecos em, casa. “Hoje, eles trazem de volta o poder dos sonhos, que a nossa sociedade deixou de lado”.

21 junho 2007

Onda cover: os replicantes chegaram nos anos 90 (2)

Quase todos os astros pop possuem um clone brasileiro. Alguns são calcados mais na filosofia do que na aparência (caso da cover de Frank Zappa, The Central Scrutinizer Band). Já Guns ´N`Cover, Billy Idol, U2, Duran Duran, Faith No More, George Michael e até Beatles com o visual sixties figuram na lista dos exemplares nacionais, vestidos a caráter e com os mínimos trejeitos, para fã nenhum botar defeito. Só na cidade de São Paulo, nos anos 90 existiam mais de 100 bandas desse tipo. No Rio, umas 50 e em Salvador, 15.

Surgidas no Dama Xoc, casa noturna em São Paulo que abrigava o maior número de shows de cover, bandas como U2 Cover, Guns N´Cover e Duran Duran Cover têm se apresentado em lugares nobres como o Olympia, e levado a eles mais público do que Lulu Santos, Barão Vermelho ou lobão. Duas dancenterias paulistas que lançaram o gênero – o Aeroanta e o Dama Xoc – resolveram diminuir o número de shows de cover. Segundo os responsáveis pela casa noturna, o modismo saturou.

“Muitas bandas covers surgiram porque as gravadoras não deram espaço para produções próprias”, informou Milton Machado, do U2. “Tem gente do grupo Gueto que é obrigado a fazer cover do Talking Heads para sobreviver”, disse Tadeu Elieser, guitarrista do Rock Memory, a banda cover mais antiga de São Paulo. O Rock Memory, que começou em 1981 a apresentar hits dos anos 60 e desde então já reproduziu músicas de três décadas, e foi a única banda cover a gravar discos.

O grupo carioca Terra Molhada é veterano em covers. Eles começaram em 1980, acompanhando Tavito. Três anos depois passaram a tocar Beatles. Depois de um rodízio por diversas casas noturnas, o quinteto aportou no People. “Essa turma sublima seus ídolos e, como sabem que eles dificilmente virão ao Brasil, contenta-se com cópias”, disse o baixista Márcio Silveira. Se antes esses músicos encontravam dificuldades junto às gravadoras, depois eles foram procurados para ajudar no lançamento dos discos das bandas originais.

Nem todo fã é um cover mas a recíproca é verdadeira. A cantora Ione Papas é fã e pesquisadora da vida e obra de Noel Rosa. Ela interpreta muito bem suas composições. O mesmo para Rita de Cássia com as canções de Caymmi. Alexandre Leão interpreta músicas do poeta Vinícius de Morais. Tom Tavares apaixonado pela obra dos Beatles, canta as músicas dos quatro de Liverpool. E os espaços se abriram para performance sonoro do Pink Floyd, Raul Seixas (banda Caverna Club), Rolling Stones e tantas outros.

REGRAS

Como são raras as apresentações dos super-astros da música no Brasil, o público, então, aplaude os melhores similares que se esforçam para que a audiência se sinta diante dos legítimos. Para quem quer trilhar a tão desejada estrada do sucesso, eis as dicas para montar uma banda cover:

  1. Escolha imitar um astro popular como as bandas Rolling Stones ou Beatles. A imitação de um astro menos comercial não é tão bem-sucedida como a de quem canta o sucesso da novela.
  2. É preciso conhecer o máximo possível da vida e obra do ídolo. Conhecer todos seus hits.
  3. O sósia tem de se preocupar com as roupas, a marcação do palco e as caras e bocas do ídolo imitado. A regra é ser artista e tiete.
  4. Os que não têm compromissos com a semelhança física têm que buscar a harmonia musical, a pureza sonora.
  5. Recrute bons instrumentos e treine bastante a discografia da banda escolhida. Não acrescente uma ponta sequer de alteração ou novidade às versões. Tudo deve soar exatamente como o original.
  6. Ao escolher o nome, abuse dos trocadilhos, seja malicioso e brinque com as palavras. Exemplos? Guns´N´Cover, U2 Cover, Homenagem a Pink Floyd...

20 junho 2007

Onda cover: os replicantes chegaram nos anos 90 (1)

Cresce cada vez mais o número das chamadas “cover bands”, conjuntos especializados em tocar o som de gente famosa como U2, Guns N´Roses, Beatles, Raul Seixas e Madonna. A idéia desses grupos – cujo nome vem da palavra inglesa cover, que significa cobrir – é fazer tudo igualzinho ao que a banda original faz. Quanto mais parecido, melhor. Na falta do original, a cópia, desde que bem feita, pode satisfazer. Prova disso é o sucesso que as bandas paulistas de cover têm conseguido. A onda pegou com nomes como Raul Seixas Cover, Let it Blitz, Let it Beatles entre outros, com casas lotadas nos finais de semana.


A falta de shows internacionais no Brasil abre um espaço para as bandas e cantores covers. Se alguém não sabe, cover é o sósia do artista original, cópia quase perfeita. Clones. De tanto ouvir fitas e discos, de tanto ver shows, fitas e clips dos ídolos, de tanto ler sobre eles em revistas nacionais e/ou importadas, o cover incorpora a personalidade do artista. E há cover de qualquer astro em voga: Madonna, Guns´N´Roses, U2, Beatles, New Kids On the Block entre outros. São iguaizinhos aos originais, só que não duram mais que três anos. Vestem-se com roupas iguais às dos astros, cortam o cabelo do mesmo jeito e, além de tudo, dançam as mesmas coreografias. Alguns até cantam, ou tentam.


Acusadas de matar o rock nacional, as bandas de cover lotam ginásios e casas de espetáculo. Em 1989, elas despontavam como uma alternativa para shows em pequenas casas noturnas, com propaganda feita boca a boca. Hoje, as bandas de cover são um fenômeno. O sucesso tem provocado reações negativas de críticos e músicos que fazem seu próprio trabalho. Para o jornalista Marcel Plasse, do Estado de S.Paulo, “o que impressiona no atual boom, objeto de consumo da geração pós-karatê, é a maneira como ocupa o espaço que supostamente pertenceria ao rock nacional (...) A ânsia pelo lucro criou um movimento não-declarado contra a emergência de novas bandas no cenário pop nacional. Se a parada de sucessos promove uma volta ao passado das versões sessentistas, e os grupos de covers enchem os poucos lugares existentes para a apresentação de bandas de rock, não é de estranhar que a música não se renove”.Escreveu o crítico no início dos anos 90.


Henrique Lima, guitarrista do Guns´N´Cover, se defendeu: “Isso é hipocrisia. Todos sabem quais são as regras do jogo. Nós somos músicos que estamos há muito tempo na batalha, todos com trabalhos próprios paralelos. O cover surgiu da falta de oportunidade e não de criatividade. E o resultado é do que eu chamaria de questão social do músico”, conclui.


Os covers são tratados com distância pelas bandas com trabalhos próprios e estigmatizados pela parcela mais exigente dos consumidores pop – são chamados de replicantes, que ocupam os espaços dos novos. O sucesso conferiu uma aura de respeito às bandas covers. Em junho de 1991 o Guns´N´Cover, U2 Cover e Duran Duran Cover reuniram no Olímpia cinco mil pessoas num show. Foi o recorde de público da casa, mais um entre muitos recordes colecionados pela onda. Grupos de cover foram escalados no festival Rock nas Montanhas, em Campos de Jordão em julho daquele mesmo ano, e o Ultrsaje a Rigor abriu o show do U2 Cover. Os músicos do Guns N´Cover chegaram a ganhar CR$1 milhão por mês, saldo de cachês que ultrapassam os de bandas com CDs próprios. E eles só aceitaram hotéis cinco estrelas, fizeram 12 a 16 show por mês com agenda lotada. O U2 Cover por exemplo fez uma turnê internacional com vários shows na Argentina e no Uruguai.


Cabelos oxigenados, crucifixos e espartilhos compõem o universo da aeromoça e cantora cover Silvia Malanzuk, que encarna a Material Girl nos palcos paulistas. Sua peculiar trajetória inclui uma filiação artística (seu pai foi ator da extinta TV Tupi), um título de Miss Amapá 86, algumas novelas no SBT, fotos como modelo e uma curta temporada cantando bossa nova no Japão. Mas o currículo dessa moça que em 1991 tinha 28 anos não foi suficiente para ela se destacar como um novo valor da MPB. Além da voz de mezzo-soprano, Silvia era dona de um corpo de violão e sonhava com noites na Broadway. Para chamar a atenção do público, formou a banda The Virgin´s Soldiers e transformou-se na personalidade que caía como uma luva na sua loirice e ambição profissional: Silvia era a Madonna nacional.


Assim surgiram os covers. Impossibilitados, pela falta de dinheiro e de apoio às novidades, de mostrar o seu trabalho, os músicos recorrem aos seus ídolos. Treinam a voz, decoram o repertório, estudam as posturas e sobem no palco afinadíssimos com as características das suas fontes de inspiração.